Ritmos da Identidade: mestiçagens e sincretismos na cultura do Maranhão
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Ritmos da Identidade - Carlos Benedito Rodrigues da Silva
cotidiano)
1. INTRODUÇÃO
Este livro resultou de um trabalho de pesquisa para doutoramento, enfocando o impacto ocorrido no cenário cultural maranhense, por ritmos musicais que começaram a chegar à região, em meados da década de 1970, na dinâmica da mundialização da cultura (Ortiz:1984) e passaram a ser consumidos por diferentes grupos socais.
Refiro-me aqui, à produção e veiculação de ritmos musicais no movimento da globalização, levando em conta as discussões que gravitam entre as categorias tradição e modernidade, postulando os possíveis embricamentos e intersecções entre elas.
Meu objetivo é ampliar discussões que apresentei anteriormente, relacionadas ao meu projeto de dissertação de mestrado, desenvolvido no período entre 1985 e 1992, enfocando o universo de realização de festas ocorridas sob o ritmo jamaicano em São Luís do Maranhão, chamada de Jamaica Brasileira
¹.
Tomando como referência os movimentos de juventude que despontaram no mundo ocidental, a partir do final dos anos 1960, atingindo populações de várias partes do mundo, inclusive as que viveram a diáspora africana, assegurando algumas especificidades, interpretei as relações político-sociais estabelecidas através do reggae em São Luís, como um elemento significativo no processo de afirmação de identidade cultural e etnicidade, envolvendo amplos segmentos da juventude maranhense, até então escondidos
na periferia negra e pobre da capital São Luís. (SILVA, 1995).
Foi possível constatar através das observações relacionadas àquele trabalho que as atividades promovidas com o ritmo jamacano em São Luís, adquiriram um conteúdo social e político de amplas dimensões. Por um lado, atribuiu visibilidade a grupos da juventude negra, chamados regueiros, que tiveram seus territórios de mobilização redefinidos devido ao movimento das festas. Por outro lado, a dinamização das atividades ligadas ao reggae acirrou os debates sobre a identidade cultural maranhense entre grupos e indivíduos ligados às manifestações consideradas tradicionais da cultura popular local.
O reggae adquiriu um significado importante para a juventude negra da periferia, visto que além de se configurar como o principal elemento de lazer, contribuiu para a afirmação da identidade de regueiro entre esses segmentos.
Por outro lado, o ritmo é visto por alguns, estudiosos, folcloristas ou representantes das elites intelectuais maranhenses, como um estímulo à alienação e à destruição
do que entendem por identidade cultural pois, sendo algo que vem de fora
, se espalha na região como um elemento da massificação cultural, por força
dos programas de rádio e locomoção dos sistemas de som, chamados radiola², como a ameaçar a tradição
sedimentada popularmente pelas culturas locais
No entanto, mesmo provocando reações de aceitação ou rejeição entre diversos segmentos sociais, o reggae estendeu-se como uma atividade de lazer importante, também, para alguns setores não negros (artistas, intelectuais, estudantes e professores universitários, entre outros) que têm presença constante nas festas realizadas nos clubes mais próximos ao centro da cidade.
Foi estimulante observar, ao longo do desenvolvimento daquele trabalho, que alguns dos argumentos que apresentei, estimularam críticas e contestações, especialmente, no que diz respeito à sua caracterização também, como um movimento de afirmação da identidade cultural.
De acordo com Guerreiro (1996),³ após duas décadas de existência do ritmo jamaicano em São Luís, a imensa maioria dos frequentadores dos salões de reggae desconhecem o contexto sociocultural no qual esta música foi originada, a maioria deles não mistifica Bob Marley⁴, não compartilha a filosofia rastafari e ignora a trajetória de Marcus Garvey
⁵.
Ora, é preciso considerar que o reggae, enquanto elemento cultural produzido originalmente em outro contexto passa necessariamente por uma ressignificação ao chegar em São Luís. Neste sentido, são-lhe atribuídas outras características, em que talvez os componentes político-religiosos do rastafarianismo pregado por Garvey, e que tiveram uma importância significativa na constituição do reggae na Jamaica, não sejam reconhecidas no Maranhão com o mesmo grau de importância.
Assim, embora reconhecendo a pertinência desses questionamentos, entendo que a não-mistificação de Bob Marley ou a ausência de uma postura rastafari
entre os regueiros maranhenses não são suficientes para descaracterizar o reggae como um elemento importante no processo de afirmação da identidade para os segmentos locais.
Não se pode perder de vista que os segmentos populares constroem suas formas de explicitação dos seus sentimentos e de seus objetivos por caminhos próprios, impulsionados pelas especificidades socioculturais do seu