"Faz Assim Ó" - Modos de Ensinar das Crianças como Subsídio para a Educação
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Sobre este e-book
Ao longo do livro o leitor aventura-se por três destinos: um projeto com crianças, um circo e uma escola, encontrando o que há de comum nos modos de ensinar dos pequenos em contextos aparentemente tão distintos. As aprendizagens levam os autores a perguntarem-se o que a escola poderia aprender com tais saberes. Mas, eventualmente, o/a leitor/a também poderá perguntar-se se nas situações cotidianas de educação não subestimamos as crianças, ou, ainda, se não as tratamos inadequadamente como adultos em miniatura, ou, se não deixamos de escutá-las porque o que têm a dizer não é válido.
Com esta obra, o olhar do adulto para a criança é ampliado e levado a romper com a hierarquia hegemônica de que só gente grande pode e sabe ensinar. Toda uma ideia tradicional sobre o paradigma do desenvolvimento infantil pode ser repensada a partir desta investigação.
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"Faz Assim Ó" - Modos de Ensinar das Crianças como Subsídio para a Educação - João Alfredo Martins Marchi
2016)
Sumário
A história dos porquês
A história do onde e do como
2.1 O PROJETO BRINCADEIRAS
2.2 O CIRCO
2.3 A ESCOLA
2.4 ESTRATÉGIAS DE APROXIMAÇÃO: BRINQUEDO E CLOWN
2.4.1 O brinquedo
2.4.2 O clown
2.4.3 Interinvenções nos três destinos
Como as crianças ensinam: Faz assim ó
3.1 UMA HISTÓRIA COLETIVA: ENSINANDO EM MAIS DE UM
3.2 UMA HISTÓRIA NO TEMPO PRESENTE
3.3 REFLEXÕES ACERCA DO MODO COMO AS
CRIANÇAS ENSINAM
Propostas pensadas: como fazer assim
?
4.1 POR QUE O DIÁLOGO ENTRE O CIRCO E AS ESCOLAS?
4.2 COMO O CIRCO E AS ESCOLAS PODEM DIALOGAR?
4.3 O QUE AS ESCOLAS PODEM APRENDER COM O CIRCO?
Zona de contato – Topoi: linguagem
Zona de contato – Topoi: relação
Zona de contato – Topoi: tempo
Zona de contato – Topoi: espaço
Zona de contato – Topoi: política
O QUE FICA DAS ZONAS DE CONTATO?
Depois de tudo, pensamos assim ó
Afinal, como as crianças ensinam?
O que as escolas podem aprender com as crianças?
O que ficou de fora do Faz assim ó
?
E agora? Pensamos assim ó!
REFERÊNCIAS
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
A história dos porquês
Este livro dedica-se à infância e à arte de ensinar dos pequenos entre seus pares e com os adultos que se permitem aprender com eles. Nosso intuito é apresentar os modos de ensinagens das crianças como subsídios para problematizarmos as metodologias vigentes nas instituições de ensino.
O precursor deste livro foi a obra intitulada Faz assim ó: como as crianças ensinam e o que as escolas podem aprender com elas, na qual ganhou força a ideia de que não estávamos interessados em estudar experiências em que crianças cumprem ensinamentos previamente preparados pelo sistema escolar ou pelo professor. Queríamos observar como, em ambientes e momentos não caracterizados para o ensino formal, criança ensina criança desde sua espontaneidade. Impulsionava-nos a ideia de que as crianças poderiam ensinar-nos aspectos metodológicos que as escolas, com vontades políticas, eventualmente poderiam vir a assumir.
Partimos, então, para a busca de trabalhos referentes à temática do ensinar entre crianças e nos deparamos com uma ausência de referências específicas com esse interesse.¹ O que detectamos foi uma tendência em investigar como ensinar as crianças
e como as crianças aprendem
.
A partir desse entendimento, aventuramo-nos a percorrer os mundos e as linguagens das infâncias a fim de descortinar o que caracteriza o ensinar das crianças. Para tal, o caminho metodológico que nos levou a algumas respostas e reflexões partiu de observações, entrevistas, fotos, vídeos, análise de diários de campo produzidos e interinvenções² lúdicas em três destinos, utilizando um brinquedo chamado Ioiô Chinês
e o palhaço como meio de nos aproximarmos das crianças.
Os destinos eleitos para transitarmos foram: o Projeto Brincadeiras com Meninos e Meninas de e nas Ruas, realizado na cidade de Maringá – Paraná; o Circo Di Sarah, que, no momento da pesquisa, situava-se na cidade de Campo Mourão – Paraná; e uma Escola Estadual de Maringá – Paraná. Buscamos, nas diferenças apresentadas pelos três locais, identificar se havia, de fato, semelhanças e aspectos que coincidiam nos modos de ensinagens dos pequenos.
Ao todo, entramos em contato, direta ou indiretamente, com aproximadamente sessenta pessoas, quase exclusivamente crianças, o que nos deu subsídio para analisarmos como as crianças ensinam e, num segundo momento, o que as escolas podem aprender com elas.
Após toda essa colheita de informações, pautamo-nos na análise de conteúdo proposta por Bardin (1977) para elencar as subcategorias do ensinar das crianças que fazem referência a um ensino coletivo, prático, no aqui-agora, e potencializado pelas brincadeiras e os espaços em que se encontram. A partir dessa análise e do entendimento de que no circo há características latentes do ensinar das crianças, levantamos cinco categorias que este livro trata de explicar: a linguagem, a relação, o tempo, o espaço e as políticas, as quais são discutidas em zonas de contato para identificar o que as escolas podem aprender com os pequenos.
Este livro, portanto, trata desse conjunto de conceitos, extraídos dos relatórios das práticas com as crianças e dos estudos bibliográficos, resultando em nossa análise particular.
Ao conjunto dessas categorias pós-analíticas demos o título Faz assim ó
, sob o prisma do substancial fenômeno que caracteriza o ensinar das crianças e que aponta a cultura lúdica como aporte para problematizarmos as metodologias tradicionais das instituições de ensino escolares.
Para nosso subsídio teórico nos fundamentamos na pedagogia de Paulo Freire (1978; 1979; 1995; 1996; 2011; 2012; 2014), para versar sobre os conceitos de práxis – junção entre teoria e prática, de coletividade, de grupo, de afetividade e de amorosidade –, conceitos percebidos nas categorias organizadas. Avistando, ainda, cada destino dentro de seu contexto, recorremos ao conceito de Tradução, de Boaventura de Souza Santos (2007; 2010), para uma aproximação da cultura das escolas com o circo, no sentido de pensar o que a primeira pode aprender com a segunda, dado que, em nossa experiência, notamos, entre outras, características circenses que fomentam uma educação democrática de caráter participativo.
Para o entendimento da criança como categoria geracional, recorremos às obras de Benjamin (1984), Sarmento (1997; 2005; 2007; 2008; 2011; 2016), Rodrigues e Müller (2002), Montessori (2004), Tonucci (2005; 2008), Cohn (2009), Corsaro (2011) e Fernandes (2015; 2016).
Acerca do conceito de circo, palhaço, clown e circo social, os autores utilizados foram: Júnior [entre 1995 e 2015]; Bolognesi (2001; 2003); Macedo (2008); Bortoleto (2008) e Colavitto (2015).
Feita a Apresentação e explicados os porquês, convidamos vocês, leitoras e leitores, a caminharem conosco em nossas descobertas, desejando que sintam, tal qual nós, o gosto de ir captando conhecimentos revelados e construídos pelas e com as crianças. Crianças ensinam crianças. Este livro revela algumas das formas como
elas o fazem. Também indica possibilidades de trabalho educativo coerente com tal convicção. Em nossa lógica, quanto mais nós, adultos (institucionalizados ou não), soubermos sobre/com as crianças, e com adequada humildade as considerarmos de igual valor, mais chances teremos, todos juntos, de construir um mundo mais humano e justo. Dado que a situação da atualidade é de profunda insensatez, faz-se necessário voltar aos primórdios e descobrir a inteligência ampla e profunda dos pequeninos, e com ela construir a ética e a estética necessárias aos sentidos da vida.
A história do onde e do como
Neste capítulo expomos de forma detalhada as características de cada destino em que ocorreu a interinvenção. A explanação contempla o porquê da escolha, o histórico, a estrutura física, descreve nossa inserção em cada um dos dias de observação e colheita dos dados e fundamenta o uso do brinquedo e do clown como instrumentos para nos aproximarmos das crianças.
O primeiro destino escolhido foi o Projeto Brincadeiras com Meninas e Meninos de e nas Ruas; o motivo se deu pelo fato de eu³ ser educador e pesquisador no projeto desde o ano de 2015, assim, unimos nossa intervenção prática com as crianças à pesquisa. A respeito do Circo, o segundo destino, a escolha foi movida por minha aproximação com a acrobacia e o palhaço e, dado o fato de que realizamos atividades circenses no Projeto Brincadeiras, decidimos expandir nosso olhar às crianças itinerantes, assim, buscamos um circo de pequeno/médio porte, com a presença de meninos e meninas para auxiliar na produção dos dados. No decorrer, e por fim, ao identificar na cultura circense um ambiente democrático de ensino, pensamos num contraponto: a escola, o que nos fez ir ao encontro do terceiro destino, uma Escola Estadual de Maringá, e tal escolha se deu pela característica da instituição voltada ao auxílio na pesquisa acadêmica.
Pontuamos uma ressalva a respeito das atividades realizadas. Devido ao amadurecimento de nosso olhar durante nossa caminhada, efetivamos propostas diferentes em cada âmbito, as quais estão expostas no quadro a seguir.
QUADRO 1 – O QUE FIZEMOS!
FONTE: os autores.
As atividades circenses – acrobacias e figuras acrobáticas – foram planejadas e aplicadas apenas no Projeto Brincadeiras, pois no início da pesquisa nosso foco era o circo social, todavia, após analisarmos as primeiras filmagens, notamos que as crianças, assim que aprendiam um movimento novo, tendiam a ensiná-lo para seus pares e tal fato nos motivou a investigar como essas trocas efetivamente aconteciam. Foi nesse destino que o palhaço surgiu, servindo de instrumento para conversar com as crianças. Destacamos, ainda, que o Projeto Brincadeiras foi o único destino em que tivemos auxílio de outras(os) educadoras(es), integrantes do projeto, para as filmagens, os registros em áudio e a prática das atividades circenses.
Após refletir sobre nossas práticas no projeto, percebemos a necessidade de apresentar
o palhaço às crianças antes de conversar com elas. Sendo assim, no circo e na escola apresentamos uma cena lúdica envolvendo uma cadeira e um violão, a qual será detalhada mais à frente, e, após a cena, conversei caracterizado de palhaço com as crianças. Visto que já havíamos caminhado na pesquisa, essa cena não foi apresentada no Projeto Brincadeiras, conforme exposto no Quadro 1. Em contrapartida, as observações e o uso do Ioiô Chinês ocorreram nos três destinos.
Buscando contextualizar as leitoras e os leitores sobre as particularidades de cada interinvenção, subdividimos este capítulo em pequenas partes, que contemplam individualmente o Projeto Brincadeiras
, o Circo
e a Escola
e, por fim, trazemos uma discussão intitulada "Estratégias de Aproximação: Brinquedo e Clown", para defender o uso desses elementos como instrumentos da nossa interinvenção.
2.1 O PROJETO BRINCADEIRAS
O Projeto Brincadeiras com Meninos e Meninas de e nas Ruas
, criado em 1997, faz parte do Programa Multidisciplinar de Estudos, Pesquisa e Defesa da Criança e do Adolescente (PCA, criado em 1993), vinculado à Pró-Reitoria de Extensão e Cultura da UEM (Universidade Estadual de Maringá). O período histórico de seu surgimento é concomitante à aprovação e implementação do Estatuto da Criança e do Adolescente (E.C.A), dos Conselhos de Defesa em âmbito nacional, estadual, regional e dos Conselhos Tutelares (MAGER et. al., 2011).
O PCA, vinculado ao Movimento Nacional de Meninos e Meninas de e nas Ruas (MNMMR) e à Associação de Educadores Sociais de Maringá (Aesmar), atua em cinco principais frentes, sendo estas: intervenção com crianças e adolescentes; formação; assessoria; produção teórica e intervenção política por meio de espaços institucionais, de movimentos sociais e de redes.⁴ Dentre os desdobramentos do PCA, focamos na intervenção com crianças e adolescentes, especificamente no Projeto Brincadeiras
. Atualmente, esse projeto conta com um polo no Bairro Odwaldo Bueno Netto (periferia de Maringá), outro em Ivaiporã-PR e outro equivalente em Corumbá-MS.
O objetivo principal do projeto é a formação e