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Orissa
Orissa
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E-book768 páginas10 horas

Orissa

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Sobre este e-book

Uma aventura fantástica ambientada na Índia no início do século XX.

Índia, final do século XIX. Dois bandidos entram numa choupana por volta da meia-noite e, sem explicação, matam o coveiro que lá dorme. Depois, eles ateiam fogo na construção com seu filho dentro e desaparecem sem deixar rastros. Apesar disso, o jovem pária consegue escapar milagrosamente das chamas e salvar sua vida. Atordoada e confusa, a criança chega a uma antiga abadia próxima, cujos monges logo se penalizam e lhe oferecem abrigo.

Nos anos seguintes, Nagesh cresce sob a proteção de religiosos, de quem recebe alimentação e uma boa educação. No entanto, sua pacífica vida monástica não é capaz de mitigar os desejos de vingança que a partir daquela noite surgem em sua cabeça. Por outro lado, nasce-lhe um anseio muito difícil de alcançar, desde o primeiro dia, e sem revelar os motivos, o bispo que dirige a congregação proíbe Nagesh de pôr os pés fora do mosteiro.

Pouco a pouco, o veto se tornará cada vez mais insuportável, especialmente após uma pausa furtiva, na qual Nagesh conhece Shefali, uma linda garota hindu que vende flores no mercado. Mas o bispo não pode mais ceder, teme que o menino descubra o segredo doentio do passado que guarda e, com ele, os desenhos que mostram os livros, templos e constelações que iluminam o céu finalmente se tornando realidade.

IdiomaPortuguês
Data de lançamento22 de nov. de 2019
ISBN9781393981701
Orissa

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    Pré-visualização do livro

    Orissa - Alberto Rueda

    PARTE I

    Lúgubre é o candelabro de nossa vida

    sem uma chama que o ilumine...

    Poder ser feliz

    Golfo de Bengala. Ano 256 a. C.

    "Quisera eu poder ser feliz, agora que morrerei ao seu lado. Fugir desses pensamentos impuros que me perseguem e vir renovado ao samsara, longe do corpo decadente no qual me escondo assustado. Quisera eu enterrar o sofrimento acumulado sob esta casca sem resina, como fruta envenenada pelo âmbar dos anos passados. Mas esse rancor viscoso que escorre das suas feridas adere como uma pele negra às minhas aspirações, que sob essa mácula translúcida, inatingível pelos raios do sol, contaminam-se com sua respiração até apodrecerem no interior."

    Quisera eu fechar seus olhos e banir o medo da sua pele. Para fazer-lhes esquecer do que são e o que foram e guiá-los em direção a um novo despertar em um lugar remoto, onde olhem para trás e apenas o vazio os persiga.

    Quisera eu poder fazer isso, mas não posso.

    Mentiria se dissesse que não encaro a morte com o mesmo temor que os desamparados com os quais compartilho essa escura armadilha. Aqui, ocultos aos olhos do Criador, escavamos como roedores um buraco tão fundo no qual cabe a nossa aflição.

    Quisera eu me importar por não poder fazê-lo, mas não me importo.

    Basicamente, empreguei minha vida em transmitir às mentes analfabetas as mesmas doutrinas que preservei com meus escritos. Recordo-me com exatidão daquelas palavras com as quais aspirava convencê-las a não temer a morte, a aceitar a sua catarse como o rito ancestral que lhes dá nova vida. Os justos cruzarão o umbral, abençoados pelo carma, e colherão os frutos se sua atual existência. Os renegados, por outro lado, verão rebaixado seu status de vida em consequência de sua vilania, suportando novas misérias que talvez lhes façam reconsiderar desta vez.

    Orações vazias nas quais sua penitência poderia vir à tona.

    Na maioria dos casos, consegui convencê-los com minha retórica; não é difícil escolher quando não há mais de um caminho. Mas justo agora, em que é chegada a hora, agora que devo encorajá-los com a força da minha fé, a voz dos deuses reverbera em minha mente como o eco passageiro de um credo que nem eu mesmo me compartilho. No fundo da minha mente, a dúvida se agita selvagem, e me pergunta, contundente e provocante, se estou realmente preparado.

    Estou?

    Me aterroriza dissolver-me no infinito cosmo como um simples grão de sal no mar. Expandir minha alma entre as nebulosas e retornar ao mundo sem ter alcançado ainda a iluminação. O medo de não ter méritos para engrandecer minha existência oprime meu peito até me tirar o fôlego. Se os deuses considerarem que eu poderia ter feito melhor, eles me julgarão sem indulgência e terei que pagar o alto preço que sua lei determina.

    Posso jurar que nunca quebrei nenhuma norma moral e sempre fiquei longe do impuro, mas hoje questiono se foi realmente o suficiente. Orar acompanhado da arte de escrever enriquece o espírito e o intelecto, mas nenhum deles me ensinou a ser feliz. E meu tempo de aprendizagem está se esgotando aqui esperando sentado pelos primeiros guerreiros, enquanto estes sobem a escadaria do templo, ansiosos para marcar com a espada o meu final.

    O imperador nos encurralou nos confins do mundo, um lugar onde o solo arenoso se cobre com o manto negro do mar para evitar as pegadas do homem. Um universo de águas revoltas que não distinguem o invasor do invadido, que enchem as redes de pescadores assim como afundam seus barcos para sempre no abismo em que surgem suas viúvas.

    Entre nós, há pastores que abandonaram o rebanho e, com sorte, ainda mantêm a companhia muda de um cachorro e seus piolhos. Músicos itinerantes que retratam com tristes notas sua melancolia, entre prostitutas e charlatões, com quem eles já compartilharam os becos sujos da cidade. Ao seu lado, velhos ferreiros encostam-se às paredes, exaustos por terem esgotado os braços forjando espadas rombudas, por meio das quais seus filhos perderão suas vidas. E entre todos eles, camponeses e mercadores distribuem os restos escassos de suas despensas para evitar que com o sol nascente sirvam de alimento ao exército invasor. Alguns beneficiados são, provavelmente, trapaceiros e ladrões que em alguma ocasião lhes terão roubado ou enganado, mas a estas alturas, ninguém se preocupa em julgar quem quer que esteja ao seu lado.

    É curioso ver como a angústia nos despoja. Retira do nosso interior todo o indício de preconceito e revela que, em essência, todos nós compartilhamos a mesma origem humana. Aguardamos juntos, alheios pela primeira vez à ordem social que sempre nos separou, dependendo mais do que o futuro nos trará do que do nosso passado. Nossas vidas podem ter transcorrido de modos diferentes, mas todas se juntarão no mesmo curso fatal.

    Por um longo momento ninguém se aproxima para falar comigo. Talvez ninguém mais conserve uma centelha de esperança, ou talvez estejam se apegando a ela com todas as suas forças, cautelosos em compartilhá-la com os demais. Não poderia. Na maioria dos casos, eles foram ensinados a viver sem esperança, permitindo que aprendessem por si mesmos que, às vezes, um pouco dela alimenta mais do que o pão.

    Não muito longe de mim, vejo uma mãe amamentando seu filho, uma criança de poucas semanas que até recentemente chorava e que talvez ainda não tivesse tempo para contemplar à terra em que nasceu. Muito melhor para ele. Não seria justo deixá-lo viver e abrir os olhos pela primeira vez para ver o mundo ao nosso redor. Provavelmente, nós não o construímos pensando nele nem tão pouco em nós mesmos. Lembro-me de sua mãe trazer frutas e legumes de vez em quando para o templo, sempre amigável e sorridente. Uma mulher fiel e generosa como ela não merece gerar um escravo.

    Sobre meus joelhos ainda descansam os poucos pergaminhos que pude trazer comigo na minha fuga. Eles são meus únicos pertences, a única coisa de valor que resgatei das chamas do incêndio. Escrevi-os com meu próprio punho ao longo de vinte anos, transcrevendo neles os mantras védicos que, de boca em boca, chegaram os nossos dias. Hoje, eles morrerão comigo em meio as labaredas ferozes que devolverão suas palavras para o lugar de onde eu consegui resgatá-los um dia. Muitas vezes, nós homens esquecemos que certas coisas não podem ser tiradas dos deuses, não importa quanto esforço façamos.

    Nunca mais vou esquecer disso.

    Como eu, outros também dedicaram suas vidas para preservar esse tipo de conhecimento divino, seja em pinturas, melodias ou entalhes de madeira e pedra. Isso me faz pensar se talvez a arte só atinge tal status quando é capaz de canalizar a essência do divino. Algumas dessas habilidades exigem anos de esforço por meio de entrega exclusiva. Que outras artes existirão cujo domínio requer mais dedicação do que uma única vida pode encerrar?

    Nas muitas paredes deste templo, esculpidas em granito, sobrevivem as imagens que os mestres pedreiros da região extraíram de alguns versos recitados. Ocupam os corredores, dando forma a nossa história. A história da destruição que estamos vivendo e a que ainda está por vir. No pequeno cômodo em que estou, longe das janelas que se conectam com o mundo, habitam nas sombras as cenas de que narram a grande Ode ao jovem libertador, aquele que poderia surgir entre nós para terminar com o invasor e devolver-nos a paz. Um menino destemido, com mais ímpeto do que habilidade, lutando, decidido, de encontro às forças inimigas que tentam se assenhorar de seu povo e tomar sua liberdade.

    Mas o invasor chegou e ninguém pôde sequer retardar o seu avanço. A região de Kalinga sucumbiu ao seu feroz ataque, como se a deusa Kali tivesse retornado à terra para aniquilar novamente toda a humanidade. Os povoados e cidades muradas caíram a sua passagem, vendo como brandia a arma com a qual, sem hesitar um momento, assassinou a seus irmãos para subir ao trono do reino. Seu avô, esse guerreiro valoroso capaz de expulsar de nossa terra o invencível rei da Macedônia, hoje se envergonharia ao ver o filho de seu filho que derramando o sangue de seus vizinhos para tomar-lhes suas casas.

    Enquanto isso, no pântano, entre rios de sangue e vísceras, não há sinal de herói nenhum; apenas um punhado de bravos defensores de seu povo que entregam sua vida antes de sua casa. E todos eles o fazem em vão.

    "Eles o chamam O Cruel. Um demônio furioso que não conhece o perdão nem a misericórdia, que se agiganta, acabando a vida de centenas de inimigos sem o menor traço de piedade. Acabará conosco e esmagará nosso reino somente para ordenar a seus escravos que o ergam novamente sobre nossas ruínas."

    Apenas espero que a justiça de Yama lhe traga o maior dos sofrimentos e sua alma vagueie perdida até o dia em que Brahma desapareça e o mundo seja absorvido pelo Absoluto primordial.

    Pode ser que nos encontremos lá, Oh, grande imperador!, e entre outros assassinos implacáveis, verei que você lamentar esses atos.

    Quisera eu o fazer e jamais duvides que assim o farei.

    Quando o imperador entra no templo com um grupo de batedores, ele aniquila sem compaixão todos os que encontra lá escondidos, sem distinções de sexo, casta ou idade. Depois, ele ordena que os corpos sejam levados para fora e queimados com os muitos outros cadáveres na pira mais próxima.

    O grande guerreiro permanece imóvel com os olhos fechados por vários minutos, sentindo suas palpitações se intensificarem com o ritmo decadente que marca o fim da guerra.

    A umidade do interior do templo refresca sua pele, queimada pelo sol e chamuscada pelo fogo das fogueiras. Entre aquelas paredes, só ouve os gritos distantes dos últimos a morrer, que se dissolvem no ar e alcançam seus ouvidos como um sussurro abafado.

    A calma do lugar faz a alma dele voltar do inferno mais profundo para o mundo terreno, como o efeito de uma droga que começa a diminuir depois de horas. Suas feridas e cicatrizes lembram que ele também é humano e, às vezes, ele pode até sentir dor. Os músculos de seus membros relaxam, seus traços marcados se suavizam e suas pupilas se dilatam no centro de seus olhos avermelhados. Seu aspecto lembra a de qualquer outro guerreiro corpulento de seu exército, apesar de manter esse halo de supremacia que o torna distinguível entre o resto de seus homens.

    O imperador tira o cabelo do rosto e esfrega os olhos, que parecem queimar ardendo de suor. As sombras que o cercam dissolvem-se timidamente no ar, revelando a riqueza das paredes magistralmente esculpidas. No chão, muito perto dele, entre documentos manuscritos, instrumentos musicais rudimentares e outros objetos órfãos, o imperador encontra uma tocha ainda incandescente. Protegendo-a entre as mãos, ele consegue avivar a chama com o hálito árido que vem de seus pulmões. Depois aproxima o fogo das paredes e descobre algo nelas que desperta seu interesse.

    Enquanto perpassa as paredes pisoteando o tapete sangrento que sua raiva tecera no chão, sua curiosidade inicial vai dando lugar a um medo que gradualmente se torna um sentimento mais profundo. É a primeira vez que ele sente algo assim em muito tempo e isso o pegou desprevenido, despojado do invisível e protetor manto da ira que o cobre na batalha.

    Uma sensação de fraqueza percorre seu corpo logo antes de sentir suas pernas se dobrarem e cair de joelhos. O horror que se apodera dele o faz estremecer, como só o frio dos picos mais altos do Himalaia conseguira fazer. Enquanto isso, lágrimas brotam de seus olhos, agora, olhos de um menino assustado.

    Ninguém jamais o viu fazer isso e ninguém nunca mais o veria fazê-lo, mas na escuridão daquele pequeno templo, perdido em um canto de seu imenso império, o grande conquistador chorou com sua alma despedaçada pelo resto da noite.

    Sob o brilho das estrelas

    Bhubaneswar, Orissa. Ano 1896 d. C.

    Nagesh observa o céu noturno pela pequena janela que havia aberto na parede. Seria difícil determinar o número de horas que pode ter passado ao longo da sua vida, deitado em sua cama contemplando o céu. Ele sabe que quando a noite cai e o mundo se tinge de negro, as criaturas mais perigosas do bosque saem para caçar e é hora de se abrigar esperando pacientemente pela luz de um novo dia. Apenas o céu lá fora, mesmo eivado dessa tonalidade lúgubre que o rodeia, permanece calmo e sereno e é povoado por luzes brancas que mitigam as trevas despejadas a seus pés. Assim, é preservado o equilíbrio universal que existe entre o bem e o mal, entre puro e a turvação que cega, e a vida pode continuar desse modo sua lânguida e desinteressante decadência. É algo que Nagesh sabe muito bem por isso espera, sob a proteção da lua e de seu séquito deslumbrante de estrelas, que o sono lhe arrebate pouco a pouco a consciência.

    Em um plano mais terreno, uma cortina o separa da escuridão perturbadora que coabita com eles no interior da choupana. Seu pai a pendurou alguns meses atrás na beira da cama, cansado de sua incessante insistência. Muitas vezes, ele tenta convencê-lo de que tem idade suficiente para enfrentar seus medos e avisa-o que, no dia em que ele menos esperar, vai retirá-la para fazer um manto com ela. Nagesh reconhece que um pouco mais de abrigo não seria nada mal nas manhãs geladas de pastoreio. Mas, por enquanto, ele continua preferindo passar um pouco de frio ao amanhecer se com isso consegue estar a salvo da escuridão ameaçadora.

    Mas lá fora esta noite tudo parece mais quieto do que o habitual. As aves que habitualmente narram com seus guinchos as histórias do bosque, hoje guardam silêncio e apenas espalham tímidos fragmentos de sua existência entre as folhas. É como se o imenso tecido vegetal que rodeia o universo tivesse parado e ninguém em seu seio tivesse mais nada para contar. Como se o tempo congelasse no coração de uma geleira e, embora certamente em movimento, seu progresso era decididamente imperceptível. São ocasiões nas quais se tem a impressão de que alguém deu muita corda no maquinário intrincado que move o mundo e, por menos que lhe peça, esta poderia durar para sempre.

    Às vezes, essas coisas acontecem, especialmente nas noites chuvosas, quando os animais permanecem imóveis e quietos, observando atentamente como as gotas caem sobre as folhas no chão. Então é a tempestade quem se encarrega de preencher sua partitura com pomposos sons aquosos.

    No entanto, há também momentos em que o destino é quebrado, como uma taça de cristal finamente trabalhada ao bater no chão e alguém anuncia aos gritos que de agora em diante tudo será diferente.

    Os dois intrusos atacam no meio da noite. Irrompem na choupana como se acabassem de se materializar nas profundezas do bosque. Eles não procuram agir com discrição ou cuidado, nem se importam por terem derrubado as ferramentas de trabalho que estão amontoadas ao lado da porta. Apesar da barulheira gerada, os intrusos estão longe de serem meros ladrões inexperientes.

    O barulho faz despertar em um sobressalto o pai de Nagesh, que logo percebe a seriedade do assunto e reage rapidamente. Instintivamente, trata de pegar uma enxada que fora dispensada e havia caído a pouca distância dele. Nagesh, de maneira oposta, é tomado pelo pânico e se encolhe sob o cobertor, fechando os olhos com tanta força que começa a ver luzes coloridas debaixo de suas pálpebras.

    Um dos assaltantes adivinha imediatamente as intenções do adulto e antecipa-as, chutando a ferramenta pouco antes deste poder agarrá-la. Depois, os dois atacam-no de uma só vez e o dominam com um punhado de movimentos bem calculados. Embora no interior da choupana ainda reine a escuridão, nenhum dos assaltantes negligenciou a constituição do homem — magro, mas bem definido, graças ao trabalho árduo e contínuo — e desde o início entenderam que agir juntos lhes pouparia esforços e possíveis contratempos.

    O pai de Nagesh tenta rebelar-se no chão desesperadamente, mas todas suas tentativas são em vão. Certamente, em outras circunstâncias, os intrusos teriam mais dificuldade em dominar um homem de tal porte, mas o fator surpresa joga a seu favor, e o mais corpulento dos dois logo consegue segurá-lo pelos braços. O outro aproveita para pegar um bastão do chão e o golpeia no estômago. O homem ruge de dor, esvaziando todo o ar em seus pulmões.

    — Quer que te matemos?! — vocifera o pequeno intruso a apenas dois palmos de seu rosto. Com um novo soco no estômago, ele deixa claro que não espera nenhuma resposta. — Maldito monte de lixo! — grita novamente, acompanhando sua retórica com novos golpes.

    Enquanto o invasor corpulento mantém o homem imobilizado, cuja resistência é cada vez menor, seu confrade dá uma rápida olhada no cômodo, inspecionando cada canto. Nagesh continua escondido sob seu cobertor, paralisado como se este houvesse solidificado sobre seu corpo e impedisse seus movimentos. Ao ouvir os passos do invasor pela cabana, o menino sente o sangue gelar em suas veias e seu coração parece parar de repente.

    Do lado de lá, o agressor atarracado decide soltar sua presa, deixando-a cair no chão, atordoada pela quantidade de golpes recebidos. A cabeça do pai de Nagesh bate violentamente contra à terra, fazendo-o perder a consciência. Ao ouvir isso, Nagesh não pode evitar que um gritinho de angústia escape de seus lábios, traindo sua presença e sua localização.

    — Atrás daquela cortina! — grita o pequeno bandido para seu confrade, mostrando quem é o líder.

    — Eu ouvi! — censura o outro, aborrecido, fazendo um gesto de desprezo com a mão para que o primeiro pare de dar ordens.

    O gigante vem para perto de Nagesh chutando tudo o que ele encontra no chão e afasta com um puxão a fina cortina que os separa. Por trás dela, descobre o pequeno volume redondo que forma o corpo da criança encolhido sob o pedaço de tecido grosseiro. Vendo-o tentar se camuflar dessa maneira, o agressor não pode conter uma risada alta.

    — Bem, parece que há algo se movendo aqui embaixo! — exclama com ironia e, com um movimento rápido, retira o pano que cobre o menino. — Ora! Se não é um camundongo!

    Ao perceber que está descoberto, Nagesh tenta fugir, mas o homem estica o braço até ele e agarra sua cabeça com sua grande mão, forçando-o a sentar na cama.

    Por alguns momentos que parecem eternos, Nagesh tem em frente a ele um dos assassinos de seu pai, mas o medo o impede de abrir os olhos e deparar-se cara a cara com o algoz. Nota sua respiração profunda, carregada de odores nauseantes, fustigando-lhe o rosto como ondas a um penhasco. É desagradável até mesmo para ele, que está acostumado a viver entre o gado, onde o cheiro azedo do esterco predomina sobre todos os outros.

    O invasor corpulento leva sua mão esquerda para a parte de trás do cinto e fecha seus dedos grossos no cabo de uma faca alongada. Mas quando ele se prepara para sacar a arma, algo parece fazê-lo parar.

    — Terminemos o trabalho antes que toda essa sujeira nos cubra completamente e vamos sair daqui de uma vez! — ordena o pequeno assaltante enquanto chuta com a ponta da bota o pai de Nagesh que ainda está deitado no chão.

    Quando se assegura de que ele não reagirá, acende um fósforo e aproxima-o da pilha de palha seca que forma sua cama.

    A palha logo assume um vermelho ardente, emitindo uma fumaça sufocante que sobe furiosamente sobre suas cabeças. O homem menor leva a mão à boca para não respirar a fumaça, que está se tornando cada vez mais densa. Assustado pelo avanço frenético das chamas, o assaltante dá uma última ordem ao seu confrade para se apressar e decide deixar a choupana sem demorar nem mais um minuto.

    O sujeito corpulento, por sua vez, parece debater-se internamente entre tirar a vida do menino ou deixá-lo na cabana e para que seja o fogo que cumpra o seu propósito. Com certeza, nunca havia demonstrado nenhuma hesitação em apagar do mapa tantas crianças quantas precisasse, de infinitas maneiras diferentes e sempre com a mesma determinação. E seguramente considerava seu trabalho digno como qualquer outro. Se alguém lhe perguntasse por que ele se dedicava a isso, responderia, convencido, que se não fosse ele a realizá-lo, alguém que o seria.

    Enquanto isso, as garras do fogo se fecham ferozmente, reduzindo efetivamente as rotas de fuga. O homem começa a ficar impaciente com a dúvida e finalmente decide descartar divagações que aprofundem sua insegurança, jogando o corpo da criança na cama. Em seguida, dá meia volta e vai tossindo em direção à porta.

    Mas o homem para de novo, virando a cabeça para trás.

    Esse maldito menino!

    Lá fora, seu comparsa o espera a uma distância prudente. Ao redor do batente da porta, se torna mais forte um halo flamejante que ameaça lançar-se sobre a cabeça daquele que ousasse atravessá-la. Nesse momento, as vigas do teto rangem, enfraquecidas pela combustão. O homem fecha os olhos, protege o rosto sob o braço e atravessa o arco de fogo.

    Como se a sorte estivesse ao lado dele, um momento depois, o telhado cede junto ao umbral, deixando este enterrado sob um punhado de escombros.

    — Não diga que a esta altura uma criança lhe fez duvidar sobre quem você é — insinua o agressor menor, antes de tossir secamente na sua cara. O grandalhão olha para ele com olhos lacrimosos e, mais uma vez, faz um gesto de desprezo. A última coisa que ele planeja fazer é descrever a enorme insegurança que ele sentiu ao segurar o rosto do menino.

    Os dois viram-se e acabam de testemunhar como as chamas colossais devoram avidamente a pequena construção de adobe, madeira e palha.

    Depois de alguns minutos, o atacante menor decide devem se distanciar dali, antes que alguém os encontre na área e os ambos se embrenham no mato que cresce na borda da estrada.

    Nagesh desperta ao sentir as primeiras gotas de água cravando-se como agulhas frias sobre o seu rosto. Está caído no chão, a pouca distância dos restos ainda fumegantes da cabana. Muitas brasas ainda permanecem incandescentes ao lado de utensílios de metal deformados pelo calor e alguns troncos grossos que não foram totalmente consumidos pelo fogo. No entanto, não se distingue nenhum resto do corpo de seu pai, nem mesmo buscando no lugar onde o homem estava inconsciente. É possível que ele não estivesse vivo quando as chamas se iniciaram.

    O primeiro movimento do menino é apenas um leve tremor.

    De fato, vários minutos se passam antes que ele consiga se apoiar em seus joelhos e sentar-se, ainda com muita dificuldade. Seus membros estão dormentes, talvez por ficarem tempo demais em uma má posição e o formigamento que passa por eles os sacode abruptamente, quase dobrando-os.

    Nagesh se sente aturdido e desorientado pela grande quantidade de fumaça inalada. Pode notar o gosto horrível de cinzas em sua boca. Tem a sensação de que ainda está flutuando em um sonho e pede com todas as suas forças que termine o mais rápido possível. Ora para que sua mente esteja satisfeita com o sofrimento infligido a este ponto e permita que ele acorde de repente, descansando pacificamente em sua cama, sob o brilho das estrelas.

    Mas longe de desaparecer, os eventos ganham cada vez mais lucidez, constância e nada pode ser feito para detê-los. Eles parecem saber como se agarrar na sua cabeça e torturá-lo lentamente para manipulá-lo à vontade. Como vermes famintos de vísceras pulsantes eles corroem suas entranhas, forçando-o a jurar que nunca se perdoará por não ter feito nada para ajudar seu pai. Nada além de se esconder como um covarde sob um velho cobertor puído.

    Depois que diversos minutos lutando para voltar a si, o menino consegue recuperar um resquício de integridade e começa a caminhar seguindo a trilha. Sem traçar nenhum rumo específico, move-se pela inércia como um sonâmbulo atraído por uma melodia estranha e irresistível. Sobre sua pele, a intensidade do frescor da noite e a umidade do ambiente silenciosamente vão contribuindo para a recuperação lenta dos seus sentidos, e pouco a pouco o sangue volta a fluir por suas veias.

    Embora em alguns momentos pare de chover, as chuvas que tem caído há vários dias transformaram a trilha num lamaçal intransponível. Na parte superior, a passagem do gado que a percorre diariamente criara uma camada macia e irregular de barro de vários dedos de espessura na qual seus pés afundam como sugados pelo solo.

    Dadas as dificuldades, o menino opta por manter-se às margens do caminho, onde a grama proporciona mais estabilidade para deslocar-se. Por ela, Nagesh se move lentamente por um longo tempo até que as gotas geladas e familiares de água começam a cair novamente e o fazem apressar o passo. Embora neste momento não perceba, é a primeira vez que ele entra na escuridão da noite, algo que nunca ousou fazer, nem mesmo acompanhado por seu pai.

    Enquanto caminha, a mente de Nagesh volta de novo e de novo ao momento do incidente. Uma repetição cíclica de imagens fantasmagóricas que — sem ter sido uma testemunha ocular — o fazem reconstruir uma boa parte do que aconteceu. A cena é reforçada pelos sons captados por seus ouvidos. Em particular, Nagesh lembra as vozes dos dois malfeitores e suas gargalhadas repulsivas, mais parecidas com o grito de um porco sendo abatido do que com qualquer outro som provocado por um ser humano. Um som que nunca mais poderá esquecer, por mais que tente enterrar seu eco sob uma montanha de pensamentos tranquilizantes.

    Talvez se ele tivesse conhecido sua mãe, o calor de sua memória diminuísse o grande buraco que acabara de se abrir dentro dele. Seria para ele como aquelas raízes que, em última análise, impedem o passante desavisado de afundar para sempre em um poço de areia movediça. Mas, infelizmente, Nagesh nunca poderá recorrer a eles.

    Neste tempo úmido, basta colocar os pés por um momento em qualquer poça, para que as sanguessugas se enganchem fortemente à pele. E com o caminho alagado daquela maneira, quando Nagesh começa a sentir, vários parasitas que viajam presos em suas pernas se sentem totalmente satisfeitos. Contudo, ele não notou uma única das afiadas mordidas que os animais escorregadios distribuíram sobre a pele de suas extremidades inferiores.

    Um dos primeiros edifícios que se erguem ao lado da estrada, aproveitando a proximidade de grandes áreas arborizadas e campos férteis, é a Abadia de Bhubaneswar. Provavelmente, guiado por seus instintos, Nagesh não chega a pensar em nenhuma outra alternativa para buscar ajuda que não a congregação religiosa dirigida pelo bispo Monsenhor Dumont. Sabe que mais além da zona limítrofe da cidade não vale a pena pedir ajuda. O mais seguro e sensato, de fato, é evitar embrenhar-se em suas ruas, pois mesmo aproveitando a camuflagem das últimas sombras noturnas, o infortúnio pode esperá-lo em qualquer esquina.

    Felizmente, algum dos monges deve ter saído a pouco e o portão de entrada para o pátio da abadia se encontra aberto. Se não fosse esse o caso, provavelmente nenhum deles ouviria a campainha e Nagesh teria que esperar que se levantassem para rezar.

    O menino cruza a distância que o separa da porta do edifício principal como uma alma atravessando o mar de tumbas em um cemitério.

    Com a mão trêmula, bate a aldrava duas vezes seguidas e aguarda sob a chuva insistente que, longe de diminuir, parece querer se intensificar. Depois de alguns segundos, sem resposta, bate novamente com mais força. Então, alguém desliza a tampa do postigo para o outro lado e revela um par de olhos expectantes que são imediatamente fixados em sua silhueta.

    — Quem chama a esta hora? — pergunta uma voz insegura, pouco antes de reconhecê-lo — Nagesh??

    Em seguida, ouve-se o rangido da tranca de ferro e a porta se abre até a metade. Por trás dela está Anuj, o jovem noviço do bispo, com a expressão de quem viu um fantasma.

    — Nagesh, entre! Mas o que aconteceu com você? — pergunta ao garoto preocupado, sem receber resposta.

    Do final do corredor emerge então a figura curvada do Irmão Alfred, que caminha apressado até eles, carregando uma vela que não ilumina muito. Antes de dizer uma palavra, o monge fecha a porta novamente com o ferrolho, esfrega a sua careca e aperta vigorosamente o nó do hábito.

    — Mas... o que aconteceu? O que você está fazendo aqui a estas horas? — pergunta então o Irmão Alfred, quase parafraseando o noviço e recebendo a mesma resposta. — Nós vimos o que parecia ser um pequeno incêndio no bosque. Não terá isso nada a ver com a razão que fez você vir, certo?

    Assumindo o silêncio por uma resposta, o Irmão Alfred empurra o jovem para dentro da abadia, ainda aquecida pelo fogo que sobrevive na cozinha e o faz sentar-se em um banquinho. Enquanto isso, Anuj é enviado para o seu quarto, em busca de um pesado cobertor e um hábito limpo para que Nagesh possa trocar de roupa.

    O monge dá uma rápida olhada ao redor e pega uma faca da mesa para esquentá-la no fogo por alguns segundos. Quando a folha de metal se torna incandescente, o Irmão Alfred aproxima-a das várias sanguessugas que resistem aderidas às pernas do menino. Os parasitas se retorcem e se desprendem submissos ao contato com o ferro quente, deixando alguns fios finos de sangue que atestam essa breve convivência.

    Quando volta à cozinha, Anuj ajuda o monge a despir Nagesh e secar seu corpo antes de colocá-lo na veste que lhe trouxe. Como o físico do noviço se parece com o de Nagesh, a roupa lhe cai muito bem. Não é novo nem bonito e é áspero ao toque, mas ter conseguido se livrar das roupas encharcadas e começar a sentir o calor do fogo o deixa confortável.

    Quando terminam de vesti-lo, o Irmão Alfred pega uma tigela na prateleira e a enche com um pouco da sopa que sobrou do jantar. Com um gesto bastante paternal, ele a entrega a Nagesh, que concorda em tomar mais por aquecer-se do que por apetite.

    Enquanto observa como ele esvazia a tigela de sopa, o Irmão Alfred tenta esclarecer os fatos, fazendo-lhe várias perguntas, mas não consegue fazer Nagesh abrir a boca para outra coisa senão colocar a colher dentro. Entendendo que o que a criança mais precisa é de descanso e tranquilidade, o monge resolve deixá-lo tomar o caldo em silêncio.

    Quando Nagesh termina, o Irmão Alfred o acompanha até uma cela livre no último andar. Lá ele o ajuda a se despir e o coloca na cama. Depois, ele se retira para seu próprio quarto para rezar a prima, já depois das seis da manhã. Aproveitando o fato de já estar acordado, o noviço faz o mesmo no andar de baixo.

    Mas enquanto o Irmão Alfred se une às orações individuais que cada monge efetua para si mesmo em solidão, o bispo Dumont decide permitir-se mais alguns minutos de atraso. Leva um bom tempo olhando pela janela com o rosto inexpressivo para o lugar de onde, até que a chuva a dissipasse, subia uma fina coluna de fumaça. Tanto poderia estar a sua mente vazia como debatendo dilemas existenciais, mas a esta altura de sua vida, suas duras feições sabem perfeitamente como ocultar seus pensamentos.

    Depois de alguns minutos de cautela, calcula que os monges já haviam voltado para suas camas. Monsenhor Dumont sai silenciosamente do quarto e desce as escadas devagar, como se a última coisa com a qual se preocupasse no momento fosse cumprir suas obrigações religiosas. No entanto, ele nem sequer pensa em desistir de seu dever clerical esta manhã. Um novo dia está prestes a começar, a partir do qual tudo será diferente e Monsenhor Dumont julga que deve dar graças ao Senhor por isso.

    Não é um dia especial

    Abadia de Bhubaneswar, Orissa. 1900 d. C.

    — Tá bom! Desisto! — protesta o menino, desesperado, soltando os úberes do animal nervoso e deixando-o ir com o resto do rebanho.

    — Você ainda não desistiu? — pergunta seu amigo ao chegar perto dele e ver que o fundo do balde está apenas manchado com algumas gotas de leite. — Se continuar tentando, você conseguirá que as cabras deem leite coalhado por um mês, no mínimo.

    — Você acha?

    — Claro! Reconheça de uma vez, Nagesh: você não tem aptidão com o gado.

    Nagesh resmunga resignado. Não lhe agrada ter que admitir sua derrota, mas sabe que, no fundo Anuj está certo: ele não tem muito jeito no trato com os animais.

    — Você está certo no final — lamenta o menino, balançando o balde entre as pernas. À medida que oscila, o leite deixa uma película branca por toda a superfície lateral metálica. — Não entendo porque se comportam assim comigo. Eu os trato com a mesma suavidade que você. Eu acaricio-os, lhes dou de comer e limpo seus cascos quando chove e estão cobertos de lama. Às vezes, eu até canto baixinho para que se acalmem. Mas nada disso funciona e, toda vez que me aproximo, eles se mostram tão ariscos quanto no primeiro dia.

    — Espere, espere... Você disse que canta para eles? — se surpreende seu amigo antes de rir. — Vejam só! Eu não imaginava que você soubesse cantar. E onde você aprendeu essas canções? Na cidade?

    — Não zombe de mim — repreende, irritado, Nagesh — Meu pai cantava a maioria delas quando eu era pequeno, para que eu adormecesse e guardo de cor todas elas. Além disso, você sabe que há muito tempo eu não vou à cidade.

    — Perdão, Nagesh — pede desculpas o amigo, fingindo um grande arrependimento. — Talvez eles simplesmente não gostem do seu jeito de cantar — resolve, voltando a rir.

    — O que acontece é que, neste convento estúpido, você nunca ouviu outra coisa que os assobios irritantes do flautim do Irmão Zakkary e isso o impede de apreciar outras melodias que realmente valem a pena.

    — Não é um convento, é um mosteiro — corrige-lhe Anuj — Mas nisso eu concordo com você, o Irmão Alfred nunca deveria ter dado o flautim a ele. Tenho certeza de que, com o tempo, ele mesmo chegou a essa conclusão.

    — Mosteiro, convento... tanto faz — diz Nagesh, indiferente, levantando-se do banquinho e colocando o balde ao lado de seu confrade — Você termina a ordenha. Enquanto isso, eu irei a horta para regar. Já faz vários dias que não chove e as hortaliças estão começando a secar.

    — Não acredito que demore muito para isso acontecer — observa o noviço olhando para o céu, aparentemente bastante calmo — Acho que você trabalhará em vão.

    — Já o fiz tentando ordenhar esses malditos animais — resmunga novamente o garoto apontando para o grupo de cabras que pastavam com brandura próximo a cerca.

    — Ei, Nagesh — diz seu confrade antes de o menino sair do celeiro — Não esqueci que hoje é seu aniversário.

    Nagesh não havia se dado conta até agora, mas isso não impedia que hoje fosse, de fato, o dia de seu aniversário. Era o quarto ano que morava dentro do mosteiro, longe de sua casa e de seu pai, e também o quarto que nem percebera passar. Como nas ocasiões anteriores, o noviço do bispo teve que lembrá-lo.

    — Tenho algo aqui para você — diz ele, entregando-lhe um pequeno objeto longo envolto em um pedaço de pano.

    — Que...? —pergunta Nagesh surpreso.

    — Sim, este ano eu queria te dar um presente. Afinal, não se completa dez anos todos os dias.

    — Não precisava — reconhece o menino com certo pesar por não ter tido um cuidado semelhante com ele — Eu nunca te dei presentes.

    — Sim — diz o amigo sem dar a menor importância — Isso é porque você não poderia fazê-los, mesmo que pensasse nisso.

    Nagesh desembrulha o pacotinho com cuidado e dentro encontra uma pequena faca com seu nome gravado a fogo no cabo de madeira. À primeira vista, percebe-se que foi feito por alguém inexperiente, porque revela em partes iguais essa mistura de falta de jeito e anseio que os iniciantes colocam em seus trabalhos. A lâmina da faca brilha impecavelmente refletindo a luz do sol, até pouco antes de uma nuvem encobri-la. Nagesh tateia seu fio com o dedo. É um metal de baixa qualidade que é capaz de perder o fio apenas cortando o ar, o que para Nagesh não diminui nem um pouco a intenção que a acompanha.

    — Fiz isso com o Irmão Alfred, mas ele mal teve que me ajudar — reconhece o menino, muito orgulhoso.

    — Obrigado, Anuj — sorri um lacônico Nagesh. É uma careta forçada, mas satisfaz seu amigo, que vira e assobia para chamar a atenção da cabra mais próxima.

    O animal se aproxima preguiçosamente ruminando uma bola de palha. Anuj coloca o balde debaixo dos úberes e começa a ordenhá-la com destreza.

    — Ei, Nagesh, se você for à horta, por que não colhe algumas batatas? Vamos preparar coelho para celebrar o seu aniversário e desta vez as batatas servirão de guarnição, não como prato principal. As que estão na despensa estão cheias de brotos, então vamos deixá-las para outra hora. Pegue as que estão próximas à parede, são as que semeamos primeiro. Espero que o Irmão Gorgonio não perceba que usamos as frescas antes das outras.

    — O bispo lhe deu permissão para matar um coelho? — Nagesh pergunta sabendo que o Monsenhor Dumont não está muito disposto a concordar com a inclusão da carne no menu cotidiano.

    — Claro. Ele disse que é uma vez na vida.

    Nagesh tem certeza de que essas palavras nunca foram pronunciadas pelo bispo, muito menos para justificar a comemoração de seu aniversário. Mas seu estômago lhe diz para obedecer e parar de questionar seu amigo.

    — Está bem. Batatas para acompanhar um ensopado de coelho — confirma, sem muita convicção ao sair pela porta do celeiro.

    Cruzando o quintal em direção à horta, Nagesh dá uma nova olhada na faca que Anuj lhe deu. Se não fosse por mantê-la em suas mãos, neste momento já teria esquecido de novo que é seu aniversário. Embora, para dizer a verdade, não é algo que fosse importante para ele. Não é um dia especial para ele e nem mesmo sente que tem algo para celebrar. Não entende por que Anuj insiste todos os anos em considerar o contrário. Ele acredita que em uma vida como a dele, o dia concreto em que alguém acorda todas as manhãs não tem grande relevância. Durante esses anos, a única data que ele nunca apagou de sua cabeça foi o dia em que os dois estranhos atearam fogo a sua choupana e mataram seu pai com uma surra. Faz dois meses e dezesseis dias que se completaram quatro anos do ocorrido, mas as lembranças continuam vivas em sua memória como no primeiro dia e muitas noites dançam na sua cabeça por horas antes de deixá-lo cair no sono. Às vezes, mesmo já tendo dormido, estes se mantêm despertos em seu cérebro e o fazem reviver mil e uma vezes o ocorrido. Ele não se lembra de todos os detalhes daquela noite claramente; alguns deles foram relegados às profundezas do subconsciente e outros escaparam de seu olhar. Mas, enquanto ele afunda os joelhos no chão e começa a arrancar os tubérculos roxos arredondados, Nagesh jura novamente pela coisa mais sagrada que fará com que eles paguem caro pela sua desgraça.

    Uma ligeira alteração no conteúdo

    Na realidade, a abadia é um conjunto de pequenas edificações unidas entre si ao redor de um pátio central e separadas do exterior por um grosso muro de pedra. Foi construída vários séculos antes de que servisse de fortaleza militar ao exército mugal, quase duzentos anos atrás, em sua época de maior expansão e prosperidade. Quando esse grande império começou a entrar em colapso, os britânicos tomaram o controle e começaram a utilizar o local para fins militares inicialmente e religiosos mais tarde. Desse modo, fundou-se em seu interior um pequeno mosteiro para abrigar a alguns dos primeiros monges que chegariam à região poucos meses depois. Assim, fez-se o estabelecimento de um novo credo que se unia a imensa amalgama de religiões já existentes no subcontinente, com a inegável ambição de abrir seu caminho entre elas.

    A passagem do tempo se encarregou de converter a abadia em um dos enclaves mais antigos do cristianismo no leste da Índia, apesar de seu impacto limitado.

    Durante os últimos anos, poucas reformas estruturais foram realizadas no complexo, entre outras coisas, porque os monges geralmente não veem com prazer que alguém invada seu lugar de oração com o martelo e o cinzel.

    Quase como originalmente, o prédio principal ainda tem dois andares habitáveis, além de um sótão que talvez pudesse ser considerado como um terceiro e que está praticamente vazio. O piso térreo é composto pela cozinha, a sala de jantar, o refeitório, duas pequenas salas obtidas da divisão de uma sala maior, a biblioteca, as latrinas e um corredor em forma de L que conecta cada sala com as outras. O andar superior é constituído exclusivamente por duas fileiras de quartos individuais, ocupados principalmente pelos monges e pelo bispo. Ambos os pisos estão ligados por uma escada estreita, que também dá acesso ao armazém do sótão. Embora não possa ser considerado precisamente um palácio, o edifício é grande o suficiente para permitir a coexistência de monges sem que tenham que ficar o dia todo colidindo uns com os outros. E no caso improvável de que a comunidade se expandisse, ainda estaria garantido de um certo espaço individual para cada um.

    De todas as construções que formam a abadia, a segunda em tamanho é a capela. Foi construída a partir dos restos de um antigo depósito de armas e oferece um lugar solene que convida à meditação profunda devido a suas pequenas janelas elevadas pelas quais entra uma luz cálida de manhã e durante o pôr do sol. Nas palavras do Monsenhor Dumont, um altar modesto e quatro fileiras de bancos são quase tudo o que é preciso para celebrar uma boa missa. O restante são um par de ouvidos, uma boa dose de devoção e a palavra de Deus. Em geral, ninguém contestava ou rejeitava tal afirmação.

    A capela tem um modesto campanário, de onde ressoam todos os dias os chamados ao ofício religioso e um belo relógio pregado na parede exterior, em que os raios do sol mostram pontualmente as horas canônicas. É preciso dizer que a pessoa que o instalou não gozava de grande habilidade e, devido a um mau posicionamento, o relógio tem uma imprecisão de uns cinco minutos. Mas sabendo disso, nenhum monge pode usar isso como uma desculpa para um atraso em seus deveres.

    Formando um pátio interior quadrangular estão as dependências dos animais. No passado, serviam como estábulos para abrigar os cavalos dos guerreiros mongóis, mas hoje em dia são adaptados para uso somente pecuário. Em um espaço relativamente pequeno, os monges fizeram um estábulo menor, onde podem criar um pequeno rebanho de cabras e ovelhas, um chiqueiro com alguns porcos e um viveiro para galinhas e galos. Também, de vez em quando, os monges recebem alguns filhotes de coelho que passam para um pequeno cercado em um canto do viveiro, e os alimentam com folhas de beterraba até obterem o peso certo para serem abatidos ou vendidos.

    Além dos edifícios anteriores, a abadia também conta com uma carpintaria, um armazém, um forno a lenha onde pão e biscoitos são assados, uma adega para preservar o vinho produzido pelos próprios monges e um galpão usado principalmente como celeiro.

    Pode-se considerar que a origem da abadia, como é conhecida hoje, remonta ao ano 1877, quando um dos monges superiores que a ocuparam, o Irmão Jeremy, recebeu a distinção de abade, transferindo esse reconhecimento ao mosteiro que passou a ser conhecido como a Abadia de Bhubaneswar. Na verdade, isso não passou de um capricho do governador da época; foi a primeira ideia que lhe veio à cabeça quando pensou em agradecer ao monge por seus serviços espirituais, mas a denominação de abadia foi bem recebida e perdurou com o passar dos anos.

    Seu início foi marcado pela instabilidade causada por pessoas inseguras e hesitantes, que se sentiam particularmente perdidas em um lugar como esse. A mudança cultural, nutricional e até mesmo climática diminuiu a vontade e o carisma dos primeiros pregadores que, longe de promover o espírito cristão entre os habitantes locais, passavam horas ocupados com suas próprias lamentações.

    Nos anos seguintes, várias gerações de religiosos se seguiram sem que entre eles surgisse um líder verdadeiramente capaz de consolidar-se dentro da comunidade, quanto mais de dotá-la de uma certa atração para que os adeptos de outras religiões se interessassem por ela. De alguma forma, a abadia acabou se acomodando em atender às necessidades dos britânicos, mas estava longe de ter a relevância que a Santa Sé desejaria para qualquer uma de suas dioceses ou prefeituras apostólicas.

    Esse período de estagnação pareceu chegar ao fim com a morte do último abade e a chegada do bispo Monsenhor Dumont. Mas depois de um começo promissor cheio de energia e determinação, sua contribuição terminou resultando tão improdutiva quanto as de seus antecessores e a Abadia se viu afundar novamente no mais impressionante ostracismo.

    O bispo Dumont começou seu mandato assumindo que a antiga fortaleza continuaria a manter a denominação da Abadia, embora ele deixasse claro desde o início que não estava disposto a ser rebaixado ao tratamento de abade. Mas além de não interferir no modo com que as pessoas poderiam referir-se ao mosteiro, coisa que no fundo pouco lhe importava, ele não fez muitas concessões mais. Dumont estabeleceu uma rotina rigorosa aplicável a todo aquele que decidiu continuar na ordem, impondo entre outras coisas a obrigatoriedade de cumprir as horas canônicas menores e maiores, além da celebração de duas missas diárias - uma matinal exclusiva para os monges e outra vespertina de portas abertas para os que quisessem participar nela. Os serviços confessionais continuariam mantendo sua relevância, tornando-se extensíveis também ao final de semana.

    As medidas foram recebidas com um moderado desagrado, ao qual nenhum dos monges ousou dar voz, e foi sustentado pela opinião de que o excesso de horas dedicadas a oração não influenciaria absolutamente nada. Mas logo se acostumaram as novas exigências sem ressentir-se demais com esse aumento polêmico. Também não planejavam opor-se firmemente às exigências voluntariosas do novo bispo feito abade. Na verdade, suas ocupações eram poucas e não perdiam a oportunidade de fazer outras coisas porque estavam rezando mais.

    No âmbito econômico, o bispo Dumont logo se reuniu com o Irmão Anderson para elaborar um plano que impulsionasse o poder de compra da congregação, sujeito ultimamente a contribuições governamentais e doações privadas. O Monsenhor Dumont compreendeu a necessidade de tomar as rédeas das finanças internas e concentrou seus esforços na agricultura e no artesanato. Não por acaso, a abadia tinha terras sub exploradas que poderiam abastecer a própria comunidade e oferecer um excedente destinado à venda.

    Mas depois de algum tempo, o bispo descobriu que seus planos pecavam pela pretensão e eram desproporcionais. Afinal, havia apenas meia dúzia de religiosos idosos e cansados no mosteiro que não tinham mais a energia ou o desejo de realizar um trabalho físico tão exigente em troca de algumas moedas que absolutamente não queriam. Em geral, suas únicas necessidades consistiam em não passar fome ou não adoecer, orar todos os dias para que Ele lá em cima não se sentisse desapontado e ler durante horas alguns textos com temas diversos. Naturalmente, cada um dos monges tinha seus próprios interesses e hobbies, mas estes também não pareciam servir para recuperar monetariamente uma instituição que corria o risco de ficar desatualizada e obsoleta.

    Desse modo, o bispo Dumont acabou sucumbindo a negligência histórica que desde sempre havia cercado aos diferentes administradores da abadia, limitando suas aspirações a um plano mais terreno e tangível. Os irmãos o agradeceram. 

    Desde a sua chegada, a ordem hierárquica na abadia havia sido claramente estabelecida, resumindo-se com incrível simplicidade: Monsenhor Dumont era quem a dirigia e tomava todas as decisões. É verdade que, na prática, alguns monges o assessoravam pessoalmente e a maioria dos assuntos eram tratados em comum antes que qualquer decisão fosse tomada, mas ele sempre reservou a última palavra para si.

    O principal colaborador do bispo e seu braço direito desde o início foi o Irmão Anderson, que até então servira como vigário geral e também era responsável pelas finanças da abadia. Ele era um dos religiosos que estava lá há mais tempo, tendo coincidido com os dois últimos abades e, portanto, conhecia bem a situação da abadia, o quadro social em que se enquadrava e como evoluíra ao longo dos anos. O Irmão Anderson logo conquistou a confiança total do Monsenhor Dumont, que lhe permitiu continuar administrando os fundos que tinham. Mesmo assim, o bispo não hesitou em reservar-se o direito de supervisionar as suas tarefas de tempos em tempos, de modo a estar sempre ciente da situação financeira.

    Outro monge com grande peso no mosteiro era o Irmão Saravanan, um nativo convertido e seduzido pelo pensamento ocidental que, no entanto, conservava arraigados seus princípios hinduístas. Embora aos olhos do bispo ele os guardasse em segredo e apenas externasse uma delas, o Irmão Saravanan combinou internamente ambas as crenças, cristianismo e hinduísmo, aproveitando o melhor de cada segundo a conveniência. O Irmão Saravanan havia entrado na abadia com outro de seus confrades, o Irmão Visharad, que era mais impulsivo e temperamental. Ambos prestaram serviços sacerdotais durante anos em um templo hinduísta na cidade, onde conquistaram grande status e amplo reconhecimento. Eles chegaram com muita esperança e imediatamente abraçaram a nova doutrina sem reservas, convencidos de que finalmente haviam encontrado seu lugar definitivo no mundo. Quando o Irmão Visharad, insatisfeito de acordo com a versão oficial, preferiu retornar ao seu antigo credo, o Irmão Saravanan teve que avaliar seriamente seu futuro. Depois de muita meditação, decidiu permanecer na abadia, porque no fundo não perdeu a esperança de encontrar nela o que procurava há tanto tempo e não conseguira encontrar em todos os anos no sacerdócio anterior.

    O Monsenhor Dumont usou o Irmão Saravanan para conhecer mais facilmente a natureza das pessoas do lugar, as estruturas e divisões territoriais existentes e como lidar com esse choque de culturas tão particular, sem riscos nem equívocos. O bispo sabia perfeitamente que era necessário compreender a mente de uma pessoa para influenciá-la, de modo que, se pretendia aproximar sua religião dos habitantes de um lugar dominado por outra, deveria aproveitar as fraquezas que apresentavam. Embora Monsenhor Dumont não gostasse de pensar nesses termos, ele seria como um parasita que busca as feridas de um animal para depositar seus ovos. Ele sabia que qualquer atalho moral era uma brecha para penetrar na consciência do ser humano e, uma vez dentro, esta poderia ser alterada à vontade.

    Não era hora de impor doutrinas pela força. Não seria sensato tentar fazer isso. Não enquanto eles fossem minoria.

    Além de interceder nas relações interculturais do bispo, o Irmão Saravanan desempenhava tarefas essenciais de tradução. Em geral, os britânicos tinham muitos problemas para lidar com o hindi e, especialmente com o dialeto desenvolvido na região de Orissa, o oriá. Monsenhor Dumont começou a usar um inglês adaptado nos serviços religiosos para que sua mensagem pudesse alcançar o sempre reduzido número de locais presentes que, gradualmente, foram aprendendo a usar o inglês para se comunicar entre eles, após anos de ocupação britânica.

    Também Nagesh, e em seu tempo Anuj, também tiveram sérias dificuldades para entender a língua estrangeira e mais ainda para se expressar nela. Com muita paciência, o Irmão Saravanan foi ensinando-lhes algumas palavras e pequenas frases para se comunicarem de uma maneira mais ou menos fluente com os outros monges da abadia. Nagesh não sabia falar bem ou mesmo escrever em sua língua nativa, então para ele era muito difícil aprender novas expressões em uma língua desconhecida e diferente. Graças ao Irmão Saravanan, ele pode arrumar um jeito de comunicar-se com os demais de forma rudimentar nos primeiros meses, sob a pressão constante do Monsenhor Dumont, que via na sua falta de compreensão uma séria barreira para inculcar-lhe novos valores religiosos. Assim, embora quando o bispo visitava as aldeias empregasse um hindi muito limitado que lhe servia para se comunicar com as crianças e os adultos, dentro de seus domínios ele se negava completamente a usá-lo.

    Seguindo na estrutura hierárquica da abadia encontravam-se os Irmãos Jacob, Gorgonio, Alfred e Zakkary, quatro religiosos idosos com poucas pretensões de progredir na ordem.

    O Irmão Jacob estava à frente do Irmão Anderson, por sete ou oito anos; era o membro mais antigo da abadia. Tratava-se de um monge sexagenário que no passado desempenhou um papel fundamental na consolidação da congregação. Sua sabedoria ajudou a forjar boas relações com o governo local, promovendo uma era de entendimento que resultou em bons subsídios e certos privilégios fiscais. Durante esses anos, a abadia foi parcialmente remodelada e a propriedade dos campos adjacentes lhe foi concedida, o que se tornou uma fonte de renda regular e importante. Mais tarde, o Irmão Jacob foi cedendo espaço a outros membros da abadia, eventualmente menos habilidosos, de certa forma, forçado pelo irremediável declínio de suas faculdades mentais. Não é que estivesse senil, longe disso! Porém é certo que, com a idade, o monge tinha começado a mostrar-se mais introvertido, menos interessado em fazer parte das relações institucionais e mais em divagar intimamente sobre teorias filosóficas. Era como se, cumprido o meio século, o Irmão Jacob tivesse decidido que era hora de refletir sobre sua vida.

    Quando percebeu que o monge não seria mais um ativo diplomático importante, o então abade Jeremy decidiu conceder-lhe algum tipo de retiro espiritual. Desde então, ele foi considerado quase um membro honorário da Abadia, encarregado unicamente de ler velhos livros, partilhar lições filosóficas com Nagesh e Anuj desde estes chegaram e observar com melancolia o céu para além dos muros que o isolavam do mundo exterior.

    Por sua vez, o Irmão Gorgonio tinha chegado na abadia como parte de um novo grupo colonizador. Pouco antes da morte do abade Jeremy, e a seu pedido expresso, pelo menos mais três monges foram requeridos para garantir a suposta missão evangelizadora. O religioso pretendia destinar dois deles para percorrer a periferia da cidade recrutando devotos entre as massas camponesas.

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