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Filho da Terra
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E-book263 páginas3 horas

Filho da Terra

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Sobre este e-book

Já se sentiu tão deslocado que faria qualquer coisa para ser aceito? E se você sempre agisse de maneira correta, como um bom filho, namorado e chefe e, mesmo assim, se tornasse um inimigo em sua própria casa? Na noite em que Lucca Gonçalves decide pedir a mão de Vitória em casamento, se depara com uma bela índia. O mundo se refaz no chocolate dos olhos dela e a força mística do ônix o instiga a acreditar no impossível.
Um homem enraizado na razão e soterrado por um amor inesperado.
IdiomaPortuguês
EditoraBookerang
Data de lançamento8 de mai. de 2013
ISBNB00CPPNQ2M
Filho da Terra
Autor

Josy Stoque

Josy Stoque is a publicist by profession and author by vocation. She has been writing since discovering poetry as a child. Her debut novel, Marked by Fire, the first book in the Four Elements saga, was nominated for the 2013 Codex de Ouro Annual Literary Prize when published in Brazil in the original Portuguese. The second title in the series has also been published in Portuguese, and the author will release the remaining two books through Amazon’s Kindle Direct Publishing platform in 2014. Marked by Fire is her English-language debut.

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    Filho da Terra - Josy Stoque

    BIOGRAFIA

    PREFÁCIO

    Um Filho da Nossa Terra

    Fui Marcada a Fogo. As feridas mal cicatrizaram, e vi-me perdidamente apaixonada por Lucca Gonçalves, o Filho da Terra. Obviamente, meu amor não foi correspondido, então fui atirada, sem paraquedas, na Ilha de Ar. Antes que me sufocasse numa narrativa primorosa, fui resgatada e levada para o Universo de Água.

    Minha experiência com os textos da Josy Stoque é, para dizer o mínimo, insana. Eu poderia escrever um livro sobre isso, contando em detalhes hilários como uma leitora pode ficar ensandecida com personagens e cenários tão bem construídos, tornando difícil, inclusive, a separação entre realidade e fantasia.

    Sei bem por que a autora convidou-me a prefaciar o segundo volume da série Os Quatro Elementos. Claro, sou louca por esse livro e pelo personagem principal — e lindo — deste enigmático enredo.

    Josy Stoque é uma autora completa, e não há comparativos. Nesta obra, o leitor será agraciado com uma narrativa introspectiva, em que sentimentos e sensações profundas virão à tona, carregando-nos à psiquê e ao coração do protagonista.

    Com uma história deliciosa e um plot digno de grandes autores clássicos, a autora nos leva a lugares belíssimos, uma verdadeira lição de geografia, presenteando seus leitores com as mais belas lendas do nosso país, numa riqueza de detalhes que impressiona.

    Poucas são as obras em que assino embaixo. Filho da Terra, definitivamente, é uma delas.

    A partir deste instante, desejo que a força dos quatro elementos esteja com você.

    Vanessa Bosso,

    autora de A Aposta

    Aos meus leitores, por acreditarem nesta saga e fazerem meu esforço valer a pena.

    Para entender nós temos dois caminhos:

    o da sensibilidade que é o entendimento

    do corpo;

    e o da inteligência que é o entendimento

    do espírito.

    Manoel de Barros

    PRÓLOGO

    Sou bom em focar em meu objetivo, tornando-me capaz de transpor qualquer obstáculo, seja cor, origem ou posses. Estou acostumado a atender as expectativas, a fazer o que é certo e a alcançar minhas metas. Meu raciocínio lógico me trouxe até aqui, e estou muito perto de fazer a maior descoberta da minha carreira.

    Como todo cidadão que se preze, tenho uma família, a quem agradeço por seu amor com minhas conquistas, e sei que eles têm orgulho de mim. Uma das mulheres mais cobiçadas da cidade é minha namorada, e conto com um melhor amigo para dividir minhas decisões e problemas.

    Mas a vida é uma caixinha de surpresas. Depois que uma misteriosa índia cruzou meu caminho com uma pedra brilhando em seu pescoço, perdi o controle sobre meu destino. Eu me vi dando voltas e mais voltas em torno de mim mesmo, tentando entender o erro no percurso.

    Estava perdido quando fui encontrado e levado pela mão para um novo começo. Uma jornada que, quando iniciada, não haveria mais como retornar.

    PEDIDO

    Rolou o corpo na cama, e seu braço cobriu curvas voluptuosas que não estavam lá antes. Deixou a mão deslizar pela pele sedosa, o braço fino quieto, mas tão quente. Caminhou para o sul, escorregando pelo quadril sensual até a coxa dela. Seus dedos a reconheceram linda, jovem e sexy.

    Rígido e pulsante, comprimiu-se contra o corpo feminino.

    Guiou a mão dela até o meio de suas pernas, e ela o apertou entre os dedos com força, friccionando a pele contra o tecido que o cobria. Sufocou o próprio gemido tomando sua boca e invadindo-a com a língua úmida e escaldante. Infiltrou os dedos longos e ásperos entre os fios macios do cabelo com certa rudeza.

    Começaram uma dança sensual enquanto seus corpos se enroscavam.

    Ele passou a perna entre as dela, abrindo-as e fazendo-os girar até que ficasse sobre ela. Seus lábios pareciam grudados, incapazes de se separem nem para tomar fôlego. As respirações entrecortadas eram ruidosas e se misturavam com os gemidos abafados e guturais.

    Ele se esfregou nela, fazendo-a se contorcer e enlaçar seu quadril com as pernas; a pressão e o peso do corpo dele tornando a urgência maior e desesperadora. O tecido atrapalhava, mas ele deu um jeito de infiltrar as mãos por baixo da blusa e apanhar-lhe os seios enrijecidos de desejo.

    Ela enfiou os dedos no short dele e puxou-o para fora. Com a outra mão, afastou a própria calcinha e ajudou-o a entrar. Em uma estocada rápida, ele preencheu-a completamente, mordendo-lhe o lábio inferior. Ela soltou uma exclamação de prazer, que se tornou constante quando ele repetiu o movimento com força.

    Abriu os olhos para encarar o novo dia que nascia pela janela do quarto.

    Lucca Gonçalves sentiu-se pulsar, frustrado. Droga! Precisava fazer alguma coisa para ter sexo com mais frequência. Não era mais um adolescente. Sonhos eróticos não ajudavam em nada. Levantou-se da cama de solteiro, que mal o comportava, e encarou a foto da namorada no criado-mudo.

    Loira e linda, mas ausente. Só uma ducha fria poderia apagar vestígios do sonho.

    Vitória Cruz era uma garota mimada, filha do fazendeiro mais poderoso de Corumbá, Mato Grosso do Sul, mas na cama era uma amante ousada e fervorosa. Sentiu-se latejar novamente com a lembrança tão vívida da pele pálida dela sob suas ávidas mãos. Há quanto tempo estavam juntos mesmo?

    Enquanto arrastava os pés para fora do quarto que dividia com o irmão, contava.

    Lucca tinha trinta e dois anos e uma profissão estável, não havia por que continuar morando com os pais adotivos, por mais que sua irmã caçula fosse casada e ocupasse com o marido a suíte da enorme casa. Não, ele não queria isso. Vitória não merecia uma vidinha tão acomodada quanto essa.

    Estava na hora de se mexer e partir para a última fase de sua existência.

    Já havia superado a aversão pela imagem refletida no espelho. Encarou os próprios olhos verde-oliva, destacados pela pele muito clara, mas salpicada aqui e ali por sardas bronze. O cabelo cobre dava-lhe um ar jovem, mas seus traços másculos e os músculos definidos, em mais de um metro e oitenta de altura, evidenciavam sua maturidade.

    Era bonito, sexy e exótico e já se acostumara aos olhares interessados.

    — Lucca, você pretende sair do banheiro hoje?

    A ironia implícita na última palavra e a voz de irritação lhe eram inconfundíveis. Sorriu, sabia que encontraria uma carranca do lado de fora. Sem responder, abriu a porta abruptamente, assustando e desfigurando o rosto redondo e moreno, as narinas infladas em irritação, arregalando mais os grandes olhos levemente oblíquos do irmão mais novo.

    Teve que olhar para baixo para encará-lo.

    — Já terminei, Edmundo.

    Vestiu jeans velho e camiseta azul, calçou um tênis encardido e, antes de sair porta afora, pegou uma bolsa de tecido e a pendurou no ombro. Como de costume, passou na casa de seu melhor amigo e também colega de trabalho, Carlos Aguiar, para lhe oferecer carona. As compridas e finas pernas do passageiro ficavam espremidas no carro popular.

    — E aí, cara? — o amigo cumprimentou-o ao mesmo tempo que lhe dava um soco no ombro.

    — Estou bem, e você?

    A resposta de Carlos foi uma gargalhada exagerada.

    — Sempre todo certinho, hein, Lucca?

    O motorista fez uma careta. Não gostava de ser rotulado.

    — Qual o motivo dessa impaciência? — provocou o passageiro.

    — Não estou impaciente.

    — Então por que está batendo os dedos de modo tão irritante? O que te perturba?

    Carlos Aguiar era a única pessoa desse mundo que conseguia fazer Lucca se abrir. Não porque fosse insistente, mas porque era leal e franco, e essas são características importantes na visão simétrica do ruivo.

    — Vou pedir Vitória em casamento. — Sua resposta não podia ser mais direta.

    Pareceu o anúncio do juízo final para o melhor amigo.

    Como? — Carlos gaguejou, ainda tentando se livrar do espanto. — O que você disse?

    — Preciso dar um rumo à minha vida! — Lucca disparou a falar, talvez para não ser interrompido. — Ter minha própria casa, formar minha família! Vitória me quer, eu a quero, o que nos impede? É o caminho natural.

    O amigo estreitou os olhos grandes e escuros de maneira desconfiada.

    — Se quer mudar sua vida, troque de casa, de emprego, de cidade, de país — o tom de sua voz subindo consideravelmente a cada alternativa proposta —, mas você não precisa se casar! — A revolta explodiu como Lucca previra. — Tudo bem, Vitória é gata, gostosa — não se importou com o olhar furioso que outro lhe lançou — e rica. Está na cara que ela é doida por você, mas isso não te dá garantia nenhuma de felicidade e toda essa baboseira de até que a morte os separe. Vocês não estão bem desse jeito? Duvido que Vitória esteja te pressionando a casar. Para que mudar o que está indo tão bem? — Lucca não respondeu. Carlos traduziu o silêncio do amigo, respondendo a si mesmo. — Você já decidiu, não é? — O ruivo afirmou com um aceno de cabeça breve. Suspirou derrotado antes de fazer a pergunta de um milhão de reais: — E quando fará o pedido?

    Sua careta denunciava que gostava mais de outro termo para descrever o evento.

    — Hoje à noite — sussurrou Lucca.

    Hoje à noite? — repetiu Carlos, incrédulo.

    O automóvel atravessou a entrada de calcário, encimada por toras de madeira rústicas e gastas pelo tempo, do Parque Marina Gatass, onde estavam escavando um sítio arqueológico que registrava a presença de povos indígenas na região do Charco.

    ∆∆∆

    Tamires do Valle começava a ter dúvidas de que fizera a escolha certa ao deixar Foz do Iguaçu — e a vida que construíra lá — para seguir Marcel Vieira até sua irmã caçula em Fernando de Noronha. O lugar era lindo, e o encontro com Suzane fora muito emocionante. Ela era tão parecida com a lembrança que tinha da mãe.

    A ruiva mal teve tempo de destrinchar os trinta anos de separação com Su, afinal, sempre fora considerada órfã e há cerca de um mês descobriu que possui três irmãos perdidos pelo Brasil. A implacável General agarrou-a em um apertado abraço de urso que fez suas costelas estralarem. Em seguida, mediu-a de alto a baixo.

    — Você se tornou uma mulher forte — sentenciou Margarida Vieira após sua avaliação.

    — Obrigada, Margarida. — Tamires estava grata por ela não ter dito a clássica frase: eu te peguei no colo e agora olha para você!

    A mãe biológica de Marcel e adotiva de Suzane ainda estava curiosa quanto à ruiva.

    — O que sabe fazer?

    — Como?

    — Qual é seu poder, menina?

    Foi a partir deste momento que sua vida no paraíso se transformou em um inferno. Margarida sugara tanto as forças de Su que a filha de criação mal conseguia sair da cama para comer e tomar banho. Agora as energias da treinadora estavam concentradas em fazer Tamires recuperar as três décadas de treinamento perdidas.

    Seu corpo, com uma resistência sobre-humana, estava exausto.

    Mesmo não morando com Suzane, tia Margarida — como gostava de ser chamada — frequentava a casa da filha adotiva todos os dias para atormentar a vida de Tamires e de Marcel, que não saía por nada do lado da namorada. Trazia consigo objetos místicos que estavam em sua lista das lições a dar e exigia que os jovens aprendessem a controlar seus poderes.

    Não podia negar que era bem útil para passar o tempo, que se arrastava lentamente.

    Tamires entendia a senhora grande e loira que a vida se encarregara de endurecer, apesar da doçura implícita em seus gestos. Ela perdera o homem que amava e o lugar no qual nasceu, e fora incumbida de proteger os filhos de sua melhor amiga, a sacerdotisa Luise, mas falhara terrivelmente. O alinhamento seria a última chance de cumprir sua promessa.

    Margarida não tinha dons, somente um senso de proteção muito aguçado.

    Suzane também se sentia responsável. Como a sucessora de Rosa, a avó deles, também tinha o dom da clarividência e o usava exaustivamente para encontrar os outros dois irmãos. Porém o corpo da moça não suportava a carga sobrenatural que despejava sobre ele. Ela ainda não passara pelo processo de transformação, como Tamires vivera há um mês.

    Para complicar a desolação da ruiva, havia perdido a ametista e não tinha ideia de onde encontrá-la. Gustavo do Valle, seu marido, a enganara dando-lhe uma pedra falsa, e agora não tinha mais seu amuleto. O problema era que havia perdido uma parte da chave que abriria o portal para o Coração da Natureza quando chegasse a hora.

    Precisava fazer alguma coisa para reavê-la, mas não sabia o quê.

    ∆∆∆

    Meus planos para mais tarde envolviam um pedido de casamento e uma noite em um motel luxuoso. Vitória seria minha mulher, seu belo corpo entregue de bom grado ao meu prazer quantas vezes o desejasse. A ansiedade pulsava entre minhas pernas enquanto me dirigia ao centro de Corumbá no horário de almoço. Meu celular tocou, era ela.

    — Oi, amor. — Do outro lado da linha, escutei a surpresa na voz melodiosa de minha namorada. Aproveitei sua pausa para emendar minha proposta. — Que tal um programinha a dois hoje à noite? — Era sexta, e ela não pôde esconder sua empolgação. — Esteja pronta às oito.

    Conhecia minha namorada bem o suficiente para saber que ela passaria a tarde no salão.

    Estacionei em frente a uma lojinha de porta estreita com um letreiro chamativo. Por dentro, não era muito acolhedora, as paredes estavam desbotadas, e as vitrines eram pequenas. O espaço apertado não ajudava muito a organizar os produtos que estavam bem misturados. Achei melhor pedir ajuda ao atendente do que tentar encontrar sozinho.

    — Boa tarde. Gostaria de ver anéis, por favor. É para um pedido de casamento.

    Até o sorriso do homem de meia idade do outro lado do balcão era sem graça. Engoli em seco. Vitória que me perdoasse, mas meu salário não me permitia comprar algo de maior valor. Ela estava acostumada a ganhar joias que custavam cem vezes mais do que eu ganhava por mês. Que o coronel Cruz também relevasse minha pobreza, mas ele sabe o quanto sou trabalhador e já demonstrou se agradar com isso.

    — Claro, senhor. Tenho vários modelos para sua apreciação.

    O linguajar e os modos do atendente surpreenderam-me. Provavelmente, algum dia, aquela pacata joalheria havia vivido seus tempos áureos. O homem se dirigiu aos fundos e voltou com uma caixa rasa e grande de veludo escuro. A luz que refletiu nas pedras ofuscou meus olhos. Olhei espantado para o senhor que sorria.

    Cada anel era mais chamativo que o outro. Pedras de todos os tamanhos estavam alinhadas na bandeja. Fiquei sem palavras enquanto os admirava, e minha mente prática tentava adivinhar a fortuna que valiam, ainda que minha futura noiva merecesse. Afinal, por que não me mostrou o que está na vitrine? Essa bandeja deve ser de pedras legítimas. Mas não era isso mesmo que eu procurava?

    — O senhor gostou de alguma em especial? — questionou o atendente.

    — São todas bonitas. — Encarei o homem. — Mas não acredito que possa pagar por alguma delas.

    O homem de meia idade não mudou a expressão. Desviou os olhos para um anel, no canto direito da caixa, e eu o acompanhei. A joia tinha uma única e brilhante pedra negra, lapidada em formato arredondado, porém seu tamanho era um pouco maior que a fina argola prata. A peça mais delicada que já vi. As cores em um contraste perfeito! No mesmo instante, desejei poder comprá-la.

    — É uma pedra lavrada de ônix — disse o atendente, segurando o anel entre nossos olhos. — Os gregos acreditavam que ela exerce poderes sobre o parceiro amoroso. É o presente que o senhor está procurando para sua namorada.

    Ele falou com tanta convicção que não consegui negar. A pedra me enfeitiçara. Precisava dela, com ou sem significado.

    — Quanto custa e qual a forma de pagamento?

    Com a caixinha de veludo preta na mão, saí da joalheria ciente de que havia feito a compra mais cara e menos responsável de minha vida. Teria dez altas prestações para pagar pelo anel, mas só conseguia me sentir feliz. Convenci-me de que Vitória merecia essa dívida como prova de minhas boas intenções. E, sem dúvida, o coronel ficaria satisfeito em me ver desprender parte do que tenho para presenteá-la. Apesar de viúvo, corre na cidade as histórias dos presentes absurdos que deu à esposa, Ana, em vida.

    A noite chegou mais cedo com a pancada de chuva que o calor úmido da tarde trouxe. A suíte no motel estava reservada e devidamente preparada para comemorar nosso enlace, com direito a champanhe, pétalas de rosas e velas aromáticas. Já contava com o sim, mesmo sem saber como faria o pedido. No bolso da calça social, o anel era prensado contra minha coxa.

    O clima ainda estava abafado por causa do verão úmido do Pantanal sul-mato-grossense. Seguia o caminho de sempre até a fazenda de gado do coronel José Cruz — uma das maiores do estado —, que ficava cinco quilômetros depois do Parque Marina Gatass, onde eu dirigia uma equipe de escavação nos sítios arqueológicos. Estava ansioso para ver a surpresa no rosto de Vitória.

    Devia levá-la para jantar antes e fazer o pedido à mesa.

    Uma sensação estranha e extremamente forte me fez prestar atenção à tão conhecida placa do parque. Sem entender o que estava fazendo — como se uma força externa me guiasse —, saí da estrada e entrei no lugar conhecido. Não havia ninguém para me impedir. Desci do carro perto no estacionamento e comecei a caminhar, perdido. Minha mente não me dizia o que fazer, mas aquela sensação me puxava.

    O medo teria cor? Para mim, sim. Era verde e todas as suas nuances. Foi assim que me senti aqui no coração do Pantanal, quando era apenas uma criança. Mas não temia mais. Eu era o verde, enraizava-me naquela terra marrom como uma árvore através do passo que estava disposto a dar. Trinta anos depois, toda a minha vida girava ao redor daquele dia perdido no parque.

    Uma índia, tão pequena quanto eu, encontrou-me encolhido sob folhas e levou-me junto com seu irmão mais velho para sua aldeia aqui perto, onde o médico Edgar Gonçalves atendia semanalmente. Ele e sua esposa, Isabel, ainda não tinham filhos, e eu me tornei seu primogênito, ainda que não me parecesse em nada com eles.

    Depois vieram Edmundo e Alice, meus irmãos mais novos.

    Após me formar, com louvor, na faculdade de Arqueologia, recebi a proposta para escavar um sítio arqueológico no Marina Gatass. Os artefatos soterrados pelo tempo contam a história dos povos indígenas que estiveram nessas terras bem antes de nós. E lá estava eu, retornando à origem, ao local em que minha

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