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A Docilização do Corpo Docente na Pós-Graduação Brasileira: Um Estudo sobre o Modelo Capes de Avaliação da Produção Intelectual
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A Docilização do Corpo Docente na Pós-Graduação Brasileira: Um Estudo sobre o Modelo Capes de Avaliação da Produção Intelectual
E-book388 páginas8 horas

A Docilização do Corpo Docente na Pós-Graduação Brasileira: Um Estudo sobre o Modelo Capes de Avaliação da Produção Intelectual

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Sobre este e-book

Os autores desta obra recorrem às ideias de dois grandes pensadores franceses, Michel Foucault e Pierre Bourdieu, para tentar compreender como e por que o atual modelo de avaliação gestado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) induz à disciplinarização dos corpos docentes no que diz respeito à produção e à difusão de conhecimento no campo da pós-graduação stricto sensu no Brasil. Para atingir esse objetivo, os autores realizaram amplas pesquisas em documentos produzidos pela própria Capes e pelos programas de pós-graduação selecionados; coletaram dados e estudaram a produção intelectual gerada pelos Programas de Pós-Graduação selecionados e analisaram a percepção dos docentes entrevistados quanto ao atual modelo de avaliação da Capes. Nesse sentido, esta obra revela aos seus leitores que a Capes possui fortes características de uma instituição disciplinar, na medida em que foi encontrado, no corpus documental analisado, um conjunto de técnicas de controle que evidencia como os corpos docentes são induzidos a conformarem-se às normas de produtividade acadêmico-científica da referida agência e a publicarem seus resultados de pesquisas em espaços temporais cada vez mais reduzidos, o que contribui para a fabricação de corpos dóceis na pós-graduação brasileira.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento9 de mar. de 2020
ISBN9788547316686
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    A Docilização do Corpo Docente na Pós-Graduação Brasileira - Anderson Luis da Paixão Café

    Editora Appris Ltda.

    1ª Edição - Copyright© 2018 dos autores

    Direitos de Edição Reservados à Editora Appris Ltda.

    Nenhuma parte desta obra poderá ser utilizada indevidamente, sem estar de acordo com a Lei nº 9.610/98.

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    Foi feito o Depósito Legal na Fundação Biblioteca Nacional, de acordo com as Leis nºs 10.994, de 14/12/2004 e 12.192, de 14/01/2010.

    COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO EDUCAÇÃO, TECNOLOGIAS E TRANSDISCIPLINARIDADE

    Dedicamos este trabalho a toda a classe trabalhadora que, mesmo diante de uma sociedade marcada historicamente por fortes concentrações de capitais econômicos, políticos, sociais, culturais, educacionais e científicos nas mãos de poucos, ainda resiste, com todas as suas armas, contra todas e quaisquer formas de dominação.

    Aos neófitos do campo científico que, habilitados a jogar o jogo das disputas acadêmicas enquanto alunos de programas de pós-graduação, podem contribuir para a subversão das atuais leis de dominação do campo, tornando-o um espaço social muito mais humano e solidário ao estimular práticas de liberdade, integração e cooperação entre seus participantes.

    Aos veteranos do campo científico, os quais, mesmo formados por um paradigma egoico, perverso, vaidoso e muitas vezes doentio, esforçam-se, como docentes-pesquisadores de Programas de Pós-Graduação, para que o sistema não lhes roube o verdadeiro sabor de fazer ciência marcada pelo prazer ocasionado pelas novas descobertas científicas.

    Por fim, à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), que, a despeito de se esforçar para aperfeiçoar seu modelo avaliativo, ainda precisa entender que a atividade acadêmica não se restringe à produção de artigo em periódico científico internacional. Faz-se necessário compreender que, paralelamente a essa atividade, pulsam sinais vitais como o ensino, a extensão, a orientação, a organização de eventos, as atividades administrativas e tantas outras que precisam ser valorizadas para manter viva a universidade plural, democrática e autônoma tão desejada por todos nós.

    Da dicotomização à docilização/disciplinarização/flexploração dos corpos: pós-graduação e produtivismo acadêmico

    UM PREFÁCIO

    Pode-se considerar que um dos mais proeminentes legados, o qual se constituiu em um dos principais dilemas do corpus ocidental judaico-cristão ao longo do tempo, é a conflituosa relação estabelecida entre corpo e espírito/mente. Dos greco-romanos, o destaque, nesse aspecto, fica para a superioridade, para a dignidade do pensamento, da contemplação (dos livres) em relação às preocupações mundanas com o trabalho manual, com a produção da existência (responsabilidade atribuída aos escravos). Estariam aí os primórdios da fissura, da dicotomização entre as categorias que compunham os homo sapiens e os homo faber. Os primeiros, livres, com a possibilidade de se dedicarem a ações¹ dignas, reconhecidas, nobres, elevadas; os escravos, sujeitados a desempenharem trabalhos considerados indignos, degradantes, baixos, sujos, a oferecer-nos, assim, a chave para compreender a etimologia de tripallium, originária de um instrumento ou uma condição torturante.

    Ao avançar para a Idade Média, a nobreza e o clero mantiveram e aprofundaram a separação característica do período histórico anterior, agregando-se, via Patrística, à dicotomia entre corpo e espírito/mente, a separação entre corpo e alma. Nessa peculiar forma de apreender essa relação, na perspectiva positiva, o corpo foi elevado à condição de templo do espírito/deus, de vestimenta da alma. Porém, devido às suas fraquezas, suas corrupções, suas necessidades menores/indignas, acabou consagrando-se como uma apreensão negativa do corpo, rebaixado à oficina do demônio e chegou a ser definido como abjeta vestimenta da alma. Sua existência, embora corrompida, justificava-se por conter um tesouro a ser protegido. Mas o que começou a prevalecer foi o ideal perseguido, via atitudes autoimputadas, como ascese, jejuns, sacrifícios, autoflagelações, mortificações do corpo, a fim de preservar a alma, visando a conseguir a sua salvação eterna. Agregaram-se a isso flagelações, torturas e até a instituição da Inquisição, objetivando a redenção, a purificação (até pelas chamas!) de um corpo, que, como continente (degradante), nunca fazia jus ao seu conteúdo (sagrado).

    Uma forma um pouco mais sofisticada de dicotomização acaba ocorrendo também com as universidades surgidas no período medieval. Elas constituíam-se como corporações destinadas à formação dos profissionais das ‘artes liberais’, isto é, intelectuais, por oposição àqueles das ‘artes manuais’ que eram formados nas corporações de ofício (SAVIANI, 2017, p. 12).

    O legado a que acima fizemos referência, no Brasil, pode ser percebido, pontualmente, no período colonial, em particular no processo de fabricação e exportação do açúcar. Segundo Schwarcz e Starling (2015), como as cotas de exportação do ouro branco eram prefixadas, com datas definidas para entrega, os escravos eram mantidos compulsoriamente em atividade até concluírem lotes de encomendas para envio ao exterior, independentemente do tempo necessário para concluir determinada demanda. Nesse contexto, permaneciam ininterruptamente no trabalho por até dezoito horas [...] Independente do setor, a jornada alcançava o limite da exaustão (SCHWARCZ; STARLING, 2015, p. 75).

    [...] O jesuíta Antonil, dono de frases tão sintéticas como cruéis, definiu os escravos como as mãos e os pés do senhor do engenho porque sem eles no Brasil não é possível fazer, conservar e aumentar fazenda, nem ter engenho corrente. (SCHWARCZ; STARLING, 2015, p. 79).

    E as autoras complementam: Antes dos oito anos eram crianças, depois dos 35, velhos [...] (SCHWARCZ; STARLING, 2015, p. 77). Isso indica o quanto a produção era o que interessava, as cotas para exportação conseguidas com a maximização da exploração dentro de um tempo extenso e intenso. Com relação a isso, contudo, há detalhes que mostram como se chegava a limites em relação ao corpo, concebido como máquina de dar conta da produção exigida².

    Na Modernidade, com a hegemonia do modo de produção capitalista, particularmente na sua fase industrial – embora a burguesia seja a primeira classe dominante que trabalha –, mantém-se e amplifica-se em termos do conjunto, de classes, a divisão entre o homo sapiens e o homo faber. Em termos de indivíduo, há um caminhar que chega à exaustão na fragmentação entre as mãos e o cérebro, de tal forma que a única maneira de sobreviver é garantida pela alienação de si e da sua produção. No processo de trabalho, nas indústrias, a alguns o escritório e o planejamento. À maioria, o chão de fábrica, a execução. E tudo isso com o respaldo da pesquisa, da ciência, reunidas de forma mais visível na organização e administração científicas do trabalho, tão bem representadas pelo taylorismo-fordismo.

    Temos aqui algo novo em relação aos modos de produção pré-capitalistas no contexto dos quais a pertença a um ou a outro segmento (estamento, casta, classe etc.) era uma questão de nascimento, de vontade de Deus ou de qualquer outra explicação/justificação advinda do campo da heteronomia. O capitalismo, a partir dos pilares do liberalismo, vai trazer inovações no que diz respeito ao lugar que cada um ocupa na sociedade. Torna-se hegemônico o discurso de que as classes obrigatórias deixaram de existir. Haverá toda uma ideologização no sentido de que o espaço ocupado por cada um na estrutura social vai depender da vontade, do querer, pois todos nascem iguais, são livres etc. Nesse sentido, como diz Ianni (1992, p. 59),

    [...] em perspectiva histórica ampla, o capitalismo é um modo de produção material e espiritual, um processo civilizatório revolucionando continuamente as condições de vida e trabalho, os modos de ser de indivíduos e coletividades, em todos os cantos do mundo.

    É dessa forma que, apostando nas novas estratégias de gestão, com suporte na ciência, especialmente na Psicologia, e com novas bases infraestruturais, representadas pelas chamadas novas tecnologias, são revolucionadas a organização, o gerenciamento e a execução do trabalho. E, assim, uma nova era, um novo momento na história da humanidade ou as possibilidades concretas de se ingressar no reino da liberdade, depois de séculos de subsunção ao reino da necessidade, [coloca-se como possibilidade concreta]. Com isso, o capitalismo, como é amplamente saudado por apologetas e até por aqueles que desvendaram suas contradições³, analisado do ponto de vista das possibilidades postas, representou um avanço em relação aos modos de produção anteriores. Os investimentos em maquinaria abriram possibilidades imensas no sentido de fazer até críticos mordazes do sistema acreditarem nas condições postas para superar a base miserável de produção, como assinalava Marx (1988) nos Grundrisses, gerando expectativas de melhorias em todas as direções e para todos, no limite inclusive de supressão do próprio sistema de classes. Porém, se a base material de produção veio sendo revolucionada, a lógica imanente do sistema manteve-se inalterada: a produção coletiva continuava sendo apropriada individualmente por uma classe. A força física e a capacidade mental dos trabalhadores foram grandemente ampliadas pelos equipamentos e instrumentos, a partir da inteligência humana objetivada, sem que isso revertesse em vantagens para os trabalhadores. Em outras palavras, apropriando-nos de expressão de George Orwel, na obra A revolução dos bichos, todos são iguais, porém há alguns que são mais iguais do que os outros.

    Em todo esse processo, desde as formações pré-capitalistas até os dias atuais, houve resistências às formas como o grupo ou a classe dominante tentou impor suas condições na tentativa de tornar-se e manter-se hegemônica; de, como dizem os autores desta obra, docilizar os corpos e mentes, uma vez que se buscava superar dicotomizações historicamente construídas. Se pensarmos em Spartacus, nos eremitas de diversos matizes, nos Robins Woods, nos quilombolas, nos ludditas, nos grevistas, nos descredenciados dos PPGs etc. – seja na ficção ou na realidade –, teremos indicações de que as tentativas de docilização/disciplinarização não se constituíram em processos assim tão pacíficos. Sempre que situações contraditórias apareciam, quem detinha a hegemonia lançava mão da força dos argumentos, por meio dos seus intelectuais orgânicos e, quando ela não funcionava, passava-se para os argumentos da força. Ou, pela perspectiva gramsciana, quando a colaboração não ocorre por livre vontade, apela-se para o convencimento e, se este não der os retornos esperados, ainda há a coação ou coerção como recurso.

    As vantagens prometidas ou não vieram ou chegaram a conta-gotas e não para todos. E, com isso, novas estratégias de submissão, novos dispositivos de exercício de poder – como tão bem analisam os autores desta obra, ao lançarem mão das teorizações de Foucault e Bourdieu – foram criadas. Obras de autoajuda⁴ apareceram em profusão e são publicadas a fim de que, tal qual um entorpecente, as pessoas sejam imbuídas da máxima segundo a qual querer é poder. E como as pessoas querem! A materialidade, no entanto, vai evidenciando que o mudar para manter (DI LAMPEDUSA, 1974) é experimentado diariamente pelos trabalhadores os quais, agora, dadas as novas condições infraestruturais, deixam de ser proletários para se transformarem em infoproletários (ANTUNES; BRAGA, 2009); além de terem seus corpos sujeitados, introduz-se mais uma dicotomia e eles passam a ter também sua subjetividade capturada (ALVES, 2011). Outras obras vão desnudar situações cada vez mais dramáticas desse novo capitalismo, como é o caso de Crary (2014), cujo livro de significativo título, 24/7. Capitalismo tardio e os fins do sono, denuncia que, com as possibilidades tecnológicas e as mudanças organizacionais e gerenciais criadas e implementadas, as pessoas estão passando a trabalhar 24 horas por dia, sete dias por semana. E, com isso, está se instaurando a Sociedade do cansaço (HAN, 2014), como mais uma das manifestações de um corpo docilizado.

    Assim, convergente com a Modernidade Líquida (BAUMAN, 2001) e no contexto do neoliberalismo, para além da dicotomização, da docilização, da disciplinarização dos corpos (e da classe!), é perseguida e implementada a teoria e a prática da flexibilização – corpo não mais mecânico, mas flexível, assim como o cérebro⁵. Assim, garantir-se-á a flexploração⁶, conforme neologismo criado/utilizado por Bourdieu (1998), ou a flexiexploração (BUERDEAU, 1982).

    Na educação, em geral, e na particularidade da relação com o trabalho, continua sendo um clássico a obra organizada por Codo (1999), ao tratar da "síndrome de burnout, compreendendo-a como a desistência do educador, com consequências funestas para a educação. A dramaticidade dessa síndrome está exatamente na condição de fissura, de dicotomização entre um querer/ter que fazer e uma impossibilidade, não somente de fazer, mas de agregarem-se os riscos de cruzar a fronteira" (border line) e não conseguir mobilizar-se até para abandonar o magistério e tentar dedicar-se a outro trabalho. Pois bem, a desistência paralisante é mais uma das facetas da docilização/disciplinarização/flexploração imposta.

    Contudo a questão adquire os contornos e a essência da dramaticidade quando adentramos na análise e nas consequências do trabalho na pós-graduação, em função dos mecanismos internos e externos (pessoais e institucionais) de controle, geradores de recompensas ou punições como tão bem evidencia o trabalho de Café, Ribeiro e Ponczek (2018), oferecido agora à apreciação e à tomada de posição dos trabalhadores da educação.

    Porém, antes de entrar propriamente na questão da pós-graduação, torna-se necessário, mesmo que de passagem, fazer referência a mais uma das manifestações do novo capitalismo – ou, como diria Sennett (2006), da Cultura do novo capitalismo como processo civilizatório, conforme destacada anteriormente –, agora focando seu ingresso e crescente hegemonia na ambiência universitária em geral e particularmente na pós-graduação stricto sensu. Estamos fazendo referência àquilo que convergente e intensamente se vem denominando de capitalismo acadêmico e sua peculiar forma de produção, consagrada com a expressão produtivismo acadêmico, um dos aspectos centrais deste livro. A obra de Slaughter e Rhoades (2004), seguida da coletânea organizada por Paraskeva (2009), pode-se dizer que inauguraram e adensaram o debate sobre o entranhamento do capitalismo, na sua versão acadêmica, na forma de organização, gestão, funcionamento e avaliação da instituição universidade, levando-a cada vez mais a perder sua característica secular de universitas para transformar-se em organização (CHAUÍ, 2003).

    É a partir desse pano de fundo que começam a aparecer publicações que desnudam e denunciam esse tipo de capitalismo e seus nefastos resultados na academia, em especial nos Programas de Pós-Graduação (PPGs). Como exemplo, indicaremos três obras que podem contribuir para alargar o debate e a tomada de posições a partir do caminho trilhado tão qualificadamente pelos autores deste livro. Fazemos referência aos livros de Sguissardi e Silva Júnior (2009); Silva Jr. (2017) e Bianchetti e Sguissardi (2017). No primeiro, os autores fazem uma extensa pesquisa e publicizam os dramáticos resultados da intensificação do trabalho na pós-graduação das universidades federais e como esse processo conforma o produtivismo acadêmico. No segundo, Silva Jr., a partir de extensa pesquisa em universidades consideradas as mais avançadas, entre elas a Arizona State University, nos EUA, e a Universidade Federal de Minas Gerais, no Brasil, o autor explicita como elas indicam o caminho do quanto e como se está avançando no sentido da constituição de IES/organizações de excelência, de classe mundial, medidas e induzidas pelos rankings internacionais, nos quais o capitalismo acadêmico e o consequente produtivismo estão na ordem do dia. No terceiro livro, aponta-se como se está trabalhando na universidade visando à produção pragmática e utilitariamente aplicável. Porém, além disso, como em um horizonte não tão distante, a própria instituição está sendo transformada em commodity, dada a progressiva ida à Bolsa de Valores para negociações envolvendo a (ex)universidade.

    Ao rol de obras que denunciam os (des)caminhos da universidade e da pós-graduação, agregamos mais duas, por considerarmos que focalizam aspectos mais particulares e preocupantes no que diz respeito às consequências dessa trajetória que parece contar com mais combustível de aceleração do que freios e redirecionamentos. Fruto de longas e frutíferas discussões de um pedagogo, uma socióloga e um filósofo, produzimos uma obra que inicialmente continha um título em forma de afirmação, mas que, ao final, acabamos concedendo o beneplácito da dúvida, não porque tivéssemos dúvidas, mas porque ainda acreditamos ser possível dar outra resposta que não seja um sim à questão-título: O fim dos intelectuais acadêmicos?, seguido do subtítulo: induções da Capes e desafios às Associações Científicas (BIANCHETTI; VALLE; PEREIRA, 2015). Ocorre que, ao se falar em intelectuais, pela perspectiva do significado do termo e do seu conteúdo histórico, supõe-se autonomia, liberdade, ousadia, engajamento, liderança, enfim, tudo aquilo que a hegemônica perspectiva indutora, heterônoma, docilizadora, disciplinadora dificulta ou, no limite, impede. A partir daí, não é que não tenhamos mais intelectuais, porém, em sua maioria, passam a ser adjetivados como institucionalizados. Não é por acaso que um autor da estatura de Russel Jacoby, no final da década de 1980, observando os resultados do publish or perish, reinando soberano na academia norte-americana, publica um livro-denúncia intitulado Os últimos intelectuais. A Cultura Americana na Era da Academia (1991). No início da primeira década de 2000, frente ao avanço daquele modus operandi dos campi norte-americanos, Jacoby amplifica sua descrença em uma saída mais promissora e publica o segundo livro sobre a temática: O fim da utopia. Política e cultura na era da apatia (2001). Por fim, mais uma vez em um trabalho coletivo que reuniu um pedagogo, um psicólogo e uma pedagoga com formação também em Letras, está no prelo na Editora da UFBA a obra: Publique, apareça ou pereça. Produtivismo acadêmico, Pesquisa Administrada e Plágio em tempos da Cultura digital (BIANCHETTI; ZUIN; SILVA, 2018). Consideramos, entre outras questões, que o publish or perish está incorporado como um mantra e de sua concretização decorrem consequências no significado das palavras e expressões que aparecem no subtítulo.

    Quanto à especificidade da pós-graduação, consideramos ser quase ocioso citar trabalhos, dada a quantidade (mais de 10 páginas) e a qualidade das referências utilizadas pelos autores deste livro que ora prefaciamos. Contudo, devido à denúncia das consequências da produção sob pressão e medida, das novas potencialidades de intensificação do trabalho na pós-graduação, de quanto as tecnologias digitais amplificam o trabalho ubíquo e uma série de outras questões que atingem aqueles/as que trabalham nos PPGs, levando-os à resistência, forçando-os à desistência – às vezes! –, atingindo-os de tantas formas que se torna oportuno falar em mal-estar na academia (TREIN; RODRIGUES, 2011). Atemo-nos apenas a fazer referências a uma tese e a uma dissertação, resultantes de trabalho empírico, enriquecido com a revisão de literatura e as reflexões dos autores. A tese de Lara (2015) radicaliza a discussão e apresenta resultados a respeito do quanto as tecnologias digitais modificaram a ambiência da pós-graduação e atingiram em cheio a vida/trabalho dos professores de PPGs. Em muitos momentos da leitura desta tese, recordamo-nos do depoimento, em entrevista que nos concedeu uma colega professora pesquisadora de um PPG, quando de nossas entrevistas para o projeto que desenvolvemos com apoio do CNPq: Estamos vivendo um período em que o sábado ainda é sexta-feira e o domingo já é segunda.

    A dissertação de Ribeiro (2016), por sua vez, entre outras tantas valiosas contribuições, demonstra a criatividade da autora desde o título, ao tratar do Trabalho do(c)ente na pós-graduação, uma vez que sua pesquisa empírica foca as questões da resistência e da desistência desses profissionais da educação, propiciando dados e excelentes insights para se refletir sobre a questão da docilização/disciplinarização/flexploração do corpo do(c)ente composto por seus entrevistados.

    Ao encaminhar-nos para a finalização desta reflexão ´prefaciadora´, propiciada pela leitura desta obra que deve ganhar ampla divulgação e certamente provocará acalorados debates e desafiará a outras pesquisas, tomamos de empréstimo dos autores parte de um parágrafo das suas conclusões, pelo qual os autores explicitam um dos seus desideratos:

    [...] espera-se que este estudo seja mais um instrumento a integrar a caixa de ferramentas da epistemologia das relações de poder, de maneira a ser usado para, quem sabe, criar uma espécie de curto-circuito capaz de desmascarar as estruturas perversas de poder e de dominação que, infelizmente, ainda parecem direcionar o funcionamento dos cursos de mestrado e doutorado no país. (CAFÉ; RIBEIRO; PONCZEK, 2018, p. 247).

    Ao ler o trabalho dos colegas e chegar a essa passagem, tendo presente a forma de organização e funcionamento da Capes, como uma política de Estado, tememos pela concretização dessa esperança. Vem-nos à memória a profícua reflexão de Thomas Kuhn (1978) na obra A estrutura das revoluções científicas, depois de muito falar sobre paradigmas e quebras paradigmáticas e o que acontece com uma comunidade científica após elas acontecerem. Segundo o autor, instaura-se um período de instabilidade, fazendo com que pessoas e coletivos busquem novas saídas, procurando apreender e superar aquilo que causou a desestruturação. No entanto, como uma espécie de segundo estágio, afirma o autor que a comunidade científica, embora em outro patamar, busca novamente a estabilidade, instaurando-se, como decorrência, um período de ciência normal. Ora, se pensarmos nas profundas transformações pelas quais passou o modelo Capes de avaliação e fomento, a partir do triênio de avaliação compreendido entre 1996 e 1998, entre outros aspectos passando da formação de professores para a de pesquisadores ao implementar um rígido tempo médio de titulação (TMT – dois e quatro anos respectivamente para o mestrado e o doutorado), com previsão de recompensas e punições etc., constatamos que o coletivo da pós-graduação brasileira ficou abalado e experimentou concretamente o que é uma quebra paradigmática. No entanto, a despeito das reclamações, de escritos, pesquisas, documentos, reuniões, tem-se a impressão de que se realiza o dito popular segundo o qual enquanto os cães ladram a caravana segue. E o que nos deve deixar preocupados (embora não paralisados!) é o fato de que um dos aspectos para explicar essa espécie de período de ciência normal em que estamos não pode ser debitado completa ou exclusivamente a Capes, como se fosse um ente externo, autônomo, do qual não fazemos parte. Refiro-me ao preocupante fato de que uma grande parcela de professores e pós-graduandos parece ter sido tomada por uma espécie de fastio, de descrença, de distopia ou de rebaixamento de horizontes utópicos, em cujo locus espaço-temporal parece não haver possibilidade de transformações. E vamos fazer apenas menção a uma das questões, nesse complexo processo, que causa preocupação e permite visualizar poucas ou apenas trabalhosas saídas, cientes de que isso não pode ser generalizado⁷: há um grande grupo de professores orientadores que estão na condição de quem quer passar o bastão, que consideram que já deram sua contribuição etc. E há um grupo cada vez mais numeroso de novos professores que estão adentrando nos PPGs, os quais se doutoraram no período pós-quebra paradigmática, e que chegam aos PPGs e atuam espelhando-se na forma como foram formados (sem generalizações, novamente!). Pela experiência tida no processo de sua formação, como regra estão docilizados/disciplinados para atuarem em uma ambiência que lhes é familiar. Não se forma o contencioso entre a formação/atuação em um período com tempo, e no novo período sem tempo, ou melhor, com tempo intensificado. Não estão dadas todas, mas a maior parte das (pré)condições para a manutenção do status quo. Não bastasse a indução da Capes, o Lattes e os financiamentos individuais por parte do CNPq vão criando condições para as saídas individuais, a competição, quando o coletivo é que deveria se sobrepor. E não é de se estranhar que isso ocorra quando as

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