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Vita Christi - I: Vita Christi, #1
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E-book1.017 páginas18 horas

Vita Christi - I: Vita Christi, #1

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Sobre este e-book

A "Vita Christi" de Ludolfo de Saxónia (século XIV) foi impressa em Lisboa em 1495 por Valentino de Morávia e Nicolau de Saxónia em três volumes, por ordem da rainha Dona Leonor. A tradução para o Português deveu-se muito provavelmente ao rei D. Duarte, que a supervisionou. A obra, como é dito no prólogo, «contém todolos mistérios da fé católica, segundo a escritura dos quatro evangelistas e notários cristículos, com verdadeiras e devotíssimas exposições de diversos doctores egrégios, devotos e mui gloriosos.». A edição que agora se publica é a transcrição da edição de 1495, cotejada com a edição de Augusto Magne. A Vita Christi foi considerado o primeiro livro impresso em Língua Portuguesa até à descoberta do Sacramental (1488) e do Tratado de Confissom (1489).

IdiomaPortuguês
Data de lançamento14 de jul. de 2020
ISBN9789897000119
Vita Christi - I: Vita Christi, #1

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    Pré-visualização do livro

    Vita Christi - I - Ludolfo de Saxónia

    Introdução

    A Vita Christi foi composta por Ludolfo de Saxónia (também conhecido por Cartusiano) durante o século XV. Desconhece-se a data de nascimento do autor, sabendo-se no entanto que faleceu octogenário em 1377-8. É provável que seja originário da diocese de Colónia ou de Mainz, ambas pertencentes à província da Saxónia, Alemanha. Ingressou na Ordem de São Domingos e, cerca de trinta anos depois, na Cartuxa de Strasburg (1340), devendo-se a esse facto o outro nome por que é conhecido: Ludolfo Cartusiano.

    A sua obra principal é a Vita Christi, sendo-lhe também atribuída, com bastante polémica, a autoria da Imitação de Cristo. É também autor de um Comentário sobre os Salmos, impresso pela primeira vez em 1491.

    A Vita Christi não é propriamente uma biografia de Jesus Cristo, «but at once a history, a commentary borrowed from the Fathers, a series of dogmatic and moral dissertations, of spiritual instructions, meditations, and prayers, in relation to the life of Christ, from the eternal birth in the bosom of the Father to His Ascension» (Mougel: 1908). A obra correu na Europa em inúmeros manuscritos, ora em latim, ora traduzida em línguas como o catalão, o castelhano, o francês, o italiano e o português, sendo objecto de diversas edições impressas ainda no século XV.

    Segundo o cólofon da versão portuguesa impressa em 1495, a obra foi traduzida por Frei Nicolau Vieira e Frei Bernardo, monges de Alcobaça. No entanto, Aires Nascimento põe em causa tal atribuição. Em seu entender, Valentino de Morávia, um dos impressores, «ou foi mal informado ou não entendeu informações que lhe transmitiram: efetivamente, a tradução portuguesa do texto de Ludolfo da Saxónia não foi realizada por Fr. Bernardo de Alcobaça, (abade de S. Paulo de Almaziva) e muito menos o foi a pedido de D. Isabel de Urgel, duquesa de Coimbra e esposa do Infante D. Pedro, pois aquele cisterciense limitou-se a copiar para ela a tradução que ele próprio ajudara a copiar em Alcobaça» (2001: 125:142). A tradução terá sido feita no reinado de D. Duarte, «pelo próprio rei ou por alguém do seu círculo» (Ibid.). D. Duarte cita-a no Leal Conselheiro. É no entanto de considerar a possibilidade de a tradução não ter sido feita diretamente do latim, como sucedeu com outras obras (os Evangelhos e Epístolas com suas Exposições em Romance (1497), por exemplo), mas a partir de uma versão castelhana.[1]

    A tradução foi impressa, como já foi referido, em 1495, na cidade de Lisboa por Valentino de Morávia, de parceria com Nicolau da Saxónia, em três volumes, com quatro partes. O volume I contém a 1.ª parte (14 de Agosto); o volume II a 2.ª e 3.ª (7 de Setembro e 20 de Novembro); e o volume III a 4.ª parte (13 de Maio). De acordo com as datas, primeiro foi publicado o volume III e só depois os outros.

    A revisão do texto foi feita pelos frades observantes do Mosteiro de São Francisco de Xabregas, sob a direção de Frei André. A afirmação do cólofon: «foy corregido e reuisto com muyta dilligẽcia por os reuerendos padres da ordem de sam Francisco de Emxobregas» é uma hipérbole. De facto, os revisores fizeram um péssimo trabalho: a versão impressa está cheia de gralhas e de erros de transcrição.

    Valentino de Morávia, que mais tarde adoptou o nome português de Valentim Fernandes, terá nascido na Morávia, atual República Checa (provavelmente em Brno). Em 1493 há notícia de que esteve a trabalhar em Sevilha como impressor, chegando a Portugal provavelmente nesse mesmo ano. De 1495 a 1516, sob a proteção da rainha Dona Leonor, viúva do rei D. João II, dedica-se à arte da impressão. A sua obra de fôlego é a Vita Christi. Foi responsável, ainda no século XV, pela impressão do Regimento Proueytoso contra ha Pestenença (1493-1495?) e pela Estoria do muy Nobre Vespesiano Emperador de Roma (1496), e, no século XVI, pelos Autos dos Apóstolos (1505) e pela reimpressão dos Evangelhos e Epístolas com suas Exposições em Romance (1510-1511?).

    Augusto Magne, no século XX, preparou uma nova edição da Vita Christi, confrontando a edição fac-similada de 1495 com a edição diplomática de um dos manuscritos alcobacenses da mesma obra[2]. A edição diplomática não tem valor linguístico, uma vez que o autor atualizou a grafia e introduziu alterações significativas no texto. Por ter falecido em 1966, Magne acabou por não terminar este trabalho, tendo sido apenas publicada a primeira parte em dois volumes, um deles postumamente (1957-1968).

    De acordo com os conhecimentos atuais, a Vita Christi é o terceiro livro impresso em língua portuguesa, depois do Sacramental (Chaves, 1488) e do Tratado de Confissom (Chaves, 1489). É por muitos considerada a obra-prima da tipografia portuguesa do século XV. Sobreviveram vários exemplares, existentes em diversas bibliotecas, o que faz desta obra incunabular uma das mais conhecidas e bem conservadas.

    Critérios de edição

    A presente edição semidiplomática baseia-se na edição fac-similada dos incunábulos impressos em Lisboa em 1495 e existentes na Biblioteca da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (RES 120, RES 121 e RES 122). Em notas de rodapé, apresentamos algumas variantes da edição de Augusto Magne (1957-1968).

    Procurámos respeitar o mais possível a grafia dos incunábulos, efetuando no entanto algumas alterações. Estas tiveram como base os seguintes critérios:

    1. Unimos algumas palavras que se encontravam separadas: co meça > começa; bemauen turados > bemauenturados; re gnara > regnara; say bo > saybo; participa dor > participador; recebero m > receberom; me de > mede; im possiuel > impossiuel; etc. Mantivemos separadas algumas outras: por tanto; em quanto; em tam; com sigo; cõ sigo; por tanto, por quanto; etc.

    2. Separámos algumas palavras que se encontravam unidas: aty > a ty; amy > a my; desseer > de sseer; deseer > de seer; aafliçõ > a afliçõ; affe> a ffe; etc. Quando os nomes próprios contraem com as preposições, separámo-los com apóstrofo: darabia > d'Arabia; dalfeu > d'Alfeu. Nos outros casos em que a preposição de se une à palavra seguinte, como em delrey, dagora, dagoa, etc., mantivemos essa união. Mantivemos unidas: deçima (de cima); assy (a si); desy (des hi); etc.

    3. Desdobrámos as abreviaturas, transcrevendo a parte desdobrada em itálico.

    4. Mantivemos o u com valor de v, o v com valor de u, o y com valor de i, o i com valor de j, o m antes de consoante que não seja b ou p, assim como o n antes de b ou p.

    5. Transcrevemos a nota tironiana como e ou et (esta forma para a conjunção latina).

    6. Mantivemos em geral as maiúsculas e as minúsculas. Quando o texto se desvia do uso da ortografia atual, especialmente no caso dos nomes próprios, substituímos a minúscula em início de palavra pela maiúscula.

    7. As gralhas no texto são bastante significativas, mais do que em qualquer outra obra impressa no século XV. Isto deve-se, por um lado, aos escassos conhecimentos da Língua Portuguesa por parte dos impressores, e por outro a dificuldades de leitura do manuscrito. Sempre que procedemos à sua correção, damos notícia em nota de rodapé. As principais revisões gráficas que fizemos foram estas: Adicionámos a cedilha quando o contexto gráfico assim o exigia: nascenca > nascença; coracoões > coraçoões; distincõ > distinçõ, etc. Colocámos o til nas vogais nasais que não o tinham: coprido > cõprido; no < nõ; maaos > maãos; mãdado > mãdãdo; etc. Corrigimos a troca do u pelo n e vice-versa: bnsca > busca; jnutamente > juntamente; uom > nom; alnidro > aluidro; fauoranel > fauorauel; segnndo > segundo; lauçarem > lançarem; almoguanares > almoguauares. Corrigimos a troca do c pelo t: destriçom > descriçom; ristou > riscou; etc.

    8. A pontuação, caótica e muito afastada dos usos atuais, resume-se ao ponto, aos dois pontos e nas interrogativas aos dois pontos com uma plica [:’], que substituímos pelo ponto de interrogação. Acrescentámos um ponto sempre que a frase seguinte se inicia por maiúscula e não é antecedida de qualquer sinal, de acordo com o uso do impressor. Nos casos em que se abrem parêntesis e não se fecham, fechámo-los na nossa edição.

    9. As lacunas, sempre que possível, foram resolvidas entre parêntesis retos, tendo em conta o contexto ou, em caso de dúvidas, a edição de Augusto Magne. Substituímos os parêntesis retos, que indicam uma citação bíblica, por parêntesis curvos, para não haver confusão com a indicação das lacunas.

    10. Indicámos a mudança de coluna através de uma barra oblíqua (/) e de página através de duas (//). Apresentámos a assinatura dos cadernos, que surge no canto inferior direito da edição de 1495, entre parêntesis retos – [b ij], [b iij], [b iiij], etc.

    Bibliografia

    Anselmo, Artur (1981), Origens da Imprensa em Portugal. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda

    Anselmo, Artur (1983), Les Origines de l'Imprimerie au Portugal. Paris: Fundação Calouste Gulbenkian, Jean Touzot Éditeur.

    Anselmo, Artur (1991), História da Edição em Portugal: I – das Origens até 1536. Porto: Lello & Irmão.

    Dias, João José Alves (coord.) (1995), No Quinto Centenário da Vita Christi – Os Primeiros Impressores Alemães em Portugal. Lisboa: Instituto da Biblioteca Nacional e do Livro.

    Magne, Augusto (1957-1968), O Livro de Vita Christi em Lingoagem Português. Rio de Janeiro: Casa de Rui Barbosa, vol. I e II.

    Mendes, Maria Valentina Sul (1995), Os Incunábulos das Bibliotecas Portuguesas. Lisboa: SEC / IBL, vol. I e II.

    Mougel, Ambrose (1908), The Catholic Encyclopedia. Edição online.

    Nascimento, Aires Augusto (2001), "A Vita Christi de Ludolfo de Saxónia, em português: percursos da tradução e seu presumível responsável", em Euphrosyne, n.º29, pp. 125-142.

    Veloso, Queirós (org.) (1941), Bibliografia Geral Portuguesa – volume I, Século XV. Lisboa: Imprensa Nacional.

    A primeira parte do liuro de uita Christi

    O PROHEMIO

    Prohemial epistola ao serenissimo principe e Rey potentissimo e senhor dom Joham o segundo Rey de Portugal e dos Algarues daquẽ e dalem mar em Affrica Senhor de Guynee dirigida. preposta em a lectura da vida de Christo. per ordenãça e mandado da muy esclareçida de sangue e virtudes e antre as prinçesas da cristandade yllustrissima senhora Raynha dona Lyanor sua muy virtuosa molher jnpressa pellos honrrados meestres e empressores feliçemente se começa.

    A diuina sapiencia ante toda creatura do eterno padre gerada: eternalmente nasçida: arte do eterno padre. productiua de todalas cousas em elle viuentes. per Salamão rey gloriosissimo e dos ecclesiasticos mysterios propheta mirifico diz. Aquelles que me aluzem e lucidamente louuando magnificã: reçeberã a eterna vida pera sempre duradoyra. Nom que o muyto alto deus: cuja grandeza fim nõ reçebe: como cousa obtenebrada e obscura da intellectual creatura: lume e claridade reçeba. seendo delle scripto: que he luz verdadeira: no qual nõ som treeuas algũas. e que toda creatura humana na vida presente alumea: mas em tanto alumeado se estima: em quanto humanamẽte irradia e yllustra. E cõ verdade dizer se pode: na quella mẽte nõ splandeçer ho verbo diuino. a qual per spiritual conhiçimẽto he oculto e secreto. E seẽdo em toda creatura de suas diuinas perfecçoões: nõ por ygual graao representatiuo e manifesto vestigio. em o qual como em differençiado espelho mais e menos claro cõ seu emtendimento[3] a creatura humana contẽplando: e muyto mais em sy meesma consijrando: e esguardando pode daquelle summo e eterno bem alguũ tanto conheçer: e com imitaçam de perfeitas obras porque a herança eterna reçeba: a elle louuar e seruir nõ que a diuina sapiẽcia como ja per ella he dito he yllustrada illuçidada e alumeada. E nõ degenerãdo vossa sacra magestade illustrissimo principe Rey e senhor. da diuina imitaçam e conheçimento diuino. nem menos / a serenissima prinçesa e senhora Raynha: vossa muy virtuosa molher: por seerdes adoptiuos e juridicos possuidores: daquelle eterno regno. posto que per diuersos modos: a diuina sapiencia filho de deus eterno. cõ virtuosas obras ylluçidãdo e alumeando magnificaes grandemente. Nem sento pena que escreua. nem lingoa que falle. nem menos coraçom que pense: per quantos modos muy altos: e maneiras muy subidas: vossa alteza a diuina sapiẽcia tem yllustrado e alumeado e de continuo alumea e yllustra: em ornamentar estes vossos regnos e senhorios com muyta prosperidade e esclareçido nome. quando com triũphantes victorias de vossos contrairos: em vossa nõ muy grãde ydade magnificastes. a emveterada gloria e honrra muy antiguamẽte per os serenissimos reys vossos predeçessores guãçada dos dictos regnos: em bellico campo onde perderse: claramẽte se via. como principe muj esforçado: e futuro rey muy poderoso: e na arte de cauallaria muy estrenuo caualleyro a quem depois do victoriosissimo Rey dom Afonso da felice memoria vosso progenitor e padre: a semelhãte empresa de direito mais que a nenhuũ outro doya: cõ glorioso vincimẽto: a vista de todos acreçentastes. E por mais segurança e tranquillidade: como mirifico esclareçedor: e pervigil illuminador da increata sapiencia verbo diuino. em cujo tẽporal nascimento: nom guerra mas paz: os spiritos cellestes aos homẽs de boa voõtade em terra: denũçiando cantarom. E seus discipullos em pessoa dos electos: depois de sua resurrecçõ: em seus apareçimẽtos spiritualmẽte saudaua. pax vobis dizẽdo. cõ meos asaz virtuosos: e a republica dos dictos senhorios e regnos neçessarios e muy proueytosos. vossa serenissima senhoria: paz e concordia: cõ muyta diligencia: e grande amor: procurou campos: e a longos tempos affirmou e corroborou. E por nom se estender: mais do expediente nosso screuer: ho qual desejamos cõ breuidade cõprir: das muy larguas merçees: e grandes acresçentamẽtos feitos a muytos de diuersos estados. e nom por seruiços muy asignados que fora destes regnos: a magnanimidade de vosso real esta[a ij]//do claramente demostram. e dos nobriçimentos que nas çidades e villas de vossos regnos cõ fabrica de spirituaes e tẽporaaes hedificios muy sumptuosos: cõseruadores de eterna memoria: que cotidiana mẽte vossa serenissima magestade: cõ grãde sũptuosidade faz e ordena: ao presente mençam algũa nõ fazemos: por serem cousas per todos claramẽte sabidas. E por mais pubrica fama: e perdurauel lembrãça nas partes da Africa a grande louuor e gloria da diuina sapiencia. cõ grãdissimo guasto: çidades e vilas a despecto de toda gẽte barbarica: vossa real senhoria gouerna: mantem e defende. E das partes ethiopissas e de Guynee innumerauel conto de ouro e doutras mercadarias mui ricas e de grãde valor em cada huũ ãno traz aos dictos regnos com arte de nauegaçam[4] muy trabalhosa e de grãde perigo. E por moor ampleaçom de nobreza e aumentaçam de vosso glorioso e christianissimo nome: nõ soomẽte per vossos naturaes em as dictas partes de Etiopia a louuor e a lucidamento de Jhesu Christo sapiencia e virtude diuina: os eclesiasticos sacramentos cõ vertuoso e deuido acatamento: som per ministros ordinarios administrados e deuotamente reçebidos: mas pella jndustria que vossa real magestade: a ello tem dada per publicaçam do sancto euãgelho: que per ordenãça e precepto de Christo. a toda creatura deue seer publicado: a fee catholica do dicto Jhesu nosso senhor: per cõuersam de muytos princepes e doutros da dicta terra naturaes moradores: tẽ reçebido: e cotidianamẽte reçebe acrescentamẽto muy grãde: Nõ que vossa sacra magestade e real alteza: contam asignado seruiço (saluaçom de muytos) como aquelle que per firme sperãça: e fe caridosa a herãça eterna quer reçeber: a Jhesu Christo do eterno padre sapiencia genita: lucidamẽte illustrãdo magnifica e magnificãdo illustra. Do que se bem e como deue: a naçam portuguesa conheçe: em grande obriguaçõ esta: ao rey dos çeos por lhe dar tam virtuoso e poderoso rey em terra: vossa serenissima alteza lealmẽte seruindo e deos eterno sempre louuando. E sendo ha serenissima Senhora Raynha de seu propio natural / muy virtuosa e a todo acrescentamẽto e bẽ da re pubrica destes regnos e senhorios: segũdo seu poder e boa vontade naturalmẽte inclinada. nõ soomẽte nas cousas que a corporal vida cõuem: mas per hũa singular e virtuosa inclinaçam aquellas que ao spiritual viuer pertençe: e consirando sua alteza quã grande he ho premio da queles que os outros a saluaçam das suas almas per vertuosos meos prouocã: e visto como nestes regnos som muyto mais os vulgares que os que a lingua latina conheçem: querẽdo aproueitar aa saluaçam dos muytos por em vida eterna reçeber moor galardam: aos taaes per Christo ja pormetido. mandou estãpar e de forma fazer em lingoa materna e portugues linguagem: como de feito com diuino fauor per obra comprio: com muyta dispeza de sua fazenda: por seruiço de nosso senhor e porueito comuũ: as quatro partes do liuro intitulado Vita Christi. nom aquelle apocrifo da infancia do saluador: mas ho ordenado e composto pello reuerẽdo padre Ludolfo cartusiano: chamado Meditações da Vida de Jhesu: no qual se cõtem todollos mysterios da ffe catholica: segũdo a escriptura dos quatro euangelistas e notarios cristiculos: com verdadeyras e deuotissimas exposiçoões de diuersos doctores: egregios: devotos: e muy gloriosos. No que çertamente sua yllustrissima alteza luçidamente e com grande clareza da verdade euangelica: a diuina sapiencia Jhesu Christo verdadeyro deos e homẽ com mereçimento da eterna herança. e saude de muytos. spiritualmente alumea. E quando que a esclareçimento e diuino louuor da sapiencia genita verbo diuino do eternal padre: e da gloriosa e temporal madre natural filho: outras meritorias obras feytas nõ teuesse: as quaaes sam mujtas e em sy meesmas muy grandes: e muyto mayores por spiritual mereçimento: feytos em diuersos lugares: e a muytas[5] e muy nesesitadas pessoas corporal e spiritualmẽte viuentes: ho que comũmente a todos nõ esta escondido esta soo abastaria a fazer sua alteza do eterno regno de condigno herdeira juridica. E nom menos vossa alteza yllustrissimo Principe Rey e senhor: por na tal // obra e a todos comuũ beneficio ter sua parte. A qual obra tam virtuosa e como perteẽçe assi castigada pello venerauel padre e deuoto religioso frey Andree obseruante da religiam de sam Francisco de vossa e sua alteza orador deuotissimo: ẽmendada e bem corregida em ho modo de sentenciar. E posto que dos antigos vocablos na presente obra algũs se achẽ que aos modernos destes nossos tẽpos: os quaes de gentijs e doçes termos se prezam. e os enueterados como grossos engeitam: gosto de suauidade nom offereçerem. nem ha queirõ de si como cousa fastidiosa e insipida vomitar a penuria dos nouos vocabulos a esso dãdo causa muy grãde donde ho dicto padre he mais digno de venia que de reprehensom. E assi cõ a dicta correcçom clara e illucida: a petiçam e mãdado da dicta senhora Raynha com muyta diligẽcia eu Valẽtino de Morauia cõ meu parçeiro Nicolao de Saxonia açeptamos de fazer nom soomente pello temporal e transitorio premio que delo auemos daver: mas por seruir sua Real senhoria e vossa serenissima alteza: e ho muy alto deus eterno e sua diuina sapiencia alomear com fraqueza de nosso saber: e por nas obras e tempos que os cõtemplatiuos no cõtemplar da tal scri/ptura obrarem e despẽderem: seermos participãtes. Porque acerca de nosso senhor: nom soomente pollas nossas[6] boas obras se as fezermos mas pollas dos outros boas e meritorias que por azo da dicta leitura fezerem tendo a ello com diuina graça nossa jndustria dado daquella herãça eterna nossa parte reçebamos: da qual ho muy alto deus eterno por sua jnfijnda misericordia e piedade a vossas altezas que muyto desejamos seruir: e a nos: quãdo sentir ser mais seu seruiço nos dee perpetua posse: cõ clara visam de façe a façe: seguro repouso: e delectaçom summa ho que em soo elle Jhesu Christo e nõ em outro se acha. Onde com jncessauel voz como de sua casa bem auenturados domesticos e de sua çidade celeste: cidadaõs gloriosos com os spiritos angelicos: sanctus: sanctus: sanctus: dominus deus sabaot: pera sempre dizẽdo a elle louuemos. Amen.

    Acabase a prohemial epistola dirigida pellos jmprimedores ao serenissimo principe e Rey potẽtissimo e Senhor dom Joham ho segũdo Rey de Portugal etc. //

    Aqui se começa o prologo sobre todo o liuro intitulado de Vida de Christo .s. sobre todas as quatro partes. Feito per o honrrado e muy relligioso frade Ludolfo da muy excellẽte[7] ordem da cartuxa em a muj nobre cidade de Argentina. feliçemente.

    Nom pode alguem pooer outro fundamento segundo diz o apostollo aalẽ daquelle que ja he posto: o qual he Jhesu Christo. Em como diga Agustinho que deus he cousa muyto sufficiẽte e perfeita. e o homẽ cousa mui defectuosa e falleçida. E que deus he huũ tal bem que nom pode auer outro aquelle que este leixa. e porem qualquer que deseja escapar da queeda de seus defeitos e seer repairado em seu spiritu he lhe necessario que se nom afaste do dicto fundamento: porque em elle achara todos remedios compridoiros aas suas necessidades. E primeiramente o pecador que cobijça tirar a carga de seus pecados e chegar aa folguança da alma ouça o senhor deos dizẽdo vijnde a my todos aquelles que trabalhaaes .s. em trabalhos de vicios e sooes primidos .s. em carga de pecados. e eu vos darey refeiçõ. Saando vos e recriando e acharees folguança pera vossas almas em este segre e no que ha de vijnr. Ouça o infermo o piedoso e sollicito phisico e venha a elle per profunda contriçom e aguçosa confissom e penssoso proposito de se aredar sempre de mal e fazer bẽ. A segunda cousa que deue de fazer o pecador ja fiel em Christo assy como reconcilliado a elle per penitẽcia deve studar com muy grãde dilligencia de se cheguar a seu phisico. e auer a sua familliaridade cuydando a vida delle muy sancta com toda deuoçom que poder. E avissese que nom leea sua vida corrẽdo per ela trigosamente mas ordenadamẽte apartãdo della algũa cousa cada dia em que cellebre o sabado delicado de piedossa meditaçom em Christo reduzendo a ella as ma/ginaçoões afeyçoões e oraçoões e louuores e toda a obra daquelle dia delleytandose em Jhesu Christo. cessando do arruydo dos embargos mundanaaes de fora. E doçememte delles assy como se dormisse assesseguado e deuese recorrer ameude onde quer que fora a essa meesma vida de Christo. e assi como a conto certo e piedoso contra todallas aduersidades viçosas da infirmidade humanal que continuadamente conbatem os seruos de deus. E mais ameude se recorra aas principaaes nembranças de Christo .s. a encarnaçom aa naçença aa circumçisom. e ao apareçimento apresentaçom no tẽplo. aa sua paixom e resurreiçom. a asçençom. ao enuiamẽto do spiritu sancto. e a vijnda ao juizo[8]. E esto fara por nembrança special exercitando em ella por consollaçom do spiritu. E leea a vida de Christo propoẽdo por seguir seus custumes em quanto poder: porque pouco aproueita o leer se o seguir. Onde sam Bernardo diz. que te aproueita teer o piedoso nome do saluador guardado e scondido nos liuros se nom trabalhares por auer piedade em nos custumes? e sam Crisostomo diz que aquelle que leẽdo de deos o quer achar triguese por viuer com deos dignamente. e a boõa conuersaçom seja assy como lampada ante os olhos de seu coraçom que lhe demostre a carreira da verdade.

    Esta vida de Jhesu Christo deue o pecador auer cõ grãde desejo por muytas razoões. Primeyramente por remissom dos pecados. porque quando fezer desi juizo acusandose per confessom[9] e justiça tomando de voontade a peendença e andar assy prestes com seu deus em este penssamẽto e alimparse mujto das çugidades dos pecados. certamente deos ao qual he apeguado e chegado he fogo queymante este faz a limpeza dos pecados. Segundariamente pello seu alumiamẽto. porque aquelle que se achega fazeo seer luz que alumea nas treeuas. e cercado do seu lume ensinase ordenar e despoer sua vida a Christo e aas cousas cellestriaaes e ordena as terreaaes a sy meesmo e ao proximo. Terceiramente por auer a graça das lagrimas a qual he muyto necessaria ao pecador em valle de miseria: a qual Christo que he fonte dos // virgeẽs e poço dagoas viuas acustumou outorguar aos pecadores que se cheguã a elle. A quarta razõ por repairamẽto das queedas cotidianas. das quaaes o senhor sempre aleuãtou os cheguados a elle acerca daquello que diz faze serpẽte darame e poynha por sinal que seja visto. e qualquer ferido que a olhar viuera. A quinta razõ he por a duçura e desejauel gosto que ha acerca daquell que diz. Gostade e veede que doçe he o senhor. A sexta razõ he por auer conhoçimento da magestade do padre: o qual per Christo soo pode seer auido. Segũdo aquello que diz que nõ conhoçeo alguẽ o padre se nõ o filho e aquelle a que o quiser reuellar o filho. A septima he por auer[10] segura a sayda desta vida perigosa. fiel he ẽ verdade o peccador que agora reçebe cada dia Christo em a pousada do seu coraçõ aparelhãdolhe leito de flores per bõas meditações e assi depois da morte sera chamado e reçebido de Christo por tal que sera pera sempre cõ elle segũdo custumou e desejou em o mũdo. Esta vida he vida boõa e agoa que alimpa e renoua os pecadores que se a elle cheguã e faze os cidadaãos dos sanctos e domesticos de deus. muyto he amauel e doçe pera cõuersar e nõ tẽ amargura nẽ pesar alguũ. mas prazer e allegria he dilleitosa e blãda. E todollos exerci[ci]os onde esta nõ for auorreçerã quando for ameude tragida no coraçõ. Esta he a que farta e cria: porque segũdo diz sancto Ambrosio aquelle que na sua camara de dẽtro reçebe Christo farto he de muy grãdes dilleitos. Esta he acõsollatoria ao soo e muj boo cõpanheiro pera auer prazer cada dia e cõforto de muy grãde sollaz e torre de fortelleza cõtra a façe do jmijgo e cõtra a tribulaçõ e tẽptaçõ do pecador. esta he caminho chaão e ligeiro pera cõtẽplar o criador. da qual nõ se pode alguũ scusar assy como da contẽplaçõ da magestade do padre muy alta: ao qual nõ pode alguũ vijnr se nõ andãdo e proueitãdo per esta vida do nosso reemijdor. a qual podẽ auer quaaes quer ora sejã paruoos e que começẽ. ora sejã entẽdidos e grãdes e acharõ em ella boo vinho pera sy. onde assy como tortores ponhã e scõdã seus filhos de casto amor cada huũ segũdo sua capaçidade. Esta vida faz que os sanctos de deus sejã muyto fauorauees: piedosos e benignos aos que os hõrrarẽ por aquelle que he a nos e a elles allegria comuũ e exẽplo ou pratica. Per vẽtura a bẽauenturada virgẽ madre de misericordia piedade e gra/ça te podera desprezar e nõ te olhar. ajnda que pecador sejas quando vijr nõ digo hũa vez no dia. mas ameude o seu filho que muyto ama nos teus braços. e que mora antre as tuas tetas per vẽtura podera desemparar a ty cõ seu filho que trages quando vir que per tal maneira e diligẽcia acõpanhas o seu filho em todo ofereçẽdolhe seruiço de piedade e deuoçõ? Certas nõ per nẽhũa maneira. E assi todollos outros os sanctos de muy boõa voõtade guardã aquelles cõ que deus tẽ por bẽ de morar: porque esta vida faz os que a guardã cõpanheiros dos sanctos de que ella meesma he vida. Certamẽte esta he a vida da madre de Christo que a elle per mujtos ãnos ministrou e seruio: esta he a vida dos apostolos que andauã em cõpanhia de Christo e cõ elle fielmente perseuerauã. esta he a vida dos cidadaãos de çima que husam de Christo marauilhãdose das suas obras marauilhosas e cõ reuerẽça sta ante elle pera sempre. Esta vida he a milhor parte .s. seer aos pees de Christo e ouuir sua pallaura e porẽ cõ razõ nõ se tolhera ao que a pesue e preza agora per graça porque esta he a retribuiçã e merçee prometida ao seruo prudente e fiel a qual se começa aqui e sera perfeita na eternidade. Esta vida nõ ha lingoa que abaste a louualla tãto he bõa e sancta e mais digna que todas outras vidas porque he começo de toda cõtẽplaçõ mais alta. e da vida angelica e eternal que se espera na gloria que he nossa propria terra. Pervẽtura he pouco a ty star cõtinuadamẽte cõ Christo em o qual os ãgeos sempre desejã esguardar? Se queres regnar pera sempre cõ Christo começa de regnar agora e nõ o desempares porque seruir a elle regnar he. Achegate ergo a elle per coraçõ piedoso porque descendẽdo elle do seo do padre em o ventre da virgẽ sejas a segũda testimunha cõ o angeo da sancta cõçepçõ em pura ffe e da graças aa virgẽ que por ti quis seer madre prenhe e presente sey aa sua nascẽça e circũcisõ cõ Josep assy como boo missegeiro vayte a Belleẽ cõ os magos e adora cõ elles o rey paruoo. e ajnda cõ seus parẽtes leuar o moço e apresentallo ao tẽplo acõpanharllo has cõ os apostollos o pastor piedoso fazẽte millagres gloriosos. e sey presente aa sua morte cõ a madre delle bẽauenturada e cõ sam Johã pera auer cõpaixõ e doo delle e auẽdo piedosa cura trautaras apalpãdo todallas chagas do teu saluador por ty assy morto. buscao[11] quando resurge cõ Maria Magda[a iij]//lena atee que mereças achallo. spãtate oolhãdo no ceeo quando sobio asi como se steuesses em mõte Oliuete antre os outros discipollos. Entra em conclaui e abscondete de todas cousas de fora por tal que mereças seer vestido do spiritu sancto de çima. E se desta maneira cõ piedoso e deuoto humilde e de deuoto coraçõ o buscares pouco tẽpo em na terra. elle te alleuãtara assy em nos ceeos onde see aa destra de deus padre: segũdo prometeo ao pecador fiel que se chegar a elle. dizẽdo. Aquelle que me serue sigua me e onde eu som alli sera o meu seruo. Qualquer pecador fiel que abraçar esta vida amigauelmẽte nõ duuide que Christo o adoptou em filho. onde scripto he nos Proverbios. Eu amo os que me amã. E Bernar. quẽ nõ apraz a deus nõ lhe pode deus prazer: por que a quẽ deos apraz nõ pode elle a deus desprazer. Auisse se pero sagesmẽte o fiel pecador que nũca em qualquer stado que seja aja fiuza em seus mereçimẽtos mas assy como proue minguoado e desuestido de todo cheguesse a demãdar sempre smolla a deus como mĩguoado. Esta fora nõ cõ fingida humildade escondẽdo seus mereçimẽtos: mas sabẽdo muy certamente que nõ sera justo ante deus todo viuẽte. E soomente dos pẽsamentos nossos nõ poderiamos dar razõ nem conto se elle quisesse entrar cõ nosco em juizo. E desta maneira quantoquer que se acheguar nõ sera cõtado por presumtuoso auẽdo pero temor piedoso e reuerẽcia ao boo senhor que chama os pecadores assi como os proues deste mũdo que quanto mais esfarrapados e nuus som tãto mais som oussados assy como mingoados e mais mizquinhos que os outros a pedir a esmolla do rico. e taaes como estes nõ som auidos por soberbos ou presumtuosos dos ricos benignos mas cõ misericordia som delles reçebidos. Esta vida husaua ameude sam Bernardo: o qual apanhãdo huũ moolho de mirra .s. hũa soma damargura da vida e trabalho de Christo. e poẽdoa ãtre as suas tetas .s. antre suas affeições diz. Tu se fores sabedor arremedaras a prudẽcia da sposa e o moolho da mirra tã amado nõ cõsintiras que algũa hora seja arãcado da profundeza do teu coraçõ: reteẽdo sempre em memoria as amarguras que elle por ty padeçeo tornãdo a ella cõ penssamẽto ameude que possas dizer. E tu moolho de mirra amado meu antre minhas tetas seras collocado. E eu jrma/ãos da minha cõuersaçõ manifesta que sentia falleçerme pera ajũtamẽto de mereçimẽtos ouue cura de atar cõ migo este moolho e poello antre minhas affeições apanhãdoo de todallas tribullaçoões e amarguras do meu senhor. Primeiramente das necesidades que ouue em na meniniçe: de sy dos trabalhos que sofreo em preeguar. dos enfadamentos do andar. das vigillias. de orar. das tẽptações quando jejũou. das lagrimas que ouue em se amerçear. dos espreitamẽtos que ouue em fallar pera o reprehẽderẽ e finalmẽte dos perijgos. dos falsos jrmaãos e dos escarneos. dos espinhos e doestos. das bofetadas e dos desprezos e dos crauos. e das outras cousas semelhãtes as quaaes cõpridamẽte declarã os euãgelistas. Onde antre tãtos ramos de mirra bẽ cheirãte nõ leixei a mirra que ẽ a cruz bebeo nẽ aquella cõ que foy vngido na sepultura das quaaes na primeira ajũtey a amargura dos meus pecados. e na segũda a ẽcorruçõ do meu corpo vijndoira. E a nẽbrãça da multidõ da dulçura destas cousas. falarei de soo my em quanto viuer e pera sempre nõ esqueçerey estas merçees porque em ellas sõ feito justo. e pẽssadas estas cousas disse que era sabedoria. e ẽ estas fundey a perfeiçõ da justiça e o cõprimẽto da cõsciẽcia e as riquezas da saude e auõdãça dos meritos. e destas cousas ouue algũas oras beber de amargura pera a saude. e destas ouue outras vezes duçura e vntura de cõsollaçõ. Estas cousas me soportã em as desauẽturas e me premẽ nas bẽ andãças. e pera antre as tristezas e prazeres desta vida sam estrada real que seguira o que anda per ella pera onde quiser. e afasta os perijgos que pareçẽ. Estas cousas me fazẽ dacordo com o julgador do mũdo quando me fazẽ lẽbrar que he temeroso cõ poderios e mãsso e humildoso. e quando mo demostrã seer nõ soõ blãdo per rogos: mas amauioso o qual nõ cõsente estar jũto cõ sigo os principes e acerca dos reis da terra he espãtoso. e porẽ estas cousas sõ sempre em minha boca o que vos sabees e deus sabe que assi soõ no coraçom. Estas cousas som a my familliares segũdo se mostra no estillo do meu scriuer. Esta he agora a minha mais alta proffecia .s. saber Jesu Christo. e que foy crucificado. E vos muyto amados colhee pera vos este moolho tã prezado e enxertayo nas cordas e meollo do coraçõ. este pẽduraae na ẽtrada do vosso peito por//que ature cõ vosco antre as tetas. teẽdoo sempre nõ detras nas costas: mas diãte os olhos porque nõ o traguaaes sem auer delle o cheiro e o pesso nõ vos carregue. e a door nõ vos forçe nẽbrayvos que Simeõ o tomou nos seus braços: e sancta Maria o trouxe no vẽtre. e o criou no regaço. e ella esposa poseo antre as tetas e pẽsso que Josep marido de Maria ameude o tijnha sobre os giolhos trebellãdo e rijndo cõ elle. Todos estes o teuerõ ante si e nẽhuũ de tras: e foy exẽplo a vos pera fazerdes per semelhauel maneira. Se ante os olhos ouuerdes aquelle que tragees certamẽte veẽdo as suas angustias ligeiramẽte soportaares as vossas. Estas cousas disse Bernar. mas porque muytos as nõ pẽssam asinha se ẽfadã da boõa obra o que nõ fariã se as pẽssassẽ. esta vida se lee que auia sancta Cecilia virgẽ e antre os outros louuores de suas virtudes se scriue della que sempre tragia escõdido no peito o euãgelho de Christo. a qual cousa se entẽde assi que ella da vida de Jesu Christo cõtheuda no euãgelho escolheo algũas cousas em as quaaes de dia e de noyte cõ puro coraçõ e ẽteiro e cõ obra booa pẽsaua. e acabadas todas do começo atees a fim outra vez as repetija e cõ doçe e saboroso gosto mastigadas. poynhaas cõ auisado cõselho na arca do coraçõ. E eu te requeiro e amoesto que assi o faças e creo que sobre todos estudos do spiritual exercicio este he cada dia necessario e mais proueitoso e que pode trazer mais asinha ao graao da perfeyçõ. Nõ acharas lugar onde assi possas seer ẽsinado cõtra as tribullações e auersidades e cõtra as tẽptações do diaboo e cõtra os viços como na vida do senhor Jesu Christo que he muy perfeita sem defeito alguũ. da cõthinuada e ameudada meditaçom da sua vida he tragida a alma em seu amor e fiuza e familliaridade. e assi se frutifica e forneçe cõtra os vicios e cõtra as cousas caducas e nõ durãtes que as ha por vijs e as menos preça segũdo pareçe na dita sancta Cecillia a qual assi enchera o coraçom seu da vida de Christo que nõ podia entrar ẽ elle cousas vaãs. Onde estãdo ella na põpa das vodas em que se custuma fazer muytas viãdas tãgẽdo os orgaãos e cãtãdo ella cõ firme coraçõ cãtaua sola mẽ[t]e a deus dizẽdo. façase senhor o meu coraçõ sem magoa porque nõ venha ẽ cõfusõ. e fortificase outrossi a alma fiel cõ as auersidades e tribul/lações. sentĩdoas: mas nõ as temẽdo como pareçe nos martires. Onde Ber. diz por tãto ouue a minha põba ẽ nos furados da pedra: porque nas chagas de Christo se reuolue cõ toda deuoçõ. E detensse ẽ ellas pẽssandoas cada dia. desta veyo ao martir grãde fiuza desta vejo a elle toda fortelleza acerca de deus. Quer o duque benigno que o seu caualleiro tiinha o gesto e os olhos alçados em suas chagas porque daqui se aleuãte o seu coraçõ e per exẽplo delle se faça mais forte pera sofrer feridas as quaaes nõ sentira quando esguardar bẽ as chagas de Christo. Sta o martir trabelhando e vẽçẽdo nõ ẽbargãdo que tenha o corpo espedaçado cõ marteiros. e o ferro lhe lima as costas. e nõ soomẽte o sofre auẽdo fortelleza: mas auẽdo ajnda alegria oolhãdo sayr o sangue da sua sancta carne. Onde ergo he entõ a alma do martir? certo em lugar seguro mas certamẽte ẽ a pedra e ẽ as entradanhas de Jesu onde se meteo per as chagas que stauã abertas pera entrar. Se elle esto vesse ẽ as suas proprias ẽtradanhas sentira o ferro que chega a ellas. e nõ poderia sofrer a door e seria vẽçido e negaria: mas que marauilhas pois que mora na pedra se he duro aa guisa da pedra nẽ he marauilha de nõ sentir as doores no corpo pois que sta desterado fora do seu corpo nẽ faz esto por espãto que aja. mas por amor sumese o sentimẽto: mas nõ se tolhe nẽ he sem door mas desprezaa. E porẽ a fortelleza do martir da pedra vẽ. Estas cousas sam Ber. Desto se segue que muytos dos cõfessores e doutros ẽ suas tribullações e ẽfirmidades nõ soo forõ paciẽtes mas ajnda allegres: porque da deuota maginaçõ da vida e paixõ de Christo as suas almas nõ forõ nos corpos seus e ẽtradanhas: mas nas de Jesu Christo. E guarneçẽse cõtra as tribullações tẽptações e vicios do diaboo de guisa que em nas cousas que se deuẽ fazer ou leixar nõ podẽ errar nẽ seer ẽganados: porque aly achã perfeiçõ de todas virtudes de proueza. humildade. caridade. mãssidõ. paciẽcia. obediẽcia e de todas outras virtudes. Nõ acharas exẽplos e doctrina assi como na vida do senhor das virtudes. qualquer cousa de virtude que ẽ na ygreja seja de Christo he tirada por exẽplo das suas obras. onde Bernar. que teẽdes de fazer cõ as virtudes vos outros que duuidaaes e nõ conhoçees a Christo que he virtude de deus. Onde he a verdadeyra pru//[dencia. se nõ em a doutrina de Jesu Christo? Onde he][12] a verdadeira paciẽcia e justiça se nõ na misericordia de Jesu Christo? Onde he a verdadeira tẽperança se nõ na vida de Christo? Onde he a verdadeira fortelleza. se nõ na paixõ de Christo? ergo aquelles sollamẽte som ditos prudentes que em sua doutrina som emformados. E aquelles soos som justos que da sua misericordia guaãçarõ perdoança dos pecados. E aquelles som tẽperados que a sua vida aremedã ou seguẽ. e sooes fortes que ẽ paciẽcia sua fortemẽte tomã ẽsinãça nas auersidades. Em vaão trabalha alguẽ em buscar as virtudes se as espera auer se nõ do senhor dellas. a doctrina do qual he sementeira de prudẽcia e misericordia do qual he obra de justiça e a sua vida espelho de tẽperança cuja morte he joya ou diuissa de fortelleza. Onde diz Gre. que he esto que a esposa nõ chama sua amada aa mirra. mas ao moolho da mirra nõ he outra cousa saluo que quando a sancta voõtade cõsijra de toda parte a vida de Christo apanha cõtra todollos vicios virtudes repugnãtes a elles das quaaes aparta pera sy hũa manada cõ a qual alimpe e barra da sua carne a podridom pera sempre duradoyra. Outrossy Agust. diz que ajnda que de todas maneiras deus aja remedio e meezinha aas almas segundo as oportunidades dos tempos segũdo ordenãça da sua marauilhosa sabedoria empero nõ ha hy outra mais marauilhosa maneira pera aconselhar ao linhagẽ humanal que cõ essa meesma sabedoria de deus que he o seu vnico filho cõsustancial ao padre e coeternal o qual quis tomar humanidade em terra. e seendo verbo foy feyto carne e morou em nos. Os poboos desejauã desordenadamẽte as riquezas que som algozes dos dilleitos: elle quis seer pobre. suspiraua por hõrras e dignidades ou senhorios. elle nõ quis seer rey. Pẽssaua seer grãde bẽ auer filhos carnaaes. e tal casamento e geeraçõ desprezou. auorreçiã muy soberbamẽte as enjurias e elle sofreo todas maneiras de enjurias diziã as enjurias nõ seer soportadoyras. e qual he mayor enjuria que dãpnar o justo e innocente? As doores do corpo auia por malditas e escõmũgadas. e elle foy açoutado e atormẽtado. Temia a morte: e elle foy cõdẽpnado a morte. a morte da cruz penssaua mui enjuriosa: e elle foy crucificado. todas cousas cobijçauamos da auer: e nõ as esquiuauamos. elle as desprezou careçendo / dellas: e todas as que afastauamos de nos em cobijçãdo nõ as auer: elle as reçebeo. nõ se pode cometer pecado alguũ se nõ quando sõ desejadas as cousas que elle desprezou ou leyxadas as que elle ouue e soportou. toda vida sua em a terra em quanto homẽ que por bẽ teue seer foy ensinãça de custumes. E outorguemos outrossi que nõ ha hy agora homẽs dignos de os seguirẽ. E quẽ quer que tu es que pẽssas estas cousas cõsijra em a voõtade o senhor deus: o qual feito homẽ por ensinar a viuer o homẽ. Nẽbrate que he aquelo que diz sam Johã. aquelle que diz que mora em Christo segũdo Christo andou. e elle assi deue andar e assi nõ te fallecera que siguas. Onde Beda diz. aquelle que afirma morar em Christo deue segundo elle andou andar. esto he nõ cobijçar as cousas terreaaes nõ seguyr os gaanhos que pouco duram. fugir aas honrras dos homẽs e abraçar o desprezo do mũdo por a gloria cellestrial de graado aproueitar a todos e nõ fazer enjurias a alguẽ e as que lhe forõ feitas sofrer cõ paciẽcia. E pera os que lhas fezerẽ pedir a deus perdõ nũca buscar a sua gloria: mas a gloria do criador buscar sempre. e alleuãtar os que poder pera as cousas de çima. fazẽ estas cousas e semelhãtes e seguir as peeguadas de Christo. Estas cousas som de Beda. As peeguadas de Christo deuemos seguir. porque segũdo diz Ãbrosio per o conhoçimẽto de Christo auemos saude e sabedoria e mais todas as cousas auemos em Christo e todas nos faz auer Christo. se desejas cura de feridas phisico he. se stas esquẽtado de febres elle fonte he. se te culpã de mallicia. elle he justiça. se desejas o ceeo. elle he caminho se mester has ajuda: elle he virtude. se temes a morte. vida he. se fuges aas treeuas: luz he se buscas o ceeo elle he criamẽto. Estas cousas Ãbrosio. E porẽ se diz per huũ sabedor. saber mujtas cousas sem Christo esto he nõ saber. Se sabes bẽ a Christo assaz he ajnda que outras cousas nõ saibas. E prouuesse a deus que os sabedores deste mũdo soubessem estas cousas e as entẽdessem e cõuertessem sua sciencia em esta. Aquelle que segue a Christo nom pode errar nem seer enganado. E pera seguir e guançar as suas virtudes se açende e esforça o coraçõ per meditaçõ delle ameude husada: e he alumiada per virtude diuinal em tanto que muytos forom sem leteras e simprizes que conhoçerom grandes e profundas // cousas de deos. porque ally he achada vntura que purificãdo a alma pouco e pouco e alleuantandoa ensinaa de todas as cousas em todas virtudes e boos custumes. Sempre prepooẽ a ty aquelle muy claro spelho e trallado da tua sanctidade .s. a vida e custumes do filho de deus nosso senhor Jhesu Christo que por esto foy enuiado a nos do ceeo porque nos guiasse no caminho das virtudes: e nos desse a ley da sua vida e disciplina pera seu exemplo e ensinasse nos assi per semelhãça de virtudes e fossemos reformados segundo nossa possibilidade aa jmagẽ a qual nos çujamos. Quãto qualquer studar de se conformar a elle per seguimento de virtudes tanto na claridade da gloria do parayso sera a elle mais cheguado e mais semelhauel. Corre ergo perfeitamente per todallas ydades de Christo e per cada huũa das suas virtudes. e assy como fiel discipollo estuda de aproueitar seguindoas no trabalho de dentro e de fora: nembrate dos trabalhos e auersidades de Christo e quãdo quer que em algũa cousa te sentires agrauado logo te acorreras ao piedoso padre dos pobres assi como o menino paruoo ao regaço da madre e todo lhe descobre e todo lhe comete e todo lança em elle. E elle sem duuida ablãdara a tẽpestade e escapartea nõ soomẽte que vigiando entendas em deus: mas quando poões o teu corpo no estrado ou leito e a cabeça na almoffada seja a ty assi como foy a sam Johã que adormeçeo encostado sobre os peitos de Jesu e assy encostado sobre o peito de Jhesu çugua suas tetas e dormiras e folgaras em paz pera sempre. E em todos teus ditos e feitos teeras olho em Jesu assy como ao fito. E andando. stando. seendo. e callando. jazendo. comendo. fallando. stãdo. soo ou cõ outros. e desto te segura que o amaras mais e aueras mayor graça da sua familliaridade e em toda virtude seras mais perfeyto. E esto seja a tua sabedoria e o teu studo sempre de Jesu. cujdar algũa cousa per que sejas prouocado seguillo e afeiçoado a amallo. e pẽsando taaes cousas despenderas o teu tempo proueitosamẽte. E quando assy fores occupado em studos boos e diuinaaes acerca ao senhor Jesu: emmẽdaras teus custumes da semelhança da sua vida quando em todas / cousas tuas que de fazer ouueres oolhares sempre a elle que he spelho e exẽplo de toda perfeiçõ. e quanto mais ameude acustumares estas meditaçoões tãto as faras a ty mais familliares e mais de ligeiro te acorrerã: e mais ledamẽte te recriarã. Viste ergo a quã alto graao traze o homẽ as meditações da vida de Christo. Agora tẽptarey de te introduzer quanto quer em ellas nõ trautando perfeitamente todallas cousas que em nos euãgelhos som scriptas: mas scolhendo delles as mais deuotas. Nẽ creas que todas as cousas que podemos penssar que Christo disse ou fez sejã scriptas. mas por fazerẽ mayor empressom. eu tas recontarey segũdo acõteçerõ ou se pode e deue creer que aconteçerã segũdo algũas representações da jmaginaçõ as quaaes o coraçõ reçebe per desuairados modos: porque acerca da diuinal scriptura podemos pẽssar entẽder e expoer de muytas guisas segũdo creemos seer cõueniẽte cõ tanto que nõ seja a verdade da vida ou da doctrina ou da justiça. Esto he que nõ seja contra a ffe e cõtra os boos custumes. Qualquer que de deus afirma algũa cousa que nõ he certa per razõ natural ou per ffe ou per a sancta scriptura este presume e peca. Quãdo achares em este liuro que eu cõto o senhor Jesu disse ou fez tal cousa ou alguũs outros aquy cõtheudos. se aquello se nõ pode prouar per scriptura nõ entẽdas ou tomas doutra guisa: saluo segũdo requere a meditaçõ deuota. esto he que o tomes assi como se eu dissesse. pẽso que assi disse ou fez nosso senhor Jesu Christo. e assy das outras cousas semelhãtes. e se tu destas cousas cobijças auer alguũ fruto cõ toda afeiçõ da voõtade cõ dilligencia e dilleitosamẽte e nõ cõ trigãça. leixados por entõ todos outros cuydados e pẽssamẽtos darteas assi presente a estas cousas que se cõtã[13] per o senhor Jesu seerẽ ditas ou feitas assi como se as tu ouuises cõ tuas orelhas e visses cõ teus olhos: porque muy doçes sam aaquelle que cõ desejo as pẽssa e muyto mais ao que as gosta. E como quer que muytas destas cousas se cõtẽ seerẽ feitas no tẽpo passado. tu pero maginaras ellas assi como se todas fossẽ feitas agora de presente: porque desto gostaras mayor duçura sem duuida. lee ergo as cousas feitas assy como se agora se façam pooẽ ante os teus olhos as ystorias passadas co//mo se fossem presentes e asy acharas todas saborosas e allegres. E nota por regra geeral que onde quer que adiãte nom achares meditaçoões singullares abastete que he cousa dita ou feita per o senhor Jesu. e assy a pooeras ante os teus olhos da voontade e conuersaras com elle e seras seu familliar porque em esto se demostra a mayor duçura e mais aficada deuoçom e acerca todo o fruto destas meditaçoões .s. que onde quer e sempre olhes com a mente e com deuoçom em sua obra e custumes assy como quãdo sta com seus discipollos. e quando com os pecadores falla e quando preegua quando anda e quando see. e quando dorme. e quando vigia. quando come e quando serue aos outros. quãdo cura os emfermos e quando faz outros millagres scripuẽdo em teu coraçom seus custumes e feitos. E como se ouue humildosamẽte antre os homẽs. quam benignamente antre os discipollos. quam misericordioso foy aos pobres. aos quaaes se fez em todo semelhauel e que da famillia delles pareçia spiritual. e como nõ desprezou nem auorreçeo a alguem ajnda que gaffo fosse. como nom foy louuaminheiro aos ricos. como foy liure dos cuydados do mundo. nem penssoso por as necessidades do corpo. quanto foy paciente aas deshonrras. e quã mansso em as repostas nõ studaua de se vingar com pallaura mordente ou enjuriosa. mas humildosa e blanda reposta saaua a malicia do outro. quam afeiçõado e bem cõposto foy em todos seus trajos. Quam sollicito da cura das almas por amor das quaaes teue por bem de morrer como deu sy meesmo por exemplo de todo bem. quanta compaixom ouue dos aflictos. como condescendeo aa jmperfeiçõ dos emfermos. como nom desprezou os emfermos[14] quam piedosamẽte reçebeo os pecadores[15]. quãto foy prompto em ministrar ou seruir a todos segundo elle diz. Eu em meo de vos outros soõ assy como aquelle que ministra ou serue. como se apartou de todos gabos e de toda mostrança de singullaridade. como se cauidou de todo scandallo. quanto foy temperado em seu comer e beber. quã vergonçoso em na vista. quãto studoso aa oraçom quanto foy sem destemperãça aas / vigillias. quãto sofredor de trabalho e de mingoa. Quam prazente em todas cousas. E semelhauelmente per esta maneyra em todos ditos e feitos que de Jesu Christo leeres ou ouuires penssa os seus custumes e manhas ou jeytos. e como se ouue ou poderia auer em todas cousas se auia muy perfeitamente e como compria. Era doçe no esguardamento. gracioso na falla. e em toda conuersaçom benigno. E mayormente contẽpla a sua façe se o poderes maginar. a qual cousa pareçe mais graue que as outras cousas todas. mas perventura esta conforta e dara mayor alegria. esto te seja por doctrina e acorrimento de todas as cousas seguintes onde quer que se cõtar alguũ dito ou feito se aly nõ forẽ outras meditações singullares expressas ou estas geeraaes forẽ leixadas recorrete a este lugar e abastete esto que aqui em geeral he posto ou dito. e porque a façe de Jesu Christo e a sua forma e figura toda e seus custumes manhas e obras per estas cousas aqui contheudas mais ligeiramente possas cõprehender. Eu enxertarey em ellas aqui alguũas que som scriptas em outras partes: porque me pareçeo proueitoso.

    Leese nos liuros ãnuaaes que ham os romaãos que Jesu Christo que he chamado dos gentios propheta da verdade. foy de statura do corpo grande nom descompassada. mas meaã e vistosa e honrrosa e reuerente. E a cara teue digna de honrra a qual poderiam amar e temer os que o vissem. Os seus cabellos erã de auellaã madura e cheguauã aas orelhas yguaaes e chaãos e dally afundo quanto quer crispos e louros e cobriã e auanauã sobre os ombros. E no meo da cabeça tijnha hũa spartadura segundo custume dos nazareos. A testa chaã e muy clara. e a façe sem emverrugadura nem magoa: a qual afremosentaua a vermelhidom temperada. Do nariz e da boca nom auia tacha nẽ reprehendimento alguũ. A barba era grossa ou farta de cabellos nom longa mas na fim forçada. E seu esguardamento era simprez e sesudo os olhos de collores e claros. em seu reprehender muy spãtoso. em amoestar blãdo e amauioso. alegre cõ pesso. Algũas vezes chorou mas nũca rijo. Em a feitura do corpo bem fundado e direito. As maã//os e braços muy bem pareçẽtes. em a falla pessado e de autoridade e bem arazoado de poucas pallauras e certas. E porem com razom diz o psalmista. fremoso he em sua feitura sobre todo os filhos dos homẽs. Estas cousas se contam onde em çima dito he .s. nos liuros ãnuaaes dos romaãos. Antre toda as scripturas a principal he o euangelho o qual segundo sancto Agustinho antre todas as autoridades das santas scripturas tem auantagem studa em elle e aueo per maaos e cada dia o traze em teu coraçom. porque esto te podera mais claramente ensinar da vida e custumes do senhor Jesu Christo. E de todas cousas necessarias aa saluaçom porque segũdo sam Joham Crisostomo em o euangelho se contem a soma de toda perfeiçom da natureza raçional[16]. E segũdo Jeronimo os euangelhos som comprimẽto da ley. e em estes perfeitamente som declarados e despostos os preçeptos e exemplos de viuer. Onde Crisostomo. Podera seer que nom ouueramos mester algũa ajuda das scripturas mas comveyo dar a nos tam limpa vida que em lugar dellas ouuessemos e vsassemos da graça do spiritu. e assy como as folhas som scriptas com a tinta assy forom nossos coraçoões scriptos do spiritu. E porque esta graça lãçamos de nos esperamos por as segundas riquezas e olhamos por as cousas que som scriptas. Nom forom dadas as scripturas por nos as teermos soomente em nos liuros. mas porque as ajuntemos e glindemos em no coraçom. Se na casa onde for posto o euangelho nõ oussa entrar o demo. muyto mais nom tangera a alma que ouuer os entendimentos e sentenças taaes e penssar em ellas de hũa parte a outra. Nem vijnra a elle de sobreuenta o demo nem pecado alguũ. Sanctifica ergo e beenze a tua alma e o teu corpo auendo esto sempre em teu coraçom e linguoa. Se a falla torpe ençuja e chama os demoões magnifesto he que a liçom spiritual sanctifica e arãca a graça do spiritu onde jaz soterrada. Entendamos ergo jrmaãos amados as scripturas. e se[17] nemhuũa outra soubermos ao menos os euangelhos studemos de cabo a cabo e estes ajamos per / maãos abrindo asinha o liuro. Se perseuerares atee fim todas cousas mundanaaes desprezaras. escarneçeras das cousas que aqui som. e se fores rico nom prezaras as riquezas cousa algũa. e se fores minguado nom te agastaras com a mingoa. Nom furtaras nem seras auarento e mais cobijçaras a proueza que as riquezas. E se esto for feito todollos malles poeras em cabo e muytos outros guaanhos aueras que se nõ podem juntamẽte dizer em huũ lugar ou parte. mas sabem nos aquelles que o prouarõ. E mais que cousa foy ja mais ygual aos euangelhos? certamente deos conuersa na terra e nom se foy ao ceeo e feita he hũa mestura de todos. Os angeos cõ os homẽs faziam huũ coro. Os homẽs comunicauam com os angeos e com as outras cellestriaaes virtudes. De veer era a batalha antijga como a tam asinha se desfez. E como deos foy reconcilliado. e o dyaboo confuso. e os demões afugentados a morte acabada e reemijda. e o ceeo aberto. a maldiçom alongada. e o pecador tirado. e o error empuyxado. e a verdade tornada. e a pallaura da piedade em todo lugar semeada e pressa. a conuersaçom cellestrial o regno da terra pacificado. e as virtudes do ceeo fallantes cõnosco como com filhos. e os angeos vijnr ameude a terra. E de todas estas cousas teermos afirmada sperança muy çerta das cousas vijndoyras. E por tanto esta estoria he chamada euãgelho. assy como se todas outras pallauras fossem vaãs per as quaaes sooẽ seer prometidas as presentes cousas. Aquellas que forem deitadas per pallauras de pescadores propriamente e verdadeiramente som euãgelhos chamados: porque nos forom muy ligeiros dauer. nom os ouuemos com trabalho nem suores nem cõ doores nem p[r]essas: mas per a caridade soomente que nos deus ouue a nos. estas cousas susoditas tã grãdes reçebemos. onde diz sancto Agustinho. que o nome do euãgelho em ladinho he enterpretado boõa messagẽ. E quando algũa cousa he denunciada sempre se pode dizer propriamente euangelho. porque este vocabulo teue a messejaria do saluador. E os que contarom originalmente os dic//tos e feitos da paixom de nosso senhor Jhesu Christo propriamẽte sam chamados euãgelistas. Mas ante que cheguemos a hestoria do euangelho sabe que os euangelistas per encaminhamento do spiritu sancto algũas vezes propoynham e anticipauam algũas cousas que deuerã seer dictas despois. e aas vezes recõtauam e repetiam algũas que leixauam e replicauam algũas que ja dictas foram. E ajnda que doutra maneyra senam deueriam scripuer se nom como per elles muy proueitosamẽte sam ditadas. porque segũdo Agustinho. Cousa probauel he que cada huum dos euangelistas. creo que per aquella ordem deuia scripuer o euangelho segũdo per deos era dado aa sua memoria. E porque se nam possa toruar na vida de Christo a deuaçam dos pequenos e paruos: por tanto segundo as cousas passarõ e conuem de se dizer em tal lugar e liuro situamse adiante os dictos euangelhos. Nõ affirmo pero que esta he a ordenança verdadeira e çerta de como se as cousas passarõ: porque nom se acha per nenguem expressamente. Em este euangelho acharas a estoria do verbo jncarnado os mandados e promessas em que teẽs a uia e a uerdade e a vida. em a vida de Jhesu Christo porem per exemplo conheçe que possas bem viuer. E per os preçeptos que os saybas. e per os prometimentos que queiras bem viuer. E com estas tres cousas neçessario he que toquemos outras tres .s. jmpotencia: jgnorãçia: negrigẽcia. E ho ignorante sera jgnorado. ho negrigente sera esqueeçido nem ficara por lançar fora aquelle que emfinge que nom pode. E esperta te alma deuota a Christo e vigia toda alma christãa. e cada hũa das cousas das que de Jhesu Christo Jesu som dictas scoldrinha diligentemente. Sey atemto em as consijrar trautaas apontadamente e deuagar segue aas peegadas do teu senhor. Elle por ti desçendeo da seeda çelestrial e veeo a terra. E tu fuge aas cousas terreaaes e deseja as çelestriaaes. Se o mundo[18] te pareçe doçe deos por ty reçebeo todallas penas. Aleuãta te e anda nom ajas preguiça no caminho porque nom percas o lugar na patria. cõuem a saber na gloria. /

    Oraçom

    Senhor Jhesu Christo filho de deos viuo: outorgua a my fraco e mizquinho pecador a tua vida e custumes sempre teer antre os olhos e seguillos segundo minha possibilidade. fazeme em elles aproueitar e cresçer em homem perfeito e em templo santo no senhor. Alumea o meu coraçom eu te peço com lume da tua graça a qual cada dia me preçeda e sigua: por que auendo eu a ty por guia em todos meus caminhos[19] possa cõprir todallas cousas a ty prazentes: e leixar as que te desprazem eu te peço que emderençes as minhas cujdaçoões e pallauras e obras em a tua ley e nos teus preçeptos e conselhos

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