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E-book169 páginas2 horas

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Sobre este e-book

Inês é uma rapariga como muitas outras, ao mesmo tempo assustada e entusiasmada com a entrada para a faculdade às portas de uma idade adulta que traz consigo um novo sabor à sua vida. Com dezoito anos não sabe o que é o amor, mas procura-o com todas as suas forças, sem nunca, ainda, o ter encontrado.
É então que, num rodopio de festas, se apercebe de que o retrato do príncipe encantado que foi aperfeiçoando ao longo dos anos não é uma utopia, quando conhece Manel: um rapaz que lhe parece demasiado perfeito para ser real, mas que a inebria com a sua autoconfiança, com o seu poder de sedução e com os seus jeitos cuidadosos de a acarinhar.
Mas o instinto de Inês não a traiu e Manel é, de facto, demasiado perfeito para ser real. O problema é que ela só se apercebe disso quando já tem os olhos cegos para o mundo e não vê nada mais do que aquele homem feito à sua medida.
E como nenhum pretende ser um mero passageiro no comboio da existência do outro, contam-nos uma história de amor e de amizade onde a confiança desempenha o papel principal na concessão de segundas oportunidades. E a dúvida prevalece: é possível uma pessoa mudar?

IdiomaPortuguês
EditoraSara Trigo
Data de lançamento3 de set. de 2013
ISBN9789892040899
Confio
Autor

Sara Trigo

Sara Trigo Calheiros nasceu no Porto em 1987 e desde então procura encontrar respostas para todas as perguntas imagináveis. Licenciada em Línguas e Literaturas Modernas na FLUP e com Mestrado em Tradução e Serviços Linguísticos pela mesma faculdade, dedicou-se à tradução até ter descoberto o apelo do mundo das IT. Viveu no Porto, em Paris e em Londres e atualmente vive em Lisboa, onde divide a criatividade pela escrita, a fotografia e tentativas de muitas outras artes. Em 2015, publicou a sua primeira obra, uma coletânea de contos intitulada "Lado lunar". Escreveu para o Público P3 e pode ser encontrada no blog shortstorytellerweb.wordpress.com e no instagram como @theshortstoryteller.

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    Confio - Sara Trigo

    Muitos dizem que o amor mata, outros dizem que enriquece. Outros, até, não acreditam nele. Como é possível não acreditar no combustível de uma vida? Amamos as pessoas, os animais, as cidades, as culturas, as músicas, as paisagens. Amamos o ócio e o desporto. Amamos dançar e beber. Amamos dormir. Amamos, a cada momento, passo a passo, tudo e todos. Ou quase tudo e quase todos.

    Mas amamos. Amamos sempre, porque não há vida sem amor.

    Amamo-nos, sobretudo, a nós próprios, mesmo que insistamos e digamos que não: que não gostamos do que vemos ao espelho, que não suportamos ouvir a nossa voz, que as palavras que os outros proferem são sempre mais apetecíveis ou que a nossa vida é sempre mais desinteressante. Amamo-nos, porque o instinto básico de sobrevivência é o amor-próprio.

    E vamos amando, a cada hora, mais um bocadinho de nós. É o ponto de partida para amarmos o mundo à nossa volta e só assim podermos, um dia, olhar para trás, sorrir com a dentadura que substituirá os dentes que morderam chupetas, que comeram gelados e que experimentaram gastronomias exóticas, e pensar, com um contentamento eterno, que realmente valeu a pena. Todos os obstáculos, os contratempos, os nãos e os sins ditos fora de lugar serão compensados se houver amor.

    Mas desenganem-se os que pensam que num estalar de dedos, assim que nos fartamos de estar sozinhos, encontramos a cara-metade, a alma-gémea, aquela pessoa com quem vamos passar o resto dos nossos dias e viver felizes para sempre ao estilo de qualquer tradicional conto de fadas. Até lá chegar damos voltas e voltas, giramos sobre nós próprios até vermos o mundo andar à roda sem qualquer objetivo, deixando-nos tontos, com o cérebro baralhado, as emoções ao rubro. E o tempo passa e vamos dedicando-o aos potenciais, aos talvez, aos que acabam por dar meia volta e ir embora, se não o fizermos antes. Choramos, lamentamos, revemos histórias na cabeça vezes sem fim, rimo-nos do nosso próprio lamento, limpamos as lágrimas, erguemos a cabeça e voltamos a sair à rua de roupa limpa e olhar posto no céu.

    O carrocel recomeça: a antecipação dá lugar à excitação até que tudo pára, a música desliga-se e abandonamos o nosso lugar, evitando olhar para trás para as recordações dos cabelos ao vento e das expressões risonhas que se vão desintensificando a cada nova volta.

    É essa a parte que os contos de fadas mantêm obscuros, escondidos atrás das grandes capas de couro debruadas a ouro, esquecidas por entre as páginas e páginas de histórias encantadas de príncipes e princesas que instantaneamente trocam sorrisos e se apercebem de que é isto mesmo. E nunca mais se largam.

    Inês leu todas as Cinderelas e Belas Adormecidas que há neste mundo e, tal como qualquer menina que se preze, sonha em conhecer o príncipe encantado – de preferência não transformado num sapo: talvez num coelho ou num gato, que sempre são meiguinhos e têm pêlo em vez de pele viscosa –, acordar com um beijo e fugir com ele num cavalo alado para o palácio que os espera com uma vida de mágico encanto. Mas perguntem-lhe e ela diz-vos como acontece realmente, especialmente quando o feitiço vem morder o feiticeiro no rabo e o manda passear sozinho de mãos nos bolsos a pensar no que fez.

    UM

    Aquela última noite de dois mil e três presenteara os festejos com um frio cortante e breves períodos chuvosos. O mundo também tinha direito a uma despedida chorosa e sentida do ano que fielmente o servira durante longos trezentos e sessenta e cinco dias. A festa de passagem de ano seria numa típica casa de uma aldeia minhota, com a lareira acesa refletida em frias paredes de pedra.

    Saída do banho, Inês avaliava o seu novo corpo ao espelho à medida que o besuntava com um creme gordo. Desde que não se observasse demasiado ao pormenor, gostava do que via.

    Pousado em cima da cama, estendido imaculadamente, jazia o vestido verde escuro que a mãe lhe trouxera poucas horas antes:

    - Uma mulher, para se divertir, tem de sentir-se bem consigo mesma – declarara. – E quanto mais feminina estiver, melhor se sentirá.

    Penteou o cabelo molhado, vestiu um soutien e umas cuecas sem costuras e enfiou o vestido. Dava-lhe pelo meio da coxa que protegeu com um par de collants quase invisíveis, e revelava um pouco de decote. Sorriu, observando a forma como o vestido se lhe colava delicadamente ao corpo. Combinou-o com uns saltos altos castanhos, aplicou um pouco de base, de blush avermelhado, de rímel transparente e de baton de um cor-de-rosa muito clarinho e apreciou o resultado final. Não se reconhecia no reflexo: talvez estivesse um pouco mais sedutora do que o habitual, mas, vendo bem, nunca optara por um estilo verdadeiramente feminino. Preferira, até então, calças largas e t-shirts estampadas com dizeres ou desenhos engraçados. Podia ser que agora, assim arranjada, se fizesse, finalmente, notar.

    Entrou, envergonhadamente, na sala parcamente iluminada onde a música animada e de batida forte já se fazia ouvir por cima das vozes conversadoras. Naquela sala gigante conhecia apenas duas pessoas: Filipa, a anfitriã e sua colega desde o infantário, que lhe abrira a porta, e Tomás, amigo dela e seu primo.

    Foi a ele que se dirigiu primeiro, aceitando o cocktail de Safari com Coca-cola que ele lhe estendia:

    - Priminha, mal te vi entrar fui buscar o teu preferido. - Inês ofereceu-lhe um beijo na face em sinal de agradecimento. – Estás o máximo, hoje! – Comentou ele, mirando-a de cima a baixo. – É para impressionar alguém?

    - Só se for a ti. Quase não conheço ninguém. – Lamentou imediatamente o tom queixoso da sua voz, mas Tomás apressara-se a apresentá-la a uns amigos.

    - Estes são a Rita, o Manel, o Tiago, o Pedro e a Catarina. Esta é a minha prima Inês. – Fez um gesto teatral com as duas mãos para que olhassem para ela.

    Embrenhou-se numa conversa animada com Rita, uma rapariga com mais três anos de maturidade, que tentava singrar no mundo do ballet e do cinema.

    - Fiz um workshop com a Sofia Espírito Santo há uns tempos – contou Rita. – Uma espécie de atelier sobre métodos de representação e expressão corporal que me deu também algumas dicas para me preparar para os castings, mas mesmo assim é uma área difícil.

    Acompanharam a contagem decrescente para a meia-noite equipados com chapéus e serpentina e brindaram às zero horas do dia um de janeiro de dois mil e quatro com champanhe e beijos.

    Tomás abraçou a prima com alegria reforçada, depois de beijar a namorada, e gritou-lhe:

    - Estás linda! Tenho de tomar bem conta de ti.

    Inês sorriu envergonhada, mandou-o baixar a voz para não atrair as atenções de ninguém e viu Rita beijar um dos rapazes que lhe tinham sido apresentados pelo primo no início da festa. Passou o resto da noite a conversar com eles e quando de manhã foi para casa no carro do primo quase nem sentia os pés latejar dentro do couro dos sapatos, pois o orgulho de ter conseguido superar a sua timidez e sobrevivido a uma noite fora da sua zona de conforto sobrepunha-se a qualquer desconforto.

    Depois dos exames que punham um ponto final no primeiro semestre, as temperaturas baixaram ainda um pouco mais, até que se resolveram, por fim, a subir lentamente, possibilitando que os sobretudos e as botas fossem guardados no armário até que voltassem a ser requisitadas pelo outono seguinte.

    Para celebrar o bom tempo, Marta convocara uma lista de amigos para uma festa, como vinha sendo seu hábito.

    Marta e Inês tinham-se conhecido doze anos antes, nas aulas de ténis, quando ficaram de castigo por terem fugido ao professor para correrem debaixo da chuva torrencial, apenas porque Marta achara que seria divertido. De castigo tinham ficado, durante duas semanas, responsáveis por distribuir o material no início de cada aula e de o guardar no final. Tinham-se tornado, assim, amigas inseparáveis.

    A seguir ao almoço Inês foi para casa da amiga a fim de a ajudar a preparar a festa dessa noite, que seria inteiramente passada no jardim.

    Fizeram pastas de atum e de delícias do mar para barrar em tostas, dispuseram sobre a mesa pacotes de batatas fritas e demais salgadinhos, colocaram azeitonas e cubos de queijo em azeite com orégãos em taças pequenas, fizeram saladas, encomendaram pizas, montaram a mesa das bebidas onde alguém iria responsabilizar-se por fazer cocktails e as sobremesas permaneceram guardadas entre o frigorífico e o congelador.

    Perto das oito da noite começaram a chegar os convidados que se foram servindo, sobretudo da bancada líquida.

    Depois do jantar, enquanto ouvia atentamente a história de Erasmus de um amigo, Inês sentiu alguém tapar-lhe os olhos com as mãos. Nunca gostara daquela brincadeira onde o mundo lhe era retirado momentaneamente até que acertasse no nome do seu sequestrador, coisa que nunca conseguia fazer. Quando, por fim, lhe foi permitido ver de novo, virou-se para trás para descobrir quem, tão entusiasticamente, a obrigara a adivinhar quem era. Franziu o sobrolho. Não se lembrava do nome dele, mas lembrava-se de tê-lo achado extremamente atraente da única vez que o vira, que fora… onde, exatamente?

    - Lembras-te de mim? – inquiriu, espantada.

    - Claro, Inezita – respondeu ele, com um sorriso rasgado.

    Bem, ao que parecia o vestido verde acabara por ser uma excelente escolha.

    Inês olhava para ele e observava, encantada, a perfeição dos olhos castanhos dele e da linha que descia para o nariz pousado acima de uma boca cuidadosamente desenhada.

    - Pensei que não. Como falámos tão pouco na festa…

    Ele pareceu confuso:

    - Qual festa?

    - A de passagem de ano - clarificou ela, agora também confusa. – Estive a conversar com a tua namorada…

    - Qual namorada?

    - A Rita. – Já não percebia absolutamente nada.

    - Ah, já não namoramos – esclareceu ele com um gesto de mão, enxotando a ideia. – Desculpa, confundi-te com outra pessoa – atirou ele mesmo antes de virar-lhe costas.

    Inês olhou em volta para certificar-se de que ninguém assistira àquela cena humilhante. Bem que ele podia ter disfarçado ou continuado a conversa, apesar de tudo.

    Serviu-se de uma caipirinha acabada de fazer e embrenhou-se numa animada conversa com o rapaz que a preparara e que ia conhecendo das festas de Marta. Deu por si a tentar arrancar-lhe informações sobre aquele rapaz moreno de cabelo ondulado. Chamava-se Manel – era isso, Manel! – estudava arquitetura e era um ano mais velho do que ela. Pensava que se tinha tornado amigo de Marta por meio de uma amiga em comum, mas não tinha a certeza.

    Dançou várias músicas com um dos seus amigos, após as quais pegou em mais uma caipirinha pousada sobre a toalha florida.

    - Já não há mais caipirinhas? – A voz exageradamente horrorizada atrás de si fê-la virar-se e deu de caras com um Manel de olhar vítreo. – Tiraste tu a última, Inezita – brincou.

    Inês rasgou-lhe um sorriso e, encorajada pelo álcool, ofereceu:

    - Posso dar-te esta, mas ficas a dever-me.

    Ele aceitou e os seus dedos encontraram-se sobre a superfície escorregadia do copo gelado.

    - Combinado. – Manel deu-lhe um beijo na bochecha e acrescentou: - És uma santa!

    Deixou-a com um sorriso parvo na cara e Marta deu com ela assim, a olhar sonhadoramente para as costas dele:

    - Nem penses nisso, Ni – advertiu. – Ele não é o tipo de pessoa com quem queres envolver-te.

    - Oh, dizes sempre isso – resmungou Inês. – E, de qualquer forma, ele nunca se interessaria por mim.

    Depois de queimarem as energias da piza, do açúcar e do álcool no local destinado à pista de dança por entre conversas e gargalhadas, a animação foi esmorecendo e o jardim foi desertando.

    Inês estava sentada nas escadas de pedra

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