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Crimes ambientais por acumulação: Aspectos sociológicos e dogmáticos
Crimes ambientais por acumulação: Aspectos sociológicos e dogmáticos
Crimes ambientais por acumulação: Aspectos sociológicos e dogmáticos
E-book181 páginas2 horas

Crimes ambientais por acumulação: Aspectos sociológicos e dogmáticos

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Sobre este e-book

O meio ambiente traz consigo uma impossível delimitação quantitativa. A análise sobre as condutas que atentem contra o mesmo, portanto, terá como principal desafio a constatação de um perigo de lesão ou de uma efetiva lesão contra este bem. Quando da existência de dúvida relativa a uma real e imediata periculosidade para o meio ambiente, usa-se a ideia de acumulação de condutas a fim de se legitimar a aplicação de sanções criminais contra os autores. De imediato, a vivência jurídica baseada na axiologia democrática nos transporta para um conflito latente com as garantias da imputação jurídico-penal. A partir do momento em que se usa a interpretação da acumulação para justificar a contenção de riscos sociais reais até aquela que a legitima a partir de uma concepção moralmente desvalorada da conduta, percebe-se uma incompatibilidade de simetria com a Constituição democrática. Em ambas as tentativas de legitimação impera como fundamento primeiro a probabilidade de repetição das mesmas condutas danosas por parte de terceiros (crimes por acumulação). Em um Direito Penal do fato isoladamente considerado, os critérios de imputação de responsabilidade penal se veem atropelados de maneira assustadora. Com os requisitos materiais para uma possível criminalização de condutas baseadas na lógica do grande número também ocorre o mesmo. Portanto, motivos não faltam para se defender e se declarar a ilegitimidade de um fundamento baseado na ideia de acumulação de condutas.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento26 de abr. de 2021
ISBN9786559564811
Crimes ambientais por acumulação: Aspectos sociológicos e dogmáticos

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    Crimes ambientais por acumulação - Marcel Figueiredo Gonçalves.

    objetivo.

    1. O CONTEXTO SOCIAL CONTEMPORÂNEO E SUA REPERCUSSÃO SOBRE A DOGMÁTICA PENAL

    Estudar o Direito Penal por si só é possível. Fazer da ciência penal uma ciência pela ciência, com seu sistema metodológico próprio e fechado também o é. Também é possível uma valorização do dogmatismo penal ao ponto de se considerar sua existência pura como obediente a uma lógica sistemática meramente formal. Contudo, pensamos não ser isso o que deve ser feito se quisermos ter uma utilidade e eficácia sociais inseridos como objetivos primeiros do Direito Penal.

    O Direito somente surge por uma questão de necessidade social e não meramente uma necessidade intelectual. Todo o labor, entretanto, feito nesse último sentido (por meio da ciência jurídica), é válido para a construção de um sistema lógico e seguro que será base para uma aplicabilidade coerente daquele objeto de estudo, o Direito posto. É este estudo dogmático, inclusive, que será a base para enfrentarmos os problemas advindos da criminalização de condutas cumulativas em matéria ambiental.

    Não obstante, o estudo do Direito – especificamente do Direito Penal -, se intenta atingir seu pragmatismo, não poderá se desvincular das particularidades daquilo que se denomina Sociologia ou ainda Sociologia Jurídica. O estudo da sociedade e de suas peculiaridades nos permite chegar à construção de um Direito Penal materialmente eficaz, útil e legítimo. Escapar do formalismo jurídico para analisar o mundo dos fatos sociais e, a partir daí, retornar àquele formalismo, fará da ciência penal não uma ciência pela ciência, mas, verdadeiramente, uma ciência social.

    Acreditando nisso, necessária se faz uma análise contextual – dentro de nossos limites – da sociedade contemporânea e suas especificidades. Uma breve narrativa sobre o industrialismo e o pós-industrialismo, a modernidade e a suposta pós-modernidade, a globalidade, o globalismo e a globalização é o escopo inicial do presente capítulo. O foco serão as transformações tecnológicas advindas, especialmente, nos anos de 1970 até os dias atuais, na segunda década do século XXI. Os impactos que tais transformações acarretaram a sociedade global e as diferenças para a antiga globalização serão o nosso norte.

    Teremos como consequência desse modelo social global o surgimento de uma nova criminalidade econômica, com suas peculiaridades de difícil compreensão e delimitação. Além disso, ver-se-á a situação caótica por que passa o meio ambiente em seu aspecto global, sendo essa também uma consequência daquelas ações criminosas em âmbito econômico. Em suma: há todo um contexto criminógeno que não se vê mais limitado por fronteiras nacionais, que traz novos tipos de condutas criminosas e maior facilidade para o cometimento daquelas já existentes.

    É certo que este cenário criminógeno acarreta um sentimento objetivo (real) de insegurança coletiva. Somado ao mesmo, também observaremos um sentimento ilusório de insegurança ou insegurança subjetivamente considerada. Sem a presença do quesito segurança, a procura da Felicidade, já da Declaração de Independência dos Estados americanos, não se torna possível. O anseio por segurança acarretará busca por mais penas e severidades processuais penais, surgindo o que se denomina Direito Penal do risco, próprio, por evidente, de uma sociedade de riscos. Está formado o ciclo vicioso de criminalizações de condutas, sendo os delitos cumulativos apenas um exemplo do mesmo.

    Todo este contexto histórico e social dará ao leitor um entendimento extrajurídico do porquê se buscar no Direito Penal a (pseudo) solução para os males sociais. Vejamos.

    1.1 GLOBALIZAÇÃO, MODERNIDADE E PÓS-MODERNIDADE

    É notória a interrelação existente entre globalização, modernidade (para alguns pós-modernidade, como se verá) e sociedade do risco¹. Se o fenômeno da globalização for visto como uma aproximação de povos, interrelação de culturas e hábitos ou mesmo como relações econômicas entre povos de origens distintas, podemos afirmar que tal fenômeno ocorre desde a época dos grandes descobrimentos. Tal processo que se vê no mundo capitalista não é muito distinto do que ocorria no final do século IX, porém, denominado, à época, de imperialismo. Já as próprias Cruzadas, na Idade Média, deram início ao objetivo de se alcançar um mundo unificado. O que hoje faz o capital, a fé já fazia há quinhentos anos.² Beck traz uma síntese das principais teorias que tratam de quando teria tido início a globalização³:

    O que nos interessará é a fase impulsionada pelo aprimoramento e desenvolvimento de tecnologias que facilitam e aproximam povos de origens distintas. Usamos os termos aprimoramento e desenvolvimento, pois o desenvolvimento tecnológico - no que diz respeito aos meios de transporte e, por conseguinte, às interrelações econômicas entre os povos – é datado do século XVI, mesmo que impulsionado na segunda metade do século XIX⁴. Referimo-nos, portanto, ao avanço da microeletrônica e da tecnologia de informação. O fenômeno da globalização atualmente observado no mercado mundial é, portanto, um processo histórico de internacionalização do capital, que se difundiu com maior velocidade, particularmente a partir das três últimas décadas graças ao avanço tecnológico.

    O que mudou para a globalização e vem cambiando cada vez mais é a forma, velocidade (até por instantaneidade), quantidade e qualidade dessa troca de contatos cosmopolitas. Aqueles que enviaram a carta de Pero Vaz de Caminha não teriam que correr tantos riscos e sentir tanta náusea ao atravessarem o Atlântico (certamente a Medicina ainda não tinha chegado à descoberta de um remédio eficiente contra enjoos), sem saber com segurança a previsão do tempo e sem ter um navio de alta tecnologia e rapidez para entregar, ao rei lusitano, a Carta do Descobrimento daquilo que viria a ser o Brasil; poderia enviá-la por um e-mail (e em dois segundos estaria nas mãos do rei lusitano), descrever pelo telefone o que havia visto, fazer uma filmagem e mandá-la por sedex (em quatro dias chegaria a Portugal), usar uma web cam para contar-lhe e mostrar-lhe as maravilhas do país (o que ocorreria instantaneamente), entre outras possibilidades⁶.

    Pode-se dizer que a globalização observada no mundo contemporâneo tem algumas especificidades que a diferenciariam daquela que ocorre há séculos: a extensão, a densidade, a estabilidade recíproca das redes de relação regional global e a autodefinição dos meios de comunicação em massa, assim como do espaço social e das correntes icônicas nos setores cultural, político, econômico e militar.⁷ Há que se falar também na financeirização de riquezas e a mundialização do processo produtivo como diferenças essenciais em relação à internacionalização anterior.⁸

    As relações na antiga internacionalização eram relações inter nationes, o resultado de negociações que partiam de países e chegavam a outros países, relações entre unidades sociais devidamente definidas em um certo tempo e espaço. O que se vê hoje não é bem isso: estamos diante de relações sustentadas em uma comunicação de tempo real, que passa por cima das nações e que parece não ter lugar nem tempo.

    Vivemos um tempo de aceleração: um momento histórico culminante que abriga força concentrada, explodindo para criar o novo. Daí, a cada época, malgrado a certeza de que se atingiu um patamar definitivo, as reações de admiração ou de medo diante do inusitado e a dificuldade para entender os novos esquemas e para encontrar um novo sistema de conceitos que expressem a nova ordem em gestação.¹⁰

    É o que se passa em tempos contemporâneos: vivemos hoje a época dos signos, depois de termos passado o tempo dos deuses, o tempo do corpo e o tempo das máquinas. Aqueles que nos confundem, por tomarem lugar da materialidade das coisas. A aceleração contemporânea – quando analisada stricto-sensu (no sentido mesmo de velocidade das relações e movimentações sociais) – impõe novos ritmos ao deslocamento dos corpos e das ideias e, não obstante a isso, acrescenta novos itens à história, junto com uma nova evolução das potências e dos rendimentos, com o uso de novos materiais e de novas formas de energia, o domínio mais completo do espectro eletromagnético, a expansão demográfica (a população mundial triplica entre 1650 e 1900, e triplica de novo entre 1900 e 1984), a expansão urbana e a explosão do consumo, o crescimento exponencial do número de objetos e do arsenal de palavras. O conhecimento pode ser tido como causa remota ou próxima de tal processo de aceleração. Por isso que se diz que a aceleração contemporânea é também um resultado da banalização da invenção, do perecimento prematuro dos engenhos e de sua sucessão alucinante. São, na verdade, acelerações superpostas, concomitantes, as que hoje assistimos, o que não é criação própria da velocidade, mas da engenharia das comunicações (a serviço da mídia), impedindo que se imponham a ideia de duração e a lógica da sucessão.¹¹

    Eis aí o avanço tecnológico sendo um impulso para o fenômeno da globalização, para a aproximação dos povos cultural, política, social e economicamente¹². São essas as dimensões da globalização que, apesar de difícil conceituação e a existência de controvérsias para a delimitação de cada uma delas (por exemplo, o que se quer dizer com globalização social, até que ponto pode-se dizer que o globo está socialmente interconectado etc.), possuem um ponto em comum: se quebra a "ideia de que se vive e se interage nos espaços fechados e mutuamente delimitados dos Estados nacionais e de suas respectivas sociedades nacionais".¹³

    Este processo, em um período de grandes avanços da tecnologia, se caracteriza por ser "a experiência cotidiana da ação sem fronteiras nas dimensões da economia, da informação, da ecologia, da técnica, dos conflitos transculturais e da sociedade civil, e também o acolhimento de algo a um só tempo familiar mas que não se traduz em um conceito, que é de difícil compreensão mas que transforma o cotidiano com uma violência inegável e obriga todos a se acomodarem à sua presença e a fornecer respostas. Dinheiro, tecnologia, mercadorias, informações e venenos ultrapassam as fronteiras como se elas não existissem. Até mesmo objetos, pessoas e ideias que os governos gostariam de manter no exterior (drogas, imigrantes ilegais, críticas à violação dos direitos humanos) acabam por encontrar seu caminho. Entendida dessa forma, a globalização significa o assassinato da distância, o estar lançado a formas de vida transnacionais, muitas vezes indesejadas e incompreensíveis ou – acompanhando a definição de Anthony Giddens – ação e vida (conjunta) para além das distâncias (entre os mundos dos Estados nacionais, das religiões, das regiões e dos continentes, que se encontram separados só em aparência)."¹⁴

    A infeliz prova do agora aludido é a própria Pandemia do COVID-19 vivenciada pelo planeta nos últimos meses. Para além da alta transmissibilidade que é característica deste vírus, as interrelações humanas globais foram decisivas e determinantes para o espalhamento do mesmo por todo o globo, numa velocidade nunca antes vista ou presenciada. O que, talvez, poderia ter sido uma epidemia local numa determinada região chinesa se transformou em pandemia em poucas semanas. Tudo isso devido ao bem causado pelas tecnologias e barateamento dos meios de transporte (sejam aéreos, fluviais ou marítimos). A partir daí, países se unem para discutir a questão em termos globais, não só mais locais; passam a debater sobre as medidas econômicas e de combate ao vírus que poderão ser adotadas para todo o globo, e não mais para uma ou outra região.

    Já estando claro ao leitor a existência de uma interdependência nas relações sociais, políticas e econômicas mundiais, parece-nos importante trazermos, mesmo que em síntese, a diferenciação conceitual, feita pelo autor por último citado, entre globalismo, globalidade e globalização.¹⁵

    Por globalismo deve-se entender a concepção de que a ação política é substituída ou banida pelo mercado mundial; há uma supressão deste em favor daquela (império do mercado mundial – ideologia do neoliberalismo¹⁶). A pluridimensionalidade da globalização é reduzida a uma única dimensão (a econômica), deixando todas as outras – já citadas – sob o domínio do mercado mundial. A política deve ser entendida a partir da economia (imperialismo da economia), isto é, há uma imposição de condições (daí ser o globalismo subordinador) para o atingir de certas metas – o Estado é dirigido como se empresa fosse.

    Por globalidade tem-se a ideia de que vivemos numa sociedade mundial ou global, isto é, não há que se falar mais em espaços isolados. Não há mais o isolamento de países ou grupos, mas sim um choque de formas econômicas, culturais e políticas entre aqueles entes. Tal sociedade traz novas relações sociais dentro de um certo Estado que não estão associadas ou que tenham sido impostas pela política deste mesmo Estado. A sociedade mundial deve ser entendida como uma diversidade sem unidade, de onde surgem – em decorrência dessa falta de unidade – novos tipos de relações: formas de produção transnacionais, jornais televisivos globais e crises e guerras percebidas como globais são alguns exemplos. "Globalidade denomina o fato de que, daqui para a frente, nada do

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