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Os Meninos de Gateville
Os Meninos de Gateville
Os Meninos de Gateville
E-book418 páginas6 horas

Os Meninos de Gateville

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Sobre este e-book

Canadá, Gateville
Uma pequenina cidade próxima aos Grandes Lagos.
Uma viagem para fugir de sua vida.
Um crime que nunca mais faria Jimmy ser a mesma pessoa.
"Um livro tenso, onde cada virada de página te encherá de medo do que ainda está por vir. Seu coração baterá cada vez mais acelerado, por isso quem tiver propensão ao infarto CUIDADO!" Blog RK Books (Outubro, 2010)
"O livro reúne crimes bárbaros, erotismo e aventura com uma pitadinha de sobrenatural. Ingredientes perfeitos para um bom romance policial." Blog Extensão Literária (Fevereiro, 2011)
"Os meninos de Gateville é um livro que vale a pena ser lido. Toda a história é tão bem construída que é praticamente impossível descobrir ou pelo menos ter um forte suspeito sobre quem é o assassino de Tommy. O final é surpreendente, tanto na resolução do caso quanto em toda a história de Jimmy." Blog Baseado em Fatos Literários (Março, 2011)
"Renatho conseguiu escrever um romance policial mesclado com o sobrenatural, mas em momento algum conseguimos encarar o livro apenas como isso, pois o autor tornou as personagens tão humanas e com sentimentos tão profundos, que aquela curiosidade para descobrir logo o culpado sai de cena para dar lugar a um sentimento de empatia e compaixão." Blog S2 Ler (Junho, 2011)
"Quando comecei a leitura, percebi que não daria para parar. A construção do suspense é gradual, mas parece que a atmosfera criada por Renatho já estabelece uma expectativa no leitor. Quando você menos espera já está procurando pelos supostos assassinos de Tommy pelo mundo inteiro." Blog Paraíso da Leitura (Agosto, 2011)
IdiomaPortuguês
Data de lançamento18 de jan. de 2021
ISBN9786586178357
Os Meninos de Gateville

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    Pré-visualização do livro

    Os Meninos de Gateville - Renatho Costa

    CapaGateville.jpg

    Renatho Costa

    Edição Comemorativa de 10 anos.

    São Paulo 2020

    2a edição

    Título original em Português: Os Meninos de Gateville

    Copyright © 2020 by Renatho Costa

    Todos os direitos reservados: proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo eletrônico, especialmente por sistemas gráficos, assim como traduzida, sem autorização, por escrito, do autor. A violação dos Direitos do Autor é crime, mediante a Lei dos Direitos Autorais nº 9.610/98.

    Diretor Editorial: Peterson Magalhães

    Editor-Chefe: Sílvio Alexandre

    Publisher: Katarina Ferrer

    Revisão: Equipe Soul

    Diagramação e Capa: Regina Blandon Tubarão

    Comunicação com Autores: Chris Donizete

    Soul Editora

    Rua Conceição da Barra, 67 – Jardim São Paulo

    Sede própria – CEP 02039-030 – São Paulo - SP

    E-mail: publisher1@souleditora.com.br

    www.souleditora.com.br

    Telefone: (11) 2952-6092

    Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

    de acordo com ISBD

    C837m

    Costa, Renatho

    Os meninos de Gateville / Renatho Costa. - 2. ed. - São Paulo, SP : Soul, 2020.

    ISBN: 978-65-86178-35-7

    1. Literatura brasileira. 2. Romance. 3. Policial. I. Título.

    2020-2227

    CDD 869.89923

    CDU 821.134.3(81)-31

    Elaborado por Odilio Hilario Moreira Junior - CRB-8/9949

    Índice para catálogo sistemático:

    1. Literatura brasileira : Romance 869.89923

    2. Literatura brasileira : Romance 821.134.3(81)-31

    Aos leitores e às leitoras que se aventuraram pela trama dos meninos de Gateville nesses dez anos.

    1

    – Larry, eu preciso falar com você.

    – Jimmy, você não precisa dizer nada... – eufórico. – Seu sucesso é incontestável! Na verdade é só você transformar em palavras o que quer dizer, colocar no papel e pronto: best-seller!

    – Mas, Larry, agora as coisas estão ficando complicadas...

    – Você dizendo que as coisas estão complicadas?! Jimmy, você já passou por cada dureza que, quando diz que agora as coisas estão ficando complicadas, parece até piada.

    – Eu estive pensando...

    – Antes de mais nada preciso lhe mostrar uma coisa – pegou uma pequena caixa no bolso de seu paletó. – Tá aí, Jimmy, para você.

    – Que é isso, Larry? – peguei a caixa e a observei antes de abri-la.

    – É mais um troféu para você colocar na garagem.

    – Uma Ferrari! – não me senti empolgado.

    – Jimmy, você não está com a chave de um carro qualquer em suas mãos, é uma Ferrari... vermelha... a cor que faltava! – pensativo. – Será ótima companhia para a amarela e a preta!

    – Eu não posso dirigir três Ferraris ao mesmo tempo... você não precisava.

    – Você se lembra como ficou feliz quando seu primeiro livro se tornou um best-seller? Se você não se lembra, eu me lembro muito bem de sua cara quando disse que você já poderia comprar sua primeira Ferrari.

    – Tudo besteira, Larry, pra ser sincero, não sei nem se saí com ela depois que comprei – senti-me angustiado. – As coisas estão ficando difíceis para mim; tá muito difícil continuar!

    – Crise habitual de escritor que termina seu romance. Quantas vezes você já passou por isso antes? Vai, diz... quantas vezes me procurou para falar a mesma coisa!?

    – Não sei te dizer o porquê, mas agora é diferente. Parece que escrever tá ficando muito doloroso... quanto mais escrevo, mais minha desolação aumenta. Tem alguma coisa acontecendo comigo... desde que eu escrevi aquele livro... eu tô indo para algum lugar que não quero...

    – Isso é crise... saia de férias, esqueça tudo e pense somente em se divertir. Se você quiser, eu tenho o telefone daquela atriz que estava saindo comigo... Eu já te falei das coisas que ela faz?!

    – Já... algumas vezes.

    – Enfim, isso não é importante... Ela faz também o tradicional.

    – Eu não quero sair com ela, Larry; eu quero decidir alguns pontos cruciais de minha vida!

    – Mas eu não quero ouvir você falar mais nada... Vamos fazer de conta que essa conversa nunca existiu e que a gente está num puteiro do Bronx... Não é o melhor lugar pra ir, mas eu conheci duas meninas de lá que... só de pensar na noite que elas ficaram em casa já sinto vontade de passar por lá logo mais!

    – Eu vou viajar, Larry... quando voltar a gente retoma essa conversa...

    – Você pode dizer para onde vai? – perguntou meio receoso.

    – Eu preciso de paz, Larry, deixe-me ficar sozinho pelo menos por alguns dias.

    – Mas não vai poder ser taaaaaantos dias... alguns! – sorriu.

    – Tá bem, alguns – virei-me e fui saindo, então, Larry chamou-me novamente.

    – Você tá esquecendo a chave.

    – É mesmo... – voltei para buscá-la, mas parei de repente – por favor, Larry, mande colocar em minha garagem... eu não vou sair com ela, chama muita atenção.

    – Você tem certeza?

    – Tenho, para onde quer que eu vá, quero passar despercebido. Não quero que ninguém se aproxime de mim para pedir um autógrafo ou para perguntar sobre os malditos crimes.

    – E que crimes, Jimmy! Que cabeça a sua! – abraçou-me e beijou minha testa.

    – Pare com isso, Larry, eu preciso ir.

    – Tem só uma coisa, Jimmy, eu marquei alguns compromissos para os próximos dias, mas não é nada sério e dá pra desmarcar, mas tem só um que vai ser difícil reagendar...

    Virei-me para Larry e o olhei sem saber o que dizer...

    – Mas esquece isso, eu te ligo mais tarde pra falar dessas besteiras... por ora, aproveite suas merecidas férias – Larry sorriu.

    Permaneci mudo, retribuí o sorriso e saí.

    2

    Na verdade não saberia dizer exatamente o que estava fazendo na cidade de Buffalo, próximo aos Grandes Lagos. Depois que terminei a conversa com Larry senti que deveria deixar Nova York o mais rápido possível; tentar me afastar de tudo para que, ao retornar, tivesse coragem para dizer a ele o que realmente estava pretendendo. Essa fuga do mundo não é algo incomum, normalmente quando termino um romance tenho necessidade de me afastar de todos para refletir, talvez me esconder. O problema é que meu grande amigo e editor, Larry MacFerry, sempre descobre onde estou e faz questão de telefonar para tecer recomendações.

    Na ânsia de sair de Nova York, de não precisar enfrentar a imprensa nos saguões dos aeroportos, resolvi pegar meu carro e seguir para Milwaukee, onde Larry havia marcado o tal compromisso inadiável. Como sempre, ele cumpriu sua promessa e me ligou em casa para explicar o porquê da reunião em Milwaukee. O fato é que qualquer que fosse o argumento, eu não tinha a mínima vontade de estar lá, mas, ao mesmo tempo, não poderia deixá-lo na mão. Confirmei o dia, o horário e o nome do hotel onde seria a reunião. Coloquei o telefone em cima da mesa e saí. Deixei Larry falando sozinho... ele sempre foi muito bom em monólogos!

    Dois dias trancado no hotel, em Buffalo, jogando videogame; já tinha encerrado vários jogos... mas já era hora de partir para o encontro com Larry. O mais engraçado é que eu não tinha muita noção de como chegar a Milwaukee. Se ele tivesse marcado esse encontro alguns anos depois, talvez se tornasse mais fácil. Lembro-me que alguns anos depois uma música de um conjunto chamado Hanson não parava de tocar nas rádios, não era a mais famosa da banda, mas Milwaukee se tornou bem mais conhecida do público em geral e não somente dos norte-americanos, acho que o nome da canção era qualquer coisa como man from Milwaukee. Com toda certeza essa música não estava tocando no rádio de meu carro quando saí de Buffalo, mas sempre tenho a impressão de que a ouvia na estrada. Se o que tivesse acontecido posteriormente não viesse a se tornar um grande problema em minha vida, poderia utilizar essa música para ser o tema de minhas férias de 1992, as primeiras depois de muitos anos trabalhando sem parar... Mas, infelizmente, o Hanson não entrou para minha história musical com um tema dos melhores nem a recordação que ela me traz é algo para vangloriar-me.

    Dei uma rápida olhada no mapa para saber para onde deveria seguir, apesar de pressentir que mereceria uma maior atenção, até porque conhecia bem pouco a região dos Grandes Lagos e sabia que teria de me aventurar por aqueles lados se quisesse chegar ao meu destino. Confesso que as primeiras horas de estrada foram muito relaxantes, mas não sei por que razão, me atrapalhei em algum ponto e senti que não estava indo, exatamente, para Milwaukee. Sei que entrei no Canadá e estava rumando pelo sul quando constatei, definitivamente, que tinha-me perdido. O problema maior era que não havia nenhuma sinalização que indicasse a estrada que eu estava utilizando, tampouco placas apontando a cidade mais próxima. O rádio parou de funcionar repentinamente e resolvi desligá-lo. Para um dia de estrada, aquele fim de tarde não estava sendo nem um pouco relaxante como as primeiras horas foram.

    Alguns quilômetros à frente visualizei um posto de gasolina e decidi parar para saber onde estava e como faria para chegar a Milwaukee. Havia uma lanchonete no local e, assim que entrei, algumas pessoas que lá estavam me olharam com estranheza, mas logo retornaram ao que estavam fazendo. Aproximei-me do balcão e pedi um chocolate quente para amenizar o frio. O mês de janeiro normalmente é muito frio naquela região, mas naquele ano parecia que as coisas estavam piores. O homem do bar não gostava muito de conversar com pessoas estranhas e simplesmente disse que eu estava próximo de Gateville. Procurei a localização no mapa, mas não fui feliz; tinha a impressão de que a última placa que havia visto mostrou que eu estava próximo a Parry Sound, esse nome ficou gravado em minha mente porque na mesma hora me lembrei de Larry. Constatei, também, que havia cometido vários erros e estava bem distante de Milwaukee. O jeito seria ficar por ali aquela noite e tentar encontrar o caminho certo no dia seguinte. Quando saí, novamente, senti que alguma coisa estranha estava acontecendo. Não sei se somente os escritores têm esse tipo de sensação, mas a verdade é que nada daquilo parecia normal. Eu já havia estado em inúmeras cidades do interior dos Estados Unidos, do Canadá, da Inglaterra e de tantos outros países que já tinha alguma tarimba para perceber a estranheza do lugar.

    Uma menina mais simpática que trabalhava na lanchonete me instruiu a procurar uma tal de Sra. Stein para me hospedar, uma vez que não havia hotéis nem pousadas em Gateville. Normalmente a Sra. Stein alugava quartos para alguns jovens que vinham passar férias na cidade. Pelo menos foi o que a menina me disse!

    Assim que entrei no carro tive a impressão de ter visto alguém correndo pela floresta. Ouvi um grito, mas aquele grito eu já conhecia... era exatamente o mesmo que minha mãe proferiu quando soube da morte de meu pai. Que frio estava! Minha cabeça começou a latejar de maneira tal que achei que não conseguiria sair dali. Merda; o jeito seria voltar a tomar aqueles malditos comprimidos para que minha cabeça não explodisse! Tomei um, mas nada aconteceu. Esperei cinco minutos e tomei mais quatro. A menina ficou observando-me da porta da lanchonete. Acho que minhas atitudes estavam chamando muita atenção... pareciam de um viciado!

    Vinte minutos depois minha cabeça deu uma amenizada na dor... já seria possível dirigir até a casa da tal Sra. Stein. Liguei o carro e retornei à estrada. Os gritos voltaram a ecoar em meu ouvido e a todo instante tinha a impressão de que havia pessoas correndo ao lado do carro. A estrada estava vazia, mas aos gritos se somavam os sons de buzinas de carros. Minha cabeça não estava suportando. Mesmo sem parar o carro, estendi a mão até o porta-luva e peguei o vidro de comprimidos. Não sei quantos tomei.

    Minha cabeça começou a rodar e pensei que não fosse conseguir chegar a lugar nenhum. Vi uma estrada à direita e entrei nela. Árvores de ambos os lados... chão de terra batida e a sensação de que estava entrando em algum lugar errado. Perdi a noção de onde estava e a última sensação que tive foi de o carro ter batido em alguma coisa. Desmaiei.

    3

    Acordei sentindo-me estranho... Estava sentado no chão, encostado numa árvore e todo sujo. Não sabia como havia chegado até aquele local. O carro estava a uns trinta metros dali... minha roupa estava suja de terra, como se eu tivesse me arrastado... Havia sangue também, era pouco e provavelmente do ferimento que tinha em minha cabeça. Levantei e comecei a tremer de frio... parecia que eu ia morrer. Ainda estava claro e daria para chegar à casa da Sra. Stein antes do anoitecer. Cheguei ao carro e liguei o aquecedor. Não me lembro de ter sentido tanto alívio na minha vida quanto aquele proporcionado pelo ar quente!

    Olhei ao redor para saber onde estava e percebi que não me lembrava muito bem daquele lugar, não tinha muita noção de quando saí da estrada e por que entrei naquele caminho de terra. Resolvi dar meia-volta e seguir a partir de minha última lembrança. Já na via principal recordei-me das instruções que a menina da lanchonete havia passado e logo estava entrando em Gateville. Uma cidade muito simples e até menor do que eu imaginara. Havia poucas pessoas nas ruas. Uma das razões para essa paisagem desértica se devia ao frio que aumentava cada vez mais, conforme a noite ia chegando, e também por algum outro fator que eu não conseguia captar.

    Normalmente quando alguém novo entra nessas cidadezinhas do interior, a população percebe a novidade e olha com bastante intensidade, posso dizer que chega até ser estranha a sensação. Mas em Gateville eu estava vivendo algo totalmente diferente, ninguém sequer olhava para meu carro. E eu estava andando tão devagar que poderia até ser multado por falta de velocidade! Mas assim que dei uma volta na cidade, resolvi perguntar a uma senhora onde ficava a casa da Sra. Stein. A mulher indicou o local, com bastante cordialidade, mas não quis prolongar a conversa. Parei em frente à casa da Sra. Stein e, assim que a vi, tivemos uma afinidade mútua. Desci do carro e foi aí que a cidade olhou-me pela primeira vez. Minhas roupas estavam realmente chamando muita atenção... sujeira e sangue nunca foi uma boa combinação. Ninguém perguntou nada, somente estranharam minha presença ali e em seguida voltaram para suas vidas. Notei que a Sra. Stein também olhou para minhas roupas, mas não perguntou nada, simplesmente convidou-me a entrar em sua casa. Ela me instalou num pequeno quarto com uma cama, um guarda-roupas e uma escrivaninha cuja janela dava de frente para uma praça. Resolvi tomar um banho, mas antes precisava de um comprimido para evitar que aquela maldita dor de cabeça voltasse.

    Depois do banho olhei pela janela do quarto e percebi que não era tão tarde; disse à Sra. Stein que faria uma caminhada pela cidade para conhecê-la. Ela achou um tanto estranho meu interesse, mas não teceu qualquer comentário. Na verdade, até aquele momento ela simplesmente me tratou com bastante cordialidade sem falar quase nada.

    O frio tinha aumentado bastante, e a quantidade de pessoas na rua havia diminuído consideravelmente. Para ser sincero, acredito que somente eu andava pelas ruas frias de Gateville. Não havia muito para onde me dirigir sem que saísse da cidade, mas ao longe vi a porta aberta de uma igreja protestante e fui até lá. Parte dessa aventura pelas ruas devia-se à curiosidade gerada pelo estranhamento da cidade e à necessidade de falar com alguém, mas acredito que tenha aumentado a velocidade de meus passos para fugir do frio, que estava ficando insuportável. Já havia nevado na cidade há alguns dias. Ninguém havia me dito, mas sempre tive a sensibilidade apurada para o tempo. Ali, não conseguia sentir se iria nevar ou não naquela noite. Mais um elemento que fez com que eu estranhasse a cidade! Após dar uma corrida até a igreja, parei diante de sua porta e percebi que ocorrera um velório ali recentemente. A disposição do mobiliário ainda mantinha a arrumação que fora feita para a cerimônia e um pastor estava sentado bem próximo ao altar, com a cabeça abaixada. Aproximei-me lentamente para não interrompê-lo, mas, assim que me viu, levantou-se rapidamente e estranhou minha presença na igreja.

    – O senhor está procurando por alguém? – perguntou o pastor.

    – Na verdade, não... eu estava andando pela cidade quando vi a porta aberta e resolvi entrar.

    – Pois desculpe-me por ter deixado a porta aberta, mas o senhor tem de sair agora, já é tarde e tenho de fechar a igreja – respondeu o pastor, indicando-me a saída.

    – Houve um velório aqui? – perguntei, antes de sair da igreja.

    O pastor ficou um tanto desconcertado e desistiu de me por para fora da igreja, preferindo virar-se e sair correndo na direção da sacristia. Tudo ficou ainda mais estranho, e a atitude do pastor, por pouco, não fez com que eu pensasse estar vivendo um de meus romances de suspense. Isso acontece, às vezes, quando se vive em demasia num mundo fantasioso e qualquer atitude, por mais simplória que seja, pode ser transformada em argumento para meu próximo romance. Pelo menos era assim que eu agia até ter tomado minha decisão!

    Fiquei mais alguns minutos na igreja, tentando absorver informações a respeito de como havia sido o velório, quem havia sido velado... coisas assim; mas não fui feliz porque não havia nada naquela igreja que pudesse me dar, ao menos, uma pista. E atrás do pastor eu não estava com coragem de ir. Uma certeza eu tinha, podia até ser loucura de romancista, mas não havia acontecido um velório normal naquela igreja, pelo menos não parecia ter sido!

    A noite foi chegando e preferi voltar para a casa da Sra. Stein antes que o frio aumentasse. Da porta da igreja, olhei para a cidade e tive a impressão de estar num lugar morto. Parece estranho utilizar esse termo, mas foi o único que me veio para descrever meus sentimentos naquele momento. O frio cortava meu rosto, devia estar uns cinco ou dez graus abaixo de zero, mas mesmo assim não sentia que iria nevar. As ruas estavam mais vazias que as do game Silent Hill. Pensando bem, acho que ao sair daquela igreja estava vivendo algo como uma das dimensões paralelas do game; mas isso é resíduo da imaginação de viciados em jogos eletrônicos como eu! Por mais que eu quisesse viver uma situação como aquela, aquilo que estava à minha frente era bem mais forte que um jogo eletrônico. Eu vi pessoas andando sem me notar, pastor fugindo de perguntas simples e um frio que há muito não sentia.

    Encostei a porta da igreja e fui caminhando em direção à casa da Sra. Stein, esperava que, no fundo, ela tivesse feito alguma coisa bem quente para eu comer; até porque não cheguei a ver nenhum restaurante pela cidade e não estava nem um pouco a fim de voltar para aquela lanchonete da estrada e jantar num lugar onde era nitidamente indesejado. Ah, nunca senti tanta saudade de uma calefação quanto a da casa da Sra. Stein. No meio do caminho resolvi desistir de andar e passei a correr, cheguei mesmo a pensar que poderia morrer de frio no meio daquela rua. Mas... novamente o mas! Antes de entrar na casa da Sra. Stein, olhei para trás e vi que alguém estava observando-me da janela da igreja.

    Essa maldita falta de senso de segurança fez com que eu desistisse de entrar na casa da Sra. Stein e corresse novamente em direção à igreja. Corria tanto que mal sentia o frio. Quando entrei na igreja percebi que o pastor não estava ali, e que, pela distância entre os suportes do caixão, quem havia sido velada era uma criança. Estranho que eu não tivesse notado isso antes, mas a verdade é que só naquele instante percebi a disposição dos objetos e cheguei a essa conclusão. Uma criança! É difícil imaginar na literatura algo mais triste que um velório de criança. Muitas vezes deixei de usar esse recurso para não transformar meus romances em histórias piegas, mas havia uma tristeza impregnada naquela sala que me fazia mal. Por alguns instantes me fez lembrar do início de minha carreira, quando escrevi Crianças que vivem à margem, que me rendeu um Pulitzer, mas quase me destruiu emocionalmente. Nunca mais consegui encarar a morte de uma criança sem que isso me abalasse. Minha viagem pelo mundo das crianças que eram espancadas por pais adotivos saiu cara demais!

    O pastor saiu da sacristia lentamente e veio em minha direção.

    – Pastor! – chamei-o.

    – Você é... – caminhando em minha direção com um olhar diferente do anterior.

    – Meu nome é James e estou hospedado na casa da Sra. Stein.

    – Seja bem-vindo – disse e abaixou a cabeça.

    – Faz tempo que a criança morreu? – perguntei olhando para os suportes do caixão.

    – Como você sabe? – olhou pra mim espantado.

    – Imaginei... – resolvi, naquele instante, não falar nada a respeito dos suportes do caixão, até porque minhas suspeitas se confirmavam.

    – É melhor você não perguntar nada a ninguém a respeito dessa morte... é melhor!

    – Por quê? – estranhei a observação.

    – ... é melhor.

    Naquele momento o pastor fixou o olhar sobre mim e senti que deveria sair da igreja antes que fosse expulso. Caminhei lentamente até a porta sentindo o olhar do pastor a me seguir. Saí e fui afastando-me... alguns passos depois percebi que as luzes da igreja foram apagadas. Não sei se fiz certo em voltar lá, o fato é que saber que uma criança havia morrido naquela cidade não me fez bem algum e eu poderia, muito bem, ter ido embora sem passar por isso. Por mais que eu tente, sempre vejo crianças cruzando meu caminho... gritos e dor!

    Cheguei à casa da Sra. Stein tão rapidamente que tive a impressão de ter me materializado lá. Mas a melhor surpresa foi abrir a porta e encontrá-la com sua filha Sabrina, de mais ou menos quinze anos, sentadas à mesa e tomando uma deliciosa sopa quente, mas muito quente mesmo! A Sra. Stein delicadamente levantou-se e convidou-me a sentar com elas para jantarmos. Fazia tempo que não sentia tamanho acolhimento vindo de uma pessoa estranha. Essa senhora, que nunca havia me visto na vida, me tratava com uma gentileza que era muito mais que uma simples cordialidade, havia uma simpatia mútua. A filha dela também era bastante receptiva. Sentei-me e degustei a mais deliciosa sopa de ervilhas de minha vida. Fiquei até um tanto envergonhado pela quantidade que tomei, mas fiz tanta piada a respeito que as duas acabaram por se divertir. Preferi não falar nada sobre o que acontecera na igreja para não perdermos aquele clima tão amistoso.

    Quando terminamos de jantar, ajudei as duas a tirar a mesa e lavar as louças, em seguida sentamos próximos da lareira para conversar um pouco. Fiquei sabendo um pouco mais da vida das duas, mas em momento algum fizeram qualquer comentário sobre a tal morte e o velório que tanto me intrigavam. Quando já era por volta das onze e meia, resolvi me despedir e retirarme para o quarto. Foi uma noite complicada, cheia de sonhos estranhos e hipóteses aterradoras a respeito da morte da tal criança. Entretanto, o mal-estar era compensado pela cama que a Sra. Stein me ofereceu – uma das mais confortáveis que já havia dormido –, com isso, dava para entender o porquê dos estudantes procurarem a casa da Sra. Stein para passar o verão em Gateville.

    O verão deve mostrar faces muito bonitas da cidade, algo oposto do inverno, esta, sim, uma estação bastante triste em Gateville. Os moradores praticamente não saem de suas casas, e a vida torna-se muito solitária. Apesar dessa suposta beleza, não conseguia entender exatamente em busca do que os estudantes vinham para uma cidade como aquela, não percebia nenhum atrativo. Bastaria a doce hospedagem da Sra. Stein?! Pensando bem, a questão mais importante a ser resolvida não era a motivação dos estudantes, se ainda nem havia conseguido encontrar a cidade no mapa... mas isso fica para depois!

    4

    Na manhã seguinte, depois de tomar um café da manhã delicioso – preparado por Sabrina –, resolvi caminhar mais um pouco pela cidade antes de ir para Milwaukee. Por certo que Larry já devia ter colocado todo o FBI à minha procura, mas se eu ligasse para ele, com certeza seria convencido a abandonar tudo sem, ao menos, fazer uma pesquisa preliminar. Eu iria ao seu encontro... iria, sim, mas no momento precisava andar pela cidade e descobrir quem foi velado naquela igreja.

    Depois de deixar minhas pegadas em praticamente todas as ruas da parte central de Gateville, entrei numa estrada chamada Saint Laurent e fui afastando-me da cidade. Não havia nada de interessante naquele caminho, mas andei até chegar numa casa onde um senhor estava cortando lenha.

    – Esta que é a estrada Saint Laurent? – perguntei ao homem para tentar puxar papo e não parecer uma pessoa antipática.

    – O senhor está indo para o lago? – devolveu a pergunta, com bastante simpatia.

    – Na verdade, não, apenas estava caminhando e me disseram, lá na cidade, que esse era um bonito caminho para seguir.

    – Disseram isso para o senhor?! – estranhou a observação e parou definitivamente de cortar a lenha para olhar para mim.

    Senti que havia dito alguma coisa errada, mas não havia como voltar atrás naquele momento, o jeito seria tentar consertar.

    – Parece-me que no verão é um bonito passeio...

    – Alguns jovens vão até o lago no verão, mas por esse caminho é bem pouco provável, normalmente vão pelo outro lado da cidade que sai na parte norte do lago. Dizem que eles ficam todos nus e acampam por lá, mas isso não posso confirmar para o senhor.

    – Com esse frio vai ser um pouco difícil tirar a roupa para tomar um banho no lago!

    – Até mesmo desaconselho o senhor, porque o lago congela nesta época do ano.

    O velho senhor aproximou-se de mim e, vendo que eu estava tremendo de frio, convidou-me para tomar uma bebida quente. Mais do que depressa aceitei e entramos em sua casa. Era simples, mas muito bem arrumada. O nome desse senhor, de aproximadamente setenta anos, era John Reeberman. Vivia sozinho na casa desde a morte de sua esposa, há cinco anos. Depois do café, ele se mostrou bastante simpático, e nós ficamos sentados à mesa conversando sobre a grande vitória do Chicago Bulls na temporada da NBA, pelo menos era isso que ele me dizia, e eu, como não costumava acompanhar partidas de basquete, preferi simplesmente ouvi-lo. Ele parecia ser um profundo conhecedor do esporte, acredito até que o que sei hoje se deve a ele, exceto se ele me ensinou alguma coisa errada! Depois de mais de duas horas de conversa, tomei coragem e perguntei a respeito da razão pela qual ele estranhou quando disse que alguém da cidade tinha me indicado o caminho de Saint Laurent. Como ele já se sentia mais íntimo de mim, resolveu falar, mas com certa cautela:

    – As pessoas de Gateville estão querendo esquecer essa parte da cidade. Desde que aconteceu aquela tragédia, ninguém mais veio para esses lados.

    – O senhor está falando exatamente do quê? – perguntei, sentindo que havia realmente um mistério nessa história.

    – Com certeza não lhe disseram e nem vão dizer. A morte do menino... Tommy.

    – A criança! – pensei alto.

    – O senhor já sabe? – estranhou o Sr. Reeberman.

    – Não sabia quem havia morrido, mas estive na igreja ontem e tudo estava exatamente como no velório. Notei que uma criança havia sido velada.

    – Da maneira mais vil. Nunca tinha ouvido falar de crime tão bárbaro por essa região, acho até que em todo o Canadá.

    – O senhor quer dizer que o menino foi assassinado?

    – Quem fez isso ninguém conseguiu descobrir, mas ele foi encontrado numa casa abandonada próxima daqui, num estado que não consigo nem me lembrar. O pior foi que eu mesmo encontrei o corpo dele... tinha apenas dez anos!

    – Como foi isso? – perguntei com receio de ouvir o que o Sr. Reeberman tinha a contar.

    – Lá estava ele, deitado no assoalho da casa... os braços tinham sido quebrados, os olhos perfurados com chaves de fenda e em seu ânus havia três cabos de vassoura enfiados... Depois, ainda, o xerife descobriu que o menino havia sido assassinado a pancadas... Quando vi aquela cena pensei que estava no inferno... pedi que Deus aliviasse o sofrimento do menino, que ele já tinha sofrido o suficiente...

    Fiquei sem palavras e minha garganta secou no mesmo instante, novamente veio à minha mente as imagens das crianças espancadas com quem convivi por muitos anos, durante o tempo que trabalhei em meu livro. Dor de criança não é igual à de adulto... criança não pode sofrer, porque seu sofrimento dilacera a alma! Lembrei de Molly, uma menina de cinco anos que havia sido espancada por seu pai adotivo porque havia feito xixi na calça e molhado o tapete. O pai da menina chegou bêbado em casa e, ao perceber que Molly tinha feito xixi no tapete, quebrou as duas pernas dela com apenas uma pancada do taco de basebol, em seguida esfregou o rosto da menina no tapete para fazê-lo secar. O rosto de Molly ficou totalmente esfolado... Pobre Tommy... pobre Molly!

    – Ninguém sabe como isso aconteceu – continuou o Sr. Reeberman –, depois que o menino foi encontrado, descobriu-se que ele e mais três crianças tinham saído para brincar. Os três acabaram por se separar do Tommy na floresta. Nada mais se soube a respeito... pobre menino!

    – O xerife não encontrou nada?

    – Não havia o que ser encontrado, o menino já estava morto e ninguém mais conseguiria reverter isso. A cidade ficou muda desde então... toda a alegria que um dia existiu em Gateville morreu com aquela criança.

    – E os pais do menino?

    – O senhor pode imaginar como eles estão. Na verdade não mais vivem neste mundo, estes dias foram vistos no supermercado e na igreja, mas estão apenas esperando que o dia deles

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