Poesia, o que é e para que serve?
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Poesia, o que é e para que serve? - Luciano Marcos Dias Cavalcanti
catalogação
Leituras 3
Coordenação: Lygia Caselato
Poesia, o que é e para quE serve?
Leituras de poemas de Drummond, Emílio Moura, Jorge de Lima, Mário Faustino e Chico Buarque de Holanda
Luciano Marcos Dias Cavalcanti
Copyright by © 2021
Luciano Marcos Dias Cavalcanti
Projeto editorial
Wilbett Oliveira
Conselho Editorial:
Arturo Gouveia
Ester Abreu Vieira de Oliveira
Haron Gamal
Joel Cardoso
Imagem de capa:
Flores de ameixa e lua [Katsushika Hokusai]
Coordenação:
Lygia Caselato
Diagramação:
Editora Cajuína
Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução total ou parcial, de qualquer forma ou qualquer meio eletrônico ou mecânico, sem permissão expressa da editora (Lei 9.610, de 19/02/98).
[CIP]
Dados Internacionais da Catalogação na Publicação
C377p Cavalcanti , Luciano Marcos Dias.-
Poesia, o que é e para quê serve? Leituras de poemas de Drummond, Emílio Moura, Jorge de Lima, Mário Faustino e Chico Buarque de Holanda. Luciano Marcos Dias Cavalcanti. 1a edição - Cotia, São Paulo: Editora Cajuína, 2021. Série Leituras 3.
ISBN 978-65-86270-70-9 (impresso)
ISBN 978-65-86270-71-6 (ePub)
1. Literatura: poesia 2. Crítica literária. 3. Ensaios
I. Luciano Marcos Dias Cavalcanti II. Título
CDD B869.1
ÍNDICE PARA CATÁLOGO SISTEMÁTICO:
1. Poesia: ensaios
2. Literatura: crítica
zLogoCajuinaEbookEstrada da Aldeia, 668 Bl 67c - 06709-300 - Cotia, SP
Home page: www.editoracajuina.com.br
Email: contato@editoracajuina.com.br
(11) 4777-0123 - 97360-1609
Aos meus irmãos André e Geraldo
Sumário
CATALOGAÇÃO
INTRODUÇÃO
1 POESIA, O QUE É E PARA QUE SERVE?
2 ITABIRA NÃO É APENAS UMA FOTOGRAFIA NA PAREDE: LEITURA DE A ILUSÃO DO MIGRANTE
, DE CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
Introdução
Interregno: Itabira é apenas uma fotografia na parede./ Mas como dói!
A ilusão do migrante
Considerações finais
Notas
Introdução
A poética do espaço
A Casa
Considerações finais
Notas
4 LÍRICA MODERNA E SURREALISMO: LEITURA DOS POEMAS XXIII
E XXIV
DO CANTO PRIMEIRO DE INVENÇÃO DE ORFEU
, DE JORGE DE LIMA
A escrita automática
O sonho
Lírica moderna e surrealismo
A imagem
A colagem/collage
Poemas XXIII
e XXIV
– Canto Primeiro, de Invenção de Orfeu
Considerações finais
Notas
5 A ENGENHARIA NOTURNA DE MÁRIO FAUSTINO EM O HOMEM E SUA HORA: LEITURA DO POEMA MITO
Introdução
Mito e poesia
Considerações finais
Notas
6 POESIA E HUMILDADE EM CHICO BUARQUE DE HOLANDA: PEDRO PEDREIRO
OU QUEM ESPERA NUNCA ALCANÇA
Introdução
Pedro pedreiro
Considerações finais
Referências
Notas
COLEÇÃO Leituras
INTRODUÇÃO
A proposta deste livro é fazer uma leitura livre de poemas de alguns poetas significativos da literatura brasileira – incluindo também um dos maiores cancionistas de nossa MPB, Chico Buarque de Holanda, – com o intuito de levar ao apreciador de poesia ou professor de literatura brasileira, um repertório de análises de textos poéticos para serem lidos pelo simples prazer da fruição com o texto lírico ou também para serem levados à sala de aula, como um possível caminho para a abordagem dos textos elencados.
Para iniciarmos a nossa investigação sobre a leitura do texto poético, propomos, com o texto Poesia, o que é e para que serve? refletir sobre a dificílima e sempre inconclusa questão: o que é a poesia? Para isso, levaremos em consideração, principalmente, as perspectivas dos próprios poetas e dos chamados poetas-críticos
. Sempre mais abrangentes e superiores as tentativas de explicações enciclopédicas, dicionarizadas ou apenas técnicas. Pretendemos também explorar, como uma extensão desta primeira questão, outra pergunta espinhosa: para que serve a poesia?
Na sequência, adentramos nas análises propriamente ditas dos poemas, com o texto: Itabira não é apenas uma fotografia na parede: uma leitura de A ilusão do migrante
, de Carlos Drummond de Andrade. Em grande parte da obra de Carlos Drummond de Andrade o vemos resgatar personagens, ambientes e cenas da infância vivida em Itabira. Estas lembranças pertencem tanto ao universo mágico e mítico quanto à sua vivência real. O poeta constantemente acena ao passado, distante de sua realidade hodierna, de modo que o vivido e o imaginário é reatualizado, materializando-se no poema. É por meio da relação que o poeta estabelece com sua terra e com sua gente que pretendemos dedicar nossos esforços para ler o poema A ilusão do migrante
, pertencente ao livro Farewell, última obra poética de Carlos Drummond de Andrade, publicada em 1996, na qual o poeta se despede de seus leitores.
Em seguida, no texto Memória, infância e poesia: uma leitura de A casa, de Emílio Moura, pretendemos apresentar uma investigação de como se dá no livro A casa (1961), de Emílio Moura, a presença da memória da infância, e como o poeta se utiliza do mundo infantil para construir seus poemas, seja no que diz respeito à infância vista como um mundo bom e sem problemas, seja como elemento memorialístico em que o poeta busca no passado não somente uma lembrança lúdica, mas também um processo criativo utilizado para a criação literária.
Na sequência, no texto Lírica moderna e surrealismo: uma leitura dos poemas XXIII
e XXIV
do Canto Primeiro de Invenção de Orfeu, de Jorge de Lima, apresentamos, de forma didática, algumas considerações acerca da utilização que o surrealismo faz de algumas técnicas exemplares da poesia moderna (como a escrita automática, o sonho, a imagem e a colagem) para realização de seu projeto estético que privilegia o sonho e a imaginação como prática artística. Como ponto de convergência entre teoria e prática poética, analisaremos os poemas XXIII
e XXIV
do Canto Primeiro de Invenção de Orfeu, de Jorge de Lima.
Em A engenharia noturna de Mário Faustino em O homem e sua hora: leitura do poema Mito
, abordaremos a poesia de Mário Faustino, poeta pertencente a geração de 1950, que estabeleceu uma relação direta com a tradição moderna da poesia ocidental. Na qual percebe-se uma forte tendência à evasão do mundo ordinário e a importância do labor artesanal para a construção do poema. Nessa perspectiva, pretendemos dedicar nossos esforços na análise do poema Mito
, pertencente ao livro O homem e sua hora (1955). Para tanto, será preciso observar a relação empreendida pelo poeta entre mito e poesia, como também o diálogo frutífero que Mário Faustino estabeleceu com o Surrealismo, uma das mais importantes tendências estéticas das vanguardas europeias do século XX.
No último texto, Poesia e humildade em Chico Buarque de Holanda: Pedro pedreiro
ou quem espera nunca alcança
, adentramos no campo da Música Popular Brasileira, com a análise de um de seus compositores mais significativos. Chico Buarque surge no cenário cultural brasileiro inserindo-se na tradição do samba, absorvendo de seus compositores iniciais a adesão à voz do desqualificado social e a tendência à crônica da vida popular. Uma presença garantida em sua obra poético-musical é a dos desvalidos, configurada por uma galeria de desqualificados, seja em seu aspecto social ou moral. Uma figura importante relacionada a este mundo humilde é a do trabalhador. Neste texto, deter-nos-emos na figura do pedreiro da canção Pedro pedreiro
. O elemento humilde trabalhado pelo compositor também se revela em sua elaboração artística formal, fornecendo-lhe um importante recurso estilístico para sua poética: o despojamento, a redução do poético ao essencial e a aderência à linguagem popular.
Os textos que compõe este livro foram publicados em revistas acadêmicas, ao longo de alguns anos, como exercícios interpretativos de nossa melhor lírica. Neste volume, sofreram algumas pequenas modificações com o intuito de aprimorá-los e também adequá-los ao formato de livro.
Boa leitura!
1
POESIA, O QUE É E PARA QUE SERVE?
Um dia, ao começar a escrever um livro didático sobre literatura, tive que dar uma definição de poesia e embatuquei. Eu, que desde os dez anos de idade faço versos; eu, que tantas vezes sentira a poesia a passar em mim como uma corrente elétrica e afluir aos meus olhos sob a forma de misteriosas lágrimas de alegria: não soube no momento forjar já não digo uma definição racional dessas que, segundo a regra da lógica, devem convir a todo o definido e só ao definido, mas uma definição puramente empírica, artística, literária.
[ Manuel Bandeira ]
Antes de iniciarmos propriamente as leituras dos poemas propostos nesse livro pretendemos refletir sobre a difícil (e sempre inconclusa) questão: o que é a poesia?
Para tanto, consideraremos, sobretudo, as perspectivas dos próprios poetas e dos chamados poetas-críticos, sempre mais abrangentes e superiores do que as tentativas de explicações enciclopédicas, dicionarizadas ou apenas técnicas. Ligada a esta questão, discutiremos outra pergunta (não menos espinhosa): para que serve a poesia?
Segundo o Dicionário Eletrônico Houaiss poesia é a arte de compor ou escrever versos
. Todo estudante, principiante de poesia, no entanto, sabe que nem todo texto disposto em versos pode ser considerado um poema. Afinal, qualquer receita médica ou culinária pode ser escrita em forma de versos. O sentido dicionarizado da poesia, portanto, nos revela ser insuficiente para compormos um significado abrangente da arte poética. A afirmação dicionarizada também nos revela, em suas entrelinhas, que o homem que escreve em verso é um poeta, aspecto que engloba o próprio significado da poesia como o de seu criador, o poeta. No entanto, também sabemos que não basta um indivíduo dispor um determinado pensamento ou sentimento íntimo em versos para ser considerado um poeta. Logo, é necessário que ampliemos esta definição.
Para Giambattista Vico (1730), a linguagem poética é primitiva, e os homens passaram dela para a linguagem racional. Dessa maneira, a linguagem poética seria um fato natural. As imagens e metáforas comuns ao artefato poético não seriam desvios da linguagem, como consideravam os retóricos antigos. Partindo desse pensamento, Vico considera que os primeiros poetas foram os responsáveis pela nomeação das coisas, a partir das ideias mais particulares e sensíveis. Eis as duas fontes, esta da metonímia e aquela da sinédoque
. (VICO, 1979, p. 90). Assim como a criança, o poeta escreve como se tivesse visto o objeto de sua reflexão pela primeira vez, conforme tão bem representa as palavras de Manuel Bandeira em Flauta de papel: Já se disse que o poeta é o homem que vê o mundo com os olhos de criança, quer dizer: o homem que olha as coisas como se as visse pela primeira vez; que as percepciona em sua perene virgindade
. (BANDEIRA, 1985, p. 204). Para Vico, as crianças com as ideias e nomes de homens, mulheres e coisas, que pela primeira vez viram, aprendem e chamam, a seguir, todos os homens, mulheres e coisas, que tenham com os primeiros alguma semelhança ou relação
(VICO, 1979, p. 92), sendo esta a grande fonte natural dos caracteres poéticos, com os quais naturalmente pensaram os povos primitivos.
Uma das características mais importantes da poesia diz respeito à sua estreita relação com a música. Para Paul Valéry, o valor de um poema reside na indissolubilidade do som e do sentido
. (VALÉRY, 1999, p. 206). Tal constatação nos remete também ao seu sentido original e mitológico que, sob o signo de Orfeu, revela a irmandade entre as duas artes, a música e a poesia. Para estes termos são exemplares as palavras de Dante: Poesia é ficção retórica posta em música
, assim como as de Coleridge: A poesia chamaremos pensamento musical
, ou as de E. C. Stedman: Poesia é a linguagem rítmica, imaginativa, que exprime a invenção, o gosto, o pensamento, a paixão e a intimidade da alma
.
Se, como afirma Saussure, a linguagem é pensamento-som
, isso significa que a linguagem se dá por meio da união desses dois elementos. No poema, esta relação se torna evidente. É impossível negar a intenção rítmico-sonora imitativa da poesia com suas expressões mais características por meio das aliterações, assonâncias, onomatopeias, paronomásias, rimas, repetições de fonemas, metrificações etc. Segundo Octavio Paz, é o ritmo que distingue o verso da prosa, e
o ritmo não só é o elemento mais antigo e permanente da linguagem, como ainda não é difícil que seja anterior à própria fala. Em certo sentido pode-se dizer que a linguagem nasce do ritmo ou, pelo menos, que todo ritmo implica ou prefigura uma linguagem. Assim, todas as expressões verbais são ritmo, sem exclusão das formas mais abstratas ou didáticas da prosa. Como distinguir, então prosa e poema? Deste modo: o ritmo se dá espontaneamente em toda forma verbal, mas só no poema se manifesta. Sem