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Atrás do teu rasto: Bianchessi, #1
Atrás do teu rasto: Bianchessi, #1
Atrás do teu rasto: Bianchessi, #1
E-book345 páginas5 horas

Atrás do teu rasto: Bianchessi, #1

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Sobre este e-book

Pode uma decisão ser tão importante, a ponto de mudar o rumo da tua vida?

Serias capaz de arriscar tudo, para bem da tua própria família?

Um trabalho bem-sucedido acaba por ser o detonador na vida de Andrea Sáez, uma murciana que passará de uma vida tranquila, à loucura que suporá ver-se envolva nos negócios sujos da máfia italiana.

Uma novela que te levará a um mundo, onde a traição se paga com sangue, e onde a única forma de sair é com a tua própria vida.

Atrás do teu rasto, possivelmente, a novela que não esquecerás durante muito tempo.

IdiomaPortuguês
Data de lançamento24 de jul. de 2020
ISBN9781071555668
Atrás do teu rasto: Bianchessi, #1

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    Atrás do teu rasto - Aeryn Anders

    «A força de uma família,

    como a força de um exército,

    funda-se na sua mútua lealdade»

    Mario Puzo

    «A melhor forma de destruir

    o meu inimigo, é fazê-lo meu amigo»

    Abraham Lincoln

    «Tudo o que é feito por amor,

    faz-se além do bem e do mal»

    Friedrich Nietzsche

    Dedicado ao homem mais

    importante da minha vida, o meu pai.

    Que agora me observa

    Desde o céu, e sei que estará lá

    Para me apoiar, como sempre o fez.

    Amo-te.

    Epílogo

    Olho à volta, antes de sair do veículo, ainda que o lugar é seguro, nunca é demais tomar precauções. A gravilha emite uma leve queixa a cada passo. Acedo ao interior, pela porta traseira. A nave está em desuso há pouco mais de cinco anos, e assim deve continuar, se alguém se apercebe do que ocorre no interior, teremos sérios problemas.

    O odor a humidade, misturado com sangue, assalta-me o olfato, antes de traspassar o plástico que separa o escritório da zona de descarga. Os meus homens localizam a mercadoria no centro da estância. Com passos curtos, percorro os poucos metros que nos separam. A esta distância, posso notar o medo do homem ao me ver, um sinistro sorriso, aprendido ao longo dos anos, aparece-me no rosto, o qual provoca um tremor incontrolado da presa. É consciente do futuro que lhe deparam as horas seguintes, e as primeiras lágrimas humedecem-lhe a cara, sem sequer pousar uma mão no seu corpo. Espero que não suplique tanto, como da última vez que nos encontrámos meses antes.

    Antes de chegar perto dele, arrasto lentamente uma cadeira, coloco-a frente ao homem. Com movimentos calculados, sento-me e entretenho-me a esticar bem o traje para que não se enrugue, quando acabar o trabalho, esperam-me umas belas loiras na sala de festas, e não desejo fazê-las esperar pelo mero feito de ter que mudar de roupa.

    Examino a pose do meu inimigo pausadamente, a cada segundo que passa, o seu corpo encolhe-se mais devido ao pânico que apenas a minha presença lhe provoca. Pelo contrário, a excitação dos meus homens vai aumentando com cada movimento que realizo, sabem que brevemente começará o seu duro trabalho, ainda que além de lhes desgostar estar encerrados na nave durante horas, disfrutam cada segundo, não têm este estímulo todos os dias. São tantos anos juntos, que só de ver as suas poses sei que saboreiam estes escassos momentos, já que podem passar meses antes de voltar a ter o prazer de disfrutar de magoar.

    — DeLuca — pronuncio o seu nome com voz grave, para lhe causar mais temor —. Voltamos a ver-nos novamente, e pelo que vejo, não serviu de nada o aviso anterior.

    — Senhor...

    As suas calças, de um tom acinzentado, escurecem à altura das pélvis, ainda não ordenei nada, e já se mijou todo. Começamos mal.

    — Posso explicar-lho... — gagueja —. É um erro.

    Um som suave, parecido ao de uma risada, escapa-se-me da garganta. Odeio quando tentam fazer-me parecer estúpido.

    — DeLuca, estás a insinuar que os meus homens mentem? — Inquiro, enquanto alço uma sobrancelha.

    A gargalhada geral que provocam os meus cinco acompanhantes faz-me sorrir, se antes estavam ansiosos por lhe pôr as mãos em cima, agora desejam que dê a ordem para o destroçar.

    DeLuca, cada vez mais assustado, tenta em vão, oferecer-me uma explicação.

    — Por favor, senhor, juro-lhe que não tenho nada a ver com a família DiZinno. Tudo isto é um erro. Não tento intrometer-me nos seus negócios, todos sabemos que a sua família é a dona de Roma, seria uma imprudência da minha parte, tirar-lhe a sua posição.

    — Tu disseste-o, seria uma imprudência. Uma imprudência que cometes pela segunda vez. Há meses atrás, avisei-te e não serviu de nada. Compreenderás que desta vez não poderei deixá-lo passar. Que pensarão os meus homens de mim, se consinto tal coisa? — Levantou a mão, ao ver que tenta responder à pregunta —. Pensarão que perdi qualidades, na hora de gerir os meus negócios.

    O meu primo despe o blazer, coloca-o sobre a mesa poeirenta, e enquanto se aproxima de DeLuca, arregaça as mangas da camisa. Antes de o homem notar a sua presença, golpeia-lhe no costado com todas as suas forças, o homem retorce-se de dor. Durante vários minutos, irrita-se com o seu corpo maltratado, golpeando-o furiosamente. Ao notar os primeiros sintomas de suor, cede-lhe o posto a outro dos meus homens, o qual disfruta ainda mais que o meu primo, enquanto espanca DeLuca. O ritual repete-se, até que os cinco saboreiam cada golpe que dão ao nosso inimigo impiedosamente.

    Umas gotas de sangue salpicam os meus sapatos. Levanto-me da cadeira de forma pausada, aproximo-me de DeLuca, e com desprezo, limpo-me nas suas calças. O homem não levanta a cabeça quando me posiciono frente a ele, devo fazê-lo eu. Agarro-lhe no cabelo de forma brusca, e obrigo-o a me mirar. Os seus olhos inchados tentam em vão manter-se abertos, sabe que se não o faz, o castigo será maior. O rosto já está desfigurado, devido aos hematomas e o sangue.

    — Eu avisei-te que não te voltasses a cruzar no meu caminho — cuspo à sua cara —. Este é o preço a pagar, por desobedecer às minhas ordens.

    Solto a cabeça com força, antes de voltar-me em direção à torneira, para desfazer-me do sangue e do suor que mancha a minha pele. A meio caminho, giro a cabeça para mirar o meu primo.

    — Terminem o trabalho, esperam-me.

    Antes de ouvir o som do disparo, amortecido pelo silenciador, os rapazes entretêm-se um pouco mais com DeLuca. Abandono a nave com o telemóvel na mão, espero uns segundos até que o meu interlocutor atente.

    — Valdati.

    — Um. Onde sempre.

    Não é necessário dar mais explicações. Conhece perfeitamente o seu trabalho.

    — Quinze minutos.

    — Perfeito.

    Desligo a chamada sem me despedir.

    — Afasto-me do lugar, e conduzo de forma sossegada, nada de derrapagens nem altas velocidades. Esse tipo de cenas fica espetacular no grande ecrã, mas não na vida real. Tudo é mais relaxado.

    1

    ––––––––

    O fumo do tabaco enche a estância. O havano repousa numa mesinha de fumador de ferro, com acabados em nácar guilhote do século XIX; situada entre os cadeirões de pele mogno da mesma época, e conservada em perfeito estado. Ao trespassar as portas do gabinete, retrocedes em séculos de história. Os móveis, todos importados, são peças de colecionador. Um excêntrico e caro luxo que a minha família se pode permitir.

    Uma mesa de escritório antiga descansa sobre o solo de mármore branco, o conjunto é completo por um armário livraria com quatro portas e seis gavetas, uma cadeira de escritório com encosto em corpo repuxado com motivo Viera de Santiago, e dois de visita, ouro armário onde está encastrada a caixa forte, e por cima, uma antiga máquina de escrever. Todos os móveis foram talhados à mão por famosos ebanistas de Santiago de Compostela, uma cidade — à qual — os meus progenitores têm especial carinho, já que foi ali que se conheceram.

    Sentado em frente ao escritório, encontra-se o grande Mauro Bianchessi, meu pai, analisando a informação recém-chegada de Espanha. Há coisa de um mês que chegaram más notícias do país. Um trabalhador desleal pegou em documentação importante, que em mãos de polícias não incluídos em folha de pagamento, pode gerar problemas importantes para o negócio familiar.

    — Pai — anuncio a minha chegada, para me fazer notar.

    Sem alçar a vista dos documentos, responde à minha saudação.

    — Excelente trabalho. — refere-se ao último realizado semanas antes, não é necessário dar mais explicações, com poucas palavras entendemo-nos —. Senta-te, temos que falar.

    As suas palavras surpreendem-me. Geralmente não age de forma tão séria quando estamos sozinhos, é mais a típica relação entre pai e filho. Nesta ocasião, é um trato profissional. Sento-me à sua frente, numas das incómodas cadeiras antigas.

    — As cosas em Espanha estão revoltas, e as últimas notícias não são animadoras — começa a dizer, levantando a vista —. Mandei-te chamar, para te comunicar a nossa decisão.

    Adotou uma atitude profissional, antes de lhe responder: espalda direita e semblante sério.

    — Tu dirás.

    Massageia a ponta do nariz, ao mesmo tempo que tira os óculos.

    — Os teus tios acabam de se ir embora, se queremos resolver o problema, o mais sensato é que um de nós viaje a Espanha, é a única forma de dar com o paradeiro da pessoa que tenta trair-nos, e agir da mesma forma que aqui.

    Entendo cada uma das suas palavras, eu próprio agiria de igual maneira.

    — Excelente decisão. O melhor seria enviar uma equipa de seis pessoas, para que tenham cobertura em caso de imprevistos. Uma vez descoberto o paradeiro do desconhecido, liquidá-lo para que não diga demasiado.

    O seu olhar faz-me sentir satisfeito com a resposta, sei que está orgulhoso de me ter educado profissionalmente como ele para os negócios.

    — Lembras-me tanto de mim, quando tinha a tua idade — comenta com melancolia — Magnífica decisão, filho. Chegámos à mesma conclusão.

    Cresço ante as suas palavras.

    — Enviaria Marco com os seus homens, já estão prontos para se encarregar de um trabalho destas dimensões.

    Não me deixa prosseguir com a exposição. Levanta a mão, para que cesse. Centra a sua atenção em mim, e entretém-se a observar-me, a sua atitude inquieta-me.

    — Não me entendeste, filho. Não te chamei para me dares o teu ponto de vista, ainda que muito acertado da tua parte. Quem viajará a Espanha, serás tu, junto aos teus homens.

    O meu sangue ferve ao ouvi-lo, por nada deste mundo abandonaria o meu país, a minha vida é bastante satisfatória aqui. Adoro o meu trabalho e os seus riscos, por isso não estou disposto a ir a um país do qual não me lembro nada. Levanto-me da cadeira com uma expiração, e começo a caminhar de um lado para o outro do estúdio.

    Passados uns segundos, situo-me frente a ele, se tenho que lhe fazer frente, fá-lo-ei.

    — Pai, não me podes fazer isto —. Bramo. Baixo o tom de voz, ao ver a sua dura mirada intimidatória — Marco necessita de um voto de confiança. Tenho a certeza de que se lhe encargas o trabalho, ele realizá-lo-á na perfeição. Deseja involucrar-se plenamente nos negócios familiares.

    Incorpora-se de forma pausada, e sorteia o escritório até se situar frente a mim. Antes de prosseguir, observa-me de forma paternal.

    — Filho, entende que isto é importante e delicado. Não nos podemos arriscar a cometer erros, ali estarão vocês os seus, não haverá ninguém da família para apoiar, caso algo corra mal.

    Miro-o com dureza, não me importando com o seu olhar reprobatório.

    — Só falhou uma vez, não pensas perdoá-lo nunca?

    Desta vez, quem gritou foi ele.

    — Recordo-te que a sua imprudência nos custou a vida de três homens valiosos!

    não posso acreditar, que um ano depois, ainda não tenha perdoado o próprio filho. Eu mesmo o fiz, pouco depois de se suceder tudo, sabia que Marco tinha passado uma má época, e nessa noite a festa descontrolou-se. Sei que em condições normais, jamais teria agido daquela maneira tão infantil.

    — Não preciso que me lembres quem morre naquela noite — cuspo com raiva, havia algum tempo que não falava com o meu progenitor desta forma —. Mas deves compreender que Marco precisa de um voto de confiança, do teu voto de confiança — prossigo, com o mesmo tom.

    — Se lhe assignas este trabalho, voltará a se sentir parte da família, senão arriscamo-nos a perdê-lo. Se o que queres, é assegurar-te que tudo corre bem, envia-o a ele com um dos meus homens de confiança. — Relaxo o tom, antes de continuar —. Além disso, eu tenho muito trabalho aqui em Roma, o qual não posso descuidar.

    — Isto é mais importante. O teu trabalho passará para o teu irmão, sob a minha atenta vigilância. Deve aprender todos os negócios da família, os legais e os não tão legais. — Ainda que sei que não vou gostar do que vem a seguir, parte de mim alegra-se ao saber que tenta confiar novamente no seu outro filho —. De forma que não se fala mais nisto, numa semana viajarás a Espanha com os teus homens.

    — Sim, senhor.

    Saio do gabinete sem me despedir, é o que ele merece, por não raciocinar nem ouvir a minha proposta. Ao trespassar o umbral, coloco os óculos de sol ao sentir os primeiros raios nos meus olhos. O meu grande amigo de infância espera o meu regresso, apoiado no capot do carro, com um simples movimento de cabeça entendemo-nos, sabe que a reunião não correu tão bem como esperava.

    Sem dirigir-nos palavra, entramos no Ferrari Tunero F430, e vou rumo a Bocca, uma das casas de festa que a minha família possui. Penso disfrutar da semana que me resta na cidade, e gozar das mulheres que me rondam cada noite, e finalizam na minha alcova, intuo que em Espanha não terei tempo para estar com nenhuma.

    2

    ––––––––

    — Andrea, filha, está na hora. — A voz suave do meu pai, através da porta, avisa-me da minha partida.

    Percorro com o olhar o quarto onde fui criado, e a que tão gratas recordações me traz. As imagens da minha infância alegre invadem-me a mente: esconder-me debaixo dos lençóis para desafiar a hora de dormir, as largas noites em que brincava e ria com os meus irmãos mais novos, e as horas e horas ao telefone com Álvaro quando demos o passo de conviver juntos. Quanto desejaria poder voltar atrás no tempo, para mudar tudo e não cometer erros passados.

    Passo os dedos pelo painel que pende acima da cama, e toco cada uma das fotografias penduradas com pioneses. O que menos desejo, é esquecer uma época feliz onde a única preocupação que tinha era escolher a roupa que vestiria para sair.

    Regresso à mesa. Dois envelopes lacrados e uma caixa quadrada envolta em papel de embrulho são o último que me falta pegar. Opto por guardar os envelopes na mala de mão que usarei para a viagem, quanto mais perto os ter, melhor me sentirei. Pego na prenda, ao mesmo tempo que coloco a mala ao ombro, chegou a hora de me despedir da minha antiga vida. Parte de mim sabe que é o melhor, o mais acertado, outra não deseja pensar no futuro que me depara, porque se o faço não serei capaz de me ir embora.

    Abandono o quarto olho uma última vez, e tento reter tudo antes de fechar a porta, vou necessitá-lo para me sentir a salvo, nos momentos de fraqueza. O meu pai espera-me na sala de pé. A minha mãe e a minha irmã já estão no carro, como o resto das coisas. Sem poder evitá-lo, os meus olhos encharcam-se ao comprovar o seu gesto triste.

    Oferece-me um abraço paternal, ao ver o meu estado de ânimo.

    — Ainda vais a tempo de rejeitar a oferta — diz, secando-me as lágrimas que caem pelas bochechas.

    Nego em silêncio. Não posso voltar atrás. Não sou pessoa de me render, e agora com o que sei, muito menos vou agir de forma egoísta. A decisão está tomada, é o melhor para mim, mas sobretudo para eles. Quanto mais longe estiver, mais seguros estarão. Pôr terra no meio é o mais sensato, se bem que nas últimas noites duvidei se a minha decisão era a acertada, ou não.

    — É melancolia — respondo em voz baixa, esboço um sorriso para acalmar a sua incerteza —. Se não nos vamos embora, perco o comboio.

    Ao ver a minha determinação, assente pouco convencido.

    De mãos dadas, descemos até à cave, onde nos espera o resto da família. O meu pai empreende rumo á estação, depois de me sentar na parte traseira do veículo.

    Consoante o veículo avança, deixo para trás tudo o que me é familiar, brevemente estarei numa cidade desconhecida, ouço as suas vozes amortecidas, enquanto cruzamos a Gran Vía, não presto atenção ao que dizem, porque faço todos os possíveis por não chorar.

    Acabaram-se os cafés aos sábados á tarde rodeada de amigos, as horas sentados no terraço de qualquer café, enquanto falamos sobre as nossas coisas de maneira despreocupada. Os dias de leitura encolhida no sofá, enquanto vejo a montanha ao longe. Os braços protetores do meu pai, que me abraçam durante a noite, quando choro de forma desconsolada, depois de um dos recorrentes pesadelos. Agora, quem estará a meu lado se eles voltam? Há um mês que não os tenho, mas sei que é por pouco tempo, mais tarde ou mais cedo regressarão com mais força que nunca.

    Um escalafrio percorre-me o corpo, e gela-o instantaneamente. Sacudo o medo, já que não posso permitir que a minha família veja o meu estado de ansiedade, de terror. Eles não têm a culpa do sucedido, a única culpada sou eu. Autoconvenço-me de que faço o que é correto, já não terei que me esconder, nem olhar por cima do ombro. Em Madrid ninguém me conhece, passarei inadvertida entre tanta gente, e poderei começar a ter de novo uma vida normal, ou quase normal.

    Dez minutos depois, tenho ante mim a fachada de ladrilho vermelho, na placa sobre uma porta de madeira pintada de verde está escrito Estação Múrcia del Carmen. Saímos do veículo em silêncio. O meu pai é o encarregado de tirar as malas da bagageira, e de as deixar no chão. Agarro com força a bolsa contra o meu corpo, por nada deste mundo posso perdê-la de vista. Se isso ocorresse, seria a minha perdição.

    Por ser o início do ano, não há muita gente nas plataformas, de modo que não é difícil localizar a cabeleira loura de Isa a se aproximar de nós, fica em segundo plano, enquanto me despeço dos meus entes queridos.

    A primeira a me envolver num abraço, é a minha mãe.

    — Amor, não te preocupes. Estou convencida que depressa farás amigos em Madrid, e não te sentirás tão sozinha na grande cidade —. Tenta não chorar, mas é em vão.

    As suas palavras são sinceras, contudo, tenho consciência do esforço que faz para não me reter a seu lado. Ainda que sabe que os últimos meses não foram os melhores da minha vida, desconhece a gravidade do assunto, nunca lho dissemos. O meu pai pensou que era o melhor, e não pude contradizê-lo.

    Sem soltar-me, respondo.

    — Mãe, sabes que por muita gente que conheça, não será o mesmo sem vocês —. Engulo o nó de emoções que se me concentra na garganta, o que menos desejo é que me vejam chorar, já terei tempo de o fazer, sem que eles saibam —. Vou sentir a vossa falta todos os dias.

    A voz da minha irmã rompe o momento entre mãe e filha.

    — Que exagerada és, Andrea! Nem que fosses para a China! Madrid está a três horas e meia de carro, quatro de comboio. — Especifica —. Podes vir todos os fins de semana.

    Uma ideia cruza a sua mente, automaticamente sei que não gostarei dela.

    — É melhor não, não todos, porque senão não te poderei visitar e disfrutar da noite madrilena — acrescenta.

    — Alba — advirto severamente, ignora o meu tom de voz.

    Olha-me com olhos risonhos.

    — O quê? — pergunta com inocência —. Só estou a dizer que Tony e eu podemos ir um, ou até dois fins de semana por mês, estou farta de ver as mesmas caras todos os fins de semana.

    Arqueio as sobrancelhas ao ouvi-la, não posso acreditar no que acaba de dizer, ainda que não devia surpreender-me, e menos, tratando-se da minha irmã mais nova.

    — Tu, como sempre, vês tudo tão fácil. Pensas que vou mudar de cidade por prazer, por diversão? — pregunto com ironia —. Faço-o por trabalho. Para poder subir na empresa.

    «Mentira», penso. Faço-o para fugir, mas essa parte não tenho tenções de a desvelar.

    Levanta as mãos acima da cabeça, num gesto que dá a entender que se sente ofendida.

    — Já sei que vais por trabalho, não sou estúpida. Mas isso não implica que Tony e eu não vaiamos a te ver de vez em quando. Podias mostrar-nos a noite madrilena e o resto da diversão —. Move as sobrancelhas acima e abaixo, para deixar claro a que se refere com resto da diversão: homens.

    A minha irmã mais nova, de vinte e oito anos, só pensa nos homens, mas não para uma relação séria, quer usá-los e deitá-los fora, é todo o contrário a mim. Suponho que os três anos de diferença que nos separam, e as minhas últimas experiências vividas, são as causas de sermos tão distintas. Lembro-me do dia em que anunciei a minha partida, e o meu novo destino. Alba passou várias horas a gritar e a saltar de alegria, repetia que já tinha uma casa em Madrid para passar temporadas. Se pensa que o meu lar vai ser o seu fornicário particular, está muito enganada, a menina.

    A minha mãe interpõe-se entre nós, conhece bastante bem o que se avizinha, se alguém não intervém.

    — Por favor, Alba, deixa a tua irmã sossegada. Que a vida para ti seja uma constante diversão, não significa que o é para toda a gente. Outras pessoas têm coisas mais importantes para fazer, que pensar só em homens.

    Alba olha para nós as duas, sem entender, antes de replicar, adianto-me a dizer.

    — A mãe refere-se a madurar, algo que não existe no teu vocabulário.

    — Por favor — ofega —. Foste pior que eu. Ainda que haja uma diferença entre nós, tu oculta-lo a toda a gente, e eu não.

    Antes de prosseguir com a sua arenga de palavras sem sentido, o meu pai intervém na conversa.

    — Já chega, Alba! Estamos aqui para nos despedirmos da tua irmã, não para saber a lista de amantes que tens, ou queres conseguir na capital.

    Fico muda ao ouvi-lo, geralmente é muito permissivo no que nos concerne a nós, jamais se interpõe em nada do que fazemos, a não ser que seja prejudicial. Os ofegos de Alba são ouvidos em metade da estação. Olho para Isa pelo canto do olho, faz os possíveis por conter a risa.

    — Sempre o mesmo — queixa-se Alba, olhando-me —. Pai, tem trinta e um anos, para de a proteger excessivamente de uma vez por todas, já não é uma criança.

    Olha para nós as duas.

    — Para mim, serão sempre as minhas pequenas —. Centra a sua atenção em mim. Puxa-me para ele, agarrando-me pelos ombros —. Coração, promete-me que ligarás todos os dias, para saber que estás bem.

    Soa mais a uma informação, que a uma pergunta.

    — Pai, tentarei ligar sempre que puder.

    Não gosta da minha resposta, mas resigna-se e não me contradiz.

    Procuro com o olhar, e tento ver o rosto alegre de Tony, ainda que não corre o mesmo sangue pelas nossas veias, consideramo-nos irmãos. Não consigo vê-lo em lado nenhum, contenho a tristeza ao saber que não me poderei despedir dele. Tenho a certeza de que não faltará ao encontro, ele não é de se esquecer de datas importantes.

    Separo-me do meu progenitor, e vou até ao lugar afastado, onde Isa espera de forma paciente, a sua vez para se despedir. Conhecemo-nos há três anos no trabalho, ela era uma das raparigas fixas no placard quando eu organizava os eventos. Novamente engulo as lágrimas que pugnam por sair, assim que a abraço.

    Sem soltar a prenda que levo nas mãos, separamo-nos da gente. O que temos que falar é privado, e ninguém se

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