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Peixe-elétrico #04: Terror
Peixe-elétrico #04: Terror
Peixe-elétrico #04: Terror
E-book195 páginas2 horas

Peixe-elétrico #04: Terror

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Sobre este e-book

Nesta edição de Peixe-elétrico:

Dossiê Terror
Três ensaios abrem a Peixe-elétrico #04 formando um complexo mosaico sobre um tema central deste início de século XXI: o terrorismo.
Radicado na França, especialista na obra de Guy Debord, GABRIEL FERREIRA ZACARIAS aborda o chamado terrorismo islâmico a partir de problemas específicos da contemporaneidade ocidental, e não mais da geopolítica, da religião islâmica ou mesmo da ideia de choque de civilizações.
A islamofobia nos EUA é o tema do ensaio de DEEPA KUMAR. A autora encontra o tipo de fala preconceituosa que alimenta esse perigoso fenômeno não só em Donald Trump, mas também nos discursos do presidente Obama. O ensaio é fruto da parceria da Peixe-elétrico com a norte-americana Jacobin.
E fechando o Dossiê Terror, TIAGO FERRO resenha o Pequeno tratado da intolerância, de Charb, ex-diretor do Charlie Hebdo, morto nos ataques de 2015.

Cinema e literatura: a estrutura do enredo – UMBERTO ECO
Com o seu costumeiro brilhantismo, Eco compara a forma do romance com a do cinema. Para isso faz uma viagem pelos textos de Robbe-Grillet e filmes como O ano passado em Marienbad, O encouraçado Potemkin e O bandido Giuliano.

Contra o realismo histórico – HAYDEN WHITE
O historiador Hayden White faz uma leitura a contrapelo do romance clássico de Tolstói – Guerra e Paz – e encontra ali indícios de toda uma teoria pós-moderna da história. A tradução é assinada por DENISE BOTTMANN.

Na mira da teoria – BORIS GROYS
Em ensaio profundo e provocante, o crítico de arte Boris Groys procura os pontos frágeis e problemáticos da relação entre teoria e arte contemporânea.

A poética dos vivos – BEATRIZ RESENDE
Ao se indagar sobre o que poderia ser uma poética dos vivos, a crítica Beatriz Resende refaz o fascinante trajeto de Paul Valéry como professor no Collège de France.

No caminho de Gafi – RONALD POLITO
O poeta e crítico Ronald Polito apresenta em detalhes a obra e a trajetória do jovem artista plástico paulista Guilherme Augusto, o Gafi.

Itinerários flutuantes – PRISCILLA CAMPOS
A resenha do livro Memórias de um empregado, de Federigo Tozzi, é assinada pela crítica Priscilla Campos que, ao analisar este relato curto em forma de diário, encontra o sujeito neurótico da modernidade e diversos de seus impasses.

Traço, humor e fúria – ZUCA SARDAN
O vate carioca Zuca Sardan criou exclusivamente para a Peixe-elétrico as imagens que ilustram esta edição.

Os arquivos da ditadura – LUCAS FIGUEIREDO
Peixe-elétrico entrevistou Lucas Figueiredo, autor de Lugar nenhum – militares e civis na ocultação dos documentos da ditadura.
IdiomaPortuguês
Editorae-galáxia
Data de lançamento5 de fev. de 2016
ISBN9788584740918
Peixe-elétrico #04: Terror

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    Peixe-elétrico #04 - Beatriz Resende

    Sumário

    Meninos mimados – os editores

    No espelho que o terror nos oferece – Gabriel Ferreira Zacarias

    As raízes da islamofobia – Deepa Kumar

    As chibatadas de Charb – Tiago Ferro

    Contra o realismo histórico – Hayden White

    A poética dos vivos (a partir de Paul Valéry) – Beatriz Resende

    Na mira da teoria – Boris Groys

    Um convite à tumba de Boris Groys – Marcelo Moreschi

    Itinerários flutuantes – Priscilla Campos

    Cinema e literatura: a estrutura do enredo – Umberto Eco

    No caminho de Gafi – Ronald Polito

    Os arquivos da ditadura – Lucas Figueiredo

    Traço, humor e fúria – Zuca Sardan

    Quem faz

    Meninos mimados

    Entre o último número da Peixe-elétrico e este novo, um atentado terrorista em Paris matou quase 200 pessoas (enquanto inúmeros outros em países menos midiáticos elevou ainda mais o número de vítimas do Estado Islâmico); prefeituras e governos estaduais Brasil afora aumentaram o preço do transporte coletivo, deflagrando novas manifestações e, como sempre, violência policial e a costumeira supressão, através da força, do direito de manifestação; e o dono da editora Cosac Naify, parceira da revista desde a primeira hora, anunciou o fechamento da empresa.

    Os atentados são um dos principais assuntos desta edição. Quanto à violência policial brasileira, estamos buscando um meio de discuti-la com mais profundidade, mas já registramos aqui o nosso protesto e, ao mesmo tempo, total apoio ao Movimento Passe Livre. O assunto deste editorial é o fechamento da Cosac Naify. É um chavão, mas vamos lá: trata-se de uma experiência que não será repetida. Tomara mesmo que ninguém reproduza os passos que seus idealizadores deram para inviabilizar o próprio negócio, fechá-lo de maneira abrupta e deselegante, oferecendo por fim um retrato de grande parte do meio intelectual brasileiro.

    Os leitores da Peixe-elétrico certamente conhecem o perfil editorial da Cosac Naify. Não cabe repeti-lo, mas vale lembrar algumas de suas marcas distintivas. Encampando o profissionalismo recente das editoras brasileiras, suas traduções eram cuidadosas, os livros tinham projeto gráfico especial, aparato crítico relevante e o processo todo, da concepção do texto à divulgação, recebia acompanhamento profissional irretocável.

    A editora publicou diversas coleções especializadas, da antropologia ao teatro de vanguarda, passando por um catálogo infantil primoroso. Os livros de arte seguramente estavam entre os melhores do mundo. Tudo isso obviamente exigia um alto custo de produção, o que intrigava um pouco o pequeno número de leitores de livros de qualidade no Brasil. Como a editora consegue praticar preços competitivos? Os livros da Cosac Naify eram caros, mas não muito além da tabela brasileira. Aqui e ali um de seus proprietários, Charles Cosac, aparecia na mídia para garantir que a empresa ia bem. De vez em quando mudava de ideia, ou uma demissão rumorosa e rocambolesca alimentava os boatos, mas nada que indicasse risco de morte. O outro dono, o tal Naify, sempre foi mais misterioso.

    A forma como a Cosac Naify fechou é exemplar do funcionamento de boa parte da vida intelectual no Brasil. Em uma entrevista para o site de um jornal, publicada em uma noite de segunda-feira, o dono informou que a editora estava por fim fechando. Seus profissionais, que, repetimos, estavam entre os melhores do país, foram informados através da imprensa. Depois, ainda houve uma entrevista performática para a televisão, em que um Cosac choroso dizia que seu legado deveria ser o amor ao Brasil. Ou algo parecido...

    O argumento que justifica o fim da Cosac Naify é o da inviabilidade financeira. Mas ficou mesmo a impressão de algo como se eu pude abrir, posso fechar. Durante a construção da imagem de heroísmo dos donos da editora, outro argumento incrível foi o de que os direitos trabalhistas de seus funcionários, mesmo os que trabalhavam sob o regime de pessoa jurídica, estavam garantidos. Aqui, nada mais adequado para exemplificar a ideologia do favor que desde sempre foi a marca da classe alta brasileira.

    Uma parte do catálogo da editora migrou, felizmente, para outras casas, que certamente tentarão viabilizá-lo com um pouco mais de realismo e o mesmo cuidado profissional. Os livros infantis e boa parte do catálogo de arte, que depende de projeto gráfico específico, provavelmente vão se perder. Alguns autores continuam à deriva.

    Durante o processo de fechamento, ainda, Charles Cosac disse algo como o seguinte: se não dá para viabilizar comercialmente os livros do jeito que eu os vislumbro, prefiro não fazê-los. Esse discurso sintetiza tudo. Em primeiro lugar, ou os leitores leem do jeito que o ricaço quer, ou não lerão com o investimento dele. A editora, portanto, foi apenas a realização do desejo de um ou dois milionários com disposição para investir na forma que eles acham que os outros devem ler. Se não der certo, pagam direitos trabalhistas, fazem o favor de transferir alguns títulos para outras editoras, comovem-se na televisão e se mandam.

    Entre os meios de produção cultural no Brasil, não é apenas a Cosac Naify que está nas mãos de um milionário benfeitor ou de um grupo empresarial atrás de melhorar a imagem de sua marca. Por aqui, são muitos os espaços que dependem dos caprichos da elite, que funciona como se fosse a dona da bola. A construção de espaços alternativos, voltados sobretudo para a formação de um público autônomo e independente, é fundamental para que não fiquemos mais na dependência desses meninos mimados.

    Os editores

    Fevereiro de 2016

    No espelho que o terror nos oferece

    Gabriel Ferreira Zacarias

    A cada novo ato de terrorismo, a agressão é sempre apresentada como exógena, como barbárie. A violência pertence ao Outro, dizem, é exterior à nossa cultura, está em oposição a ela. Quando as torres do World Trade Center foram derrubadas em 2001, esse foi o tom geral das explicações que circularam, todas mais ou menos afinadas com a tese do choque de civilizações. Pouco importava a complexidade do ataque e os meios extremamente modernos com que foi executado; pouco importava que alguns dos terroristas tivessem vivido e estudado na Europa e nos EUA; a versão oficial foi a de que o Ocidente estava sendo ameaçado por homens escondidos em cavernas nas profundezas dos desertos afegãos. Uma ladainha semelhante foi evocada em janeiro do ano passado, quando o semanário satírico Charlie Hebdo foi alvo de um ataque que dizimou sua redação. Mais uma vez, pouco importou que os assassinos fossem ambos nascidos e criados na França. Eram muçulmanos e, portanto (!), contrários à cultura francesa, que teria por um de seus pilares a liberdade de expressão, valor que, de uma hora para outra, parecia ter se encarnado no Charlie Hebdo (semanário de cuja existência pouquíssimos ainda se lembravam, à exceção, claro, da Al Qaeda, que havia jurado seus desenhistas de morte por terem caricaturado o Profeta Maomé). A longa polêmica que se arrastou sobre o conteúdo ofensivo das charges do semanário – afinal, era só agora que muitos descobriam essas charges – só contribuiu para manter o choque de civilizações no primeiro plano, afastando o Mal para o outro campo (por mais que dar um motivo a esse Mal pudesse parecer, para uma esquerda inadvertida, uma operação de raciocínio crítico). Enquanto isso, políticos pouco parcimoniosos propunham que os terroristas – que, aliás, foram mortos pela polícia sem que isso provocasse qualquer estranhamento – tivessem sua nacionalidade francesa retirada – um ótimo exemplo de tentativa de dobrar os fatos às narrativas. Milhões foram gastos para reforçar o aparato de segurança contra a ameaça externa, mas como esse inimigo externo está muito bem disfarçado em meio aos franceses (chegando ao ponto de até serem franceses!), foi necessário enfraquecer as liberdades civis e aumentar a vigilância da população. E tudo isso sem nenhum sucesso. Apenas dez meses depois, Paris se via cenário de um novo ataque, e muito pior do que o precedente. Nada de significativo mudara nas nacionalidades dos terroristas – à exceção de um mandatário belga – mas isso não impediu o governo de caracterizar os ataques como terrorismo de guerra – segundo a formulação paradoxal do presidente Hollande que, se levada a sério, poderia legitimar o terrorismo. Se o Estado francês optou pelo jargão da guerra foi, na verdade, para legitimar après coup os bombardeios que já estava realizando, primeiro no Mali e, depois, na Síria, contra organizações do Estado Islâmico. A questão geopolítica predominou nas discussões sobre o tema, e o Mal foi, mais uma vez, mantido à distância.

    É claro que os fatores geopolíticos conservam sua importância na explicação de tais acontecimentos, bem como os interesses econômicos, as motivações religiosas e as diferenças culturais. Mas a insistência exclusiva sobre essas explicações é sintoma de uma denegação. Frente ao caráter traumático dos eventos, acontecidos aqui, queremos acreditar que eles não nos pertencem, que são, na verdade, de outro lugar. Como escreveu Robert Kurz, à época do ataque às torres gêmeas, recusamos-nos a nos mirar no espelho que o terror nos oferece¹. Na contramão dessa recorrente recusa, quero me servir desses eventos traumáticos como meio para uma reflexão crítica sobre nossa sociabilidade moderna. Trata-se de uma reflexão inicial, sem respostas conclusivas, na qual retomo alguns pontos que levantei em outros textos², adicionando também outras questões³.

    Comunidade

    Antes de tudo, a primeira ideia que se deve afastar é a de que o terrorismo atual está vinculado ao tradicionalismo das comunidades imigrantes, que se recusam à assimilação cultural. Esse é o grande mantra da extrema-direita na França que, postulando a assimilação, se pretende a verdadeira herdeira do universalismo republicano. Como sói acontecer nas propagandas políticas, a ideia que aí se veicula é falsa. A França recebeu grande parte de seus imigrantes durante sua expansão econômica de entre as décadas de 1950 e 1970. Os muçulmanos dos quais hoje se fala são na verdade filhos e netos de imigrantes, nascidos e criados na França. Longe de terem crescido em âmbito tradicionalista, encontram-se muitas vezes em ruptura com os preceitos religiosos dos pais. Ao ponto que alguns chegam até a caracterizar o fenômeno atual, de maneira bastante redutora, como um conflito geracional.⁴ Os perfis dos jihadistas que circulam na imprensa após os atentados mostram sempre que a relação com a religião aparece tardiamente na vida dessas pessoas, servindo como uma espécie de justificativa ideológica a posteriori que dá sentido a vidas fora da norma, frequentemente marcadas pela delinquência. Fenômeno, aliás, que sequer escapou à polícia francesa: na falta de referenciais, alguns jovens delinquentes, submetidos a uma conversão repentina ou a um retorno a suas origens, se deixam seduzir por essa filosofia que lhes permite prosseguir com suas atividades delituosas sob uma caução moral religiosa.⁵ A observação policial, porém, não dá conta do fato de que essa conversão repentina, esse retorno às origens, é já um fenômeno espetacular, sendo frequentemente inspirado por grandes eventos que se passam longe, como a ocupação americana no Iraque (caso dos irmãos Kouachi, que atacaram o Charlie Hebdo), ou os conflitos atualmente protagonizados pelo Estado Islâmico (caso da maior parte dos atuais aderentes europeus à jihad). Não se trata, portanto, de uma retomada dos laços comunitários perdidos, de um retorno à prática religiosa familiar ou a qualquer costume transmitido pela tradição, mas sim da adesão imaginária motivada por eventos de grande repercussão midiática. O tradicionalismo que o fundamentalismo islâmico encena não é assim mais do que um produto apto ao consumo espetacular.

    Um traço característico da modernidade é o de produzir novas formas de pertencimento que não são mais determinadas pela inserção concreta numa coletividade. Como notara o historiador Benedict Anderson, as nações modernas foram grandes comunidades imaginadas, e as formas mediadas de partilhamento simbólico – como a imprensa e a literatura – cumpriram um papel importante na sua constituição. O desenvolvimento da indústria cultural e dos novos meios de comunicação ensejou, porém, novas formas de identidades simbólicas, e comunidades imaginadas passaram a se tecer em torno a produtos culturais (como os fã-clubes de celebridades, ou as torcidas organizadas de times de futebol). O aparecimento da internet tornou esse processo mais evidente, permitindo que as comunidades se instalassem no âmbito virtual. Não por acaso, a primeira rede social de sucesso, o Orkut, era estruturada em comunidades. Esse é um bom exemplo de como a imagem adquiriu, na sociedade do espetáculo, uma função de mediação das relações sociais. O espetáculo veio ocupar a terra arrasada deixada pelo avanço do capitalismo, que rompera os elos sociais tradicionais. A vida em comum deixou de se estabelecer a partir das relações diretas e a identificação simbólica passou a ser determinada por um conjunto de representações que não emana mais da prática cotidiana. Daí essa identificação poder ser transversal às reais diferenças geográficas e sociais. Ao contrário do que brada a direita reacionária, essa espécie de traição da pátria não resulta da adesão a uma forma de coletividade tradicional, anterior aos Estados nacionais, mas sim do desenvolvimento de uma forma de identificação mais moderna do que o nacionalismo.

    Essa identificação imaginária possui hoje um referente territorial nas regiões ocupadas pelo Estado Islâmico. Mas isso não deve nos levar a confundir a ordem dos fatores. Aqui, o referente é móvel, e o que permanece é, na verdade, o mecanismo de identificação simbólica. A verdadeira materialidade não está na territorialidade transitória – outrora Iraque invadido pelos americanos, hoje o território do Estado Islâmico. O jihadismo contemporâneo é também um fenômeno do seu tempo na desterritorialização característica do capitalismo transnacional. O único lugar dessas comunidades aparentes se

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