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Drummond diante do javali e das musas: a luta do poeta em seu fazer poético
Drummond diante do javali e das musas: a luta do poeta em seu fazer poético
Drummond diante do javali e das musas: a luta do poeta em seu fazer poético
E-book295 páginas3 horas

Drummond diante do javali e das musas: a luta do poeta em seu fazer poético

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Sobre este e-book

Neste livro estão esquadrinhados alguns metapoemas de Carlos Drummond de Andrade no intuito de desvelar e analisar as propostas do poeta em seu próprio fazer poético. Assim, nasceu Drummond diante do Javali e das Musas e nele estão propostas exclusivas do poeta que, além de sua postura moderna diante do mundo, podem exprimir um conhecimento do estilo drummondiano de ser, do trabalho artesão desenvolvido por esse poeta.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento26 de nov. de 2020
ISBN9786558773139
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    Drummond diante do javali e das musas - Maria Alexandrina Rodrigues

    CAPÍTULO I. Poética e Retórica

    1

    DA POÉTICA

    Ao iniciar esse estudo sobre os metapoemas de Carlos Drummond de Andrade faremos algumas considerações sobre Poética e Retórica e, em seguida, apresentaremos algumas reflexões sobre a Poética de Aristóteles que ficou conhecida no último período de vida do filósofo, que morreu em 322 a.C., e, até os nossos dias, ocupa um lugar relevante na literatura.

    Poética vem do grego "poietiké" e significa a arte de fazer versos, ou ainda, conjunto de regras a serem observadas na composição de obras poéticas.

    Assim, a Poética designa o estudo da poesia. A ideia da integração da poética à prosa existe no sentido de que a poética abrange a teoria geral das obras literárias. No caso dessa pesquisa, o foco será a poesia observada a partir dos metapoemas cujos aspectos conceituais do fazer poético serão delimitados.

    Sabendo que o pensamento estético iniciou com a poesia, conforme afirmam Aristóteles e Platão, uma primeira observação cabe à língua utilizada pela poesia que é idêntica à língua usada pela comunidade com a qual o poeta convive no seu cotidiano. Esta, quando trabalhada num tom artístico, que transforma e revoluciona, revela a forma e a intenção do ato artístico do escritor, sua metalinguagem, que traduz em material, o poema. Evidentemente a poesia precisa descrever mais que bons sentimentos e boas ideias, a poesia deve mesclar a utilização artística da palavra e dos sentimentos expostos pelo poeta.

    Essa ideia será delimitada quando os metapoemas de Drummond forem esquadrinhados e suas propostas relacionadas a partir de sua própria metalinguagem.

    Outro ponto importante relacionado à poesia é a questão da imitação, Platão em seu diálogo do livro X, tratou dessa questão. Na explicação sobre a natureza da imitação, Platão inicia sobre o conceito de ideia imitativa e nos remete a uma série de objetos com o mesmo nome, imagina-se para esses objetos ideias ou formas comuns. Então, o filósofo diz: A ideia é uma só, mas os objetos compreendidos debaixo dela são muitos. (A República, livro X, p.217).

    O vocábulo imitação decorre do Grego "mímesis". A ideia da imitação, tratada por Platão, vem na consideração de que toda poesia é imitação, semelhante à pintura, que representa a imitação da imitação, das coisas sensíveis, a poesia é cópia de conduta inferior, transmitida pela vontade e pelas paixões.

    Nessa pesquisa, que objetiva estabelecer a poética de Drummond, existirão momentos em que traços ou ideias de outros poetas poderão surgir na linguagem de Drummond, uma vez que o objeto utilizado em seu fazer poético, as palavras, podem ser as mesmas utilizadas por outros poetas. Entretanto, a magia aplicada às palavras é própria de cada poeta, ou seja, a metalinguagem é exclusiva do poeta e constitui um sistema linguístico que estudado desvelará sua poética.

    Para entender melhor a imitação poética descrita por Platão, veja como ele compara a arte do pintor com o poeta:

    O poeta é como o pintor de que falávamos há pouco, o qual faz uma coisa que parece um sapateiro aos olhos daqueles que entendem de sapataria tão pouco quanto ele próprio, e que só julgam pelas cores e pelas formas.

    - Perfeitamente.

    - Do mesmo modo, creio eu, podemos dizer que o poeta não sabe fazer outra coisa senão imitar; valendo-se de nomes e locuções, aplica certas cores tomadas às diferentes artes, e assim faz crer a outros que julgam pelas palavras, como ele, que expressa com muito acerto quando fala com metro, ritmo e harmonia sobre a arte do sapateiro, sobre estratégia ou qualquer outro assunto – tão grande é o fascínio que possuem essas coisas! Pois, deves ter notado, e não poucas vezes, o aspecto insignificante que assumem as narrações dos poetas quando despedidas das cores que lhes empresta a Música e recitadas em prosa simples. (A República, Livro X, p.221-222)

    Então, pode-se afirmar que o poeta é um imitador e se vale de tudo e de todos em seu fazer poético. A criação, o poema, surge de um trabalho artístico com as palavras que constitui a essência da criação poética e, portanto, não possui compromisso com a verdade, conforme afirma Platão:

    ...toda arte imitativa, realiza o trabalho que lhe é próprio a grande distância da verdade e é companheira e amiga daquela parte de nós mesmos que se aparta da razão, e isso sem nenhuma finalidade sã ou verdadeira (Op. Cit. P.223)

    O poeta é, pois, aquele que se vale do inconsciente e propõe sua arte onde cria aparências e transforma visões sobre determinados objetos, épocas, enfim, sobre tudo que lhe convier num determinado tempo e espaço.

    Fernando Pessoa, em sua magistral obra poética, trata também de imitação em sua célebre poesia:

    AUTOPSICOGRAFIA

    O POETA é um fingidor.

    Finge tão completamente

    Que chega a fingir que é dor

    A dor que deveras sente.

    E os que leem o que escreve,

    Na dor lida sentem bem,

    Não as duas que ele teve,

    Mas só a que eles não têm.

    E assim nas calhas de roda

    Gira, a entreter a razão,

    Esse comboio, de corda

    Que se chama coração.

    (O Eu profundo e os outros Eus, p.104)

    Entende-se que o fingimento do poeta se constitui, não somente das duas dores subentendidas: a que ele escreve e a outra que se lê, mas também de todas as outras que possuem a mesma essência da palavra dor. Nesse sentido, trataremos da imitação que descreveu Platão e, posteriormente, Aristóteles.

    Evidentemente que a literatura de hoje apresenta ideias diferentes em relação à poética. Observa-se que a preocupação de se comunicar foi substituída pela preocupação de exprimir-se, que o autor não está atento à teoria literária no momento de sua criação. O autor de hoje trabalha à sua maneira, com liberdade, a forma que ele considera ideal para sua expressão pessoal.

    Da mesma forma que o autor cria sua linguagem pessoal, ele cria, também, as suas leis de composição. Nesse sentido é que vamos trabalhar nos metapoemas de Carlos Drummond de Andrade com o objetivo de discernir a poética desse poeta, seus itinerários pela poesia, pela literatura e pela arte.

    Sobre a atividade de imitação vista na percepção de Aristóteles e Platão, e em decorrência de termos uma criação que aponta para o geral, através de mitos e símbolos preestabelecidos pela história e que poderão obter diversos sentidos, o que irá depender da visão, da percepção da imagem criada pelo poeta é que estaremos considerando, principalmente, na leitura dos metapoemas de Drummond, o trabalho com as palavras no sentido de construir sua metalinguagem.

    No que diz respeito à natureza desse estudo sobre a poética de Carlos Drummond de Andrade, cabe salientar a importância do domínio do poeta em relação às palavras, do trabalho realizado com elas e da disciplina em torno da criação poética discriminada a partir da análise de metapoemas escritos por Drummond.

    Então, conforme o exposto, a poesia constitui uma arte na qual o poeta vai além da imitação da história ou da própria realidade e utiliza o mito para criar uma imagem nova que surge do ato de sua própria criação poética.

    Luiz Costa Lima reforça nossa percepção de que a poesia é o resultado de um trabalho intelectual na criação, que é considerado de tal forma que o próprio fazer passa a justificar-se por si só, e recebe um grau de importância maior do que o próprio resultado do trabalho, no caso o poema.

    A mimeses diz, portanto, de uma decisão que nos define. Ser capaz de mimeses é transcender a passividade que nos assemelha a nossos contemporâneos e, da matéria da contemporaneidade, extrair um modo de ser, i. e., uma forma, que nos acompanharia além da destruição da matéria. Como o próprio do contemporâneo é ser mutável, o próprio da conquista da forma é fixar esta dinâmica no produto, a obra poética, que apresenta. Como decisão, mimeses é escolha de permanência; como decisão efetuada sobre uma matéria cambiante, é uma permanência sempre mutante. O ato da mimesis, em suma, supria uma constância e uma mudança. Quando os romanos passaram a entende-la como imitação dos antigos, mostravam que já não a compreendiam. (Mimeses e modernidade - formas das sombras, p.3/4).

    Dessa forma, a mimese poderá surgir nos poemas contemporâneos, uma vez que eles surgem e de uma necessidade de libertação das normas fixas do poeta moderno. A linguagem projetada pelo poeta no poema, pode representar uma espécie de mensagem verbal em que o poeta seleciona as palavras para expor a sequência de ritmo, de ideias, de sentimentos... nos versos. Essa mensagem consiste na mimese de estados de ânimo.

    Assim, em busca de cada vez mais liberdade, os escritores do século XIX e, principalmente, do século XX sentiram a necessidade de buscar, por si próprios, suas razões de escrever, e as razões de como o faziam. Decidiram estabelecer seus autênticos princípios e valores e desenvolveram, em seus poemas, as suas próprias críticas. Essas críticas confirmam e criam valores uma vez que norteiam sua escrita presente e, em seguida, futura.

    O que se espera daquilo que se escreve hoje, no caso específico, o poema, é que o poeta não seja igual a ninguém, o que se quer é sua contribuição com uma expressão original. Logo, o escritor procura realizar sua obra não com aquilo que tem em comum com todos os homens, mas com o que nele é mais íntimo, pessoal e autêntico.

    O poema moderno é de difícil conceituação, porém, o que se busca nesse estudo sobre Poética é mostrar nos metapoemas de Drummond os caminhos trilhados por ele, em sua própria construção, onde estabelece sua Poética.

    João Cabral de Melo Neto discorre sobre a composição moderna com a qual esse estudo se compromete:

    Não vejo como se possa definir a composição moderna, isto é, a composição representativa do poema moderno. Qualquer esforço nessa direção me parece vazio de sentido. Porque ou proporia um sistema, talvez bastante consequente, mas perfeitamente limitado, sem aplicação possível a mais do que à pequena família de poetas que por acaso coincidisse com seus postulados, ou se veria condenado ao simples trabalho de catalogação – espécie de enciclopédia – das inúmeras composições antagônicas que convivem hoje, definíveis apenas pelo lado do avesso – por sua impossibilidade de definição. (Idem, p.725).

    A ideia formada, a partir dessa citação, é que cada poeta procura desenvolver sua própria poética, buscando uma poética diferente das existentes. João Cabral discorre sobre a importância do poeta não se deixar levar por nenhum sistema, o que faria dele somente um catalogador de assuntos, de palavras ordenadas sistematicamente e que não apresentariam nenhuma definição lógica de poética.

    A LINGUAGEM POÉTICA

    Em referência ao estudo da Poética, das normas para se fazer versos, poemas, a linguagem poética constitui elemento fundamental.

    Jean Cohen foi um dos críticos que tratou desse objeto, de forma a analisar os elementos constituintes de linguagem poética:

    ... a linguagem poética é uma realidade paradoxal, que a análise revela como formada de elementos não linguísticos. Há duas maneiras de encarar o poema, uma que é linguística e outra que não o é.

    A linguagem, como se sabe, é feita de duas substâncias, ou seja, duas realidades que existem por si sós e independentes uma da outra, chamado significante e significado (Saussure) ou expressão e conteúdo (Hjelmslev). O significante é o som articulado, o significado é a ideia ou a coisa. (Estrutura da linguagem poética, p. 27).

    Numa leitura crítica passa-se pela percepção artística das ideias, sensações, e sentimentos que foram expressos na linguagem pelo poeta. Nesse trabalho com a linguagem, um dos recursos utilizados pelo poeta é o da conotação. Roland Barthes diz "que um sistema conotado é um sistema cujo plano de expressão é, ele próprio, constituído por um sistema de significação" (Elementos de Semiologia, p. 95; grifo do autor).

    Assim, a conotação constitui um sistema, abrange significante, significado e, portanto, o processo de significação.

    Para que um termo seja conotativo é preciso que, pelo menos, uma de suas características seja denominada, considerada como parte de sua compreensão, que ele aluda ao seu conceito tal, ou seja, uma parte equivale ao todo.

    Victor Hugo clarifica no Prefácio de Cromwell, que no famoso texto Do grotesco e do sublime, a liberdade da criação artística em relação a regras e modelos clássicos. Hugo expõe e explica o desenvolvimento da poesia desde sua origem até o período romântico, séc. XIX. Esse poeta enxergava a poesia como representante da sociedade e explana sua teoria das três idades do mundo: nos tempos primitivos, nos tempos antigos e nos tempos modernos.

    O poema do tempo primitivo, segundo Hugo, é a Gênese. O tempo antigo está relacionado à Épica, período de origem de Homero. Nesse momento a poesia está vinculada à religião. Sobretudo a epopeia sobressai em proporções gigantescas. Com o desgaste dessa poesia surge a civilização moderna. Não se prolongará o estudo do tempo primitivo, assim como o tempo antigo, porquanto nossa pesquisa exige maior atenção no tempo moderno, devido à origem moderna do poeta Carlos Drummond de Andrade. Victor Hugo clarifica a poesia e nos conduz à importância do cristianismo para a poesia que se mostra pura e verdadeira:

    O cristianismo conduz a poesia à verdade. Como ele, a musa moderna verá as coisas com um olhar mais elevado e mais amplo. Sentirá que tudo na criação não é humanamente belo, que o feio existe ao lado do belo, o disforme perto do gracioso, o grotesco no reverso do sublime, o mal com o bem, a sombra com a luz. (Do Grotesco e do Sublime, p.25; negrito nosso).

    Essa citação traduz a importância da criação do grotesco que passa a fazer par com o sublime, possibilitando a união dos sentimentos, das pessoas, enfim, de tudo que possa simbolizar o belo e o feio nas criações poéticas. A poesia, especialmente os metapoemas, por hora nosso objeto de estudo, sugerem imaginação pitoresca, às vezes, ligadas ao grotesco que o poeta cria em sua metalinguagem, e deixa bailar em nossa imaginação. No metapoema Política Literária, Drummond trabalha duas ideias distintas; política e literatura e, a partir do grotesco inerentes à politicagem, mostra a transformação da linguagem comum em poética.

    Política Literária

    "O poeta municipal

    discute com o poeta estadual

    qual deles é capaz de bater o poeta federal..."

    (AP, p.15)

    Nesse metapoema Drummond, a partir da palavra poeta (repetida quatro vezes) e dos adjetivos: municipal, estadual e federal (repetidos duas vezes), próprios do sistema político e não para qualificar o substantivo poeta, sugere sua própria construção poética.

    Nessa construção, Drummond caracteriza o poeta inventor, à medida que na associação dos adjetivos; municipal, estadual e federal, caracteriza a expressão bem humorada do fazer poético, voltado para a semelhança de sons (al, al, al, al) no final dos adjetivos.

    Na última estrofe da construção poética: Enquanto isso o poeta federal / tira ouro do nariz, está a sugestão do grotesco na metalinguagem de Drummond. O que remete o leitor a pensar sobre o drama político da sociedade e sobre a construção metalinguística desse drama.

    É ainda Victor Hugo, no Prefácio de Cromwell, que trata da dificuldade em escrever seguindo somente a linha do belo e, de como o feio pode proliferar com facilidade na poesia:

    O belo tem somente um tipo; o feio tem mil. É que o belo, para falar humanamente, não é senão a forma considerada na sua mais simples relação, na sua mais absoluta simetria, na sua mais íntima harmonia com nossa organização. Portanto, oferece-nos sempre um conjunto completo, mas restrito como nós. O que chamamos o feio, ao contrário, é um pormenor de um grande conjunto que nos escapa, e que se harmoniza, não com o homem, mas com toda a criação. É por isso que ele nos apresenta, sem cessar, aspectos novos, mas incompletos. (Op. Cit. p. 33; negrito nosso).

    Percebe-se uma sociedade moderna, que constrói seus pensamentos e nos presenteia com criações poéticas, resultantes da combinação natural do sublime com o grotesco e dessa forma, permite ao leitor da poesia questionar a realidade e criar, a partir da metalinguagem do autor, novas perspectivas. Ideias essas que são conduzidas pelo poeta por meio da combinação de palavras referentes à literatura (poeta) e a política (municipal, estadual, federal).

    A função da poesia é conotativa uma vez que as palavras abandonam seu sentido real, próprio e assumem um sentido irreal, impróprio. Cohen cita Valéry, que distingue a conotação na poesia: "dois efeitos da expressão pela linguagem: transmitir um fato

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