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Memória escrita
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E-book150 páginas1 hora

Memória escrita

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Sobre este e-book

Referência no mercado da moda brasileira, dona de marcas famosas na década de 1980 e 1990 como Lucienne Phillip, pouca gente sabe que Zofia Davidowicz tem uma história de resiliência e sobrevivência como poucos.
Zofia sobreviveu à perseguição nazista na Segunda Guerra Mundial graças à mãe, que a deixou aos cuidados de uma família e, em seguida, de madres de um orfanato católico na Inglaterra. Separada da família por três vezes, todos finalmente se reuniram no Brasil, onde encontraram abrigo e construíram a vida na indústria de confecção.
O livro partiu do diário da autora e conta sua trajetória de vida pessoal e profissional, como estilista. Um depoimento sincero e fascinante.
 
IdiomaPortuguês
Editorae-galáxia
Data de lançamento15 de abr. de 2019
ISBN9788584742516
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    Memória escrita - Zofia Davidowicz

    Estas memórias são dedicadas aos meus filhos, Harry e Roberto; às noras, Lilian e Raquel; aos meus netos, Vanessa, Tomas e Iury, e às futuras gerações que crescerão longe desses fatos, dessas épocas...

    Sumário

    Prefácio

    Introdução

    CAPÍTULO 1 - A infância

    Primeiros tempos

    Dosia, Zosia

    A salvo com estranhos

    O convento e o catolicismo

    O segundo segredo

    Retorno a Lódz

    Criando uma nova família

    Tempos de paz

    Irmãs

    Ficar e pertencer

    Retorno ao judaísmo

    Seguir...

    CAPÍTULO 2 - Travessias

    Atravessando o Atlântico

    Anos dourados

    Encontros preciosos

    Novos voos

    CAPÍTULO 3 - Amor e Realizações

    Enfim, juntos

    Vida a dois

    Para o que vier

    Família completa

    Empresária, esposa e mãe

    Espírito inovador

    Novas gerações e outros desafios

    No inverno da vida

    Muitas luzes

    Sobre a autora

    Prefácio

    Eu quero falar a minha história.

    Desse desejo profundamente enraizado no mutismo de uma infância atravessada pela guerra, nasce este livro. Antes de assumir essa forma, ele foi uma história de vida registrada a lápis e caneta num caderno espesso. Ao longo de dois anos, Zofia Davidowicz escreveu à mão livre um diário. O polonês é sua língua materna, ela foi alfabetizada em inglês, porém nessa aventura de autobiografar, além de desafiar os meandros da memória, escolheu o português para contar a si mesma.

    Para ela, não bastava que eu a ajudasse a organizar a publicação, ela queria dar voz a todos aqueles episódios guardados nas 94 folhas de papel e há muito em sua mente ativa e em seu coração abalado pela perda da interlocução com José. Ele, seu marido e parceiro nos últimos 60 anos, foi perdendo a memória e, aos poucos, os movimentos, a fala, a consciência.

    Zofia tinha urgência e queria, literalmente, dar voz a tudo que havia feito parte da construção de seus mais de 80 anos.

    E assim tecemos outra parte da história. Durante oito semanas, fui à casa dela, sentávamos na mesinha de jogos no canto da sala principal, ela com seu diário, eu com o laptop em punho e o gravador a postos. E começávamos a nossa leitura-escuta, que ganhou ainda maior sentido por ser partilhada. Zofia lia o que ela mesma havia escrito, eu escutava atentamente e transcrevia. Logo percebi que não era o caso de entrevistá-la e ficar explorando detalhes, ela já tinha depurado muito o que realmente queria contar. Então, eu fazia algumas poucas perguntas e íamos, devagar, avançando, página por página.

    José ficava na sala ao lado, na cadeira de rodas ou no sofá, aparentemente sem entender o que se passava, mas talvez pudesse ouvir a mulher amada e a nossa conversa... Quem sabe? Além da voz de Zofia, muito firme e com forte sotaque, por vezes os gemidos de José cortavam o ar, pontuando que estávamos no presente. Em muitos momentos, os mais dramáticos, o silêncio nos aprisionou em longas pausas, quebradas por goles de água de coco ou pelo açúcar de bombons que Beatriz havia deixado ao nosso lado. Confesso que depois desses encontros tão intensos, de emoções tão vivas e de muitos tempos sobrepostos, para voltar ao meu espaço-tempo tinha de fazer longas caminhadas.

    Esse não era apenas mais um trabalho editorial. Eu estava compartilhando com ela um momento muito delicado e também conhecendo um fragmento vivo da história social. Como no belíssimo filme Ida, dirigido por Paweł Pawlikowski, Zofia foi uma das centenas de crianças judias polonesas entregues a famílias católicas, como estratégia para salvá-las dos nazistas. A personagem Anna/Ida e a Devora/Zofia de carne e osso trocaram de nome, de religião e viveram num convento durante a juventude. Na ficção e na vida real, salvaram-se.

    Apesar de eu conhecer várias obras sobre as atrocidades da Segunda Guerra, o filme que me proporcionou uma compreensão do que era a Lódz de Zofia e José foi A Vida em Filmes, documentário de Laurent Bouzereau, sobre a vida do cineasta Roman Polanski, descendente de judeus poloneses que nasceu em Paris, em 1933, e mudou-se para Lódz aos 3 anos (no mesmo ano de nascimento de Zofia) e viveu grande parte de sua infância na Polônia. A partir da belíssima seleção de imagens do cotidiano, pude ver a ocupação nazista, a invasão das casas, a cons- trução dos muros delimitando o gueto, a opressão e a morte habitando tudo e todos.

    Outra peça importante do recontar dessa narrativa social é o depoimento de Luba Sztyft, mãe de Zofia, ao Instituto de História Visual e Educação da Fundação Shoah, criada pelo cineasta Steven Spielberg e sediada na Universidade do Sul da Califórnia, nos Estados Unidos. A gravação em vídeo, feita nos anos 1990, foi fundamental para tecer os fatos da primeira infância, pois sem isso seria quase impossível reconstituir como a família viveu os acontecimentos do início da guerra.

    Além das sessões de fala-escuta, fizemos outros dois encontros para escolher as fotografias que ilustram o livro. Nesse dia, Zofia me recebeu muito ansiosa e afetada pelo mergulho nas imagens do passado. Muito organizada, ela dispôs os álbuns e fotos soltas sobre a grande mesa da sala de jantar e, no centro, o álbum com as fotos da primeira infância, álbum que acompanhou a mãe em todos os seus deslocamentos. Depois, um intervalo, pois a guerra não inclui registros fotográficos domésticos.

    O viver na Inglaterra, a chegada ao Brasil, a ida a Nova York, o encontro com José, a carreira como estilista e empresária desbravando o território da moda, as viagens a trabalho, os filhos em muitas idades, noras, netos, festas tudo ali formando a linha do tempo, do tempo de Zofia. As imagens deram corpo ao som das palavras e ficou explícito que aquela vida tinha sido plenamente vivida, em todas as fases. Fomos selecionando enquanto ela recontava e acalmava...

    A revisão dos capítulos fizemos lado a lado, em uma salinha do Hospital Albert Einstein, durante uma internação de José. Naquele ambiente, criamos um oásis e revisitamos todas as cenas, checamos palavras, reformulamos frases, incluindo tudo que é da vida na realidade e no texto.

    Aliás, as palavras texto e tecido têm a mesma raiz, do latim tessitum. Zofia dedicou-se aos tecidos da moda, porém construiu um texto muito coerente, conciso e bem organizado. Coube a mim alinhavar melhor as partes, fazer costuras finas, alfinetar pontualmente, arrematar o português e deixar visível a sensibilidade e a capacidade de transformação dessa mulher inteira. Confiança, afeto e reciprocidade foram fios importantes desse nosso tecer. Sem dúvida, um aprendizado. Agora, o que era voz solitária, depois de tantas camadas e atravessamentos, pode ser compartilhado neste livro. Uma inspiração.

    E aludindo à obra Universo da Consciência, do neurologista Gerald Edelman, pergunto: será o passado recontado uma forma de dar corpo ao presente? Nesse caso, será do presente constantemente relembrado que a vida extrai sua seiva para, unicamente, prosseguir?

    Liliane Oraggio

    Inverno-primavera de 2016

    Introdução

    Hoje faço 78 anos e me convenci de que é a hora

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