Educação de mulheres e jovens privadas de liberdade: Vulnerabilidade socioeducacional e contingências da privação
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Sobre este e-book
Por serem consideradas minorias, no âmbito das políticas de execução penal, a elas é destinado o que sobra do sistema prisional masculino. Levando em consideração as diversas questões que envolvem a discussão sobre as mulheres encarceradas no Brasil, este livro, fruto da pesquisa da professora Sandra Maciel, constitui uma valiosa contribuição para esta discussão.
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Educação de mulheres e jovens privadas de liberdade - Sandra Maciel de Almeida
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Revisão: Ana D’Andrea
Assistência Editorial: Érica Cintra
Capa: Márcio Arantes Santana de Carvalho
Assistência Digital: Wendel de Almeida
Edição em Versão Impressa: 2016
Edição em Versão Digital: 2017
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Conselho Editorial
Profa. Dra. Andrea Domingues (UNIVAS/MG) (Lattes)
Prof. Dr. Antonio Carlos Giuliani (UNIMEP-Piracicaba-SP) (Lattes)
Prof. Dr. Antonio Cesar Galhardi (FATEC-SP) (Lattes)
Profa. Dra. Benedita Cássia Sant’anna (UNESP/ASSIS/SP) (Lattes)
Prof. Dr. Carlos Bauer (UNINOVE/SP) (Lattes)
Profa. Dra. Cristianne Famer Rocha (UFRGS/RS) (Lattes)
Prof. Dr. Eraldo Leme Batista (UNIOESTE-PR) (Lattes)
Prof. Dr. Fábio Régio Bento (UNIPAMPA/RS) (Lattes)
Prof. Dr. José Ricardo Caetano Costa (FURG/RS) (Lattes)
Prof. Dr. Luiz Fernando Gomes (UNISO/SP) (Lattes)
Profa. Dra. Magali Rosa Santa'Anna (UNINOVE/SP) (Lattes)
Prof. Dr. Marco Morel (UERJ/RJ) (Lattes)
Profa. Dra. Milena Fernandes Oliveira (UNICAMP/SP) (Lattes)
Prof. Dr. Ricardo André Ferreira Martins (UNICENTRO-PR) (Lattes)
Prof. Dr. Romualdo Dias (UNESP/RIO CLARO/SP) (Lattes)
Prof. Dr. Sérgio Nunes de Jesus(IFRO/RO) (Lattes)
Profa. Dra. Thelma Lessa (UFSCAR/SP) (Lattes)
Prof. Dr. Victor Hugo Veppo Burgardt (UNIPAMPA/RS) (Lattes)
Paco Editorial
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Telefones: 55 11 4521.6315 | 2449-0740 (fax) | 3446-6516
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Dedico este livro às pessoas mais importantes da minha vida, meu pai, Casimiro, minha mãe, Isabel (in memoriam), meu marido, Paulo, minhas filhas queridas, Joana e Giselle e ao meu irmão, Marcelo e seus filhotes, Maria Olívia e Mateus.
Sumário
Folha de rosto
Página de Créditos
Dedicatória
Apresentação
Prefácio
Capítulo 1
Desigualdades, Vulnerabilidades e Marginalização como Aspectos da Exclusão
1. A exclusão e os sujeitos sociais na contemporaneidade
2. A exclusão socioeducacional e o universo das jovens e mulheres privadas de liberdade
2.1 O papel da mulher na atual conjuntura social e política brasileira
2.2 O universo das jovens e mulheres privadas de liberdade
2.2.1 Jovens em cumprimento de medidas socioeducativas de internação no Brasil
2.2.2 As mulheres presas no Brasil
3. A dialogicidade e a criação de políticas públicas de inserção para os sujeitos, ditos excluídos
Capítulo 2
A Abordagem Teórico-Metodológica da Pesquisa: a Etnografia da Prisão para Mulheres
1. Etnografia crítica e educação
1.2 Etnografia e Educação
2. Descrevendo o estudo
2.1 Ética na pesquisa
2.2 Loci de pesquisa
2.2.1 Rio de Janeiro
2.2.2 Distrito Federal
2.2.3 Acesso
3. Instrumentos de pesquisa
3.1 Observação participante
3.2 Entrevista
3.3 Registros audiovisuais como fonte de dados
4. Análise dos dados: análise, organização e tematizações
Capítulo 3
Vulnerabilidade e Violação dos Direitos Fundamentais das Jovens e Mulheres Privadas de Liberdade
1. Vulnerabilidade e espaços de privação: o controle do corpo e a medicalização
1.1 Vulnerabilidade: o isolamento como forma de controle do corpo
1.2 Vulnerabilidade: a medicalização como forma de controle da mente
2. Vulnerabilidades socioculturais e educacionais enfrentadas pelos filhos de jovens e mulheres privadas de liberdade
Capítulo 4
A Contingência da Privação de Liberdade e a Ruptura com a Escola
1. A situação educacional em privação de liberdade: estudos e pesquisas
2. O percurso educacional de jovens e mulheres privadas de liberdade: uma história de interdições
3. Educação nos espaços de privação de liberdade: relatos de jovens e mulheres
3.1 O discurso sobre a escola em privação de liberdade
3.2 Contradições na escolha das atividades: a escola e o trabalho
3.3 Tipologia das tarefas escolares
Considerações Finais
Referências
Paco Editorial
Abreviaturas e Siglas
ANPED – Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação
BL – Penitenciária Feminina Berta Luz
DEGASE – Departamento Geral de Ações Socioeducativas
DEPEN – Departamento Penitenciário Nacional
ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente
GV – Educandário Getúlio Vargas
I PNPM – I Plano Nacional de Políticas para as Mulheres
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
II PNPM – II Plano Nacional de Políticas para as Mulheres
InfoPen – Sistema de Informações Penitenciárias
MJ – Ministério da Justiça
MP – Penitenciária Maria da Penha
NetEDU – Núcleo de Etnografia em Educação
OMEP – Organização Mundial para Educação Pré-Escolar
PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
PROPED – Programa de Pós-graduação em Educação
RN – Unidade Recém-Nascidos
SEAP/RJ – Secretaria de Administração Penitenciária do Rio
de Janeiro
SPM – Secretaria Especial de Política para as Mulheres
SR2 – Sub-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa
SR3 – Sub-Reitoria de Extensão e Cultura
UERJ – Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Apresentação
Educação de mulheres e jovens privadas de liberdade: vulnerabilidade socioeducacional e contingências da privação é um livro sobre mulheres na contemporaneidade. Muitos avanços têm sido verificados nos estudos sobre o tema. Embora, muitas vezes, esses estudos ainda retratem as mulheres como parte de uma condição binária, socialmente em desvantagem, culturalmente submissa, em necessidade de libertação da hegemonia masculina. Esse livro é sobre outras mulheres: desumanizadas em sua condição, socialmente invisíveis, culturalmente marginalizadas e em privação de liberdade.
Sandra Maciel em seu texto capta, com indignação e sabedoria, as vozes silenciadas de um grupo de mulheres jovens e adultas, vítimas de todas as desigualdades e injustiças associadas à condição de ser mulher na sociedade atual, e acrescenta a essas outras formas de vulnerabilidade e de violências a que são submetidas no cárcere.
O livro nos faz pensar sobre a educação no contexto de privação de liberdade. Nos faz refletir sobre o papel do Estado quanto ao respeito aos códigos legais, morais de salvaguarda da cidadania. Nos lembra da responsabilidade de pesquisadores em fazer uso de dados sensíveis de pesquisa, quando são colocados frente ao dilema de romper com o stablishement ou ceder às normas sociais de banalização da vida.
O objetivo da pesquisa realizada para esse livro foi investigar as percepções de mulheres jovens e adultas em espaços de privação de liberdade sobre a educação e entender os seus percursos educacionais a partir de suas próprias narrativas. A pesquisa empreendida utilizou as entrevistas etnográficas com essas mulheres, como instrumento principal. Faz uso ainda de instrumentos clássicos do método etnográfico como: observação participante; fotografias, análise de documentos, entre outros. A coleta realizou-se com registro em áudio e vídeo no interior de três unidades de privação de liberdade. A primeira foi um presídio feminino da cidade do Rio de Janeiro e sua subunidade materno-infantil. A segunda foi um presídio feminino de Brasília, na capital federal do Brasil. E, a terceira, a unidade feminina de cumprimento de medidas socioeducativas no Rio de Janeiro.
No percurso da pesquisa, buscou-se resposta para três questões: como pensam as jovens e mulheres sobre a escola existente nos espaços de privação de liberdade? Como são construídas as vulnerabilidades socioeducacionais enfrentadas pelas jovens e mulheres em espaços de privação de liberdade? Como os estudos e pesquisas sobre a educação em espaços de privação de liberdade têm discutido a situação das mulheres e jovens?
Essas questões foram exploradas no livro de modo a delinear um perfil da escolarização das mulheres e descrever como a educação pode impactar suas vidas dentro e fora dos espaços de privação de liberdade. Antecipando alguns dos resultados, que serão encontrados em sua leitura, ressalta-se que a escolarização das mulheres encarceradas, distante do que pressupúnhamos, não difere, de maneira significativa, da média de escolaridade das mulheres brasileiras. Embora suas trajetórias sejam diferenciadas. Além disso, ressalta-se também que a educação escolar que trouxeram para o presídio é a que permanece durante o período em que ficam institucionalizadas. O tempo/espaço em privação de liberdade não promove ou amplia muito pouco a escolarização que receberam antes de entrar na prisão.
O livro revela como é complexa a tarefa de descrever a natureza das perspectivas de mulheres e jovens privadas de liberdade sobre as suas situações educacionais durante o período de encarceramento. Revela também a escassez de pesquisas sobre elas na área da Educação. Estudos com esse viés parecem, até então, inexistentes, sobretudo em relação a tê-las como seus sujeitos participantes.
Durante o processo de escrita e elaboração do estudo, percebeu-se como eram escassas as pesquisas sobre jovens e mulheres presas na área da Educação. Pesquisas que ouviam essas mulheres e jovens eram quase inexistentes, assim como a presença das mulheres como sujeitos participantes das pesquisas. As poucas fontes bibliográficas relacionadas ao tema – educação de jovens e mulheres em privação de liberdade – mostram a invisibilidade socioeducacional das mesmas. No caso deste livro, suas vozes e impressões de realidade foram consideradas em sua magnitude, não como expressão da verdade, mas de suas representações de mundo.
O livro amplia as lentes para que seus leitores possam enxergar aspectos relativos à educação oferecida às jovens e mulheres, dentro e fora dos espaços de privação de liberdade. Busca significar as narrativas dessas mulheres sobre os seus percursos educacionais até o momento da prisão ou internação, assim como suas trajetórias de escolarização no interior das instituições de privação de liberdade.
Nessas declarações verificou-se que, historicamente, a vida das mulheres jovens ou adultas tem sido marcada pela vulnerabilidade, precariedade, exclusão e violência. As políticas de ressocialização no cárcere, embora busquem alternativas para promover atividades educativas, não cumprem as determinações legais de direitos à cidadania para todas as mulheres presas, violando flagrantemente os direitos humanos mais básicos a que estas têm direito por estarem sob custódia e poder do Estado. Não fosse esta uma situação das mais calamitosas, ressalta-se, a partir do relatório publicado pelo Departamento Penitenciário Nacional (Brasil/InfoPen, 2014)¹, o aumento da população feminina encarcerada em 567% no período entre 2000 a 2014, uma curva ascendente do encarceramento em massa de mulheres
(Idem, p. 5).
Dando destaque aos documentos estatísticos sobre mulheres presas, o livro traz dados com índices do estado do Rio de Janeiro e do Distrito Federal, visto que os loci da pesquisa foram nesses estados. A pesquisa revela que, em 2011, período em que a pesquisa foi realizada, a maioria das presas no Brasil cumpria pena em regime fechado, enquanto que em regime provisório este total era de 34,42%. Ela deduz que mais de um quarto das presas ainda não foram sentenciadas e encontram-se detidas sem julgamento.
Quanto ao perfil das presas, a maioria tem entre 18 e 45 anos de idade. Dentre as quais 35,74% declaram-se brancas, 15,45% negras e 42,84% pardas (InfoPen, 2011). O nível percentual de escolaridade, se comparado com a média de instrução brasileira,² está um pouco abaixo, mas não é significativamente menor para justificar a percepção popular de que existe uma associação direta entre a baixa escolaridade e a atividade criminal. Os índices mostram que 44,87% das presas têm o ensino fundamental incompleto, 12,18% têm o ensino médio incompleto e 11,05%, o ensino médio completo, enquanto somente 4,9% das presas são analfabetas (Idem). Quanto à situação atual de escolarização das presas pesquisadas, verificou-se que 61,82% delas se encontram no ensino fundamental, 17,78% no ensino médio e 15,76% nas classes de alfabetização.
Esses dados quantitativos trouxeram para a autora uma visão global da situação educacional das presas, oportunizando aprofundar as suas narrativas e assim interpretar de modo mais claro a natureza do processo educacional vivido por elas.
Destaca-se no livro que, embora a preocupação principal da pesquisa tenha sido com a educação das mulheres presas, o que se encontrou na história dessas mulheres foram biografias marcadas por inúmeros eventos de opressão e quebra da civilidade. As narrativas são reveladoras do rompimento do contrato social entre o poder de prisão e o direito à cidadania. A autora não nos priva dessas histórias que são como parte do que ela compreende ser o Processo Educacional pelo qual passam as mulheres privadas de liberdade.
O livro está organizado de maneira que possa ser lido em sequência ou por áreas temáticas, conforme o interesse do leitor. Em cada um dos quatro capítulos que o compõem, são discutidas categorias relativas ao tema pesquisado, seguidas de dados e intepretações, que ilustram as diferentes etapas do estudo.
No primeiro capítulo, são tratados os conceitos de desigualdades, vulnerabilidades e marginalização como aspectos da exclusão e uma discussão sobre o papel da mulher na atual conjuntura social e política brasileira, mais especificamente, é apresentado o universo das jovens e mulheres privadas de liberdade.
No segundo capítulo, é apresentada a abordagem teórico-metodológica-epistemológica da pesquisa. A Etnografia aqui é entendida não somente como um método de pesquisa originário da Antropologia, mas uma forma de escuta do outro, no caso, das mulheres presas, que foi o ponto-chave do trabalho etnográfico empreendido. A partir das perspectivas, valores e representações das mulheres envolvidas no trabalho, a autora foi urdindo a escrita do livro. Neste capítulo, são apresentados os detalhes de como se deu a coleta, análise de dados e a descrição dos resultados obtidos pela pesquisa. Nele, o conhecimento etnográfico foi construído pela observação participante e participativa, pela escuta atenta das mulheres e, também, pela leitura de documentos sobre o tema e crítica das políticas públicas legalmente previstas e implantadas pelo poder público do Rio de Janeiro e do Distrito Federal.
No terceiro e quarto capítulos, a autora expõe os resultados da pesquisa que inclui os temas mais recorrentes, tais como: vulnerabilidade e violação dos direitos das jovens e mulheres privadas de liberdade; contingência da privação de liberdade; e ruptura com a escola. Essas categorias são desenvolvidas através de vinhetas etnográficas que incluem, além das citações originais ouvidas das entrevistadas, ilustrações vívidas dos contextos em que se deram esses fatos seguidas por asserções de autores que corroboram as interpretações da autora.
O texto é rico em evidências dos processos de desumanização e violência pelos quais têm passado as mulheres privadas de liberdade. É uma viagem a um território desconhecido, uma vivência longe do imaginário possível a qualquer ser humano sobre o que é o exílio social validado como justiça
. Mais que isso, mostra como nesses espaços a educação que, na perspectiva adotada pela autora, precisa ser pensada como prática de autonomia, emancipação e liberdade tem se atrelado, (in)justamente, ao seu contrário.
Para esta autora, as vozes dos excluídos são reveladoras de sua sabedoria sobre os processos de exclusão. Ao ouvir o sujeito excluído, por meio de uma ação dialógica, tenta-se dar a ele oportunidade de pensar e empreender políticas públicas mais afinadas com suas reais necessidades.
Como se notará, a pesquisa que dá origem a este livro proporcionou à autora um aprendizado sobre o objeto de estudo que elegeu, que foi fundamental para motivá-la a publicá-lo de modo a possibilitar a visualização de resultados ainda pouco conhecidos no âmbito da educação e sobre a educação de mulheres privadas de liberdade a partir da perspectiva das próprias mulheres.
Em conclusão, espera-se que este livro inspire seus leitores e leitoras e fomente, em especial entre os acadêmicos, teorias, políticas e práticas mais humanizadas no campo da educação, assim como em outros campos do conhecimento onde circulam todos e todas interessados na superação de injustiças sociais que vitimizam as jovens e mulheres em privação de liberdade no Brasil e no mundo.
Carmen Lúcia Guimarães de Mattos
Professora Associada da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Prefácio
Maíra Fernandes³
Dar voz às silenciadas. Este é um dos (muitos) grandes méritos deste livro.
Seguindo os ensinamentos de Paulo Freire, para quem não se pode dizer a palavra sozinho, nem dizê-la para os outros, num ato de imposição, ou de prescrição
(Freire, 2005, p. 91), a autora entrevistou mulheres presas e jovens infratoras, em quatro unidades de privação de liberdade (duas penitenciárias femininas e uma instituição para cumprimento de medida socioeducativa de internação no Rio de Janeiro, bem como uma penitenciária em Brasília).
É, portanto, a perspectiva dessas mulheres sobre a educação nos espaços de privação de liberdade
que embasa essa