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Não sonhe com o amanhã
Não sonhe com o amanhã
Não sonhe com o amanhã
E-book414 páginas6 horas

Não sonhe com o amanhã

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Sobre este e-book

Tudo levava a crer que seria um plantão tranquilo na Delegacia Federal até que a delegada Pâmela Frigo recebe uma ligação anônima, que a torna alvo do crime organizado. Já na delegacia Civil, o delegado Cássio Nascimento é informado que o corpo de uma jovem foi abandonado em uma praça pública. Afastada do cargo devido a um ferimento à bala, Pâmela é levada por seu diretor tático até a segurança dos braços de Cássio, com quem mantém uma longa amizade. Vivendo sob o mesmo teto, será impossível para o casal não se deixar levar pela intensidade dos sentimentos que despertam em meio ao caos de suas vidas. Porém, além do desafio de não ultrapassarem os limites físicos e emocionais pré-estabelecido entre eles, ambos terão que correr contra o tempo para pegar um assassino em série, antes que a próxima vítima também seja encontrada morta.
IdiomaPortuguês
EditoraBookerang
Data de lançamento3 de jan. de 2016
ISBNB01A4WLVLA
Não sonhe com o amanhã
Autor

Josy Stoque

Josy Stoque is a publicist by profession and author by vocation. She has been writing since discovering poetry as a child. Her debut novel, Marked by Fire, the first book in the Four Elements saga, was nominated for the 2013 Codex de Ouro Annual Literary Prize when published in Brazil in the original Portuguese. The second title in the series has also been published in Portuguese, and the author will release the remaining two books through Amazon’s Kindle Direct Publishing platform in 2014. Marked by Fire is her English-language debut.

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    Não sonhe com o amanhã - Josy Stoque

    Capítulo 1

    Feche os olhos e faça um pedido

    PAM

    Sou uma bruxa. Isso não é um xingamento, mas um fato. Realmente sou uma bruxa natural, nasci assim e ponto. Pode ficar tranquilo, eu uso meu poder para o bem, principalmente para ajudar meus familiares, amigos e a mim mesma. Por isso, quando ergui a taça de champanhe e sugeri um brinde, fiz um pedido silencioso ao Universo. Ainda não tinha ideia de como seria atendida, mas o que desejei foi felicidade, simples assim, na forma que ela viesse. Tanto para mim quanto para as duas malucas que estavam comigo no bar, amigas na mesma situação que eu: divorciadas.

    No momento em que os cristais se tocaram, senti uma energia boa retornar para mim do tilintar suave. Juntas, tomamos um generoso gole, somando as borbulhas da bebida doce ao teor alcoólico altíssimo das doses de tequila que já havíamos virado naquela noite. Acho que já estava bêbada, mas não importava. Era dia de comemorar!

    EU HAVIA PASSADO NO CONCURSO DE DELEGADA FEDERAL! Isso foi um grito. Tomei posse do cargo na cidade de Ribeirão Preto, interior de São Paulo e capital do agronegócio, — também famosíssima pela Choperia Pinguim — há cerca de três anos. Tanta coisa aconteceu desde aquela primeira vitória pessoal. Reencontrei Sara Mello, amiga e colega de Direito que conheci em Franca, — a capital do calçado. Não a via desde seu divórcio, que aconteceu alguns meses antes.

    A baixinha espevitada, que não parava de rebolar na pista de dança — para a loucura dos marmanjos de plantão —, me apresentou a Jamile Camargo. Rimos tanto naquele happy hour que minha bochecha doía. Tem males que vem para o bem, minha vó sempre diz, e não tem como discordar dela diante de fatos incontestáveis. Sábia vovó bruxa. Ah, sim, foi dela que herdei meu sangue mágico. Pensar nela me dá uma saudade da Irlanda!

    Sou carioca da gema, como meu pai. Ele fez intercâmbio em Waterford e conheceu minha mãe. A história de amor deles é muito linda! Ele ficou um ano lá e eles se apaixonaram. Mas papai não podia ficar para sempre e, sem pensar duas vezes, mamãe o seguiu de volta ao Brasil, depois de uma festa de casamento na fazendinha da vovó, na cidade mais antiga do país. Tadinha, morro de dó por ter ficado sozinha. Tento viajar para lá pelo menos duas vezes por ano. Fica caro, mas quero aproveitar essa ligação que tenho com ela ao máximo enquanto ainda está viva. Ela se vira bem, mas fico preocupada. Mamis sempre vai comigo e a gente se diverte muito com os casos de família que ela conta. Não sei de onde tira tanta novidade! Infelizmente, minha mãe não possui o sangue mágico, nem meu irmão mais novo, que é casado e tem um filho lá no Rio. Também os vejo em datas comemorativas sempre que possível.

    Um romance como o dos meus pais não podia ser outra coisa senão uma inspiração para mim. Porém, saí de uma metrópole brasileira e me enfiei em uma cidadezinha do interior de São Paulo, fazendo exatamente o inverso de minha mãe. Mas é como dizem, um raio não cai duas vezes no mesmo lugar, por isso, minha história aconteceu muito diferente da dela. Michel é cantor, e dos bons, mesmo não sendo profissional, — era contador durante a semana e músico nos fins de semana — tocava por vários bares do Brasil. Onde encontrava um contato bom, fechava o cover e pegava estrada sem medo de se arriscar. Sempre admirei isso nele.

    Sou mais centrada, racional, e foi com ele que vivi uma paixão capaz de me emocionar e envolver tanto a ponto de mudar radicalmente minha vida. Ele também é compositor e, depois de dedicar uma canção a sua musa inspiradora — sim, eu! —, foi impossível não segui-lo até o fim do mundo.

    Fácil, fácil me tornei a fã número um de sua banda de MPB. Sou movida à música, então, tê-la dentro de casa era um presente do Universo. Tomei coragem e cantei uma canção para ele no nosso casamento, em agradecimento por seu amor e devoção. Foi emocionante! Ambos choramos e nos beijamos, selando nossa união. Antes de sermos marido e mulher, éramos amigos e isso nos tornou mais próximos.

    A gente conversava muito, e Michel, com sua sensibilidade, se abria de uma maneira linda. Eu, sempre durona e implacável, jogava limpo e expressava meus sentimentos de maneira direta. Dava certo. Não vou negar, fui feliz, muito feliz, e guardo maravilhosas recordações dos anos que passamos juntos. É uma pena não ter durado para sempre, mas quem sou eu para questionar os planos do destino para mim?

    Foram sete maravilhosos anos que acabaram em sete terríveis segundos. Aconteceu em um de seus shows, que fiz questão de assistir conforme minha carreira de advogada, na época, permitia. Sempre pensei em me tornar delegada, mas como meu marido dizia que ia ficar louco de preocupação se eu andasse por aí armada atrás de bandidos, acabei deixando esse sonho de lado. Coloquei nosso casamento em primeiro lugar, como tantas mulheres fazem.

    No intervalo, Michel foi para o camarim, assim pensei, e saí da minha mesa para ir ao seu encontro para lhe fazer uma surpresa e dar parabéns pela apresentação sempre maravilhosa. Qual não foi minha surpresa ao encontrá-lo aos amassos com uma piriguete novinha, contra a parede, no meio do corredor. O cara de pau nem tentou esconder! Fiquei tão possessa que falei tudo o que ele merecia ouvir na hora, diante de uma menininha apavorada. Não parti para a agressão, nem para xingamento. Apesar de ter sido uma criança briguenta, hoje entendo que não é assim que se resolvem as coisas. Despejei tudo com classe, mas pelo menos botei para fora.

    Sabe o que foi pior disso tudo? Ele não reagiu. Nunca tentou me convencer de que foi apenas um deslize, que ele me amava e que não queria me perder, essas coisas que se espera em um momento como esse. Não sou o tipo que guarda rancor, até porque sei que essa energia negativa não vai fazer bem para minha evolução espiritual. Essa aura negra ia acabar comigo, então, eu o perdoei, ainda que nunca me pedisse perdão, nem mesmo quando recebeu por email um acordo de divórcio que me favorecia totalmente e encontrou a casa vazia quando chegou do fatídico show.

    Botei tudo de qualquer jeito dentro do carro e viajei para a casa de meus pais, não antes de redigir o documento. Foi bom mesmo ele ter concordado sem que precisássemos ir para o litigioso. Michel sabia que eu ganharia dele. Não sou vingativa, apenas a favor da Justiça.

    Os seis meses seguintes foram cem por cento focados em mim. Eu me dediquei aos estudos e me inscrevi na primeira vaga de delegada federal disponível, que não por acaso, é na cidade natal da minha amiga baixinha. Passar nesse concurso me deixou mais uma vez longe de minha família, mas agora estou fazendo isso por mim, não por um homem incapaz de respeitar meus sacrifícios por ele.

    Sou uma pessoa fácil de agradar. Faço novas amizades depressa e sei conservar as que tenho, mantendo contato sempre. Valorizo as pessoas e o que elas representam para minha vida. Por isso, além da louca da Sara, Jamile é também uma grande amiga. Estou feliz com essa nova fase. Nem posso reclamar da guinada que minha vida deu por causa do passo errado do meu ex.

    Para resumir as coisas boas que aconteceram após aquela noite, Jamile superou seus problemas conjugais com o ex e teve uma filhinha, que não atrapalha em nada a carreira de ambos. A gente se vê sempre na noite das meninas, quando nossas agendas permitem. Sara encontrou alguém que a ama e a valoriza exatamente como é: forte, ousada e livre. Eu que sei o quanto Rodrigo teve que ser persistente para ganhar o coração machucado daquela doida. Tenho muito orgulho dela!

    Com sua determinação característica, ela apenas cresceu. De advogada bem-sucedida, se tornou promotora e, mesmo com um bebê em casa, passou no concurso para juíza, sua meta desde o divórcio complicado que teve. Foi bem pior para ela do que para mim, mas tudo o que ela aprendeu depois do que houve em sua vida só me deixa mais feliz por minha amiga. Hoje, ela mora em uma cidade a um voo de distância, onde preside uma comarca e adotou uma criança de um caso de abandono de incapaz. Mulher de coração enorme!

    Fazer o bem sempre traz algo bom de volta para gente. Aprendi essa lição há muito tempo, por isso sou a favor de propagar boas energias. Sarita tocou sua vida em frente, mas nunca se esquece de mim. Quando está na cidade, a gente sempre dá um jeito de se ver pessoalmente. Ela me deu um grande e inseparável amigo. Cássio Nascimento foi colega dela quando ainda era advogada. Eu o conheci naquela primeira noite.

    Mesmo depois do atrito inicial que tivemos — por causa de uma pequena tatuagem no pulso, vê se pode! (risos) —, descobrimos que temos muita coisa em comum e alinhamos nossos conhecimentos com a ânsia em sermos felizes. Se você pensou que somos um casal, sinto dizer que não é verdade. Eu o ajudei a focar em sua carreira e a passar, com louvor, no concurso de delegado civil, e hoje nós dois cuidamos da cidade, da população e um do outro. Não vou negar, nossa aproximação fez muito bem a ambos. E, foi assim que meu pedido, feito há cerca de três anos, foi atendido pelo Universo até agora.

    Respiro fundo e volto para o presente. Estou de plantão em pleno domingo. Dei folga ao diretor tático, Augusto Torres, e deixei minha gatinha, Mel, sozinha em casa. Faz parte da vida que escolhi para mim, então, eu não reclamo, depois a bolinha de pelos me recebe cheia de amor para dar.

    Enquanto manifestantes realizam uma passeata pela cidade com cartazes contra a impunidade e a corrupção do atual governo, — não só aqui, mas em várias partes do país há grande mobilização — estou com dois agentes federais em um galpão velho de esquina, aparentemente abandonado, à procura de drogas.

    Recebemos uma denúncia anônima via telefone e viemos averiguar. Há meses estamos seguindo a rota de drogas vindas da Colômbia para cá, mas até agora não conseguimos o suficiente para fazer uma prisão sequer. O chefão do tráfico local é eficiente em esconder suas atividades e isso me deixa muito, muito irritada.

    Enquanto eles arrombam o portão de entrada, verifico os telhados e janelas de prédios e casas que possam conter vigias ou atiradores. Um dos meus agentes vai pelos fundos e fico com o outro, que se certifica de que está tudo limpo antes que eu entre, com minha arma na altura do rosto, pronta para derrubar qualquer metido à valente. Ele me segue de perto. Está claro do lado de dentro por causa da luz forte da manhã que invade o lugar.

    Procuramos sinal de viva alma, mas não há nada, nem ninguém. Sinalizo com um gesto de cabeça para nos separarmos, indicando a ele que prossiga em frente, e eu subo as escadas do mezanino. Assim, vasculharemos o prédio mais depressa. Fico atenta ao menor ruído, examinando todas as salas deste andar cuidadosamente, mas só encontro entulhos, como se tivessem deixado o local há tempos. Será que foi apenas um trote?

    Ouço os agentes na escuta presa ao meu ouvido pronunciarem a palavra limpo baixinho conforme avançam no andar de baixo. A última porta do mezanino está trancada. Tento um tranco com o ombro, mas o aço não cede. Aponto minha arma para a fechadura. Fará um barulhão, por isso, o que tem atrás dela precisa valer a pena, como suspeito que sim. O estouro zune por um segundo, ecoando no espaço desocupado.

    Chuto a porta com força, entro rapidamente e não vislumbro nada além de paredes, piso, teto e janelas. Fico rodando na sala ampla, me xingando mentalmente por ter chamado atenção para a nossa presença sem necessidade alguma. Se é que tem realmente alguém por perto. As outras salas possuem caixas de papelão, plástico e equipamentos enferrujados, mas essa não contém coisa alguma.

    — Doutora, o que houve? — assustado, um dos agentes pergunta pelo comunicador.

    — Nada, só uma porta fechada, mas tem algo de errado aqui, está totalmente vazia — retruco, cabisbaixa, dando os primeiros passos para fora.

    — Não saia daí, estou perto. — Ele chega depressa, provavelmente guiado pelo som do meu tiro. Observa as paredes vermelhas, pintadas recentemente, e o piso danificado, atentamente. — Tem razão, muito suspeito.

    Olho para trás, mesmo sabendo que nem lixo a sala tem. Parece recém-reformada.

    — Vamos fazer uma varredura — replico, deixando meu instinto policial me guiar —, quero ter certeza de que não há um esconderijo aqui.

    O agente acena uma vez com a cabeça. Adentra na sala enquanto bato nas paredes, procurando um fundo falso, com a coronha da arma que ainda empunho. Ele observa uma mancha escura no distante teto branco e chama minha atenção. Usamos todas as lanternas — o outro também veio ao nosso encontro — e enxergamos, muito disfarçadamente, uma tampa mal encaixada que revela um alçapão. Um esconderijo perfeito!

    O primeiro agente se ajoelha, junta as mãos formando um degrau e impulsiona o colega para cima, que o alcança com agilidade e precisão. Sinto o batimento cardíaco contra minha têmpora, a adrenalina pulsando forte em meu corpo pela descoberta de uma possível mina de ouro para os traficantes e muitas prisões para nós. Com a lanterna, o agente ilumina a escuridão acima de nossas cabeças, antes de relatar o que vê.

    — Achamos! — grita, animado. Comemoro internamente, sem tirar a máscara de delegada séria e durona. — Vamos precisar de um caminhão para carregar tudo isso!

    Saco meu celular e começo a dar ordens. Primeiro, convoco o chefe da equipe, que atende a ligação no segundo toque. Pensei que estaria aproveitando a folga para não sair do quarto, sabe do que estou falando. Augusto é assim, um conquistador nato, sedutor e bom de lábia.

    — Doutora? — Sua voz grave e profunda sempre me faz pensar em cama. Não, quero dizer, em sono.

    — Agente Augusto, temos uma emergência, sua folga acabou — digo friamente, afastando qualquer imagem mental de Guto seminu. Já tive algum vislumbre dos músculos dele e das tatuagens que lhe cobrem o corpo na academia. Ele é um homem muito grande, impossível não notar. Faço um resumo da ação para não deixá-lo no escuro antes de chegar aqui. — Anota o endereço.

    Dito as informações e encerro a chamada para contatar o grupo de apoio na Delegacia antes que ele venha. Preciso das habilidades de meu diretor em campo. Augusto é um agente federal transferido para cá de São Paulo, capital. Ele fez um treinamento nos Estados Unidos com o FBI — Federal Bureau of Investigation. Quando eu entrei para Polícia Federal, ele já estava pronto para dirigir a equipe, com anos de experiência à minha frente. O pessoal convocado vai chegando aos poucos e, enquanto recolhem as drogas, oriento a força tática a investigar as provas deixadas no local e interrogar a vizinhança.

    Volto à Delegacia com o carregamento assim que Guto se apresenta para o trabalho no local do crime, deixando-o no comando da operação em andamento. A contagem dos vários tabletes de drogas, embalados e prontos para distribuição, além de pastas para produção, dá um número assustador, tanto em quantidade quanto em peso. Quase uma tonelada, que geraria milhões de reais ao chefão do crime organizado. Fizemos uma apreensão e tanto! Quem fez a denúncia corre risco de vida assim que o Manda-Chuva sentir falta deste imenso estoque.

    Guto aparece à tarde com alguns peixes pequenos para interrogatório. Seus nomes foram encontrados nos papéis que estavam juntos com as drogas, uma espécie de livro contábil e folha de pagamento. Eles serão bem úteis quando abrirem o bico. Vamos abalar tanto essa organização criminosa que todos os traficantes nos temerão! O cara que chefia a coisa toda saberá que estamos à procura dele e vai nos temer. Parece que encontramos mais do que um simples esconderijo, é o depósito do tráfico. O que me faz pensar: por que não havia capangas vigiando o local?

    Acompanho o trabalho de meu subordinado direto e de toda a equipe ao longo do dia, delegando funções, orientando a metodologia de interrogatórios, ordenando buscas e apreensões a fim de coletar informações necessárias para as prisões e, enfim, chegarmos ao desmantelamento do crime organizado na cidade.

    O domingo passa que nem vejo. Já é noite quando mando os prisioneiros para o CDP — Centro de Detenção Provisória —, como resultado das ações do dia e com uma pista sobre o paradeiro do chefão. Uma mulher, conhecida pelo codinome Viúva Negra, é a única pessoa que conhece a localização exata do criminoso, porque ela age como braço direito do homem, dirigindo seus negócios ilícitos enquanto ele está muito bem escondido, desfrutando das regalias que a fortuna e o poder que possui lhe garantem. Dou por encerrado meu turno, liberando todos para suas respectivas casas. Estamos satisfeitos com o grande passo de hoje, mas amanhã focaremos em encontrar a peça chave dessa grande operação.

    Ando distraída para fora do edifício, sorrindo para a tela do meu smartphone igual boba, enquanto leio as mensagens que recebi mais cedo de Cas — como gosto de chamar na intimidade meu amigo delegado civil. O teor tem sua quota de safadezas, brincadeirinhas que nos permitimos apenas para nos provocar. Tudo o que dissemos um ao outro tem duplo sentido. Acho nossa linguagem sensualizada para lá de interessante.

    Quando o conheci, ele era sério e chato, mas, ao meu lado, um novo Cássio surgiu: brincalhão, espontâneo e de bem com a vida. Amo que ele entre na onda! Desperta minha língua afiada, minha mente sagaz e meu lado feminino. Quando estamos juntos, sou apenas Pam, uma mulher comum, bonita e atraente. Muito diferente da durona delegada Pâmela Frigo, que sabe muito bem impor respeito goela abaixo de seus subordinados.

    Meus pensamentos estão tão longe da realidade que sou tragada de volta com violência ao pisar na calçada em frente ao prédio e me deparar com um tiroteio na rua. Assustada, fico surda assim que as balas atingem os vidros atrás de mim, estilhaçando cacos para todos os lados. Sou jogada ao chão em um tranco forte antes que possa me proteger. Rolo em meu próprio eixo, espiando para ver se encontro a origem dos disparos e me arrasto para trás de um carro estacionado a fim de me proteger.

    Vejo por uma fresta uma caminhonete passar com dois homens fortemente armados na caçamba, mandando ver contra nós. Ouço gritos atrás de mim, me chamando, mas não me viro. Encaro friamente o motorista, que devolve o olhar com um sorriso de escárnio na face, distorcida ainda mais por uma cicatriz horrenda. Guardo bem a cara do malandro e faço uma anotação mental: se eu não morrer, se prepara, vou caçá-lo até o quinto dos infernos!

    Capítulo 2

    Abra os olhos e encare a realidade

    CAS

    Sou um babaca, maníaco depressivo. Essa mania de perseguir ilusões já me fez sofrer demais, mas teve fim há algum tempo, depois do último e maior fora que eu levei. Sei bem explicar por quê. Fui tão insignificante, tão apagado em minha existência sem graça, que qualquer mulher que se destacava me atraía e eu ficava louco por ela no mesmo instante, mesmo que a recíproca não fosse verdadeira — o que explica o fato de eu continuar solteiro até hoje.

    Sara Mello foi minha obsessão por alguns anos. Quanto mais ela me dizia não, mais gamado eu ficava. Que doideira! Devo ser masoquista. Não conseguia aceitar por que ela não podia recomeçar comigo. A gente se dava tão bem como amigos, apesar de sermos diferentes, tanto como pessoas, quanto profissionais. Suas conquistas, força e independência só me fizeram admirá-la ainda mais. E, quando ela, finalmente, se apaixonou de novo, foi por um cara que entende seu lado na própria pele. Acho que isso fez toda a diferença entre mim e Rodrigo Valente. Por isso, estou em busca de ser um cara melhor, não à procura de alguma mulher que seja boa para mim. Perspectivas mudam.

    Ela seguiu a vida dela e é o que estou fazendo com a minha. Apesar do bem que fez a si mesma e a outras pessoas, essa mulher difícil e complicada despertou o que há de pior em meu temperamento solitário e autodepreciativo. Precisei encarar a dura realidade de que o problema não era ela, mas eu. Minha atitude precisava mudar. Além da aparência — já que deixei crescer um cavanhaque, para que eu ficasse mais másculo, somando-se com a quantidade enorme de músculos que defini devido a muitas horas de academia —, também parei de confundir as coisas.

    Deste modo, quando Pâmela Frigo entrou para nosso círculo de amizade, por mais linda e sexy que fosse, não caí na tentação de desejar algo mais do que ela estava me oferecendo. De cara me maravilhei com seu cargo de delegada federal — ela é muito boa na função! — e me inspirei em seu exemplo para fazer algo melhor com meu conhecimento sobre as leis, como advogado experiente que era. Foi aí que entrei para a polícia civil, me tornando delegado.

    Ainda me lembro do dia que conheci Pam e do nosso desentendimento. Estávamos em um bar, ela e Sara haviam bebido muita tequila. Eu, como sempre, evitava qualquer tipo de vício, seja álcool, cigarro ou drogas. Por isso, estava muito sóbrio e extremamente irritado com o nível alcoólico das três — havia mais uma garota naquela noite, não me lembro do nome dela, era bem incomum. Pâmela, a viciada em tatuagens, propôs que o trio fizesse uma tatoo com as iniciais do novo lema de Sarita, para selar a nova fase pós-divórcio. Eu sabia que minha colega não tinha nenhuma tatuagem e que, provavelmente, quando estivesse lúcida, se arrependeria de ter feito uma. Mas, a delegada fodona me encarou de frente, ainda que fosse mais baixa do que meus quase dois metros de altura, e teimou em levá-las ao tatuador.

    Como nem uma delas tinha condições de dirigir, me propus a acompanhá-las e foi o maior show de horrores que presenciei. Nem gosto de lembrar! A louca da Sara fez também uma maçã mordida nas costas, perto de um dos ombros, além dos quatro efes no pulso, que significam: fé, foco, força e foda-se. Eu a deixei em casa e, preocupado porque vomitou muito antes de se deitar na cama, dormi na sala caso ela acordasse passando mal durante a madrugada. Foi na manhã seguinte que minha desgraça com Sara aconteceu.

    Se por um lado as coisas não andaram como eu esperava com ela, por outro, Pâmela e eu nos demos muito bem. Nossa amizade começou pouco tempo depois do ocorrido. Ela me incentivou a acreditar mais em mim mesmo e a me amar como sou, presenteando-me sempre com um sorriso sincero, seu alto-astral e bons conselhos. Foi fácil, diria até natural, nossa aproximação. Era como se algo estivesse conspirando para isso. Não faço ideia do que exatamente aconteceu para que hoje fôssemos tão unidos.

    Porém, pode ter certeza, de que, nesses três anos em que convivemos, nunca passei dos limites. Fui respeitador, companheiro, um amigo enquanto ela está longe de seus parentes. Para mim, Pam é minha família toda, já que sou órfão e não tenho parentes próximos interessados. Não guardo recordações boas deles para me importar com sua indiferença. Eu me viro sozinho há mais tempo do que consigo me lembrar, então, também não ligo mais para eles.

    Com Pâmela deixei de ser carrancudo, estraga prazeres e depressivo. Descobri um lado meu muito mais otimista, que sabe sorrir, brincar e se divertir com quem quer que seja, homem ou mulher, de maneira leve. Acabaram-se as cobranças, a pressão e as falhas de comunicação. Ainda levo a sério meu trabalho e minhas relações, do jeito que tem que ser, mas quando estou fora da delegacia, em casa com meu cachorro ou com meus amigos, sou um homem que sabe gargalhar, fazer piadas e descontrair, mesmo que não concorde com eles em alguns pontos. Encontrei um equilíbrio entre as duas pessoas que preciso ser para que minha vida funcione do jeito certo, sem modificar minha essência: um cara responsável, intenso e honesto.

    Essa nostalgia vai acabar comigo! Deve ser porque meu plantão está calmo demais. A polícia militar acompanha a passeata contra o governo que acontece tanto na cidade, mas as coisas não andam nada calmas por aqui há algum tempo. Devido à crise do álcool, gerada a partir da falta de comprometimento governamental com o biocombustível, muitas usinas fecharam as portas, desempregando milhares de pessoas, e quebrando empresas que fornecessem equipamentos para elas, e mais desemprego se soma.

    Tenho para mim que o pré-sal e a Petrobrás mudaram as perspectivas da presidência, apesar da denúncia de lavagem de dinheiro e corrupção na qual a estatal está afundada até o pescoço. Houve uma grande crise do álcool nos anos setenta, que foi resolvida com a criação do Proálcool, garantindo investimento nos carros flex, entre outras soluções para a integração do biocombustível no mercado nacional. Já que a região de Ribeirão Preto é o polo do setor sucroenergético, este caos econômico fez com que a violência na cidade crescesse, como assaltos, golpes e tráfico de drogas.

    Enquanto a televisão fala sozinha, mostrando as manifestações ao vivo por todo o país, e meus homens não voltam com notícias sobre os casos nos quais estão trabalhando, pego meu celular e envio mensagens para Pam. Sei que ela também está ocupada agora para ler e responder, mas quero arrancar um sorriso de seu rosto lindo quando estiver cansada e puder esticar as pernas no sofá. Tenho o intuito de lhe proporcionar um pouco de leveza depois de um dia difícil. Digo mais, espero ser o motivo de sua risada. Isso faz eu me sentir bem, como se tivesse feito minha parte por um mundo melhor.

    Se há uma coisa que aprendi com o estilo de vida zen dela, é que tudo que fazemos aqui tem um retorno. Se quero receber, preciso dar antes, mesmo que não esteja pensando em recompensa alguma quando a imagino sorrindo, com seus olhos verdes brilhando de alegria, diante de nossa piada interna. Seu sorriso é uma das expressões mais lindas que tenho o prazer de ganhar sempre que nos encontramos.

    Bom dia, Lady Sif! Arranjei um tempinho e vim aqui te perturbar. Espero que faça uma pausa para me responder, senão, será punida com umas palmadas na bunda. Não me deixa no vácuo, linda.

    Mando o texto pelo WhatsApp como legenda de uma foto que tirei dos meus pés descansando sobre a mesa do escritório, simbolizando meu tédio. Nem em mil anos eu imaginava que seria capaz de descontrair em pleno horário de trabalho, mas a manhã está relativamente calma, então, eu me rendo a nossa brincadeirinha interna. Sei que Pâmela não está online e só vai se conectar quando chegar a casa, seja lá que horas isso for, mas, ainda assim, a provoco com o apelido que lhe dei para seu modo profissional.

    A mulher é durona e guerreira, e ainda lembra a atriz que faz a personagem do filme Thor, portanto, o codinome vem bem a calhar. Ela é boa de briga também, faz aulas de Krav Maga, a defesa pessoal israelense que a polícia brasileira adotou em seus treinamentos, e eu também pratico, apesar de ter começado bem depois dela. A gente treina juntos, inclusive no clube de tiro, até porque os horários livres para nos encontrarmos estão cada vez mais escassos. Foi ela que me deu a primeira e infalível dica para acertar o alvo. Devo muito, senão tudo o que tenho realizado, a ela.

    Alguns policiais me procuram para me informar como andam seus casos. Estelionato e golpes são os que mais cresceram com a alta taxa de desemprego. Como existem pessoas que se aproveitam do desespero dos outros! Ainda não fiz um pronunciamento oficial, mas várias matérias com alertas foram publicadas por jornais locais.

    Também aconteceram alguns assassinatos, que ainda não conseguimos solucionar, e isso está me tirando o sono. Preciso dar uma resposta a essas famílias. A justiça deve ser feita. Cada pensamento me vem à mente assim que um entra e o outro sai da minha sala, que passa a ser movimentada de uma hora para a outra. Nos intervalos, envio outras mensagens para minha amiga, para que ela tenha muitas para ler e responder quando estiver online.

    Deusa asgardiana, na escuta? Sabe que ficaria muito sexy vestida com armadura? Você bem que podia realizar essa fantasia para mim um dia desses, o que acha? Vou te recompensar depois. Prometo.

    Envio esse texto acompanhado de uma foto do meu tanquinho como garantia de minha palavra. Tenho muito orgulho dele, foi conseguido com esforço e suor. Ah! Meu único vício, que considero do bem, é treinar. Nunca gostei de ficar em

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