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Dagger II - Irmãos de Sangue: Dagger, #2
Dagger II - Irmãos de Sangue: Dagger, #2
Dagger II - Irmãos de Sangue: Dagger, #2
E-book376 páginas5 horas

Dagger II - Irmãos de Sangue: Dagger, #2

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Sobre este e-book

Nascido um deus. Criado como um ladrão. Segundo volume da saga Dagger

Depois da árdua jornada que o retirou do Mundo Além, Dagger acorda em meio à segurança das muralhas da Fortaleza. Mas o perigo ainda persiste. Ele não possui mais a aparência de uma sombra à procura dele nos naufrágios de Melekesh, nem a de um Tankar caçando-o nas profundezas da terra. Agora, o inimigo vem de dentro. O conflito interno aflige os Guardiães, enquanto a guerra bate à sua porta. Qual é o rosto do pesadelo que ninguém ousa enfrentar? O que se esconde nas antigas ruínas de Adramelech que parecem ter vontade própria, manipulando e esmagando as vidas daqueles que se aproximam para ouvir os seus sussurros?

IdiomaPortuguês
Data de lançamento5 de mai. de 2021
ISBN9781071599495
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    Dagger II - Irmãos de Sangue - Walt Popester

    Prólogo

    - Derrete com um poema, ó Musa, a lama que cobre a pele deste homem cansado, a dor turva que lhe pesa o coração.

    A mulher sorriu com aquelas palavras. Então, pôs os seus lábios macios na virilha do homem para tocar as notas de sua melodia.

    Vestindo apenas a sua camisa de algodão, ele trouxe a garrafa até sua boca e tragou dela longamente. Seu olhar recaiu sobre a gasta armadura de couro caída no chão, coberta de reparos que, batalha após batalha, haviam mudado o seu aspecto original. O amor tudo conquista, pensou ele com escárnio. O amor tudo consquista.

     - Cadê você, amor dessa noite? – perguntou a Musa.

    O homem olhou para baixo. Ele estava dando à mulher a impressão errônea de que não apreciava a canção de rara beleza que ela tocava para ele naquela noite. Ele voltou a beber, enquanto ela começava a subir com os seus beijos suaves até o seu umbigo, seu abdômen trincado e um peitoral formado por anos de treinamento contínuo, os quais ele rememorava com tanto carinho. Então, ela finalmente encontrou os seus lábios molhados de vinho, começando a esfregar sua genitália recém-raspada sobre a sua barriga.

    - O que há de errado, amor dessa noite?

    - Pare de me chamar disso! – explodiu ele, afastando-a com um empurrão. Sentando-se na beirada da cama, ele pôs os pés descalços sobre a madeira áspera. Suavemente, ele acrescentou: - Desculpe – enterrando as mãos em seu cabelo.

    Ela acariciou-lhe as costas. – Se não o tivesse conhecido desde quando éramos crianças, eu pensaria que você é impotente. – Ela o beijou de leve na orelha, como sabia que ele gostava. – Mas eu já o tive tantas vezes que sempre sei o que está se passando na sua mente, quando só o seu corpo está aqui comigo.

    - E o que é que se passa na minha cabeça, dessa vez?

    - Morte. Um agouro de morte aterrador. Uma morte iminente.

    Um pássaro piou na janela, como que para rebater aquelas palavras. A doce canção preencheu o vasto silêncio entre eles.

    O homem suspirou, desabando na cama. – Morte iminente. Eles a ensinam bem aqui. Você sabe umas palavras que as putas de outros bordéis nunca usariam. – Ele revirou uma mecha do cabelo dela, vendo o dissabor em seu rosto. Mas que babaca que eu sou.

    - Você está quase se desculpando de novo. – A Musa deitou-se e olhou para ele com olhos cheios de inocência. – Mas lembre-se de que não tem como me magoar. Pense nisso. Se minha Ama insiste tanto em minha educação, é porque eu tenho que dá-lo algo a mais, aquele algo a mais pelo qual você paga. Aqui, você ainda é só um cliente, amor da minha vida. E é sempre ótimo ver os clientes saírem uma vez que já tenham gasto os seus líquidos.

    Pago em minha própria moeda. Ressentido, ele apertou o seu mamilo rosado.

    A Musa abafou um gemido de agonia e prazer. Ele teve certeza de que ela o estava observando enquanto continuava a provocar os seus seios com a boca, com a língua...

    Com os dentes.

    - VAI... com calma.

    Peitos brancos como o leite, pensou ele. Ele os adorava, sempre adorara. Se ao menos a Musa soubesse que nunca houvera outra mulher, ninguém capaz de fazê-lo sentir-se em casa, mesmo num quarto pequeno e mísero como aquele. Ele fungou uma sílaba de uma risada. Ser fiel a uma puta. Mas que mundo louco e fodido é esse.

    - Por que está rindo?

    - Aconteceu uma coisa, além do portal. – Ele descansou a cabeça sobre os seus seios enquanto ela fazia um cafuné em seus cabelos. – Uma coisa terrível, no Mundo Além.

    - O quê?

    - Quer mesmo saber?

    - Eu quero saber o que te preocupa tanto a ponto de não deixá-lo me amar essa noite.

    - Amor... todos nós falamos disso, mas o que ele é? O que nos leva a...

    - Pare de mudar de assunto. Você sempre fazia isso, até quando criança. Eu sou a pessoa viva que mais te conhece. Não se esqueça disso tão facilmente.

    - E o que a faz acreditar nisso?

    - O que aconteceu, além do portal?

    Ele sorriu, passando a mão sobre o seu ventre macio, descendo até a virilha. Ele amava sentir o toque de sua pele quente, senti-la tremer inteirinha quando tocava o cerne úmido de sua feminilidade. – Houve uma expedição ao Mundo Além. Há doze anos – revelou ele. – É um segredo – uma missão tão delicada que os Deltas escolhidos para ela foram declarados como mortos assim que deixaram a Fortaleza.

    - Continue.

    - Não haveria nenhum retorno ao lar para eles, a não ser que fosse horizontal, enterrado às pressas e com um nome fictício numa lápide. Bem... algum tempo atrás, a expedição retornou – ao menos o que restou dela. Realmente, nada restava do agrupamento original. Só os dois Drácons que resolveram tirar a bunda de seus tronos imerecidos para ver o que estava acontecendo do outro lado.

    A mulher apoiou-se em um cotovelo, encarando-o atentamente. – E o que foi que eles viram do outro lado?

    - Uma pergunta melhor seria: o que eles trouxeram de volta daquele inferno.

    - O quê?

    - Faz dias que eu ando pensando nisso até ferver o cérebro, mas acho que descobri. – Ele fez uma pausa. – Um livro.

    Ela ergueu uma sobrancelha. – Um livro?

    - Sim.

    - Não parece tão terrível assim.

    - É terrível, por vários motivos. Receio que estejamos falando do Umbroso – um código ancestral no qual o conhecimento infinito de Ktisis foi escrito, no mínimo a parte que alguns... antigos Guardiães transcreveram das paredes de seu templo no deserto.

    - Antigos Guardiães?

    - Ah, pessoas banidas das muralhas de Agalloch há muito, muito tempo.

     A Musa anuiu. – E agora você pensa que esse livro está na Fortaleza, certo?

    - Ah, sim. E vou contá-la um segredo – não conte pra ninguém! Se alguém quisesse tomá-lo da proteção dos Guardiães, isso seria a coisa mais fácil do mundo. Pelas movimentações suspeitas que pude notar, os Messhuggahs com toda a certeza o guardam no porão de sua biblioteca. Um local que por si só não é de fácil acesso, mas certamente nada inalcançável para qualquer bom ladrão dessa cidade.

    - Você não poderia mandar que o escondessem melhor?

    - Não, essas decisões cabem ao Drácon lagarto, não a mim. Eu sou só o Drácon da Espada.

    Ela abriu um sorriso enquanto desenhava uma espiral minúscula e invisível em seu peito. – Só o Drácon da Espada, Olem? Tem um monte de gente que gostaria de ser só isso.

    Ele gostava quando a Musa o fazia se sentir importante. Olem sorriu, abraçando-a com a força de um Guardião da Espada. Ela entregou-se àquela força renovada, envolvendo a cintura dele com as pernas. Ela riu contra os seus lábios, sentido que ele estava finalmente respondendo ao seu chamado lascivo. Ela esfregou o nariz em seu pescoço, desejando sua recompensa. Ele apertou uma mão com toda a força em suas nádegas e a outra em sua garganta, quase sufocando-a.

    Ela agarrou os lençóis. – A-aah! – exclamou ela sem fôlego, segurando a cabeceira com as mãos como se quisesse levantá-la, ou quebrá-la, enquanto ele a penetrava com uma força cada vez maior, mais e mais, de novo e de novo. Ele a comeu de quatro vigorosamente, chegando ao plano intermediário entre o tormento e o êxtase, e a manteve ali, longa e dolorosamente, até que o vazio orgásmico – o doce colapso – inundasse os seus corpos e mentes, extinguindo toda outra sensação.

    Olem continuou por um pouco mais de tempo. Relaxando. Cada vez mais devagar, até que o prazer o deixasse exausto sobre o ventre suado da mulher. – Shhh. – Ele pousou uma mão em seus longos cabelos da cor da ferrugem. – Shhh. Boa menina.

    Ela beijou a mão dele com ternura, fitando-o com um sentimento próximo da gratidão.

    O Drácon da Espada abriu um sorriso amargo, sentindo muito pelo que tinha de fazer. Olem fechou os olhos e sentiu uma dor grande demais até mesmo para ele. – Acho que é melhor eu ir agora. Posso acabar chamando a atenção para o nosso amor secreto.

    - Mas você volta logo? Você ficou longe tempo demais dessa vez. Onde esteve?

    - Numa missão diplomática.

    - Você me traiu?

    Por um momento, Olem pensou que ela falava sério. E então ambos gargalharam. Ele a beijou na virilha antes de partir.

    Sozinha no quarto, a mulher desfrutou de sua dor íntima. Os dias dourados parecem nunca terminar para Olem, pensou ela. Desde os doze anos de idade, a coisa dele rivalizara com a de um mogwart, mas felizmente a Ama não mandaria outro cliente. Antes, as coisas não eram assim. Antes, a Musa tinha que cavalgar cinco ou até seis vezes na calada da noite, sem mencionar que era frequente que os Guardiães – a maior parte de seus clientes, e de todas as formas possíveis – descontassem naquela atividade em particular todas as suas frustrações.

    Depois, Olem se tornara Drácon e o poder de barganha da Musa aumentou. Então, agora, a Ama só queria que ela entretesse o seu convidado mais distinto a qualquer hora que fosse de seu agrado. O destino fizera dela uma inusitada princesa presa na torre, esperando o seu Príncipe Encantado.

    Ela se levantou, com o cabelo ondulante tombando feito uma cachoeira de sangue contra a sua pele alva. Sentando-se na penteadeira, ela escreveu algumas linhas num pequeno pedaço de papel. Ela o releu cuidadosamente antes de enrolá-lo.

    No fundo de uma gaveta, encontrou um anel.

    Com um selo:

    Derretendo uma gota de cera, ela selou a mensagem e foi até a janela aberta. Uma gaiola contendo dois melros com cabeças purpúreas pendurava-se perto da beirada. Um pontinho negro acentuava o meio de suas testas. A musa amarrou a mensagem no pé de um deles e beijou-o com afeto antes de soltá-lo.

    Era adorável sentir o frio da noite em sua pele aquecida. Naquele beco isolado que dava para os fundos de dois bordéis, ninguém ficaria contrariado em ver uma mulher nua recostada no parapeito. Ela mesma escolhera aquele quarto, já que o destino lhe havia negado a chance de escolher um lar com o homem que amava.

    Mas pelo menos, um bordel melhor do que esse... pensou ela, com amargura. Tenho certeza de que ele poderia conceder isso de alguma forma. Um daqueles lugares com camas macias e candelabros pendurados no teto, onde o dinheiro flui, onde ninguém te bate, e onde ninguém fede a álcool. Ele poderia, mas não... tem que ser aqui, por mim.

    - Você tem uma bunda gostosa demais, sabia? – disse Olem, atrás dela. – Sempre teve.

    A Musa girou sobre os calcanhares, pressentindo imediatamente que havia algo de errado no comportamento dele. Olem estava sério. Agora, até o seu rosto mal-encarado lembrava-a de um mogwart. – Veio repetir a dose? – perguntou ela, disfarçando o seu nervosismo.

    Olem fechou a porta com expressão carregada e falou sem olhar para ela. – A mentira que te contei foi tão grande que não pensei que fosse acreditar. – Ele veio à frente. Ela olhou para a grande espada às suas costas. Certamente, aquela não era a sua lendária espada de quatro mãos, mas uma arma capaz de machucar e muito, mesmo assim.

    - Pelo menos, agora eu sei que estou lidando com uma espiã imprestável – continuou Olem. – Eles nem sequer a instruíram nas coisas básicas. O Código Umbroso está nas mãos deles. Sempre esteve. Porra, foram Eles que o escreveram! Ao receber sua mensagem, onde quer que estejam agora, Eles ficarão bem confusos com as suas palavras. Ao menos antes de deduzirem o que realmente aconteceu com você.

    A Musa não respondeu. Ela entendeu. Fechando os olhos, ela se rendeu ao suave toque das mãos dele.

    - Por que fez isso?

    - Maldita seja a Fortaleza – disse ela. – E todos os Guardiães!

    - Não. – Ele pareceu magoado. – Não pode ser…

    - Ah, não pode ser? – retorquiu ela. – Musa! Esse é o nome que me foi dado naquele dia. Uma garota que é expulsa dos Guardiães é marcada, tem o seu nome roubado, e então só há um destino esperando por ela. Musa! Por quanto tempo eu tive de esperar, suportando em silêncio as atrocidades de um mundo feito só para os Guardiães? – Ela forçou Olem a olhá-la nos olhos. – Você não vai dizer que nós fomos felizes juntos, vai?

    - Pare com isso.

     Ela acariciou-lhe a bochecha, sorrindo apesar de suas lágrimas quando sentiu o relevo de sua barba por fazer. Ela se recordou de um dia, muitos anos atrás, no qual os dois eram jovens em meio a uma desolada corrupção.

    - Ela já está grande o bastante!

    - O que, esses quatro pelinhos no seu queixo? E... aqui embaixo?

    - Acaba logo com isso!

    - Não seja tímido. Não é a primeira vez que eu te vejo pelado.

    - Ah, não?

    - Ontem eu te vi nadar no canal, Holly. Será que ele é mesmo tão, sabe...?

    - Me solta... solta ele!

    - Uau, olha só pra isso. Relaxa, garotão, me deixa pensar em você!

    O sorriso doce e amargo sumiu lentamente do rosto dela. – É tudo uma ilusão, Holly. Abra os seus olhos. Sempre foi para os que são da nossa laia.

    - Mocinha, por quê?

    Esse fora o antigo nome da Musa, nos tempos em que ambos eram ratos de rua na guilda do velho Orah. Então, o destino os separou permanentemente. Ele fora beijado pela sorte e adotado pelo Pendracon Crowley e sua esposa, mas ela, incapaz de passar na sua Prova, foi lançada em um inferno ainda pior do que aquele do qual havia escapado.

    O destino às vezes dá uma chance a uma criança de rua, mas só uma, pensou ela. – A casa pintada de branco, com um jardim e árvores frutíferas – respondeu ela. – É esse o porquê. A casa com a qual a gente costumava sonhar com os pés descalços enterrados bem fundo na lama, esperando do lado de fora de uma taverna o nosso próximo cliente. Você se lembra, Olem? Lembra do frio e do escuro? Eu quis que as coisas terminassem diferentes para nós, mas a escolha foi sua. Eu estive aqui, esperando dia e noite, com a esperança de que você... – O seu olhar perdeu-se no nada, e só então ela pôde ver o quão sem sentido eram as suas ilusões. – ...desistisse de tudo para recomeçar comigo.

    Ele deu uma risada de triste divertimento. Isso doeu mais do que qualquer outra coisa que acontecera ou estava prestes a acontecer com ela.

    Mocinha balançou a cabeça. Mas o que é que eu estou te pedindo? Desistir do seu jogo favorito só por minha causa?

    Aos olhos dela, Olem ainda era aquele menino que nunca desistiria de ser o herói que salvava o mundo na última hora, com todos os vilões caindo mortos aos seus pés. Sua necessidade de governar nasceu de um sofrimento impotente, da dor das humilhações suportadas quando ele não era capaz de se defender. Para a Musa, Olem sempre fora um Guardião, mesmo quando era só um pé rapado, uma faca na noite, um delinquente que os próprios homens da Fortaleza costumavam caçar.

    Nós poderíamos ter sido felizes juntos, se ao menos você acreditasse como eu acreditava.

    Quando ele foi eleito Drácon, toda a esperança de um futuro juntos havia desaparecido. Então, por sua vez, ela decidiu traí-lo, e da pior forma possível. – Se ao menos você tivesse acreditado nisso – disse ela, dando voz aos seus pensamentos. – Se ao menos você pudesse entender que ilusão nenhuma vale mais do que a do amor. A glória e o poder não passam de círculos na água.

    Ele não respondeu, curvando a cabeça em vez disso.

    - Com isso, você merecerá a sua estátua nas colunatas da Fortaleza – continuou ela. – O que você sempre quis – ser importante para alguém. Mas será que não enxerga? Você era importante só para mim, porque eu sou tão sozinha quanto você. – Ela descansou a cabeça contra o seu peito. Contudo, agora não encontrou o calor da pele do homem, mas somente a couraça fria e áspera de um Guardião que vinha para trazer justiça.

    A justiça deles. A dos que podem se defender, não a nossa. Para os que são como nós, não há redenção. Ela começou a chorar, e perguntou num sussurro: - Como você descobriu?

    - Eu ouvi eles piando – o Drácon respondeu friamente, como se já estivesse longe, a operação concluída. – Um mensageiro dos deuses raramente faz isso, geralmente quando está apaixonado ou quando morre. Ele tem uma voz única. Só é preciso escutá-la uma vez na vida – gotas claras caindo na água cristalina. Quando criança, eu passei muito tempo com Araya, já que era frequente que Crowley estivesse ocupado demais para cuidar de mim. Pode-se aprender muitas coisas interessantes dos Messhuggahs, histórias das quais muitos se esqueceram. Era o meio de comunicação preferido deles, pelo que eu me recordo. Aparentemente, ainda é.

    Ela assentiu. – E você me viu quando pensei que estava sozinha. Algo que eu devia ter esperado de um Drácon. Foi burrice da minha parte.

    - Nada que alguém não devesse esperar de uma puta – cuspiu ele de volta.

    A Musa congelou. Fora horrível – com aquelas palavras, ele a estava matando duas vezes. Afinal, eu mereci, pensou ela. Ela traíra o único homem que lhe havia demonstrado afeto, o único garoto que sempre a defendera quando mil mãos negras poderiam ter reivindicado toda parte de seu corpo jovem durante as longas noites de Agalloch.

    - Você vai vir à Fortaleza e vai falar, Mocinha. Vai nos dizer onde Eles estão e o que Eles têm em mente. E acima de tudo, vai nos dizer quando Eles vão voltar!

    A Musa balançou a cabeça. – Você deixará os nossos caminhos se separarem aqui e agora. Você me deve. Você não me deixará nas mãos dos Guardiães Negros. Sabe muito bem que eu não vou falar, como não falei quando o velho Orah me puniu de uma forma que você nunca provou. Meu comportamento não será nada diferente agora, depois de ver cada esperança minha extinguir-se como uma vela soprada pelo vento. Eles puderam entender a minha dor. Eles entenderam o desalento dos que foram deixados para fora na chuva. Por favor, perdoe-me por ter me rendido a essa última ilusão. Eles foram a única resposta para a minha solidão.

    - Ao menos me diga se...

    Ela pôs um dedo nos lábios dele, silenciando-o. – Vou responder uma das suas perguntas, só uma. Quando Eles vão voltar?, foi o que você perguntou antes. Bem, Eles não vão voltar.

    Olem ficou atônito com essas simples palavras, mas por uma razão que ela não pôde entender. Não importava mais.

    A Musa voltou-se para a janela e buscou conforto no frescor da noite.

    – Me mate com carinho.

    Quando o ouviu chorar atrás dela, ela sorriu para as estrelas. Olem jamais havia chorado por ninguém. Ele ainda me ama, pensou ela, fechando os olhos e trazendo as mãos à espada que florescia de seu útero.

    Ele a amava muito.

    Presa na parede pintada de rosa, agora tingida de vermelho, a espada a manteve de pé enquanto olhava pela janela. Seus olhos se fecharam lentamente para as ilusões do mundo mortal.

    * * * * *

    Olem desceu às profundezas do único lugar que sempre representara um cantinho de felicidade particular na miséria de sua existência. Ele cruzou o salão cheio de homens de todos os tipos, que riam e bebiam enquanto prostitutas seminuas sentavam-se em seus colos e abraçavam seus pescoços suados. Os homens esfregavam os rostos corados contra os seios voluptuosos, beijando apaixonadamente, mas sem amor, com os dedos se afundando na carne macia.

    No balcão, Olem olhou distraidamente para os círculos de umidade legados por gerações de canecos.

    A Ama se aproximou. – A minha pequena te deixou mesmo acabado, não foi?

    O Drácon ergueu os olhos e ela parou de sorrir. – Meu amor diz que não quer ser perturbada. Não até amanhã de manhã. Você vai deixá-la dormir.

    - É claro que vou deixá-la dormir. Você sabe que eu a reservo só para você, Holly. Já passou o tempo em que você tinha que competir pela atenção dela com todos esse bando de velhos cheios de ganância. – Ela exibiu diante dele os seus seios inteiros, emoldurados por seus braços cruzados. – E ainda por cima... você tem o dom raro de sempre deixá-la exausta. Seria muito cruel fazê-la trabalhar de novo, depois de estar com você. Para dizer a verdade, alguma coisa mudou nela, sabe? Você devia tratar a minha queridinha um pouco melhor e levá-la a um lugar limpo. Uma ótima casa com um jardim, isso mesmo, e algumas árvores frutíferas. Ela está sempre falando disso, e é o que ela merece depois de todo esse tempo. O pacto uterino expirou, então eu poderia vendê-la a você por um preço especial. Você nunca teve um motivo para reclamar de mim, teve?

    - Como assim?

    - Bem, meu rapaz, eu não tenho nenhum papel e carvão aqui comigo, então não posso desenhar para você, mas... a garota, logo, logo, não terá serventia alguma para mim. É proibido foder grávidas – você sabe que isso é um tabu nessa cidade. – A Ama levantou uma sobrancelha, como se dissesse: "Agora, entendeu o que eu quis dizer?"

    O destino apertou suas mãos gélidas em volta do pescoço de Olem, estrangulando-o enquanto o mundo inteiro continuava a rir em seu rubor.

    - Ah, por favor, não me olhe com essa cara. Um filho é sempre uma bênção, não é? Ah, vocês homens são sempre os mesmos! Fodem qualquer coisa com o formato de um buraco úmido, e daí reclamam se uma pobre Angriana engravida.

    - Não. Você não entende.

    - Uma bebida afoga todos os pesares da vida. O que posso te oferecer, senhor Papai? Por conta da casa!

    Olem não pensou no assunto por tanto tempo antes de responder:

    - Cerveja. Muita cerveja.

    * * * * *

    1. Equilíbrio

    Dagger abriu os olhos no quarto com luz fraca. Sua mão disparou imediatamente até sua cintura, à procura do único objeto do qual ele jamais se separaria. Mas Redenção, a sua faca, havia sumido.

    A luz do sol poente penetrava em finas lâminas por entre as ripas das venezianas, avançando pelo ar poeirento para iluminar os arredores dele. Seus instintos de Aranha sugeriam que este não era um quarto qualquer. A mobília era bem-feita, assim como os tapetes com seus padrões intrincados retratando rostos de pedra colossais cercados por dunas, ruínas e estátuas. Toras vermelhas de bétula queimavam na boca roxa e escancarada de uma imensa lareira, com sua cornija esculpida na forma do focinho de um lobo. Os reflexos de rubi tremeluzentes dançavam sobre o retrato de um homem pendurado acima dela, fazendo a sua armadura reluzir e dando uma luz sinistra ao seu olho – seu único olho, já que o resto da pintura havia sido rasgada no que pareceu ter sido um acesso de raiva incontrolável.

    Dagger conhecia aquele olhar – ou pelo menos o conhecera um dia, num tempo e num mundo distantes deste. O Divino. Ele mudou o seu peso de lugar e a dor percorreu o seu corpo inteiro. Estremecendo, ele levou a mão às grossas ataduras envolvendo-lhe o peito nu. O sofrimento era o fio constante que o guiava de volta à entrada do labirinto. Ele se lembrava do voo e das garras penetrando em sua carne. Da guilda de Samai e dos esgotos, do fedor. De um sorriso vermelho sob o sorriso branco do escárnio de Seeth.

    - Seeth! – sussurrou ele ao se virar, meio que esperando encontrá-la ao seu lado. Mas ela estava morta. Ele também havia morrido, duas vezes, e duas vezes fora ressuscitado graças ao sangue correndo em suas veias. Não havia mais uma guilda das Aranhas, nem a Velha Mamãe. Aquele mundo horrível, mas reconfortante – onde, apesar de tudo, ele aprendera a sobreviver – não existia mais.

    Agora não havia nada, e o nada o assustava.

    Ele observou o fogo ardendo atrás dos dentes de Angra, o deus que lhe salvara do Divino – Crowley, o homem no retrato. Então, sua mente voltou ao ponto de partida – aquele olho solitário a encará-lo de volta acima de um meio-sorriso sarcástico. Não havia mais nada. Era como se um buraco negro houvesse preenchido o que restava de sua memória até o momento em que ele havia acordado à procura de sua faca.

    Dagger afastou os cobertores e pôs os pés descalços no chão, com o frio das grandes placas de mármore em diferentes tons de amarelo perfurando a sua pele. Ele sentiu uma areia soprada pelo vento levantar-se entre as quatro paredes, e gritos de dor soaram em um turbilhão ao seu redor. Estreitando os olhos, ele tentou expulsá-los de sua mente. Assim que recuperou o controle, levantou-se sobre pernas fracas e foi até a janela.

    Entre as venezianas via-se um céu sem nuvens, e o sol estava afundado até a metade sob a linha do horizonte. Duas luas já haviam nascido em seu lugar – uma pequena lua dourada e uma grande lua vermelha. Dagger abriu a janela e o deserto enviou uma calorosa carícia de vento para dá-lo as boas vindas de volta.

    Finas colunas de fumaça cinzenta subiam de dúzias de lareiras para o céu vermelho-sangue sob os olhos vigilantes das esculturas aladas ao seu lado. Elas representavam o deus da Criação, entalhadas na pedra ocre que parecia se fechar sobre ele.

    O quarto ficava no topo de uma torre. Aos seus pés jazia uma cidade sombria, envolta num espesso nevoeiro que fluía tal como sangue lento ao longo de suas ruas estreitas. Nas fachadas dos edifícios retorcidos ele discerniu olhos de pedra inumanos e fragmentos colossais de corpos, garras, e rostos monstruosos. Algumas poucas janelas dilapidadas projetavam sombras distorcidas nas ruas, e a fumaça das chaminés e o tocar de uma música lenta e distante, um dedilhado grosseiro de mãos inexperientes, eram as únicas coisas que sugeriam a presença de vida dentro das casas escuras.

    Mais adiante, as luzes rareavam ainda mais, tornando-se estrelas isoladas na escuridão de um céu levando até a poderosa muralha da cidade que cruzava o seu campo de visão em um amplo arco. Casas foram construídas praticamente uma em cima da outra, roubando espaço a espaço – as edificações mais recentes pareciam acotovelar-se com as mais velhas ou devorá-las completamente, criando bestas híbridas e deformadas com olhos para ver e lábios para falar. Elas o fizeram se recordar do cemitério de navios e da vida depravada que o habitava, embarcações naufragadas fundidas umas às outras em uma arquitetura improvável.

    Foi então que, nos pináculos de três torres desiguais, Dagger detectou um grupo de formas humanoides cujas silhuetas se opunham ao pôr do sol. Num primeiro momento, estas pareceram estar brincando de subir nas longas varas, mas quando olhou mais de perto, Dagger viu que as varas atravessavam totalmente os seus corpos da pélvis ao ombro, de onde emergiam da carne.

    Quando viu intestinos viscosos saindo de suas barrigas cortadas, Dagger entendeu que aqueles não eram homens, mas Górgors, as sombras que o haviam caçado até o seu destino atual. Também havia um homem com eles, que provavelmente se maculara com um crime tão sério que mereceu morrer do mesmo modo que os inimigos declarados da Fortaleza.

    Dagger recuou para o interior do quarto e abriu a porta, olhando para as profundezas da escadaria espiralada. Descendo, encontrou outras portas, mas as ignorou quando ouviu o ribombar das vozes de dois homens na escuridão. Ele começou a andar devagar, tendo o cuidado de não revelar sua presença.

    Dois brutamontes vestindo armaduras de ferro negro sentavam-se em uma mesa no fim das escadas. Dois fiéis martelos de guerra lhes faziam boa companhia enquanto ambos guardavam as três portas equidistantes que se abriam no térreo.

    Calvo e com uma longa barba ruiva e grisalha, o mais velho deles disse: - Não sei não – como se continuasse uma conversa já começada. – Se o próprio Angra passou pela porra daquele portal para salvar o que restava da expedição, isso significa que alguma merda das sérias devia estar acontecendo lá do outro lado.

    - Aquele garoto é a chave, é o que lhe digo – respondeu o mais jovem, cujo cabelo ruivo caía em seus enormes ombros blindados. – Não a garota que eles meteram lá embaixo nas masmorras. Ela não. Eles só têm medo de que ela fale com alguém. Mas o garoto... durante esses meses, Marduk só deixou a própria cama para cagar. Ele até chegou a mandar trazerem comida para o quarto, como se tivesse um tesouro escondido atrás daquela porta, caralho. Aquele moleque viu alguma coisa, é o que lhe digo. Talvez ele seja o motivo de toda essa desordem.

    - Eu só me pergunto como isso pôde acontecer.

    - Isso o quê?

    - Valha-me Ktisis,

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