O perdão imperdoável
De Maria Carpi
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Sobre este e-book
Por meio de poemas sensíveis, mas ao mesmo tempo, afiados, Maria argumenta que, provavelmente, o perdão é o sentimento mais complexo do ser humano. O perdão imperdoável ilustra os diversos tipos de perdão que cada um enfrentará na vida, desde o nascimento até a morte, propondo uma reflexão a respeito do amor e questionando: estarão as pessoas prontas para amar e serem amadas?
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O perdão imperdoável - Maria Carpi
2585-2002
O Direito de Defesa deve ser proporcional à agressão. Assim consagram os códigos.
E quando a violência é desmedida e injusta, o agressor não se beneficia da lei. Apenas da misericórdia.
Quem exerce a misericórdia? A santidade da vítima. Mas, como muito bem diz Hannah Arendt, podemos perdoar o agressor, mas não apagar o fato.
A vítima, ao perdoar, conserva as suas chagas. Cristo perdoou e ressuscitou com as chagas.
Muito tenho meditado sobre o perdão. E o faço com a razão poética, no melhor sentido da filósofa María Zambrano. E à pergunta bíblica, se devemos perdoar sete vezes, contrapõe-se: não apenas sete, mas setenta vezes sete.
Não há anistia para o perdão imperdoável. O seu centro sagrado está no coração da vítima: somente ela o pode dar, com a costura das cicatrizes. Essas sempre irão lembrar à humanidade que o erro ficou escrito em sua carne. Ela tem o manuscrito da dor e da impronunciável ofensa, sem defesa dos demais.
Sempre haverá, nos corações sensatos, a dúvida da culpa. Sempre seremos culpados, não do pecado original, mas de não perceber o próximo, longínquo em seu sofrimento.
Neles me incluo.
MARIA CARPI
O PERDÃO IMPERDOÁVEL
1.
Como é difícil se perdoar.
Mesmo que todos nos perdoem,
mesmo com a extrema-unção,
ainda não nos perdoamos.
Começamos a nos perdoar
quando perdoamos a genuflexão
de Deus na morte de seu filho.
Quando perdoamos o silêncio
de Deus na nossa própria morte.
Quando perdoamos aqueles
que nos antecederam na morte.
Quando perdoamos a violência
do nascimento ao sermos jogados
na existência. A violência
da letra quando jogados
na escrita do livro inacabado.
2.
Deus não reside nos céus.
Deus não reside na súplica
ou no louvor. Deus não
reside em cilindros de vidro
ou tabernáculos de marfim.
Deus não reside. Deus
não reside nos livros sagrados
ou páginas incendiadas
pela paixão. Não reside
no pano de Verônica.
Deus não reside na agonia.
Deus não reside. Deus caminha
sobre as águas do perdão.
3.
O nascimento movimenta
as hélices da culpa,
as pás do moinho
moem a absolvição.
Somente se nasce
para o alto, descendo
os degraus da culpa.
Ao ler a página que falta,
lemos a culpa da autoria
do livro. A página
que falta soletrada
à cabeceira da morte
perdoa o sangue
da vingança hereditária.
4.
Perseverar em desvios
é permanecer no perdão
que torna inacessível
o texto da lei. Ruptura
às letras. Não perdoar
a falta, mas o julgamento.
As páginas da inquisição
não se fecham com o perdão.
Sempre há uma brecha
de onde voa