Encontre milhões de e-books, audiobooks e muito mais com um período de teste gratuito

Apenas $11.99/mês após o término do seu período de teste gratuito. Cancele a qualquer momento.

As principais tensões psicológicas presentes na prática assistencial hospitalar
As principais tensões psicológicas presentes na prática assistencial hospitalar
As principais tensões psicológicas presentes na prática assistencial hospitalar
E-book332 páginas4 horas

As principais tensões psicológicas presentes na prática assistencial hospitalar

Nota: 0 de 5 estrelas

()

Ler a amostra

Sobre este e-book

O convívio diário com sofrimento, doença e morte, por um lado, pressões e conflitos institucionais, frutos de interesses econômicos e políticos, por outro, conjuntamente com os limites assistenciais determinados pela realidade econômica e tecnológica do hospital, faz da interação entre pacientes e profissionais de saúde um campo prenhe de tensões pessoais, profissionais e grupais. Elas induzem a reações emocionais e comportamentais que diminuem a aliança terapêutica e contribuem significativamente para a ocorrência da iatropatogenia e para o adoecimento e a alienação dos profissionais de saúde.

Por meio do exame da irracionalidade emergente no campo assistencial, seja no paciente, na família ou na equipe de saúde, o propósito da pesquisa que aqui se apresenta é a identificação das principais tensões psicológicas presentes na prática assistencial a pacientes internados, com o objetivo de propor um método de abordagem que diminua a ocorrência da iatropatogenia e do adoecimento da equipe assistencial.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento1 de jan. de 2017
ISBN9788547304898
As principais tensões psicológicas presentes na prática assistencial hospitalar

Relacionado a As principais tensões psicológicas presentes na prática assistencial hospitalar

Ebooks relacionados

Ciências Sociais para você

Visualizar mais

Artigos relacionados

Avaliações de As principais tensões psicológicas presentes na prática assistencial hospitalar

Nota: 0 de 5 estrelas
0 notas

0 avaliação0 avaliação

O que você achou?

Toque para dar uma nota

A avaliação deve ter pelo menos 10 palavras

    Pré-visualização do livro

    As principais tensões psicológicas presentes na prática assistencial hospitalar - Decio Tenenbaum

    Editora Appris Ltda.

    1ª Edição - Copyright© 2017 dos autores

    Direitos de Edição Reservados à Editora Appris Ltda.

    Nenhuma parte desta obra poderá ser utilizada indevidamente, sem estar de acordo com a Lei nº 9.610/98.

    Se incorreções forem encontradas, serão de exclusiva responsabilidade de seus organizadores.

    Foi feito o Depósito Legal na Fundação Biblioteca Nacional, de acordo com as Leis nºs 10.994, de 14/12/2004 e 12.192, de 14/01/2010.

    COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO CIÊNCIAS SOCIAIS

    Aos mestres,

    elos da transmissão do conhecimento.

    Aos pacientes,

    razão da nossa dedicação, estudo e pesquisa.

    AGRADECIMENTOS

    É com muito carinho que me lembro da época em que, nos meados dos anos 1980, voltei a trabalhar com pacientes orgânicos e iniciei minha experiência psicossomática trabalhando no Serviço de Medicina Psicossomática do Hospital Central do Instituto de Assistência dos Servidores do Estado do Rio de Janeiro. Foi com os colegas psicanalistas, psicóloga Ana Maria Sabrosa Nogueira, Drª. Helena de Leoni Ramos Dutra, Drª. Jane Vaissman, psicóloga Maria de Lourdes Monteiro Salles, Dr. Altamirando Matos de Andrade Jr., Dr. Pedro Gomes de Oliveira Lopes Jr. e Dr. Roberto de Paula Seabra, sob a chefia do Dr. Otelo Correa dos Santos Filho, que tive minhas primeiras discussões sobre o fenômeno psicossomático. Na época, prestávamos atendimento às enfermarias em resposta às solicitações de parecer médico. Pouquíssimas enfermarias contavam com atendimento regular, mas, por outro lado, tínhamos um ambulatório de pacientes egressos das enfermarias, inclusive da pediatria, bastante movimentado.

    Quero aproveitar a oportunidade para agradecer o acolhimento dos professores de Psicologia Médica da Faculdade de Medicina da Universidade do Estado de Rio de Janeiro, Dr. Julio de Mello Filho, Dr. José Roberto Muniz e Dr. Luiz Fernando Chazan, com os quais trabalhei entre 1991 e 1995. Naquela época, os estudantes que cursavam a pós-graduação prestavam, sob a nossa supervisão, atendimento regular a diversas enfermarias clínicas e cirúrgicas do Hospital Universitário Pedro Ernesto, e havia também o atendimento aos pedidos de parecer das enfermarias que ainda não contavam com esse atendimento. Já o ambulatório era bastante modesto. Seguindo a orientação do professor Julio de Mello Filho, titular da disciplina na época, o atendimento era preferencialmente feito em grupo, tanto nas enfermarias quanto no ambulatório.

    Quero também deixar registrada minha admiração pelos colegas que, por seu profundo interesse e dedicação, orientam gratuitamente o trabalho que é desenvolvido no Centro de Medicina Psicossomática e Psicologia Médica do Hospital Geral da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro (CMP), onde trabalho desde 1997. O CMP conta com estudantes e profissionais de Psicologia e de Medicina que, sob supervisão, prestam atendimento psicológico regular aos pacientes internados em várias das enfermarias do hospital. O ambulatório ainda é bem modesto. Os psicanalistas no momento em atuação no CMP sob a chefia clínica da psicóloga Rosina Verta Bretas e direção do professor Dr. Abram Eksterman são: Dr. Giorgio Trotto, Dr. Sergio Costa de Almeida e eu. Atualmente, estão sob minha supervisão as psicólogas Fabiane Von Adamovich, Isabela Medina França Affonso dos Santos Guimarães, o psicólogo Guilherme de Andrade Salgado e a estudante de psicologia Maria Lucia Martelotta Soares.

    Minha gratidão às psicólogas Ana Cristina de Souza Teixeira, Marcia Azevedo Vieira, Ana Paula Queiroz Petros e Simonete Damaceno (in memoriam), pela cooperação e dedicação que sempre tiveram no trabalho de coordenar as ações de campo das equipes por mim supervisionadas no CMP desde que comecei a lá trabalhar; aos professores Dr. José Geraldo Loures Pereira, chefe da 23ª enfermaria, Cirurgia Endócrina, Dr. David R. Azulay, chefe da 29ª enfermaria, Dermatologia, Dr. Gerson Goldwasser, chefe da 3ª enfermaria, Clínica Médica, pelo apoio dado ao trabalho que as equipes de Psicologia Médica sob a minha coordenação e supervisão vêm desenvolvendo em suas enfermarias; ao Dr. Homero K. P. Baratta, chefe da 5ª enfermaria, Clínica Médica, e ao Dr. Sérgio Novis, chefe das 24ª e 25ª enfermarias, Neurologia, também do Hospital Geral da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro, pelo apoio dado ao trabalho ambulatorial desenvolvido em seus respectivos Serviços e por mim supervisionado.

    Meu reconhecimento à professora e doutora em Enfermagem Nébia Maria Almeida de Figueiredo, pela dedicação ao seu trabalho de ensinar seus alunos a cuidar dos pacientes e meu agradecimento pelo acolhimento, disponibilidade e paciência na orientação da minha pesquisa.

    A Abram Eksterman, pelos anos de convívio, aprendizado e amizade.

    PREFÁCIO

    QUANDO A ASSISTÊNCIA DISCUTE A RELAÇÃO

    Participante ativo, há vinte anos, dos estudos e das práticas assistenciais do Centro de Medicina Psicossomática do Hospital Geral da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro, instituição fundada pelo professor Danilo Perestrello em 1958, o psicanalista e médico Decio Tenenbaum, neste livro, enfrenta o desafio de fundamentar a importância de amalgamar em um único sistema a dimensão subjetiva e objetiva da prática assistencial de saúde. E com isso pretende que a divisão cartesiana entre corpo e alma (ainda corrente na prática assistencial) fique eliminada, substituída por aquela destinada a um único ser, alvo da terapêutica: o doente, e não apenas a doença.

    Não é a primeira vez que se traz a importância do existir humano à consulta médica. Certamente não será a última. Nesta, em um contexto de dissertação de mestrado, Tenenbaum realiza uma demonstração de prática psicossomática de notável valor. Expressões comuns como o emocional, o paciente não tem nada, é só ansiedade etc. etc., mostram-se obsoletas, senão ridículas. E fica evidente que a formação profissional do médico e de sua equipe, sobretudo hospitalar, abre enorme lacuna: a de ensinar a atender pessoas e não apenas organismos. Até a imaginação passa a ter consistência e realidade para o diagnóstico da saúde e da doença.

    Trinta exemplos clínicos ilustram, em várias situações chaves, a exposição do autor. Não são achados retirados de estudos estatísticos, mas exemplos singulares, pois singular é cada caso clínico e é rigorosamente singular cada ser humano em sua saúde ou sua doença. Assim também são efetivadas as intervenções terapêuticas, mesmo que calcadas nos protocolos generalizantes. O protocolo é o mapa; a terapêutica singular é o território a ser percorrido no contato clínico, que é único. Tal é o legado que Danilo Perestrello deixou em sua Medicina da Pessoa, livro emblemático da obra desse autor, pioneiro em Psicanálise e Medicina Psicossomática no Brasil.

    Nos dias atuais, em que a Neurociência avança para dentro dos territórios psiquiátricos, tentando espremer a vida mental dentro de explicações biológicas (talvez movida pela vergonha de ainda não ser possível definir o que chamamos mente), território parcialmente conquistado pelo movimento psicanalítico, e que antes estava comprometido com as artes da fé e da magia, é alentador verificar que Tenenbaum insiste nos paradigmas psicanalíticos. A natureza da vida mental, o res cogitans de Descartes, o pneuma ou psyché dos gregos, a anima ou alma dos latinos, o atman dos hindus, a nefesh dos hebreus, continua sendo um grande mistério para os profissionais da saúde, que procuram no corpo as causas de todos os sofrimentos. Quando muito, chegou-se, nessa trilha, a um tratamento moral, como preconizou Phillipe Pinel, inspirado na prática caritativa do doente Jean-Baptiste Poussin, o escrofuloso e pobre curtidor internado na Bicêtre, na época (1793) em que Pinel assumia a direção dos hospitais da comuna de Paris.

    Não somente Freud, conceituando um imenso espaço inconsciente e um instrumento hermenêutico para decifrá-lo, mas filósofos como Martin Heidegger e, sobretudo, Ernst Cassirer, expuseram a experiência humana dentro de uma nova luz, mais específica, e permitiram pensar o humano como algo que transcende o biológico. Heidegger, como experiência de existir, e Cassirer, como experiência simbólica e definindo o ser humano como animal simbólico. Portanto, novas perspectivas terapêuticas. Com Heidegger, principalmente por meio de Ludwig Binswanger, compreende-se o ecossistema humano configurado como estrutura social, e com Cassirer, a natureza da mente como estrutura simbólica interpenetrando as demandas biológica dos códigos e imperativos naturais. Tudo consagrando o diálogo clínico ou, dito de maneira menos técnica, consagrando a psicoterapia como instrumento preferencial (ou talvez até único) para a intervenção terapêutica da mente. Fica evidente que a estrutura mental precisa mais de reorganização simbólica e reorganização de vínculos de que alterações da condução de impulsos do sistema nervoso central.

    Essa é a lição que o autor nos traz neste livro, indispensável em uma época histórica em que as relações humanas aparentemente decadentes estão em ebulição, reconfigurando preferências, papéis sociais, interesses econômicos, moral. E a ação médica, vilipendiada diante da mecanização crescente do ato clínico, deformado na vala comum do anonimato terapêutico patrocinado pela economia de mercado. Felizmente, nessa época de crise, abrem-se frestas e rachaduras no concreto desse anonimato, como que reagindo às angústias de desesperança dos sofredores. São veios que buscam as origens hipocráticas do cuidado médico, exigindo um retorno indispensável da relação humana modelada no vínculo médico-paciente para que justamente a essência da terapêutica miticamente representada pelo semideus Asclepius, filho do amor de Apolo com a princesa Coronis, seja recuperada. Terapêutica é um ato de Amor, não pelo ouro, mas pelo outro, pela Vida. E amor só existe quando há relação; quando há encontro. Encontro consigo, com sua própria vida, com o outro.

    E quando a assistência discute a relação? Quando esta deixa de existir. E quando isso ocorre desaparece a terapêutica. Terapêutica significa cuidar. Ensinava Hipócrates: Cuidar como um sacerdote cuida do templo onde habita um deus. Com efeito, o ser humano vive no espaço sagrado da Vida e o primeiro mandamento do ato médico é respeitar a Vida. Sua interferência deve ser precedida de uma reverência, sem o que o ato médico passa a ser mera intervenção físico-química no ambiente ladrilhado de laboratório. No laboratório apenas promovemos reações físico-químicas. Jamais cuidamos da Vida, muito menos de pessoas. E, certamente, o ser humano, para ser cuidado, deve, como um gênio, sair do frasco e, em liberdade, expressar seu desejo de vida. Sem o quê, não estará vivo: estará morto.

    Abram Eksterman

    Médico e psicanalista

    Professor de Psicologia Médica e Antropologia Médica

    Membro Honorário da Academia Nacional de Medicina

    eksterman@gmail.com

    Sumário

    CAPÍTULO I

    1.1 Introdução

    1.2 Justificativa

    1.3 Fundamentação teórica

    1.3.1 A psicanálise e o campo assistencial hospitalar

    1.3.2 A intersubjetividade no campo assistencial hospitalar

    1.3.3 Termos e conceitos utilizados

    Agressividade

    Ansiedade/angústia

    Cisão, clivagem ou divisão do ego

    Complexo de Édipo

    Contratransferência

    Doença/sintoma funcional

    Ego

    Elaboração

    Embotamento afetivo

    Emoção

    Espaço de segurança

    Estresse

    Funcionamento mental: a mente, suas instâncias e a psicodinâmica

    Funções materna e paterna

    Hipocondria

    Iatropatogenia

    Indução iatrogênica

    Internalização

    Introversão

    Luto patológico

    Mecanismos de defesa do ego

    Narcisismo

    Neurose

    Objeto

    Projeção

    Psicose

    Pulsão (Trieb)

    Queixas vagas

    Recusa (verleugnung)

    Regressão

    Rejeição (verwerfung)

    Relação objetal

    Repressão (verdrängung)

    Sexualidade

    Síndromes de internação, de alta e de eutanásia

    Transferência

    Trauma psicológico

    Vínculos básicos

    1.4 Metodologia

    1.4.1 Sobre o método

    1.4.2 Sobre o instrumento

    1.4.3 Sobre a produção de dados

    CAPÍTULO II

    2.1 Análise e discussão dos dado

    2.1.1 O momento da internação

    Paulo

    Severino

    2.1.2 A comunicação do diagnóstico

    Pedro

    Maria de Lourdes

    Marcia

    Francisca

    2.1.3 A preparação psicológica para os procedimentos terapêuticos

    Maria

    Elvira

    Hélio

    Madalena

    2.1.4 O momento da alta hospitalar

    Solange

    Nilza

    Carlos

    2.1.5 Adoecimento e crise existencial

    José

    Mara

    Clara

    Joana

    André

    LídiA

    Áurea

    Sueli

    2.1.6 A indução iatrogênica

    Rose

    Luiza

    Ana

    Ester

    Sandra

    Marta

    2.1.7 Os limites assistenciais:

    Alessandra

    Walter

    Sonia

    2.1.8 Homenagens

    Às equipes de plantão em emergências de hospitais públicas

    Crônica de uma morte anunciada

    Criando monstros

    A hipocondria nossa de cada dia

    CAPÍTULO III

    3.1 Resultados

    1.2 Programa permanente de capacitação profissional

    3.2.1 Justificativa

    3.2.2 Ementa

    CAPÍTULO IV

    Conclusão

    Referências

    CAPÍTULO I

    1.1 Introdução

    Esta é uma pesquisa sobre a intersubjetividade do encontro clínico, voltada para a identificação das principais tensões psicológicas que surgem na atividade central da prática assistencial, o encontro paciente-profissional, com o objetivo último de fornecer instrumentos para a prevenção da iatropatogenia e da síndrome de burnout no ambiente hospitalar. Esta busca levou-me ao encontro das situações clínicas que mais frequentemente desencadeiam essas tensões. Por esta razão, os casos estudados são apresentados dentro das respectivas situações clínicas.

    A validação acadêmica de uma pesquisa qualitativa em psicologia utilizando a hermenêutica psicanalítica em sua metodologia não é trivial fora do ambiente psicanalítico. Com a publicação pretendo contribuir para a consolidação desse tipo de pesquisa, que, por ter sido realizada em um hospital dedicado ao atendimento de pacientes com diferentes patologias, clínicas e cirúrgicas, pode ser definida como situada tanto no campo da Psicologia Hospitalar como da Psicologia Médica e voltada para a humanização da assistência.

    Psicologia Hospitalar e Psicologia Médica se referem à prática psicológica dentro da assistência hospitalar. Enquanto a primeira configura uma disciplina da formação acadêmica do psicólogo, que pretende circunscrever e adequar diferentes práticas psicológicas a esse ambiente, de acordo com a orientação de cada professor ou instituição, a segunda é uma prática psicológica especificamente desenvolvida para a realização de uma assistência hospitalar integrada, que tem como eixo a intersubjetividade do encontro paciente-profissional da saúde, seja ele qual for.

    A assistência à saúde no Brasil passou por momentos decisivos nas décadas de 1970 e 1980. Em 1974 foi criado o Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS), com a função de centralizar a coordenação da assistência à saúde no longo processo de assunção pelo Estado da responsabilidade pela assistência médica e social da massa trabalhadora. Em 1986, no Rio de Janeiro, a VIII Conferência Nacional de Saúde estabeleceu as diretrizes da universalização da assistência à saúde e forneceu os subsídios necessários para o Sistema Único de Saúde ser instituído como instrumento para efetivar a saúde como um direito de todos e dever do Estado, mandamento constitucional de 1988.

    Esses eventos imprimiram novos desafios à, já na época, imperiosa necessidade de melhorar a prestação de serviços das instituições públicas de saúde. Em 2000, o Ministério da Saúde lançou o Programa Nacional de Humanização da Assistência Hospitalar – PNHAH – (MS, 2000), voltado exatamente para a melhora da qualidade dos serviços prestados pelas instituições públicas de saúde. O tema entrou na pauta da XI Conferência Nacional de Saúde, também em 2000. O Humaniza-SUS é a etapa atual desse processo.

    Sob a égide da humanização da assistência hospitalar muito se tem escrito sobre a prestação desse serviço, como revela uma simples busca aos principais portais de acesso aos trabalhos científicos brasileiros. Por outro lado, infelizmente, as ações políticas voltadas para o setor têm sido, no mínimo, ambíguas, e revelam que o Estado ainda não se engajou naquilo que vem estimulando. A ambiguidade governamental diante das próprias obrigações tem inviabilizado a efetivação das inúmeras propostas surgidas ao longo desses anos e tem contribuído significativamente para a desumanização da assistência.

    A pesquisa foi levada a cabo no Mestrado Profissional do Programa de Pós-Graduação em Saúde e Tecnologia no Espaço Hospitalar do Centro de Ciências Biológicas e da Saúde da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro e realizada em hospital de grande porte (220 leitos) no Rio de Janeiro, filantrópico, assistencial-educacional. Situa-se dentro do âmbito da humanização da assistência porque foi direcionada para a prática assistencial hospitalar e especificamente dedicada ao exame do encontro clínico, com o objetivo de identificar as principais tensões psicológicas aí presentes. Optei por não incluir na pesquisa as tensões emergentes nas relações entre profissionais, entre os profissionais e a instituição em que trabalham e entre as instituições que fazem parte do sistema de saúde da localidade da pesquisa. Assim também, apenas aponto o enredo social e cultural porventura presente nas tensões emergentes nos encontros clínicos. Procedo dessa forma para poder investigar melhor o campo de interesse: o estabelecimento e as vicissitudes da intersubjetividade do encontro clínico.

    Meu interesse pelo tema foi despertado por uma experiência que tive em decorrência de uma peculiaridade da faculdade em que me graduei. Meu treinamento em semiologia médica foi iniciado no Hospital do Engenho de Dentro, mais tarde Hospital Pedro II, depois Centro Psiquiátrico Pedro II e, atualmente, Instituto Municipal Nise da Silveira, um conjunto de prédios de enfermarias que recebeu os pacientes do antigo Hospício Pedro II, quando este foi desativado e entregue à Faculdade de Medicina da Universidade Brasil, entre as décadas de 1930 e 1940. Na época em que lá estudei, o então Hospital Pedro II contava com um bloco para tratamento clínico e cirúrgico dos pacientes internados, onde os estudantes da antiga Escola Médica do Rio de Janeiro, da Universidade Gama Filho, iniciavam o treinamento em semiologia médica. Graças à conjugação de doença mental e doença orgânica pude perceber a infinita diversidade de se lidar com sofrimento e doença, a arte de se conseguir colher uma história clínica, a dificuldade de se obter a adesão do paciente ao tratamento e como é fácil reduzir um ser humano a uma coisa.

    Foi lá também que iniciei o longo processo de observação da experiência de desorganização mental que me levou a concluir que ela não leva necessariamente a uma psicose e que o que designamos como psicose é um tipo peculiar de reorganização do funcionamento mental, a reorganização psicótica diante da vida, que só se cristaliza quando no ambiente da pessoa existe uma dinâmica na qual o adoecimento resolve as tensões preexistentes e decorrentes da patologia dos vínculos no âmbito familiar, embora crie outras (TENENBAUM, 2010). Na década de 1980, quando voltei a trabalhar em hospitais gerais, observei um processo semelhante com os sintomas funcionais orgânicos e também nas chamadas afecções psicossomáticas. Aqui também encontrei a conjugação entre a patologia dos vínculos básicos, fragilidades funcionais (mentais e/ou orgânicas), estresse (crônico ou agudo) e uma dinâmica estigmatizante que engendra um novo papel para a pessoa: o de ser doente (TENENBAUM, 2009).

    Iniciei o curso médico pensando em ser clínico geral, mas o encontro com o sofrimento mental mudou meus planos e me afastou do trabalho com os pacientes somáticos. Fiz o internato no então Hospital Pinel, da Divisão Nacional de Saúde Mental do Ministério da Saúde (DINSAM), a residência médica no Serviço de Psiquiatria do Hospital Universitário Pedro Ernesto, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), e, alguns anos depois, a formação psicanalítica na Sociedade Brasileira de Psicanálise do Rio de Janeiro (SBPRJ), integrante da International Psychoanalytical Association (IPA). Como alguns psicanalistas da minha geração, nunca me afastei do trabalho hospitalar. Convivi com a geração que, no Rio de Janeiro, levou a Psicanálise para o hospital psiquiátrico e, ao voltar a trabalhar em hospitais gerais na década de 1980, tive o privilégio de conviver e aprender com os psicanalistas que, também no Rio de Janeiro, levaram o conhecimento psicanalítico para o hospital geral e deram início ao movimento da Medicina Psicossomática e a prática da Psicologia Médica: Júlio de Mello F°, no Hospital Universitário Pedro Ernesto (UERJ), e Abram Eksterman, com quem continuo trabalhando no Centro de Medicina Psicossomática e Psicologia Médica do Hospital Geral da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro (CMP). Danilo Perestrello, que criara o CMP junto com Abram Eksterman, havia falecido há poucos anos.

    Nessa volta, já como psicanalista, notei que alguns pacientes mobilizavam especialmente a equipe de saúde, tornando os atendimentos mais complicados, embora não necessariamente em decorrência da gravidade de suas doenças e, sim, a determinadas situações psicológicas para as quais os profissionais não estavam preparados. Além disso, a falta de consciência da maioria dos profissionais em relação às repercussões que suas atuações têm na vida de seus pacientes me impressionou – e continua me impressionando muito. Quase todos acreditam que o trabalho deles se restringe à aplicação de técnicas adequadas, sejam elas médicas, psicológicas, de enfermagem, nutricionais etc.

    Escrever crônicas psicanalíticas sobre a tarefa assistencial (TENENBAUM, 1991; 1992a; 1992b; 1994; 1995) foi a maneira que inicialmente encontrei para ressaltar as profundas experiências humanas presentes no cotidiano do trabalho assistencial, chamar a atenção para o equívoco de limitar a prática assistencial à aplicação de técnicas adequadas desconsiderando a dimensão do encontro intersubjetivo e também para realçar o valor terapêutico do diálogo clínico.

    Comecei a escrevê-las em 1991, para as apresentações de casos clínicos que era convidado a fazer. Com o passar do tempo, elas começaram a aparecer também em periódicos psicanalíticos e eram escritas sob a mobilização de alguma situação assistencial vivida por mim e que sempre acabava ultrapassando as dificuldades pessoais dos envolvidos. Levei um bom tempo – na verdade, foram anos de reflexão e estudo – até entender que a própria situação assistencial também deve ser objeto de investigação. Trabalhando com Abram Eksterman aprendi que o principal objeto do trabalho psicológico num hospital não é a psicologia individual, seja do paciente, de membros da equipe de saúde ou de familiares, por mais complicada que algumas delas sejam, e sim a própria função assistencial. Sem esse ensinamento não é possível entender a dinâmica que governa o campo assistencial e dar o salto necessário para tornar psicoterapêutico todo ato assistencial. Foi nesse ponto que parei de escrever as crônicas para estudar o campo assistencial. Nesse percurso, deparei-me com a existência de tensões psicológicas relacionadas com situações inerentes ao processo terapêutico, concorrendo para o surgimento da iatropatogenia e para a alienação e adoecimento dos profissionais.

    Lidar com as tensões psicológicas da vida é um dos maiores desafios da nossa existência. A construção da própria identidade, a busca e a manutenção dos laços afetivos e da realização pessoal bastam para exemplificar. Acrescentando-se os infortúnios, as doenças e a consciência da finitude existencial, não soçobrar torna a vida um grande desafio, para o qual temos a ajuda de diferentes produtos culturais: os ensinamentos das diversas religiões e mitologias, as artes cênicas, os escritos filosóficos, a literatura e a ciência. Com

    Está gostando da amostra?
    Página 1 de 1