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Rafeiros de Sal�nica
Rafeiros de Sal�nica
Rafeiros de Sal�nica
E-book124 páginas1 hora

Rafeiros de Sal�nica

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Sobre este e-book

Um homem. Uma mulher. Intimidade. Dist ncia. S o estes os elementos que constituem um conto de Kjell Askildsen. Os onze contos desta colect nea acontecem com frequ ncia durante os breves e sufocantes ver es rticos da Noruega, quando a popula a emproada desabotoa os vestidos e ebriamente deixa escapar algumas verdades, para variar. No primeiro conto um homem espia a filha pequena e a amiga, mente para a mulher, embebeda-se e fere-se, de repente confessa-se mulher. O que muda? Nada. No segundo conto um homem e a companheira tentam conversar enquanto tomam caf , bebem vinho e fumam cigarros e falam um com o outro sobre os c es que viram uma vez em Sal nica a acasalar e que n o se conseguiam soltar. O conto termina com o homem a partir a bengala em que se apoiava enquanto a companheira dorme no lado dela da cama. Noutro conto entra baila uma est ria de sexualidade desconfort vel e incestuosa, cl ssica caracter stica de Askildsen. Um homem gravemente ferido est aos cuidados da irm , enquanto a mulher enterrada. um personagem de Askildsen: suficientemente ferido para estar preso dentro dele pr prio, incapaz de negar os impulsos sombrios que tamb m esconde. Os contos s o paradoxalmente limitados e ilimitados. Pouca coisa acontece aos personagens, tudo fora da vida ordin ria e nada externamente muito dram tico. Mas dentro deles pr prios, os personagens s o tudo: infinitamente bons e maus, muitas vezes simultaneamente; t m uma grande ternura uns pelos outros e s o inefavelmente cru is uns com os outros. S o o mundo num gr o de areia.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento17 de nov. de 2020
ISBN9789899022232
Rafeiros de Sal�nica
Autor

Kjell Askildsen

Kjell Askildsen, nascido a 30 de Setembro de 1929, é um dos maiores escritores Noruegueses da era pós-guerra e uma referência incontornável na literatura Escandinava contemporânea. Admirado acima de tudo pelos seus contos, Askildsen cultivou um estilo conciso e ascético, um veículo perfeito para os seus temas existenciais. Apesar de a visão do mundo parecer sombria e desiludida nas suas palavras transparece o humor, embora negro e lacónico. Venceu o Prémio Nórdico da Academia Sueca, o Prémio Brage e duas vezes o Prémio da Crítica.

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    Rafeiros de Sal�nica - Kjell Askildsen

    "A tradução não se cinge apenas a palavras:

    é uma questão de tornar inteligível uma cultura inteira."

    Anthony Burgess

    Rafeiros de Salónica

    Kjell Askildsen

    traduzido do Norueguês para Português por

    Seán Kinsella

    Sandra Tamele

    Conto | (en)cont(r)os 04

    EDITORA TRINTA ZERO NOVE

    Título Rafeiros de Salónica

    Título original Hundene i Thessaloniki

    Autor Kjell Askildsen

    Tradução Seán Kinsella e Sandra Tamele

    Revisão Editora Trinta Zero Nove

    Capa e Projecto Gráfico Editora Trinta Zero

    Paginação Editora Trinta Zero Nove

    Impressão Editora Trinta Zero Nove

    ISBN: 978-989-9022-10-2

    Depósito Legal DL/BNM/622/2020

    Registo 10335/RLINICC/2020

    © Kjell Askildsen

    Publicado pela primeira vez pela Forlaget Oktober AS, 1996

    Publicado com o acordo da Oslo Literary Agency

    Tradução publicada com o apoio financeiro da NORLA

    © 2020 Editora Trinta Zero Nove tradução portuguesa

    Av. Amílcar Cabral, nº1042

    Maputo Moçambique

    contacto@editoratrintazeronove.org

    www.editoratrintazeronove.org

    editoratrintazeronove

    A cópia ilegal viola os direitos dos autores.

    Os prejudicados somos todos nós.

    Rafeiros de Salónica

    Kjell Askildsen

    Índice

    Martin Hansen Apanhado

    Rafeiros de Salónica

    Elisabeth

    O Gafanhoto

    Um Sítio Adorável

    Os Invisíveis

    O Rosto da Minha Irmã

    Aqui jaz o Cão

    O Prego na Cerejeira

    Uma Imensa Paisagem Deserta

    Tudo Como Dantes

    Martin Hansen Apanhado

    Caminhando em direcção à casa, num fim de tarde numa sexta-feira no princípio de Agosto, senti-me repentinamente cansado, como se tivesse estado a carregar algo pesado, apesar de ter estado apenas a atar ramos de framboesa. Cheguei aos degraus, sentei-me no antepenúltimo e pensei: afinal não está ninguém em casa. Depois de um momento escutei vozes vindas da sala e, antes de conseguir pôr-me de pé, a minha filha, Mona, disse: Que estás a fazer aí sentado? Levantei-me e disse: Não pensei que estivesse alguém em casa. Nós acabámos de chegar, disse ela. Nós? disse eu. Eu e Vera, disse ela. Vera e eu, disse eu. Vera e eu, disse ela. Comecei a subir os degraus. Onde está a mamã? perguntou ela. No avô, disse eu. Passei por ela e entrei na sala e pensei: ou onde quer que ela esteja. Mona disse: Vera e eu podemos sentar lá fora no jardim? Claro, disse eu. Ela perguntou se podiam beber uma Coca. Eu subi as escadas e entrei no quarto. A cama de casal estava feita. Eu já não estava cansado. Vera, pensei, não é aquela que está sempre a olhar para mim? Fui até a janela e abri, e fiquei ali enquanto elas atravessavam a relva até à mesa do jardim. Pensei: ela deve ser no mínimo uns dois anos mais velha que Mona. Depois de algum tempo entrei no escritório para buscar os binóculos. Olhei para ela bem de perto, durante muito tempo. Não olhei para Mona. Pensei: é tão bonita. Depois fui-me deitar na cama. Fechei os olhos e imaginei-me a possuí-la. Não foi difícil.

    Meia hora depois estava sentado na sala com uma chávena de café e um copo de brandy quando ouvi Eli a entrar pela porta da frente. Levantei-me para que não me visse sentado sem fazer nada. Tirei uma enciclopédia da estante e abri numa página aleatória. Ela entrou na sala. Estás aí, disse eu. Oh, sim, disse ela, custa-me afastar-me dele, ele só me tem a mim. Não acho que lhe reste muito tempo. Eu sentei-me. Mona não está em casa? disse ela. Está no jardim, disse eu, com uma amiga. Ele piorou? Eli foi até a janela. Não sei se gosto de a Mona passar tanto tempo com essa Vera, disse ela. Oh? disse eu. Ela é muito mais velha do que ela, quase dezasseis, ela devia ter amigas da idade dela. Eu não respondi; por um momento não tive a certeza se tinha tirado ou não os binóculos do quarto, o que me causou uma ligeira ansiedade. Perguntei se ela queria que lhe fizesse uma chávena de café, mas ela tinha tomado no mínimo três chávenas na casa de repouso, no entanto, caía-lhe bem um copo de brandy. Enquanto fui buscar, disse-lhe que o meu irmão tinha telefonado, tinha uma coisa para falar comigo. Isso que estás a beber é brandy? disse ela. Não respondi. Ela sentou-se no sofá. Entreguei-lhe o copo. Ele vem aqui? disse ela. Não, claro que não, disse eu, vou encontrar-me com ele na vila. Fui até à janela. Olhei para Vera e Mona e disse: As framboesas estão quase maduras. Sim, disse ela. Atei-as, disse eu. Regaste-as? disse ela. Choveu só há três dias, disse eu. Ouvi-a poisar o copo e levantar-se. Virei, olhei para o relógio e disse: Bem, é melhor pôr-me a caminho. Voltas tarde? perguntou ela. Não sei, disse eu.

    Quando cheguei à vila senti-me ligeiramente perdido. Raramente saio sozinho e não tenho um local. Depois de ter vagueado meio sem rumo pelas ruas comprei um jornal e fui ao bar do Hotell Norge. Estava vazio. Comprei uma cerveja e abri o jornal em cima da mesa à minha frente. Tentei pensar nas coisas que o meu irmão me quereria dizer, mas não me veio nenhuma ideia. Folheei o jornal enquanto pensava: tudo que tens de fazer é deixar as coisas correrem, controla-te para não tentar fazer as coisas pararem.

    Saí do bar uma hora depois; estava ligeiramente bêbado e igualmente encorajado. Um fio de pensamento levou-me a recordar uma coisa que o meu pai costumava dizer-me, quando era menino e não me deixavam fazer alguma coisa e eu dizia: mas eu vou; Ele dizia: a tua vontade é o bolso das minhas calças. E pela primeira vez me perguntei o que tinha o bolso das calças que ver com nada.

    Enquanto caminhava a matutar neste problema periférico – o que a minha vontade tinha que ver com o bolso das calças do meu pai; também guardava lá a vontade dele? – cheguei a uma parte da vila que raramente frequento e quando avistei uma cervejaria chamada Johnnie senti um impulso, provavelmente a própria intenção do nome e entrei. As instalações consistiam num bar e três ou quatro mesinhas. Todas as mesas estavam ocupadas. Fui para o bar e pedi um whisky; queria sair dali rapidamente. Gelo? disse o barman. Seco, disse eu. Um homem veio até ao bar. Dirigindo-se a mim disse: Que bom vê-lo novamente. Olhei para ele. Pensei que poderia tê-lo visto antes. Igualmente, disse eu. Então me reconhece? disse ele. Sim, disse eu. Grande noite aquela, eh? disse ele. Sim, disse eu. Vive cá? perguntou ele. Cá? disse eu. Sim, cá na vila? Sabe que sim, disse eu. Não, eu não sabia disso, disse ele. Não, se calhar nunca mencionei, disse eu. Terminei a minha bebida. Estou sentado ali, disse ele, venha e vamos conversar. Disse-lhe que tinha de andar, já estava atrasado, ia ao encontro do meu irmão. Que pena, disse ele. Fica para a próxima, disse eu. Sim, disse ele. Cumprimentos para Maria, é como se chama, não é? Correcto, disse eu. Depois saí. Sentime completamente sóbrio. Perguntei-me se ele alguma vez cruzaria com quem pensava ter cruzado.

    Acabei a vaguear pelas ruas; ainda eram vinte uma e trinta e não me apetecia ir para casa. Apesar de não me apetecer fazer coisa alguma. Caminhei até a ponte e cheguei até à estação de comboios. Havia um número de pessoas de pé na plataforma à espera do comboio para sul. Uma voz veio ao PA e anunciou que o comboio estaria oito minutos atrasado. Entrei para o restaurante da estação, comprei uma cerveja no bar e sentei-me numa mesa à janela. Consegui esvaziar o copo antes de o comboio chegar. Quando o comboio partiu fui para a casa de banho. Devia haver alguém dentro de um dos cubículos à espera de uma vítima. Senti um golpe na minha cabeça e depois nada, antes de recobrar os sentidos, sozinho, no chão. Vomitei e, naquele momento a porta abriu. Eu queria levantar-me. Uma voz gritou qualquer coisa. Penso que ele pensou que eu estava bêbado e eu queria dizer alguma coisa, mas não consegui. Não me lembro de tudo muito claramente. Não voltei a tentar pôr-me de pé. Depois de algum tempo fui levantado e ajudaram-me a sair da casa de banho para um escritório. Sentaram-me numa cadeira. Tinha vómito no casaco. Estava envergonhado. Levaram-me para o hospital de ambulância. Um médico apontou uma lanterna nos meus olhos e ouvidos e fez-me algumas perguntas, que eu respondi e ele depois saiu. Fiquei ali deitado a fixar o tecto e depois ele regressou e perguntou-me como me sentia. Disse-lhe que me doía a cabeça. Eu diria que sim, disse ele, você tem um ligeiro traumatismo. Perguntei se podia ligar para casa para pedir à minha mulher para me vir buscar. Um momento, disse ele e desapareceu novamente. Sentei-me. Uma enfermeira veio com o meu casaco e a minha camisa; tinha vomitado nela também. Tirámos grande parte, disse ela. Obrigado, disse eu. Tem uma cabine telefónica no corredor à direita, disse ela. Eu não tenho dinheiro, disse eu. Não, claro que não, disse ela. Ela saiu. Vesti a minha camisa. Ela regressou com um telefone sem fio, depois deixou-me sozinho. Digitei o número. Eli demorou muito tempo a atender. Sou eu, disse eu, achas que me podes vir buscar,

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