Magdalena Arraes: a dama da história
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Magdalena Arraes - Valda Colares
Agradecimentos
Este livro é o resultado de dez entrevistas com Dona Magdalena Arraes, realizadas na biblioteca do Instituto Miguel Arraes, em Recife, Pernambuco, entre setembro e novembro de 2014 e tem por objetivo preservar e manter vivas as memórias de uma mulher que, com sua coragem, amor, dedicação e capacidade de superação, conseguiu atravessar e vencer os mais variados desafios.
Esta obra não seria possível sem a colaboração de todos os familiares de Dona Magdalena, especialmente seus filhos Mariana Arraes de Alencar e Pedro Arraes de Alencar, que souberam compreender a importância das suas informações para a composição de épocas, locais e sentimentos.
Da mesma maneira, agradecemos a participação de Elisa Arraes de Alencar Khan, neta de Dona Magdalena e a do senhor Joaquim Pinheiro, sobrinho do Doutor Miguel Arraes, pela inestimável ajuda na coleta de informações tanto sobre os aspectos familiares quanto da trajetória política dos personagens envolvidos.
A participação das senhoras Sandra Maia e Leni Oliveira foi também de fundamental importância por transmitir os momentos e as circunstâncias tanto da administração do segundo e do terceiro governos de Doutor Miguel Arraes, quanto das atividades da Cruzada de Ação Social naqueles dois períodos.
Além da sua participação nos relatos, a senhora Sandra Maia também foi de imenso valor — juntamente com a senhora Maria Falcão — na busca, organização e acessibilidade ao material fotográfico utilizado nesta obra.
Não poderíamos também deixar de agradecer aos funcionários do Instituto Miguel Arraes, especialmente às senhoras Janete Cristina Cândido, Sheila Maia e Maria das Graças Gomes Correia, por sua disponibilidade, apoio e colaboração em todos os momentos da elaboração deste trabalho.
Por fim, agradecemos à Companhia Editora de Pernambuco – Cepe que desde o primeiro momento percebeu a importância desta publicação, destinada a acrescentar mais dados e informações sobre um período tão importante da História do Brasil como um todo e da História de Pernambuco em particular.
Lailson de Holanda Cavalcanti e Valda Colares
Apresentação
...um dia após o outro...
Este livro se propõe a contar uma parte da história vivida por uma mulher singular e ao mesmo tempo plural. A sua trajetória confirma a permanência desse antagonismo. Ao longo da narrativa que se descortina às páginas seguintes, as múltiplas Magdalenas vão se apresentando ratificadas pelas próprias fotos exibidas: a séria, a sorridente de bem com a vida, a desconfiada, a tímida, a sedutora, a madura com sorriso de Mona Lisa, a severa, a esperançosa; as três últimas fotos do painel mostram uma mulher com olhares de saber adquirido, após longa caminhada.
Dez entrevistas, realizadas durante o ano de 2014, com Magdalena Fiúza Arraes de Alencar, por Lailson Holanda e Valda Colares, constituem a base dessa narrativa. Algumas informações sobre o período complementam o contexto, e as falas e fotos dos seus filhos Mariana e Pedro introduzem a vida familiar de forma muito discreta. Comentários e impressões sobre suas relações com a parentela e seus estranhamentos com os mundos que os cercavam.
Esta história pode interessar a um público muito amplo, desde mulheres maduras e jovens, às profissionalizadas, às donas de casa, às companheiras de políticos e mesmo aos homens. Por esta escrita, veem-se tanto as práticas femininas no seu cotidiano quanto no seu extraordinário. Estas últimas misturavam-se com o seu dia a dia.
Por se tratar de uma narrativa que tem como pano de fundo o tempo vivido por esta mulher, a leitora ou o leitor pode fazer uma viagem no tempo percebendo os vários mundos em que ela viveu simultaneamente; ou melhor, no mesmo tempo físico ela se movimentou em múltiplos tempos políticos, sociais e culturais: Ceará, Rio de Janeiro, Paris, Pernambuco, Argélia e outra vez Pernambuco.
Como compreender uma mulher que se educou à sombra dos ensinamentos da Igreja Católica, desde sua formação primária, secundária e de terceiro grau, até complementar seus estudos para ser uma profissional em línguas neolatinas, numa Paris dos anos 50, cheia de deboches, armadilhas e novos saberes para uma jovem nordestina?
E como relacionar este seu mundo com o de um líder político de uma das regiões mais conflituosas do Brasil, pelas enormes diferenças entre a classe trabalhadora e as elites locais, agravado pela opção política feita por este líder? É que esta opção nem sempre trouxe consequências alvissareiras para o núcleo familiar. Miguel Arraes, agnóstico em matéria religiosa, lidava muito bem com as diferentes visões políticas no campo da esquerda, onde os católicos nem sempre tinham a hegemonia. Magdalena se moveu quase sem preconceitos e de forma silenciosa em todos esses mundos, mas não ausente, com opiniões firmes.
Se olharmos o sumário deste livro perceberemos uma agenda de vida somente sua até o encontro com Miguel Arraes; depois, procura e acha o seu espaço na agenda do seu marido e, após o falecimento dele, insere-se em uma aparente nova atividade, sendo contudo a continuidade de um tempo vivido, a memória política e familiar do exílio. Magdalena Arraes organiza os papéis do exílio no Instituto Miguel Arraes, de forma absolutamente moderna e contemporânea, apesar dos parcos recursos.
Magdalena nunca se assombrou com as pompas e as circunstâncias que a vida política do seu marido lhe trouxe. Talvez, por ter no seu currículo pessoal o fato de ser neta de João Thomé de Saboya e Silva, senador e governador do Ceará, e sobrinha-neta de um político que governou as províncias de Santa Catarina, Espírito Santo e Alagoas.
De certo modo, ser inteligente acima da média ajudou no entendimento de todas estas situações pelas quais passou: momentos em que tinha atividades intensas fora da casa, como o seu trabalho à frente da Cruzada Social ou em outras circunstâncias, que a levavam a certo recolhimento à vida privada; provavelmente, nessas ocasiões, aprimorou extraordinário sentido de percepção.
Arraes também não se assustou em ter uma nova companheira qualificada profissionalmente, porque não era do seu perfil afastar o novo nem aceitar o preceito de que mulheres inteligentes intimidam homens e mulheres. Lígia Fagundes Teles lembra o indisfarçável preconceito que havia ou que ainda há sobre esses seres do sexo feminino, citando a famosa pergunta de Freud com aquela irônica perplexidade, Mas, afinal, o que querem as mulheres?
De minha parte, respondo: ser felizes, tanto quanto os homens.
Quando em uma das entrevistas Magdalena diz que da Faculdade eu me espalhei pelo mundo
, ela quer comunicar que foi o conhecimento que possibilitou e facilitou o seu viver em múltiplas experiências, que a fez saber olhar no olho da tragédia e enfrentar as diferentes batalhas que chegam todos os dias — as coisas iam chegando e a gente ia procurando os caminhos
. Há algo mais concreto, mais realístico do que esta atitude?
Ainda hoje eu continuo vivendo um dia atrás do outro, enfrentando o que vem ... não dá para você viver três dias de uma só vez. Você vive um de cada vez. Agora, os contextos vão mudando, ai já é outra história. Ai é que a história se escreve através desses contextos. Você não pode capitular, tem que segurar todo mundo, tem que segurar a barra.
No entendimento geral dos historiadores, as maiores mudanças no século 20 foram protagonizadas pelas mulheres. Sendo vanguarda ou retaguarda, de forma consciente ou inconsciente, elas têm garantido o seu papel no processo civilizatório. Há muito tempo as mulheres vêm realizando uma revolução surda, vagarosa, sem armas mortíferas. No Brasil a sua presença é operosa. Desde o período colonial, o exército luso-brasileiro deslocava-se com milhares de índios juntamente com suas mulheres, que contribuíam para o êxito da campanha, que, na maioria das vezes, durava longos anos. As mulheres cuidavam da alimentação, detectavam lugares com água, medicavam os feridos, enfim, faziam o papel da intendência. Às vezes penso em Magdalena Arraes nesse protagonismo. Arraes na vanguarda, Mada na retaguarda. Mas é só um pensamento.
Os autores desse trabalho foram muito competentes no encaminhamento das entrevistas que possibilitaram uma narrativa alicerçada em verbos e substantivos, evitando dessa maneira as adjetivações exageradas tão comuns em livros com este teor.
Lailson de Holanda Cavalcanti é um intelectual produtivo, que suplantou as fronteiras de Pernambuco e fez do riso, da caricatura, sua ferramenta crítica sobre a política e a sociedade. Como jornalista/caricaturista viveu os anos de chumbo como uma grande parte dos de sua categoria, sob violentas pressões, o que não abateu sua capacidade criadora e sua dignidade de cidadão.
Valda Colares foi minha aluna no Curso de História e participou de um grupo de pesquisas sob minha orientação. É uma pesquisadora que tem a curiosidade intelectual, própria dos historiadores, e bastante autonomia em seus estudos.
Agradeço aos dois colaboradores e organizadores desse livro pelo convite para fazer a sua apresentação. Aceitei a delicadeza, mesmo sabendo que outros poderiam fazê-la melhor.
Trata-se de um livro de memória, escrito numa perspectiva histórica, na qual se expõe o modo de ser e de agir de uma moça bem-comportada
nascida na primeira metade do século 20, e sua trajetória em um dos períodos mais conflituosos da História brasileira, a ditadura civil-militar. Com muita objetividade, Magdalena Arraes discorre sobre fatos políticos mais proeminentes, acontecidos no século 20.
No decorrer das entrevistas, a memória evidencia marcas mais profundas como os medos, as alegrias, as perdas e, como já foi dito, o cruzamento dos tempos múltiplos que envolvem o ciclo da vida. Uma dessas evidências está no poema que escreveu após a morte de Arraes e do qual reproduzo aqui apenas uma parte:
Te espreito na curva do tempo
Perfume raro, esgarçado
Persigo no tênue momento
De um pensamento esboçado
Recife, 26 de maio de 2015.
Socorro Ferraz
Professora Associada do Departamento de História da UFPE com atividades no Programa de Pós-Graduação em História/UFPE;
Membro da Comissão Memória e Verdade Dom Helder Camara de Pernambuco.
Publicações mais recentes: República Brasileira em Debate — orgs. Socorro Ferraz e Bartira Barbosa, 2010; A Sociedade Colonial em Pernambuco — a conquista dos sertões de dentro e de fora, capítulo do vol. 2, in O Brasil Colonial, 2014; Monarquia e República mais continuidades que rupturas, capítulo do livro Sociedade e Relações de Poder na Bahia, 2014.
Orientadora de 22 dissertações de Mestrado e 12 teses de Doutorado.
p12.jpgFortaleza
"S ou uma pessoa normal que viveu um período anormal da vida brasileira, se é possível dizer assim, pois todos os períodos são normais. Eles se cruzam, interagem e fazem parte da História, e assim as coisas vão mudando, avançando, às vezes para pior, às vezes não.
Então nós vivemos um período e agora estamos vivendo outro, diferente. Mas cada um tem a sua mensagem, o seu sentido e vamos vivendo dentro deles.
Aquilo que as coisas e o mundo nos apresentam nós vamos assimilando, incorporando ou rejeitando de acordo com o nosso sentimento e o nosso propósito."
Desta maneira, sintética e pragmática, Maria Magdalena de Saboya Fiúza, mais conhecida pelo povo após seu casamento com Miguel Arraes de Alencar como Dona Magdalena Arraes, resume os 86 anos de sua vida, durante a qual, por três vezes, foi a primeira-dama do Estado de Pernambuco, vivendo uma época conturbada da História política brasileira.
Nascida na cidade de Fortaleza, no estado do Ceará em 14 de dezembro de 1928, filha de João Baptista Menescal Fiúza e Luísa de Saboya Fiúza, Magdalena era parte de uma família que já tinha presença e tradição na política estadual e nacional.
"Meu avô materno, João Thomé de Saboya e Silva, foi governador do Ceará e depois foi para o Rio de Janeiro, como Senador, fixando-se lá. Quando ele era governador do Ceará durante a grande seca de 1919, que provocou uma falta d’água total, ele inventou uma máquina de fazer chover, a ‘chuvedeira’. Uma vez, quando eu era menina, perguntei a mamãe se a máquina fazia chover mesmo e ela respondeu: ‘É, caíam uns pinguinhos’.
A máquina foi inventada e funcionou um pouco, mas não dava para resolver o problema da seca, não é? Haja máquina!"
João Thomé de Saboya e Silva, nascido em 1870, descendia do médico João Balthasar Augeri, natural do Reino do Piemonte, na Itália e que veio para o Brasil no início do século 18, mudando o nome original da família de Augeri para Saboya, região piemontesa de onde era oriundo.
Pelo lado paterno, João Thomé era sobrinho de João Tomé da Silva, que foi governador das províncias de Santa Catarina, Espírito Santo e Alagoas entre os anos de 1872 e 1877 e era sobrinho pelo lado materno do médico Vicente Cândido Figueira de Saboya, Barão e depois Visconde de Saboya.
Engenheiro formado pela Escola Politécnica do Rio de Janeiro, foi nomeado para