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Vidas rasteiras
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E-book194 páginas1 hora

Vidas rasteiras

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Sobre este e-book

Do ponto de vista formal, vidas rasteiras permanece fiel ao que há de melhor no corpus da obra de Pucheu. Do ponto de vista das inquietações que produz, é um testemunho poético-filosófico do nosso tempo e do que é, afinal, o contemporâneo.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento26 de out. de 2020
ISBN9786586596069
Vidas rasteiras

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    Vidas rasteiras - Alberto Pucheu

    ALBERTO PUCHEU

    Vidas Rasteiras
    Copyright © 2020 Alberto Pucheu
    Copyright © 2020 Editora Bregantini
    Todos os direitos reservados pela Editora Bregantini. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida, seja por meios mecânicos, eletrônicos, seja via cópia xerográfica, sem autorização prévia da editora
    PROJETO EDITORIAL Daysi Bregantini
    CONSULTOR GRÁFICO Marcelo Nocelli
    PROJETO GRÁFICO E DESIGN Fernando Saraiva
    REVISOR Arthur Lungov
    E-BOOK Marcelo Augusto Boujikian
    Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
    (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
    Bibliotecária Cibele Maria Dias CRB-8/9427
    Pucheu, Alberto
    Vidas rasteiras / Alberto Pucheu. -São Paulo :
    Editora Bregantini, 2020.
    ISBN 978-65-86596-06-9
    1. Poesia brasileira  I. Título
    20-45152
    CDD: B869.91
    CULT EDITORA
    Praça Santo Agostinho, 70 – 10o andar, Paraíso
    São Paulo, Brasil • CEP 01533-070
    11 3385 3385 • 11 9 9998 9728

    Sumário

    vidas rasteiras

    por amor

    em off

    poema para a catástrofe do nosso tempo

    Ao longo da história do pensamento, duas perguntas parecem se entrelaçar – o que é isso, a filosofia? O que é isso, a poesia? – numa intrincada relação de interdependência. As duas questões estão, de maneira elíptica, ligadas ao trauma, aqui no sentido do acontecimento, do espanto, da busca incessante pelo entendimento. Da procura desse segredo nasce a ideia de que a experiência de pensamento é uma tentativa de dizer o mundo pela linguagem, poética ou filosófica, artística ou teórica.

    A poesia que Alberto Pucheu nos apresenta em vidas rasteiras faz essa tentativa compartilhando poesia e filosofia. O livro se inscreve nesta intersecção. Cada palavra, cada verso, cada enjambement, cada poema estão marcados pelo trauma, mas também pelo desejo de trazer este trauma para a linguagem. O resultado é espantoso.

    Do ponto de vista formal, vidas rasteiras permanece fiel ao que há de melhor no corpus da obra de Pucheu. Do ponto de vista das inquietações que produz, é um testemunho poético-filosófico do nosso tempo e do que é, afinal, o contemporâneo.

    Carla Rodrigues

    vidas

    rasteiras

    tensionando a vida em cabos de aço

    estendidos

    do extremo norte

    ao sul das américas

    pontuando os vazios

    e as imensidões

    que atravessam

    e os atravessam

    buscando saídas

    da morte 

    em barcos inflados

    sobrecarregados

    de perdas

    pelo mediterrâneo 

    em campos 

    de refugiados

    onde apesar de tudo

    ainda tentam

    sobreviver

    por todos os lados

    são os Estados

    os exércitos as polícias

    as bombas as balas

    as fronteiras as moedas 

    as línguas as cercas

    eletrificadas os muros 

    as discriminações

    a morte qual será o som 

    desses cabos

    tensionados

    desses aços

    desses mares

    desses cactos

    espetados por ponteiras

    de ferro

    a espetarem-nos 

    qual será o som 

    do espetado

    qual será o som

    do que espeta

    nessa guerra sem fim

    cada vez mais acirrada

    qual será o som 

    dessas vidas

    rasteiras miúdas

    mimosas

    mesmo que frágeis

    tentando vingar

    tentando se vingar

    tentando

    se fazer

    valer tentando

    se adequar

    ao que encontrar

    pelo caminho

    tentando se desviar

    para não

    se ferir qual será

    o som dessas vidas

    montanhosas

    cruzando continentes

    com seus 

    excessos

    cruzando continentes

    pelas montanhas

    com suas 

    carências

    qual será o som

    dessas vidas

    marítimas

    cruzando oceanos

    em botes infláveis

    superlotados

    prestes

    a naufragarem

    qual será o som

    dessas vidas

    afundadas

    precárias

    grunhindo

    entre o excesso

    e a falta

    na beira

    de bares

    essas vidas 

    indígenas

    desterradas

    desaldeadas

    tornadas pobres

    mendigas 

    mulheres

    desempregadas

    sem conseguirem

    pagar

    seus aluguéis 

    suas roupas

    suas comidas

    pobres até

    virarem

    mendigas

    moradoras de rua

    que ruídos 

    emitem

    essas vidas

    doentes

    perambulando

    pelas cidades

    buscando

    em algum lugar

    uma ancoragem

    qualquer

    impossível

    que ruídos

    que sons

    são esses 

    escutados

    por quase ninguém 

    que grunhidos

    são esses

    a jamais

    ecoarem

    por outros

    ouvidos

    por outros

    poros

    por outras

    vidas

    mas que quando

    se está em um

    bar qualquer

    num sábado

    à noite

    do centro

    de uma grande

    cidade 

    arruinada

    podem emergir

    bem ali

    ao seu lado

    à sua frente

    dentro de você

    adentrando você

    por ser a voz

    de uma filha

    de potira 

    que a escuta

    perdida

    esparramando

    mostarda

    na mesa

    movimentando

    os dedos

    na pasta amarela

    levando-os

    à boca

    para falar

    o que seria

    inaudito

    contando

    que na noite

    de ontem

    choveu muito

    debaixo

    da marquise

    tendo ficado

    toda molhada

    encharcada

    ensopada

    debaixo

    de seus

    sessenta anos

    sem ter conseguido

    os R$12,00

    para pagar

    a pensão

    em que dorme

    e toma banho

    quando raramente

    consegue

    vender 3kg

    de latinhas

    para o ferro velho

    explicando-me

    que 1kg são 45

    latinhas

    que quem lhe dá

    comida

    depois de uma hora

    da manhã

    escondido do dono

    é o toninho

    um dos garçons

    do restaurante

    em que estamos

    que ele é

    como um filho

    para ela

    que tem leucemia

    mas que o médico

    disse que ela não vai

    morrer disso não

    afinal ela é dona laura

    filha de potira

    ela saiu

    de sua aldeia

    na amazônia

    na fronteira

    da venezuela

    aos 27 anos

    porque chico mendes

    fora assassinado

    e o cacique

    da tribo

    e os caciques

    das tribos

    aliadas

    de chico mendes

    que tanto ajudou

    indígenas

    resolveram vingar

    sua morte

    declarando guerra

    de homens

    guerreiros guerra

    de indígenas aos homens

    brancos

    guerra perigosa

    a tornar perigosa

    a permanência

    das mulheres

    nas aldeias

    a levar as mulheres

    para o primeiro

    exílio a levá-las

    para manaus

    onde morreram

    assassinadas

    doentes estupradas

    pobres mendigas

    pelas ruas becos

    docas rios

    mas ela

    é filha de potira

    ela sobreviveu

    se mandou

    para o rio grande

    do norte

    para o rio de janeiro

    onde ficava

    pela central

    do brasil

    onde jogaram

    gasolina nela

    enquanto dormia

    para tocarem

    fogo nela para

    matarem ela

    indígena pobre mulher

    mendiga pela central

    do brasil

    onde tentaram

    estuprá-la

    mas ela é filha

    de potira

    se safou

    sobreviveu

    se mandou

    para são paulo

    em cujas ruas

    do centro vive

    até hoje

    amando os gays

    amando as travestis

    cheia de sonhos

    de línguas

    estrangeiras

    mas por que a senhora

    não volta

    para sua tribo

    eu perguntei

    a ela ela me disse

    porque meu corpo

    é um corpo doente

    um corpo vacinado

    um corpo

    doente minha aldeia

    não tem contato

    com branco

    não fala português

    eu falo tupi-guarani

    se eu voltar

    para minha tribo

    meu corpo doente mata

    as pessoas de lá

    você não está

    entendendo

    meu irmão

    tem cento e dois anos

    é o cacique da tribo

    minha mãe teve 22

    filhos homens

    só depois eu nasci

    a primeira filha

    a única mulher

    eu era mulher

    do pajé

    não posso voltar

    para eles

    se eu voltar

    para a aldeia

    eu mato eles

    com as doenças

    que trago no corpo

    já voltei

    algumas vezes

    nem me sinto mais

    muito bem

    por lá

    eles não falam

    português

    ela me disse

    chorando

    tragicamente

    desenraizada

    de todos os lugares

    desenraizada

    de todas as pessoas

    desenraizada da aldeia

    da cidade

    de todos os lugares

    desenraizada

    dela

    num bar

    de uma grande

    cidade 

    arruinada

    onde

    pode emergir

    bem ali

    ao seu lado

    à sua frente

    aqui

    adentrando você

    a voz de outro

    alguém a voz

    de outra mulher

    a voz

    de dona leila

    uma voz igualmente

    inesperada

    sofrida

    pobre

    que sem

    conseguir pagar

    seu aluguel

    por 7 meses

    encontrou

    o movimento

    dos sem teto

    do centro

    conseguindo

    morar no hotel

    cambridge

    ao qual

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