Educação Especial no Paraná: A Coexistência do Atendimento Público e Privado nos Anos de 1970 E 1980
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Pré-visualização do livro
Educação Especial no Paraná - Vera Lucia Ruiz Rodrigues Da Silva
COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO EDUCAÇÃO E DIREITOS HUMANOS:DIVERSIDADE DE GÊNERO, SEXUAL, ÉTNICO-RACIAL E INCLUSÃO SOCIAL
Primeiramente, dedico este livro às pessoas fundamentais em minha existência. À minha amada mãe, mulher guerreira, que a vida obrigou a criar os três filhos sozinha e que me ensinou a enfrentar as adversidades inerentes ao mundo em que estamos inseridos. Aos meus filhos, que sempre me apoiaram e são as preciosidades da minha vida. Ao meu maravilhoso marido, companheiro e amigo, que acreditou em minha potencialidade. Companheiro de pesquisa e estudos, que impulsiona, acompanha e contribui com a minha formação profissional e realizações pessoais. Ao meu pai, Hilton Mario Ruiz (in memoriam), por sua dedicação e conquista de seus objetivos, superando as dificuldades financeiras que enfrentou em seu cotidiano.
Não poderia deixar de dedicar este livro, também, aos meus companheiros de militância da Associação Cascavelense das Pessoas com Deficiência Visual (Acadevi) e do Fórum Municipal em Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência, que são os grandes responsáveis pela minha formação política, no que tange à relação teoria e prática, pois sem eles ficaria apenas no campo teórico.
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus, pela família que possuo, pela serenidade, paz e saúde que me proporciona, pois, certamente, ele não é responsável pelas atrocidades que o homem fez/faz em seu nome.
Ao meu esposo, Dorisvaldo Rodrigues da Silva, por sempre me apoiar e ser companheiro na produção de conhecimento na área da Educação Especial e pela revisão técnica deste livro.
Ao professor doutor José Geraldo Silveira Bueno, que gentilmente fez o Prefácio deste livro, o que para mim é fundamental, pois seu conhecimento na área da Educação Especial enriqueceu expressivamente esta obra.
À professora doutora Jane Iacono Peruzo, que carinhosamente se disponibilizou em produzir a Apresentação, e por ser companheira de estudos e pesquisas, sempre trazendo ricas contribuições em minha caminhada acadêmica e profissional.
Ao Carlos Silveira, pela sua disponibilidade em auxiliar na revisão gramatical desta obra.
Ao professor doutor Paulino José Orso, por suas contribuições em minha caminhada acadêmica.
Aos professores doutores André Paulo Castanha e João Carlos da Silva, que colaboraram de modo essencial com seus conhecimentos em História da Educação.
Às professoras doutoras Marli Rosa Müller e Lucia Terezinha Zanato Tureck, que gentilmente, por meio de diálogos, subsidiaram com informações relevantes sobre a Educação Especial paranaense sobre as décadas de 1970-1980.
À professora doutora Gilberta de Martino Jannuzzi, que prontamente me disponibilizou referência bibliográfica utilizada em sua tese de Doutorado e em sua obra publicada.
Ao pesquisador Ricardo Góes, por ter disponibilizado cópia das Diretrizes Básicas para Ação do Centro Nacional de Educação Especial.
Aos companheiros de militância que, quando solicitados, não mediram esforços para verificar e me repassar referências.
Aos funcionários do CEE/PR, Daniele Mialik Wagnitz e João, que foram sempre prestativos e atenderam às minhas solicitações de documentos.
Aos setores governamentais da Seed, Arquivo Público, Biblioteca do Tribunal de Contas, Biblioteca de Educação da UFPR, Biblioteca da Santa Casa de Misericórdia de Curitiba e da PUC/PR, Biblioteca da Unioeste, Núcleo Regional de Educação de Cascavel, Amop, Colégio Estadual Wilson Jofre, Secretaria Municipal de Educação de Cascavel, que sempre foram atenciosos e prestativos nas solicitações de documentações.
À equipe do Programa Institucional de Ações Relativas às Pessoas com Necessidades Especiais – PEE, que produziu as adaptações das referências utilizadas e pelo pronto atendimento às minhas solicitações de materiais digitalizados, trabalho imprescindível para a concretização desta obra.
APRESENTAÇÃO
Educação Especial no Paraná:
A coexistência do atendimento público
e privado nos anos de 1970 e 1980
Com o convite para fazer a apresentação deste livro vem a certeza de quão reveladoras podem ser as políticas educacionais quando se faz um trabalho de pesquisa consistente, demonstrando a relevância de se refletir teoricamente sobre a temática que trata da educação e da Educação Especial no Paraná, especialmente num momento em que estamos assistindo ao maior retrocesso histórico das conquistas sociais em anos recentes.
Desde o início dos anos 2000 venho vivenciando o trabalho do Programa Institucional de Ações Relativas às Pessoas com Necessidades Especiais (PEE) e o protagonismo da autora deste livro como a primeira candidata com deficiência visual ao vestibular da Unioeste nos idos de 1996 e, depois, como agente universitária (função técnica de assuntos universitários) a partir de 2004. Na Unioeste, a autora tem atuado de maneira fundamental no PEE como membro do Programa, como sua coordenadora e, paralelamente, dando continuidade à sua trajetória acadêmica, com seus estudos de mestrado e, atualmente, no doutorado, sempre em busca do conhecimento científico.
Este livro trata sobre a educação de pessoas com deficiência no Paraná nos idos de 70 e 80 do século XX, visando a compreender, especificamente, a coexistência de atendimento educacional das pessoas com deficiência visual em escolas públicas regulares e em escolas especiais, num contexto de ampliação das políticas neoliberais, o que o torna mais instigante na medida em que se observa o que vem ocorrendo no Paraná, estado da federação que tem demonstrado rigor na aplicação do receituário neoliberal nas políticas sobre educação nos últimos anos, chegando ao ponto de confiscar a poupança previdenciária dos professores e dos demais funcionários públicos paranaenses. Ao lutar contra essa e outras perdas de seus direitos, os professores e o funcionalismo público estadual sofreram um verdadeiro massacre em praça pública no lamentável episódio de 29 de abril de 2015, manchando de sangue as páginas da história da Educação do Paraná.
Mas a luta continua, pois como diriam Pablo Milanes e Chico Buarque de Hollanda em Canción por La unidad de Latino América, [...] E quem garante que a história é uma carroça abandonada numa beira de estrada ou numa estação inglória; a história é um carro alegre, cheio de um povo contente, que atropela indiferente todo aquele que a negue
. Fruto de uma pesquisa inscrita no Programa de Pós-Graduação em História da Educação da Unioeste, este livro constitui-se como exemplo desse movimento inexorável da história quando traz importantes reflexões teóricas sobre a Educação Especial do Paraná num período bastante importante para a história do Brasil, que foi a ditadura militar.
Ancorado em sólida pesquisa bibliográfica e documental, o livro percorreu extenso caminho, trazendo a constatação de que as concepções de Educação Especial explicitadas nas políticas educacionais do Paraná foram constituídas de acordo com a forma de organização da sociedade, que concebia como deficiente
a pessoa que não correspondesse ao padrão de homem pensado para o setor produtivo. Como causa para a formulação dessas concepções, a autora aponta três fatores que foram construídos historicamente: a abordagem clínica relativa ao processo educacional como consequência dos conhecimentos e ações na área médica; o atendimento filantrópico que vem se perpetuando como perspectiva para a concretização do atendimento educacional das pessoas com deficiência paranaenses e que é fruto dos preceitos teológicos que perpassam a educação brasileira historicamente; e o fato de que os gestores da educação voltada às pessoas com deficiência se fundamentam nos dois fatores anteriores para organizarem/estabelecerem as normas que regem as políticas educacionais do estado do Paraná. Inicialmente, a autora demonstra que dentre as questões relevantes com relação aos movimentos sociais voltados à educação das pessoas com deficiência, deve-se destacar as campanhas nacionais de educação de cegos, de surdos e de deficientes mentais
iniciadas na década de 1950, que foram importantes no processo de implantação de ações que tiveram origem, tanto em instituições privadas/filantrópicas como em instituições públicas. Lembra, ainda, que a pessoa com deficiência era abordada de diferentes maneiras, tanto com relação à forma e ao local onde se realizava sua educação, quanto ao próprio provimento de sua existência.
A autora aponta que houve um crescimento do movimento das pessoas com deficiência em meados da década de 80 do século XX, com intensificação a partir dos anos de 1990, sob a justificativa de possibilitar a inclusão social dessas pessoas, ampliando o conflito entre os defensores de sua educação por meio de escolas especiais e aqueles que defendiam essa educação no ensino regular/público. Demonstra que todo esse movimento, articulado aos embates em torno da defesa da educação pública, laica e gratuita, tinha o objetivo de que o Governo oficializasse a Educação Especial e que esse fomento pela escola pública não confessional
contribuiu para a elaboração da LDB nº 4.024 de 1961, pela qual o Estado brasileiro oficializou o direito de atendimento educacional às pessoas com deficiência, de forma que, a partir de 1973, pudesse ser concretizada a política de integração, na esteira desse processo de reivindicações.
Trabalhando com os conceitos de integração e inclusão, a autora demonstra que na busca de superar as limitações na educação das pessoas com deficiência foi sendo instituída a proposta de inclusão, que defende a adaptação dos espaços físico e pedagógico para permitir o avanço dessas pessoas no processo de escolarização no ensino regular e seu ingresso no mercado de trabalho. As políticas de integração e inclusão têm sido um marco na forma de se conceber a educação das pessoas com deficiência no Brasil e no mundo.
O conceito de integração, quando aplicado à educação, apresenta uma conotação de segregação, parcialidade e condicionalidade, já que a implementação da educação se daria de acordo com as possibilidades de cada pessoa de se adaptar às condições que lhe seriam oferecidas. Ou seja, não é o meio, o ambiente social que se adapta à pessoa, mas é ela que deve se adaptar para estar em condições de receber atendimento educacional. Por outro lado, o termo Inclusão apresenta a conotação de que a pessoa com deficiência pode ser incluída numa escola ou grupo social que se preparou para recebê-la como ela é; com suas capacidades e com suas limitações, sem condicionalidades de qualquer natureza. Na perspectiva da educação inclusiva não seriam admitidos atendimentos segregados.
A autora demonstra que a proposta de inclusão que chega ao Brasil em meados dos anos 90 do século XX, vem para superar as limitações presentes na educação, tanto dos alunos com deficiência, como daqueles de menor poder aquisitivo e menos escolarizados. Mas, ao estabelecer uma relação entre as análises da autora sobre a proposta de inclusão que se afigurava nos anos de 1990 e o que vem se concretizando nas políticas para a Educação Especial do Paraná neste momento histórico, é surpreendente o grave retrocesso que vem ocorrendo! Nos últimos anos, o estado do Paraná criou e inaugurou três escolas especiais para pessoas com deficiência visual, embora a história da educação dos cegos paranaenses demonstre que eles sempre estudaram em escolas regulares!
Assim, mesmo que se tenha um discurso propalado sobre a importância da educação inclusiva na vida das pessoas com deficiência e que se tenha clareza da necessidade de que essas pessoas estudem junto com todas as outras pessoas nas escolas comuns, tendo em vista a determinação das interações sociais para o desenvolvimento de sua supercompensação psíquica, o retrocesso que vem ocorrendo no Paraná, com a volta da segregação de pessoas com deficiência, está na contramão dos estudos científicos, especialmente da teoria histórico-cultural vigotskiana, que tem fundamentado a área da Educação Especial.
Esse retrocesso, como consequência da implementação de políticas educacionais neoliberais, tende a inviabilizar as possibilidades de apropriação de níveis mais avançados de aprendizagem e desenvolvimento para os alunos com deficiência, demonstrando a necessidade de se avançar nas reflexões sobre o conceito de inclusão escolar e social, de forma a situar esse debate na perspectiva de uma sociedade dividida em classes, com a clareza de que, apesar de a adaptação dos espaços físico e pedagógico contribuírem para o avanço na escolarização desses alunos no ensino regular, a educação inclusiva, nesse modelo de sociedade, não se efetiva para todas as pessoas.
Em sua pesquisa, a autora traz, basicamente, duas questões: Como foi a coexistência do trabalho educativo das pessoas com deficiência paranaenses em escolas comuns e em escolas especiais durante as décadas de 70 e 80
e Quais os fatores que influenciaram na constituição da política educacional para pessoas com deficiência no Paraná naquele período
. Demonstra que a concepção de Educação Especial daquele período trazia subjacente à própria concepção de pessoa com deficiência que se tinha e que essa concepção foi formulada, foi concebida, foi pensada a partir de fatores construídos historicamente: os conhecimentos e ações na área médica que contribuíram para a formulação da abordagem clínica do processo de atendimento educacional e os preceitos teológicos que contribuíram para a perpetuação de uma perspectiva de atendimento filantrópico. Assim, esses fatores – a abordagem clínica e os preceitos teológicos – perpassavam, estavam expressos nas normas estabelecidas pelos gestores da Educação Especial lembrando, também, que em virtude das condições de desenvolvimento socioeconômico de cada estado da federação, as políticas relativas ao atendimento das pessoas com deficiência podem ter sido estruturadas de maneira diferente em cada um deles.
No primeiro capítulo, a autora trata sobre os antecedentes históricos imbricados nos atendimentos ofertados pelo Estado do Paraná nas décadas de 1970 e 1980, a partir de três categorias presentes na educação da pessoa com deficiência: a trajetória dos atendimentos institucionalizados com o atendimento pelo setor privado/filantrópico assistencialista realizado pelas escolas especiais; o atendimento educacional às pessoas com deficiência pelas escolas públicas do ensino regular; e a influência médica expressa na concepção biológica que perpassa, historicamente, a educação da pessoa com deficiência.
No segundo capítulo é analisado o processo de implementação da Educação Especial durante o período de 1970 a 1980, a partir de iniciativas do Governo Federal para definir políticas públicas voltadas às pessoas com deficiência segundo as Diretrizes para a Educação Especial, promulgadas pelo Centro Nacional de Educação Especial (Cenesp). Nessas Diretrizes estavam expressos a abordagem clínica na concepção de pessoa com deficiência e os princípios religiosos fortalecidos pelo Governo Civil-Militar, de forma a articular o processo de implementação das referidas políticas públicas com as influências sociopolíticas do período, abordando os movimentos sociais em prol da Educação Especial, que se intensificaram a partir da década de 1970, e a reforma do ensino médio, em que ambos expressam a correlação de interesses antagônicos que influenciaram os rumos da Educação Especial.
No terceiro capítulo, a autora apresenta uma análise das políticas da Educação Especial estabelecidas pelo estado do Paraná de 1970 a 1980, em que se articula a Educação Especial com a tendência ocorrida em âmbito nacional, considerando as ações efetivadas na década de 1960 e que antecedem a esse período. Inicialmente, a autora trata sobre as questões sócio-políticas que influenciaram o processo de implantação da Educação Especial no Paraná e, em seguida, faz análise das legislações que nortearam os atendimentos educacionais da pessoa com deficiência no Estado, de modo a identificar as diretrizes e os serviços estabelecidos para os atendimentos nas áreas das deficiências visual, física, auditiva e mental.
A autora discute, também, sobre o significado do termo excepcional
para designar o conjunto de pessoas com deficiência/necessidades especiais, demonstrando que ele foi introduzido nos documentos oficiais pela política de Educação Especial do Cenesp, em 1974, e que incorporou normas e valores sobre essas pessoas predominantes naquele momento histórico. As terminologias foram mudando com termos como deficiente
, pessoa deficiente
, pessoa portadora de deficiência
e, a partir de meados dos anos de 1990, como resultado da reivindicação do movimento das pessoas com deficiência e das novas ideias de inclusão que surgiam no país, passou-se a utilizar a expressão pessoa com deficiência
, no sentido de que, primeiramente, deve-se ver a pessoa e, em segundo lugar, outras características, como a deficiência, por exemplo.
Assim, as divergências existentes na área dos estudos sobre o conceito de pessoa com deficiência (conceito atual) certamente influenciaram na elaboração dessa nova terminologia – pessoa com deficiência –, tendo em vista a carga de pejoratividade que pesava sobre os termos anteriormente usados: excepcional
, deficiente
, pessoa deficiente
e pessoa portadora de deficiência
. Essa mudança demonstra a importância das questões linguísticas quando se trata de relacionar significado e referente. Houve modificação do referente no plano linguístico porque, no âmbito social, foram ocorrendo mudanças no significado que está subjacente a esse referente, lembrando que essas modificações no âmbito social não aconteceram de forma aleatória, mas são fruto das pressões, das demandas dos grupos de pessoas com deficiência e seus familiares e de profissionais e pesquisadores. É importante considerar que as rotulações que essas pessoas recebiam devem ser compreendidas no bojo da realidade do momento histórico em que foram formuladas, perpassado por determinadas crenças, valores e práticas sociais.
Assim, o livro traz temas muito instigantes para todos que se interessam não só pelo período estudado, mas, sobretudo, por trazer novas questões para a compreensão da forma como foram sendo constituídas as políticas para a Educação Especial do Paraná, alinhadas às diretrizes do Cenesp, no sentido do fortalecimento e da continuidade da coexistência do atendimento educacional das pessoas com deficiência, tanto no setor público quanto no setor privado. Assim, embora tenha havido ampliação dos atendimentos educacionais, para a autora, as políticas podem ser consideradas como paliativas no sentido de virem marcadas pela abordagem biológica e por valores religiosos.
Agradecendo pelo convite para esta apresentação, desejo que a autora possa dar continuidade às suas reflexões sobre a educação e a Educação Especial, brindando-nos com novas publicações!
Jane Peruzo Iacono
Cascavel, abril de 2017.
PREFÁCIO
Conheci a professora Vera Lucia Ruiz Rodrigues da Silva em uma de minhas andanças por este país, em que sempre procurei aliar a crítica que possuía (e ainda possuo) sobre os descaminhos da educação brasileira, a uma perspectiva positiva em relação ao que se pode realizar para contribuir, de alguma forma, com mudanças estruturais e conjunturais para que a marca de seletividade do nosso sistema educativo seja, pelo menos, minimizada.
Assim, quando estive em Cascavel pela primeira vez, encontrei um grupo de educadores voltados à Educação Especial que demonstravam um