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Estrela
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E-book591 páginas7 horas

Estrela

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Sobre este e-book

Eliano só quer se apaixonar, como qualquer outro homem, e não admite que o fato de ser príncipe lhe tire esse direito. Seu pai, o rei da Ilha de Áster, o pressiona a escolher uma das moças da realeza, no entanto, o rapaz só tem olhos para a intocada sacerdotisa Selena, a única mulher que não pode desposar. Disposto a transgredir as leis que regem seus costumes e tradições a fim de viver esse amor proibido, o único herdeiro ao trono coloca em risco não só sua vida, mas também de todos os asterianos, ao dar início a uma cadeia de acontecimentos que resultará no fim cataclísmico de Áster e a extinção de seu amado povo. Ele não sabe, mas a bela e misteriosa jovem guarda um segredo capaz de enfurecer os deuses mais tiranos do Olimpo. E, depois do ato consumado, somente uma criança predestinada poderá salvá-los.
Josy Stoque, autora da saga Os Qu4tro Elementos, inova mais uma vez neste conto de fadas moderno, arrebatador e emocionante.
IdiomaPortuguês
EditoraBookerang
Data de lançamento17 de jan. de 2014
ISBNB00CW1J1QE
Estrela
Autor

Josy Stoque

Josy Stoque is a publicist by profession and author by vocation. She has been writing since discovering poetry as a child. Her debut novel, Marked by Fire, the first book in the Four Elements saga, was nominated for the 2013 Codex de Ouro Annual Literary Prize when published in Brazil in the original Portuguese. The second title in the series has also been published in Portuguese, and the author will release the remaining two books through Amazon’s Kindle Direct Publishing platform in 2014. Marked by Fire is her English-language debut.

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    Estrela - Josy Stoque

    Nebulosa

    Livro 1

    E eu vos direi: "amai para entendê-las!

    Pois só quem ama pode ter ouvido

    Capaz de ouvir e entender estrelas".

    OLAVO BILAC

    Prólogo

    A noite caiu e tocou aquela face da ilha lentamente como uma carícia. O vento trazido pela maresia agitava as longas e pesadas cortinas do castelo, cujo brilho estava ofuscado pela escuridão. Em um dos quartos, o ancião tomava nos braços a vida que chegava ao mundo naquele instante fugaz. Uma névoa colorida repleta de pontos brilhantes envolvia a pequenina.

    — Nasce hoje aquela que guiará este reino aos confins do mundo... — sussurrou maravilhado.

    Com o dedo indicador, o homem tocou a testa suave e lívida do bebê como se fosse um cristal delicado. Uma luz azulada piscou naquele ponto, revelando um círculo perfeito com dez pontas. Seu brilho opaco e singular se foi no tempo de uma piscadela. Somente o sol e a lua foram testemunhas silentes e petrificadas do nascimento da estrela.

    Capítulo 1

    a ilha brilhava

    A voz me chamava com tanta suavidade que era impossível ignorá-la. Ao abrir os olhos, primeiro constatei o quão cedo era. Não havia luz além do candelabro na mão da mulher sorridente que se curvava sobre mim no leito. Já devia estar acostumado àquele ritual semanal ordenado por meu pai, mesmo não concordando. Suspirei resignado. Não descontaria em Corina.

    — Bom dia, querido, hora de levantar.

    — Bom dia, tia.

    — Nélio e Megaron já estão à mesa nos aguardando.

    As refeições familiares eram encontros obrigatórios que Sua Majestade mantinha rigorosamente. Não podia me negar. Nós já éramos poucos demais desde o sumiço do meu avô, Basílio — quando meu pai teve que assumir o reino de Áster — e a morte de minha mãe, Catarina, no meu nascimento. E, depois que meus tios assumiram províncias distantes na ilha, ficamos somente nós quatro.

    Megaron, sereno, sentado na cadeira à direita do rei, como seu amigo e compadre — meu padrinho e, portanto, parte da família desde então —, era também mestre nas ciências, principalmente dos astros, que eu apreciava tanto. Apesar de sua presença ser considerada vital no reino, alguns ainda o consideravam mago e feiticeiro por seus conhecimentos que não remetiam aos deuses, mas a temas científicos.

    Zarek — cumprimentei meu pai, curvando-me diante dele, um dos costumes a que, mesmo como príncipe, deveria me submeter.

    Nélio sempre me dizia que, como herdeiro do trono, tinha que dar o exemplo aos súditos. A expressão traduzida dizia Deus proteja o rei.

    Zenir — respondeu meu pai com a mão sobre minha cabeça, como uma bênção, em sua voz de barítono.

    Essa saudação era reservada somente a mim: Dádiva de Zeus. Fora cercado por muitos mimos e carinhos durante toda a infância. Apesar de ter se fechado — segundo tia Corina — após a morte da rainha, a quem tanto amava, o rei nunca me culpara por isso. No fundo, era um sentimental e fazia tudo que eu queria. Apesar de ser um pouco rebelde, eu o respeitava muito.

    — Bom dia, Megaron — cumprimentei meu padrinho, sentando-me ao lado esquerdo do rei.

    — Bom dia, Eliano. Está pronto para ver a estrela da aurora?

    Antes que pudesse responder, meu pai se intrometeu.

    — De maneira alguma! — Sua voz continha a autoridade de sua posição. — O príncipe precisa estar presente na cerimônia semanal do Templo do Sol.

    — Se o senhor vai, meu pai — retruquei com calma e educação —, não vejo necessidade. Essa lição é deveras importante. Estamos aguardando o momento propício para vê-la já que o tempo chuvoso não permitiu.

    — Amanhã, Eliano — manteve o tom imperativo. — Estarei no conselho com os governadores, e você representará o trono no templo.

    Ergui minhas sobrancelhas, descrente.

    — Toda semana é a mesma coisa. Afinal, está fazendo política ou religião?

    — As duas coisas, meu filho, e você precisa aprender que uma caminha ao lado da outra para o bem do povo.

    — Ou de seus próprios interesses? Parece que essas reuniões só servem para silenciar os súditos. Até ousaram mudar as regras dos deuses.

    Calei-me diante do olhar que o rei lançou, fuzilando-me. Em seguida, apontou-o como uma arma fatal em direção ao meu mestre — ele sabia de onde vinham minhas ideias revolucionárias. Voltou-se para mim.

    — Em primeiro lugar, não mudamos as regras dos deuses. Eles não deixaram normas de adoração. E, desde quando esse culto atentou contra a vida humana, tivemos que intervir. Você devia ter orgulho, Eliano.

    E tinha. Bufei mentalmente e resignei-me a obedecê-lo e a guardar a lição. Além de rei, Nélio era meu pai, portanto precisava ouvi-lo. Ainda nasceria o homem que me faria crer que os deuses realmente existiam — ou que pelo menos se importavam conosco, como os asterianos piamente acreditavam. Era muito mais palpável para mim confiar na ciência, nos astros, nas estações que regavam a terra. Isso tudo podia ver, pegar e esperar.

    — Sim, senhor.

    Sentada ao meu lado, tia Corina apertou minha mão em punho sobre a mesa e deu tapinhas amistosos.

    ***

    Megaron não esperou o príncipe Eliano para seguir seu caminho. O rapaz não parecia com pressa em cumprir seu compromisso como herdeiro do trono, porém o mago tinha. Sim, a crendice popular estava certa, apesar de sua experiência com as ciências só evoluir. Para ele, a magia na verdade não passava de ciência controlada e manipulada.

    Só os ignorantes temiam o conhecimento. Não Megaron.

    No horizonte, além-mar, o azul-marinho tornava-se anil, o céu em degradê apontava o nascimento muito em breve de um novo dia. O mago teria apenas alguns minutos para ler as estrelas mais brilhantes daquele solstício de verão: as estrelas da aurora — aquelas que trariam notícias sobre o futuro.

    A ciência dos astros era exata para o homem que tanto vivera e aprendera com elas.

    Protegido pela montanha que era guarnecida pela torre mais alta da ilha, o castelo branco ficou para trás, enquanto Megaron subia apressado o caminho pedregoso. A encosta recortada era a própria defesa da capital de Áster. Seu abismo sem fim, com ondas quebrando violentamente nas rochas no sopé do morro, era intransponível.

    O oceano era a fortaleza contra invasão dos cruéis imperadores do oriente.

    O mago lembrava-se com tristeza da queda e deposição do rei Basílio. Tivera que organizar o povo contra os abusos do poder do pai de Nélio. Megaron sabia o quanto Áster era importante, não apenas por ser rica em recursos naturais e minerais, mas também por sua essência. Não permitiria que fosse violada pela ambição de um asteriano.

    As imagens daquele dia ficaram registradas em sua memória e saltaram agora diante dos seus olhos enquanto eles vagavam pelas belezas da ilha. O rei Basílio estava organizando uma guerra. Queria levar o exército para o continente e conquistar os outros povos. A superioridade material e intelectual de Áster havia acendido sua ganância por posses.

    Os asterianos não estavam acostumados com sangue, e sim com luz. Basílio desejava tingir a bela ilha de vermelho, separar e destruir famílias, dizimar o povo, incitar a retaliação, e em troca de quê? Áster já tinha tudo, muito mais do que os outros sonhavam em possuir. O povo ergueu-se em protesto, e o rei fugiu da ilha, sozinho e desmoralizado, em um barco pequeno.

    Aquele lugar abençoado pelos deuses não merecia pagar pelo erro de um único homem.

    Estivera por perto quando Nélio assumiu o governo, ainda muito jovem, e orientou-o a efetuar as mudanças necessárias em prol dos asterianos, principalmente em relação à adoração fanática aos deuses. Não era descrente, mas sacrifícios humanos eram descabidos. Precisavam encontrar um equilíbrio.

    Na parte administrativa, Sinésio, o conselheiro do reino, foi de grande valia. Era um homem sábio e nada arrogante. Andava no meio do povo, ouvindo as lamentações e queixas. Sabia onde acertar. Os recursos passaram a ser divididos com o máximo de igualdade possível entre todos, e os asterianos não passavam mais fome nem necessidades.

    Nélio se tornara um rei amado.

    Megaron pretendia, com toda a sua influência e experiência, tornar Eliano ainda mais adorado pelo povo. O rei ainda cometia alguns erros que o príncipe não o faria. O jovem fora educado com mais racionalidade, tornando-se bem mais prático que seu sensível pai. Saberia governar mais objetivamente, incluindo o delicado assunto religião.

    O rapaz era rebelde e afoito sim, mas a maturidade iria lhe trazer uma visão aguçada que faria com que sempre desse ouvidos a ele, o que nem sempre acontecia com Nélio. O mago até acreditava que o jovem respeitava mais o padrinho do que o próprio pai. E tinha adoração pela tia, que fora sua mãe para todos os efeitos.

    Tirando de sobre os ombros o manto grosso e claro, Megaron estendeu-o na grama úmida da clareira aberta no topo da montanha. O céu de Áster era sempre magnífico, mesmo quando nublado. A lua era estranha ali, parecia sempre mais brilhante do que o normal. Sua luz nunca se extinguia, mesmo escondida pelas nuvens densas das últimas chuvas.

    Acreditava que os astros queriam dizer algo há algum tempo.

    ***

    Aquele manto azul pesava sobre meus ombros, mas não apenas por sua confecção em fios de ouro, que formavam o brasão, símbolo da família real de Áster, da qual eu era o único herdeiro. No centro do signo, a união dos luminares naturais: o sol, a lua e a estrela. A responsabilidade de minha posição como príncipe me afligia. Não que estivesse despreparado — ao contrário, fora criado desde meu nascimento para aquela função, que cumpria com perfeição até o momento —, porém, era um fardo.

    Talvez seria bom ser apenas um jovem no meio do povo, não um príncipe.

    E aquele era um desses momentos em que eu desejava ter nascido em um lar camponês, talvez na Província da Floresta. Amava o verde e os animais, ficaria muito bem por lá. E era uma terra central, que praticamente vivia do que plantava, quase sem contato nenhum com o litoral e as outras regiões. Poderia me casar com quem quisesse, criar meus filhos soltos e ser totalmente livre.

    O lembrete de meu pai ao sair do palácio deixou-me mais taciturno.

    — Eliano, dê atenção às suas primas, sim? — dissera, sorrindo com malícia.

    Nélio não me impunha um casamento arranjado, mas praticamente me empurrava para os braços de Karina ou Larissa. Para ele, não importava qual eu escolhesse, desde que concordasse com sua preferência em manter o reino entre os de sangue real. Reconhecia sua intenção porque nem falava de Menandro e Dirceu, que também eram meus primos e estariam lá. Ele pensava que havia passado da hora de me casar e garantir um herdeiro para o trono, já que completara vinte e uma primaveras.

    Mas eu queria me apaixonar.

    Estava esperando a mulher da minha vida aparecer, o que ainda não tinha acontecido. Podia entender a dor pela qual meu pai passou ao perder minha mãe, mas não podia compreender seu receio de que eu provasse esse sentimento. Não era mais importante minha felicidade do que um reino inteiro? Por que ele não se casara de novo para garantir mais herdeiros ao trono? Afinal, se algo acontecesse comigo, o reino passaria para um de meus parentes próximos.

    Encontrei meu cavalo branco selado em frente ao castelo. Um cavaleiro segurava as rédeas e sorriu enquanto eu descia as escadarias brancas.

    — Bom dia, Alteza. — Curvou-se acentuadamente quando meus pés tocaram o solo úmido.

    — Por favor, Eraldo, não precisa disso — resmunguei rabugento, afastando o manto para subir na montaria.

    — Prefere príncipe? — perguntou, erguendo o tronco e permitindo que eu visse seu riso frouxo.

    Bufei, encaixando o pé na sela e tomando impulso para montar.

    — Somos amigos, não precisamos de tais formalidades — retruquei altivo e raivoso.

    — Mas agora estou a serviço de Sua Alteza Real, príncipe Eliano, portanto devo conceder-lhe o tratamento devido.

    — Odeio babás — resmunguei para mim mesmo.

    — O que disse?

    — Nada.

    Sem esperar mais palavras, apertei as ancas do cavalo com os calcanhares, e ele começou a trotar para longe do cavaleiro. Ouvi-o gritar atrás de mim.

    — Espere, Eliano!

    Sorri satisfeito. Pelo menos parou com aquela bobagem de me chamar pelo título. Escutei o som de um trote atrás de mim. Ele era bom cavalgando, não fora à toa que se tornara cavaleiro da guarda real. E, como o evento era público, eu não podia ir sozinho. Mas estava feliz por Eraldo ter sido escolhido pelo capitão, ao menos era um amigo e tornaria aquilo tolerável.

    — Não entendo por que se irrita tanto com sua posição. Temos que aceitar nossos destinos, Eliano.

    — Aceitei o meu, caro amigo, só não estou em um bom dia.

    — Compreendo — respondeu pensativo. — Quer falar sobre isso?

    — Não.

    — Tudo bem.

    Dessa vez bufei mentalmente. Era irritante como seu lado serviçal falava alto diante de minhas palavras de ordem. Queria que insistisse e me convencesse a me abrir, como faria em outra ocasião. Mas não, ele realmente estava agindo como deveria, submisso à vontade de Sua Majestade e de seu comandante. Realmente não estava de bom humor para conversar naquela manhã.

    Prendi meus olhos no horizonte enquanto meu cavalo trotava de leve, sem pressa alguma, como eu desejava.

    O caminho era o único prazer naquela missão. Não conhecia as terras além-mar. Como todos os outros asterianos, tinha aversão aos povos do continente, que viviam em guerra e derramavam sangue inocente por pura ganância. Estávamos felizes isolados no meio do oceano. Sabia que meu avô partira desmoralizado da ilha depois que tentou trazer aquele massacre para nosso seguro e despreocupado lar. E esse era um dos milhares de motivos pelos quais nenhum de nós conhecia outro reino a não ser Áster.

    Ainda assim, maravilhava-me e duvidava que outro lugar possuísse a mesma beleza da ilha. Segundo Megaron, que já viajara para várias partes do mundo, era única. Um festival de cores e reflexos se descortinava diante dos meus olhos. De dia ou de noite, a ilha brilhava. Meu padrinho também me dissera que de longe, do mar, dava para avistá-la.

    Era um verdadeiro farol natural no Oceano Sem Fim.

    O sol começava a tocar a água infinita à distância, tingindo o azul de laranja. Enquanto nos aproximávamos do templo, o luzeiro amarelo parecia seguir o caminho inverso para alcançá-lo. E, quando subimos a pequena colina, o sol também esticou seu braço e acariciou o monumento erguido a ele. O brilho dourado ofuscou minhas vistas. Talvez os deuses realmente existissem e se manifestassem daquela maneira.

    Pelo espetáculo e pelo brilho a que assistia agora, valia a pena aquela jornada que se findava.

    ***

    O burburinho de diversas vozes, graves e finas, brutas e gentis, misturava-se com o som das xícaras tilintando no salão oval. Todos os governadores das dez províncias de Áster estavam reunidos na imensa mesa de madeira maciça, aguardando a entrada do rei e o início do conselho. Ali seriam tratados assuntos de extrema importância para os ilhéus.

    O conselheiro Sinésio abriu a pesada porta e anunciou a chegada de Sua Majestade. Os governadores se puseram de pé para recebê-lo. Um homem grande, perto da cabeceira onde o rei sentaria, fez uma cara de nojo. Era Orestes, duque da Montanha, irmão de Nélio e pai das pálidas Karina e Larissa.

    Na outra ponta, estava um homem diferente, desde as feições até o olhar amistoso. Irineu, o conde do Vale, era genitor dos primos de Eliano, Menandro e Dirceu. Sua relação com o irmão e rei era mais pacífica. Nélio passou por cada governador balançando a cabeça em um leve cumprimento e, para os dois últimos, dedicou um sorriso, chamando-os pelos nomes, uma forma mais carinhosa de tratamento pelo parentesco.

    — Qual a pauta, Sinésio? — perguntou ao se sentar e ser acompanhado por todos.

    O conselheiro estava em pé do lado direto e um passo atrás da alta cadeira de Nélio. Sua voz soou cheia de orgulho e prepotência, como exigido em uma notícia de grande importância. Desenrolou um pergaminho de forma pomposa e pigarreou antes de começar a falar.

    — Da província da Floresta, o excelentíssimo barão Dário traz ao conselho o problema da madeira acumulada devido ao lento escoamento até o porto. — Um sorriso cínico surgiu no rosto de Orestes, o duque da Montanha. — Da província do Vale, o digníssimo conde Irineu requer uma solução urgente para o abastecimento de água, já que a seca começará em breve. — Os olhos do citado permaneceram fitos no rosto do conselheiro enquanto este enumerava todos os assuntos da reunião.

    Ao final, o rei deu a palavra aos governadores para que discorressem sobre cada situação e, assim, os outros pudessem conhecer melhor os pormenores. A discussão tornou-se acalorada. Sinésio teve trabalho para organizar as ideias, todo o protocolo caindo por terra com a algazarra. A disputa de egos era grande.

    Algumas boas soluções, no entanto, foram apresentadas.

    — Usaremos a correnteza do rio para escoar a madeira para o mar.

    — Precisamos criar tinas enormes para armazenar a água antes que o nível do rio baixe.

    — Devemos abrir clareiras na floresta para que a luz entre. É muito escuro e úmido lá.

    Essa última declaração fez com que Irineu, o conde do vale, batesse furiosamente a mão sobre a mesa.

    — Jamais destruiremos a floresta por um motivo tão desproposital.

    — A derrubada de árvores para construções é mais importante? — cortou Orestes.

    — Senhores! — A voz do rei se fez ouvir sobre os murmúrios. — Ordem, por favor.

    — Todas as árvores derrubadas são replantadas — acrescentou Dário, o barão da Floresta.

    — A luz é nossa energia vital, caro barão — retrucou plácido. — A floresta está carente deste calor.

    — Caro duque, a floresta está como os deuses a fizeram — respondeu o contestado educadamente. — E, o que utilizamos, devolvemos de bom grado. Não devemos enfurecê-los.

    — Concordo — esbravejou o conde. — Os deuses sabem ser vingativos.

    — Senhores, não me lembrava de religião estar em pauta — ironizou o duque.

    A balbúrdia recomeçou. Todos falavam ao mesmo tempo, e Sinésio tentava acalmar os ânimos. Nélio suspirou ruidosamente. Seus irmãos sempre traziam à tona durante as reuniões suas divergências como desculpas para discutirem. Sabia o quanto Irineu era idealista, mas o realismo ultrajante de Orestes irritava até mesmo a ele. Porém, por ser o rei, não podia tomar partido.

    Antes que decretasse silêncio pela última vez, já que sua paciência estava no limite, a porta do salão foi aberta estrondosamente, calando a todos com o susto. O manto alvo com o qual o mago estava coberto arrastava no chão, deixando folhas e grama que ali se agarraram e tingindo o tecido de marrom em alguns pontos. Caminhou apressado ao encontro do rei.

    — Você não pode interromper o conselho assim, Megaron — interpôs-se Sinésio.

    — Majestade. — Curvou-se o cientista diante do empecilho. — Trago notícias das estrelas.

    Pela voz grave e afoita do mago, o rei se ergueu assustado. Sempre confiaria nele.

    — O que elas disseram? Fale logo, homem! — bradou.

    — Áster será destruída.

    ***

    Como de costume, o templo estava lotado quando Eraldo e eu o adentramos. A comoção geral com nossa chegada quase me deu náuseas. Por que tinham que se curvar diante de mim como se fosse um deus? Aquilo era tão errado! Eu me sentia igual a eles. Odiava ser visto como alguém melhor, superior ou privilegiado, apesar de ter consciência de meu papel dali a uns anos naquela sociedade.

    Tentaria fazer um governo diferente, ainda melhor do que o de meu pai.

    Sorri para todos, cumprimentando com um leve aceno de mão, de maneira cortês. Os camponeses estavam ao fundo; os comerciantes, ao centro; os nobres, à frente; e, na primeira fileira de bancos dourados, a realeza, onde as esposas de meus tios e seus filhos se sentaram. Havia um lugar vago, que seria ocupado por mim ou pelo rei. A guarda particular de cada um estava de vigília na parede oposta.

    Aquilo era ridículo. Como meu pai, que se dizia um rei justo, permitia tanta desigualdade?

    Diante dos meus olhos, a duquesa da Montanha, mãe de minhas primas Karina e Larissa, as separou para que sobrasse espaço apenas entre elas. Suspirei resignado. Eu fui muito bem educado, jamais as destrataria por sua inconveniência. Pelo visto, não era apenas o rei que desejava um casamento por interesse. Antes de sentar-me, meus olhos cruzaram com duas bolas escuras, emolduradas por cabelos dourados como os meus, mas sua pele era alva, bem diferente da minha.

    Cléo. Inegavelmente bonita. Uma beleza de escultura que devia ser admirada. Somente isso.

    Não havia emoção quando meu olhar tocava o dela, nem o de nenhuma das outras mulheres presentes naquele recinto. Todos me fitavam na expectativa, e o sacerdote Glauber só deu início à cerimônia em adoração ao sol quando me sentei. Meus pensamentos divagaram automaticamente para o céu. O amanhecer levava com ele a última chance de avistar a estrela da aurora.

    Não era para eu estar naquele templo.

    Pus-me a encarar o vazio fixamente para que não percebessem minha distração. Devia dar o exemplo, primeira lição de um príncipe. Segunda, e mais importante: tomar as melhores decisões pelo povo. Na visão de meu pai, isso incluía um casamento. Mas como me entregar para qualquer uma daquelas mulheres? Larissa e Karina, tão parecidas, pálidas e sem graça? Cléo até era interessante, mas sua beleza não me despertava nada.

    O que esperava que acontecesse? Uma comichão na nuca? Um salto desgovernado do coração?

    Não sabia. Nunca havia me apaixonado. Como saberia que finalmente aconteceu? O farfalhar da túnica longa e pesada do sacerdote invadiu meus pensamentos e confundiu-me por um instante. Meus olhos vagaram em sua direção. O manto dourado que o cobria quase se fundia às paredes do templo. Então o vulto que passou por trás dele despertou meu interesse.

    Era uma mistura de branco e preto. Ajustando o foco da visão, a vi pela primeira vez. Foi naquele momento que tudo começou.

    Capítulo 2

    anoitecendo meu viver

    Era uma mulher. Pelos trajes cerimoniais, uma sacerdotisa. Tinha certeza: nunca a vira antes, em parte alguma de Áster. Seria forasteira? O fato de não conhecê-la era explicado por sua função no templo. Sob o capuz branco, seus fartos cabelos negros e brilhantes escapavam como se quisessem fugir daquela prisão imposta.

    Seus olhos prateados — cinza como o luar — encontraram-se com os meus — dourados como o sol.

    Sua pele pálida era de uma beleza de mármore, da mais perfeita peça. Havia achado Cléo a moça mais bela da ilha? Ainda não havia visto aquela menina, escondida sob o manto alvo e puro, tão intocada quanto deveria ser. Mas como uma jovem tão linda ousava enterrar-se na religião e tornar-se inatingível, proibida para qualquer homem que a desejasse como mulher?

    Ela era apenas dos deuses.

    Naquele segundo de contato, com a bacia dourada cheia entre as mãos, os olhos de luar aqueceram-se nos meus, parecendo prata derretida. O capuz, que teimava em cobrir sua fronte, escorregou de maneira despreocupada e sem alarde, mas notei a cascata negra que se desenrolou até o meio de suas costas, anoitecendo o meu viver. Sua palidez natural corou como um rubi.

    Que preciosidade!

    De repente, o prata virou branco; o branco, negro; e o negro, dourado. Ela desaparecia atrás da porta como o amanhecer. Eu me ergui em um salto disposto a partir em seu encalço, mas o murmúrio de assombro me fez estacar. Os olhos estavam arregalados — diria até horrorizados — sobre mim. O cochicho era quase palpável, uma presença real no templo.

    Demorei a entender que eu não era a causa.

    ***

    O espanto foi geral. De camponeses a nobres, todos — menos o distraído Eliano — estavam assombrados com o que acabara de acontecer. O sacerdote Glauber paralisara no meio do ritual em choque. Suas vistas pareciam perdidas em algum lugar entre o dourado proeminente e o manto branco que ficou invisível velozmente.

    — Onde já se viu uma sacerdotisa descobrir a cabeça? Ainda mais no meio de uma cerimônia!

    — Sua beleza foi entregue aos deuses, nenhum homem pode olhá-la.

    — Que pecado! Que os deuses absolvam nossos olhos por esta ofensa.

    Saído do transe, o sacerdote pigarreou, acabando com os bochichos que viravam fofoca audível.

    — Irmãos e irmãs, desculpem a jovem sacerdotisa. Está há pouco tempo no serviço ao templo. Que os deuses nos perdoem a todos. Rezemos.

    Na última fila, a carranca de megera da ex-sacerdotisa Ofélia era de dar medo no pobre jovem que se encolhia tenso ao seu lado. Parecia que rangeria os dentes a qualquer momento, mostraria as garras e desossaria o rapaz amedrontado.

    — Pare de tremer, Otacílio. Levanta logo, garoto lerdo. Vamos sair desse antro de perdição.

    O rapaz devia ter no máximo quinze anos. Resmungando como se choramingasse, levantou-se, revelando a perna coxa que precisava arrastar enquanto caminhava com dificuldade para fora do templo.

    A relação de Ofélia com os deuses se partira há muitos anos, quando fora expulsa da ordem das sacerdotisas pela mesma negligência que a novata acabara de cometer na frente de todos. Só que, no seu caso, fora somente para um homem, o único por quem fora apaixonada e se entregara sem pudor ou consciência, no auge de sua mocidade.

    Nunca saberiam do ocorrido se o sacerdote Glauber não reivindicasse sua mão em casamento — o único homem que tinha permissão de possuir uma intocada — e descobrisse que ela estava escondendo uma gravidez. Fora o maior escândalo em Áster depois da deposição do rei Basílio.

    A jovenzinha que fora, por pura inocência, colocara a culpa no fruto de seu pecado e espancara a barriga que não parava de crescer e a denunciava como uma perdida. O parto fora cruel e sem emoção. Alguém lhe dissera que a criança havia nascido imperfeita, e ela nem o olhara. Nunca o viu nem soube para onde o levaram.

    Do lado de fora do templo dourado, o sol já havia nascido, e seu esplendor multiplicava-se em milhares de facetas coloridas quando tocava Áster. Ofuscou a visão de Ofélia por alguns instantes até que ela se acostumasse com o bombardeio de luz — o que acontecia todas as manhãs, principalmente ali no litoral.

    Enquanto bufava impaciente para o rapaz que lhe era uma espécie de ajudante, percebeu um vulto branco entre as árvores passar depressa. Intrigada, estreitou os olhos, e então um vulto azul, suave e fácil de notar, seguiu o primeiro. O coração da ex-sacerdotisa parecia que saltaria pela boca.

    — Sacrilégio!

    ***

    Corria, mas a moça, com os cabelos negros e longos voando ao sabor do vento, sumia de repente. Não podia deixar que aquela linda jovem se acuasse de medo e horror por um deslize tão inocente. O povo era maldoso demais. Antes de sair do templo por uma porta lateral, aproveitando a distração dos fofoqueiros, livrei-me de Eraldo com um gesto de ordem.

    Ele ficou em um impasse: desobedecer a mim ou a seu superior?

    Quem sabe, se dissesse à moça que era príncipe, ela se acalmasse e me ouvisse? Quando me tornasse rei, acabaria com aquilo de uma vez por todas. Que absurdo, pelos deuses! E os fanáticos poderiam se revoltar o quanto quisessem, aquela discriminação descabida teria fim no meu reinado. Era uma promessa que fazia por aquela menina assustada.

    Um farfalhar de folhas chamou-me a atenção. Alguém estaria me seguindo?

    — Eraldo? — chamei, parando o passo e olhando na direção do som.

    Silêncio, quebrado apenas pelo canto dos pássaros nas copas das árvores. O som de um galho partindo, na direção oposta, fez-me continuar em frente. Vi que o manto branco sumia atrás de um tronco largo e voltei a correr. Acabei em uma clareira enorme, completamente desabitada, cujo chão estava coberto por flores silvestres coloridas. Somente o vento agitava os caules finos e as pétalas delicadas.

    — Senhorita, onde está? Não tenha medo. Não lhe farei mal.

    Estava perdido. Não tinha ideia de que direção ela tomara enquanto estava parado no centro do círculo perfeito. Que perseguição mais inútil! Para ela, jamais importaria meu título. Eu era um homem como outro qualquer, e isso a tornava proibida para mim também, mesmo que fosse apenas para meus olhos ansiosos. Quando não queria, meu sangue real pouco importava.

    O destino caçoava de mim.

    ***

    Eraldo estava a ponto de caçá-lo pela floresta litorânea que se adensava conforme corria encosta abaixo rumo ao interior da capital de Áster. Segurando ambas as rédeas, tanto do cavalo branco do príncipe como do seu negro, estava consumido pela ordem de Sua Alteza. Ainda que fosse superior à de seu Capitão, sabia que não escaparia de um castigo pela desobediência.

    A cerimônia fora breve. O sacerdote Glauber não conseguiu prender a atenção dos presentes. Eliano e a sacerdotisa — que ninguém conhecia nem sabia o nome — eram o assunto na boca de todos. Uma tragédia grega era anunciada, e Eraldo temia que o príncipe estivesse se afundando mais no problema ao perseguir a bela jovem.

    Até o cavaleiro notou a beleza singela da moça.

    Também sabia que o fato de ser príncipe não amenizaria a crise que o rei teria que administrar caso Eliano seguisse em frente com isso. Eraldo estava tão preocupado que esse pensamento o fez decidir. Precisava encontrá-lo e impedi-lo antes que fosse tarde demais. Estava montando o cavalo para alcançá-lo mais rápido quando o viu surgir entre as árvores.

    — Pelos deuses, Eli... Alteza! — Estava em público e não poderia tratá-lo da mesma maneira reservada como quando estavam a sós. — Deixou-me preocupado, príncipe.

    O uso exagerado de adjetivos não agradou Eliano, que fez uma careta ao amigo, porém não retrucou. Também estava consciente das testemunhas, apesar de seu olhar parecer distante e derrotado. O que teria acontecido?

    — Vamos logo para casa — disse apenas, saltando para a cela de seu cavalo.

    O manto real estava imundo pela corrida na mata, notou Eraldo. Galhos, folhas e flores estavam presos na ponta larga. O príncipe parecia murcho e sem vida. Onde estava toda sua pompa? Cavalgar era algo que lhe dava prazer.

    — O que houve, Eliano? — perguntou o cavaleiro quando se afastaram do templo.

    — Nada.

    — Você e aquela moça...

    — Não aconteceu nada, Eraldo.

    Por que tão nervoso?

    — Ainda bem — retrucou aliviado. — Você sabe os problemas que poderia acarretar.

    — Sim.

    — Fiquei com medo. Afinal, nunca vi um príncipe tão propenso à rebeldia.

    — Já entendi, Eraldo. Por favor, chega de falatório, tudo bem? Já basta o sacerdote Glauber e sua ladainha.

    — Se não queria conversar, era só me dizer.

    — Estou tentando desde o momento em que nos reencontramos no templo.

    O cavaleiro suspirou resignado.

    — Entendido, Sua Alteza.

    Salientou o título esperando que ele reagisse da forma habitual, porém o silêncio foi sua resposta. Nunca vira Eliano tão taciturno. Por mais que volta e meia se revoltasse com algo, nunca parecera tão mal-humorado. O que será que estaria pensando a ponto de torná-lo — Eraldo buscou a palavra que definiria melhor — tristonho?

    O príncipe o acompanhou até o estábulo. Quando desmontaram, o cavaleiro não resistiu a uma brincadeira antiga. Seria impossível que o amigo se negasse, tinha certeza.

    — Eu o desafio, príncipe herdeiro, a um duelo. — Desembainhou a espada com destreza, como em um verdadeiro combate, e apontou a afiada lâmina contra o peito do adversário, um sorriso sarcástico no rosto.

    Eliano riu fracamente.

    — Hoje não, Eraldo.

    — Covarde! — brincou o cavaleiro, mantendo a arma em riste diante do príncipe e retendo seu passo. — Um homem na sua posição não pode fugir à luta.

    — Eu? Fugir? — O sorriso de satisfação se ampliou no rosto bronzeado do príncipe. — Só não quero humilhá-lo mais uma vez.

    — Será a minha revanche, Alteza. — Eraldo impunha sarcasmo à voz. — Não tenho medo de desafiá-lo.

    Eliano desembainhou sua espada, que reluziu em metal precioso à luz do sol.

    — E nem eu de aceitar. Conheço bem meu oponente. Seus pontos fortes e fracos.

    O príncipe mal terminou a frase e já investiu contra Eraldo, afastando a lâmina prateada de seu caminho. Girou o braço ao mesmo tempo que abaixava a arma do cavaleiro e trazia a sua de volta, pronto para golpear seu elmo.

    O amigo sorriu satisfeito. Aquele era Sua Alteza, que estava acostumado a ver e admirar. Por ele avançaria na frente de uma tropa em uma guerra; por ele morreria, se isso garantisse sua sobrevivência; por ele se ajoelharia com orgulho, diante de seus feitos grandiosos como o soberano de Áster.

    Rápido, como havia aprendido em seu treinamento, Eraldo interrompeu a investida de Eliano. O som das lâminas se encontrando chamou a atenção de outros componentes da guarda que estavam descansando nos arredores. Os curiosos se aproximaram para assistir à luta.

    O cavaleiro sabia que era bom, mas também não podia negar o talento nato que o príncipe possuía. Teria algo a ver com seu sangue azul? Duvidava. Provavelmente relacionava-se com sua personalidade guerreira. Isso lhe dava vantagem estratégica e percepção mais aguçada.

    Eliano avançava ferozmente sobre Eraldo, obrigando-o a afastar-se e defender-se na maior parte do tempo. Por isso, o cavaleiro pouco investiu, perdendo a oportunidade de sua revanche. Tentava pelo menos garantir que o príncipe não o tocasse de fato.

    De repente, o olhar de Eliano se perdeu em algo ou em algum pensamento que Eraldo nem imaginava o que seria. Aproveitou a distração do príncipe para o golpe final. Derrubou a espada da mão do adversário, que mal se mexeu, e tocou com a ponta o escudo de Áster bordado no peito do príncipe, exatamente no ponto onde estaria seu coração.

    — Fim da linha! — vibrou, e também os que assistiam.

    Com os olhos fixos além do cavaleiro, Eliano não reagiu. Da entrada do castelo, vinha Megaron com uma expressão sombria, passos rápidos e largos demais para a idade marcada em sua fronte.

    — Príncipe Eliano, sua presença é convocada no salão oval — anunciou o mago.

    ***

    Conhecia muito bem meu padrinho para saber quando algo nada bom estava acontecendo. Quando o vi descer as escadarias brancas do castelo com seu manto claro, soube que lá vinha algo sério, muito sério. Mas claro que minha mente nem cogitava algo do tamanho de Áster. Ou contra a ilha. Sempre a vi como uma grande fortaleza, indestrutível.

    Estivemos errados o tempo todo.

    — Mas como destruída, Megaron? Haverá uma guerra? E quando, pelos deuses? — perguntei enquanto o acompanhava até o salão oval a passadas longas e apressadas.

    — As estrelas não dizem tudo, jovem príncipe, já devia saber disso. — Típico dele repreender-me agora. Será que não percebia o quanto aquela notícia me deixava nervoso? Amava a ilha, para mim uma herança preciosa. — Gostaria muito de ter essas respostas, mas só há um anúncio a fazer, e quis que participasse porque os governadores se descontrolaram e seu pai precisa de seu apoio.

    — Aposto que tio Orestes bateu o pé para expulsá-lo de novo do reino — bufei com raiva.

    — Muito pior que isso, meu rapaz. Seu tio Irineu e o barão Dário também se manifestaram e não concordaram com minha interrupção trazendo uma notícia conseguida através de bruxaria. — Megaron desenhou as aspas no ar com os dedos. — O reino possui assuntos concretos e reais para tratar. Palavras deles.

    — Há muito que mudar nessa ilha, começando pelos governantes.

    Chegamos ao salão onde a batalha fora iniciada. Estava muito pior do que meu padrinho descrevera. Meu pai havia perdido totalmente o controle da situação: os governadores discutiam entre si aos berros, e Sinésio batia o cedro no chão pedindo ordem sem que ninguém ouvisse. Tentei chamar a atenção do rei e, diante da confusão, foi inútil. Decidi que acabaria com aquilo agora mesmo.

    Tomei o cedro real da mão do conselheiro, que se virou espantado para mim, notando-me finalmente.

    — Príncipe, o que pretende...

    O som do vidro se espalhando em milhares de cacos o interrompeu, e o silêncio se tornou uma nuvem pesada na grande sala branca. Eu me escorei no cedro, enquanto os governantes, inclusive meu pai, olhavam horrorizados para a grande e colorida janela que se tornara vidro quebrado pelo chão.

    — Eliano, o que você fez? — O rei ergueu-se de sua cadeira.

    — Precisava da atenção de todos. Desculpe-me pelo estrago. Aposto que os artesãos da montanha não verão problema nenhum em construir uma nova vidraça, não é mesmo, tio Orestes?

    — Claro, meu sobrinho, mas o...

    — A janela não importa agora, senhores — interrompi. — Como meu pai disse no café da manhã, esse conselho existe para tratar de assuntos referentes a Áster. Eu, como príncipe herdeiro do trono, e meu pai, como o atual rei, concordamos em ouvir o que Megaron tem a nos dizer.

    — Príncipe — interrompeu-me Dário —, é muito jovem ainda para...

    — Barão, me perdoe por minha audácia, mas talvez Vossa Excelência esteja precisando renovar seus conhecimentos.

    — Eliano! — bradou meu pai.

    — Peço perdão novamente. — E sentei-me na primeira cadeira vaga ao lado do rei. — Não estou aqui para falar, mas para ouvir. Por favor, Megaron, estamos aguardando.

    — Majestade — começou a retrucar o conde Irineu. Constatei com tristeza que até o tio bom estava bandeando para o lado mau —, não concordamos em dar ouvidos para superstições.

    Suspirei ruidosamente. Meu pai havia sido benevolente demais com aqueles governadores. Talvez tenha assumido o trono muito

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