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O verme e outras histórias de amor
O verme e outras histórias de amor
O verme e outras histórias de amor
E-book74 páginas49 minutos

O verme e outras histórias de amor

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Sobre este e-book

Seja bem-vindo à temporada 1 de Contos Verídicos de Pessoas Inventadas.

Nosso primeiro tema será o amor.

Não o amor fofinho, romântico. O amor sujo, escondido. Trágico e cômico. Mórbido e meigo. O amor de pai, de amante, o próprio, o mesquinho, o nobre. Todas as manifestações desta força da natureza que revela o que há de mais assustador e tocante em cada um de nós. Qualquer que seja o objeto deste sentimento avassalador, há apenas uma verdade: aquilo que amamos nos define.
IdiomaPortuguês
EditoraBookerang
Data de lançamento17 de dez. de 2020
O verme e outras histórias de amor

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    O verme e outras histórias de amor - Rodrigo Espírito Santo

    cover-image, O Verme & Outras Histórias de Amor

    O VERME E OUTRAS HISTÓRIAS DE AMOR

    O Verme

    Definitivamente, não era capaz de suportá-lo. Tudo em sua maneira de portar-se sobre a Terra lhe era profundamente irritante. Era coisa de santo, diriam alguns. Mas era mais. Era coisa de santo, de profano, de deus e do diabo. Com todas as suas forças, odiava-o e pronto. Nem podia evitá-lo. Trabalhavam no mesmo local, em departamentos diretamente relacionados.

    Certa vez, inadvertidamente, parou de trabalhar e começou a fitá-lo. Nada pensava, apenas fermentava sua repulsa. Notou sua barba mal feita, com pelos solitários ladeando marcas de acne, reminiscências daquilo que deve ter sido um jardim pustulento e amorfo, habitado por leucócitos polimorfonucleares vivos e mortos. Imaginou-o coberto de micro-vermes. Um grande verme e seu séquito. Sentiu um arrepio de repulsa. Seus cabelos pareciam sebosos, insalubres. Seu sorriso era amarelo, sobre gengivas de cimento. Quantas bactérias caberiam em sua boca mole? Sentia náusea ao imaginar o estado de suas roupas de baixo. Voltou os olhos para o trabalho e procurou esquecer as imagens que criara. Jamais pôde.

    Com o tempo, percebeu que reconhecia os passos dele. Eram dissonantes, estridentes. Maldizia aqueles passos. Sentia o estômago doer quando percebia sua aproximação. Tinha medo de não poder conter-se e terminar por esganá-lo sem maiores explicações. Seria demissão por justa causa. Mas o prazer, meu deus, o prazer de acabar com aquela existência miserável. Toda vez que ele perambulava por seus domínios, tinha vontade de vazar-lhe os olhos com uma caneta Bic. Salivava apenas em pensar o quanto seria prazeroso arrancar-lhe, um a um, os fios da cabeça.

    Muitas vezes, quis sair da sala. Não o fazia em consideração aos demais colegas. Afinal, sabe-se lá porque, gostavam do cara. Não o viam da mesma forma, pelo menos. E isso era difícil de administrar. Resolveu manter seu ódio em segredo. E se mantinha em silêncio quando ele estava presente. Alguns companheiros notaram que havia algo errado no seu tratamento do pusilânime rapaz. Mas a resposta a qualquer indagação era sempre evasiva, quando não mentirosa. Os colegas preferiram, então, deixar o caso de lado. Eles, que são brancos, que se entendam.

    Uma noite, ela teve um sonho. Acordou trêmula, afoita. Sentou na cama e começou a chorar. Ainda em prantos foi lavar o rosto no banheiro. Encheu as mãos d'água e levou-as ao rosto já úmido de lágrimas. Olhou-se no espelho e lembrou-se do sonho.

    Lembrou-se da maneira que ele a tocava. Do jeito que aquela boca mole percorria-lhe o corpo, ladeada por pelos mal aparados que roçavam sua pele, enquanto os dentes amarelados mordiscavam cada centímetro de sua carne. Lembrou-se de segurar com força aqueles cabelos sebosos enquanto se contorcia, delirante. Ajoelhou-se sob a pia, chorando copiosamente.

    Estava perdidamente apaixonada.

    PRRRRR

    — Prrrrr...

    — Amor!?!

    — Que foi, meu bem?

    — Que foi isso?

    — Isso o quê?

    — Ora, você sabe muito bem do que eu estou falando!

    — Credo, amor! Se eu soubesse não tava perguntando.

    — Eu to falando desse barulho!

    — Barulho?

    — Não vem que não tem! Você sabe!

    — Mas, amor...

    — Olha, eu sei que a gente tá junto há muito tempo. Mas isso é inadmissível!

    — Ai, amor! Tudo bem, tudo bem! Escapou! Precisa fazer esse escândalo todo?

    — Precisa! Precisa porque o mínimo que você pode fazer é ter um pouco de consideração! Vai no

    banheiro, pô!

    — Francamente, acho que você está fazendo uma tempestade num copo d'água.

    — Olha aí! Não dá nem pra entrar debaixo da coberta! Empesteou tudo!

    — Ah, muito engraçado! E você come pétalas de flores no jantar, né?

    — O que eu como ou deixo de comer não vem ao caso! Mas você parece que está morrendo! Deus me livre!

    — Amor!

    — Eu não vou abrir mão dos preceitos mínimos de educação só porque a gente divide a mesma cama.

    — Ah, menos, vai! Você tá fazendo uma tempestade num copo d’água.

    — Bem que minha mãe me avisou. Você não está preparado para uma relação séria.

    — Lá vai você colocar sua mãe na conversa! Quando ela não se mete por conta própria, você põe a velha na história! Aposto que

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