"Esse é mais difícil por causa das palavras": uma investigação psicolinguística acerca do papel da linguagem na resolução de problemas
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Sobre este e-book
investigações experimentais realizadas, há também uma sistematização da estrutura do gênero textual situaçãoproblema, que em muito pode contribuir para a elaboração desse tipo de enunciado. Como mostra a autora, a atenção para as estruturas linguísticas utilizadas na elaboração dos enunciados é um compromisso necessário à prática docente. É preciso ensinar aos alunos as múltiplas possibilidades de estruturação de um enunciado. O olhar atento para essas possiblidades de formulação traz potenciais contribuições para o estudo da interface linguagem-matemática.
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"Esse é mais difícil por causa das palavras" - Jessica Silva Barcellos
Reitor
Sérgio Carlos de Carvalho
Vice-Reitor
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Diretor
Luiz Carlos Migliozzi Ferreira de Mello
Conselho Editorial
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José Marcelo Domingues Torezan
Luiz Carlos Migliozzi Ferreira de Mello (Presidente)
Maria Luiza Fava Grassiotto
Otávio Goes de Andrade
Rosane Fonseca de Freitas Martins
A Eduel é afiliada à
Catalogação elaborada pela Divisão de Processos Técnicos
Biblioteca Central da Universidade Estadual de Londrina
Dados Internacionais de Catalogação-na-publicação (CIP)
Bibliotecária: Solange Gara Portello – CRB-9/1520
B242e Barcellos, Jessica Silva.
Esse é mais difícil por causa das palavras
[livro eletrônico] : uma investigação psicolinguística acerca
do papel da linguagem na resolução de problemas matemáticos de divisão / Jessica Barcellos. – Londrina : Eduel, 2020.
1Livro digital : il.
Originalmente apresentado como Dissertação (Mestrado em Estudos da Linguagem) – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2017.
Inclui bibliografia.
Disponível em: http://www.eduel.com.br
ISBN 978-65-5832-007-4
1. Linguagem. 2. Psicolinguística. 3. Matemática – Problemas, exercícios, etc. 4. Divisão (Aritmética). I. Título.
CDU 800
Direitos da tradução em Língua Portuguesa reservados à
Editora da Universidade Estadual de Londrina
Campus Universitário
Caixa Postal 10.011
86057-970 Londrina – PR
Fone/Fax: 43 3371 4673
e-mail: eduel@uel.br
www.eduel.com.br
Para minha Berê, pelo exemplo de perseverança
e de vontade de aprender sempre
Agradecimentos
À minha orientadora, Erica Rodrigues, por desde a iniciação científica sempre ter me incentivado, me guiado e me ensinado com paciência e afeto os caminhos da pesquisa. Agradeço também pelo olhar cuidadoso que teve com este trabalho.
À minha coorientadora, Cilene Rodrigues, pelo entusiasmo, pela atenção e pela paciência com que me ajudou a dar forma a este trabalho.
Ao meu pai, Eraldo, por ser meu porto seguro, meu amigo, com quem eu sei que posso contar sempre. Obrigada por confiar e acreditar em mim acima de tudo.
À minha mãe, Antônia, por apoiar-me em todas as minhas decisões e por ser minha certeza de escuta em todas as minhas indecisões. Obrigada pelo apoio e pelo incentivo de sempre.
Às companheiras de profissão e amigas queridas que me incentivaram nesta empreitada.
A todos os professores que tive durante minha trajetória e que me inspiram a seguir nessa profissão. Obrigada, mestres!
Ao Colégio Pedro II e à PUC-Rio, instituições da qual muito me orgulho por fazer parte e que têm contribuído imensamente para minha formação acadêmica, profissional e humana.
Aos meus queridos alunos, motivação principal deste trabalho. Obrigada por suscitarem em mim diferentes questões de pesquisa. Obrigada por me instigarem a querer fazer cada vez mais e melhor.
Sumário
PREFÁCIO
1 Introdução
2 Conhecimento matemático anterior à escolarização: o que a criança já sabe?
2.1 Senso numérico
2.2 O modelo intuitivo de dealing
2.3 Raciocínio matemático em pré-escolares
3 Na escola: o que o aluno precisa saber para
3.1 A influência da complexidade gramatical na
4 Conceitos de divisão trabalhados na escola: divisão partitiva e divisão por quotas
5 Enunciados de problemas de divisão:
5.1 Caracterização dos tipos de instrução
5.2 Caracterização da estrutura das situações-problema de divisão
5.3 Questões de estruturação gramatical e possíveis interpretações semânticas de enunciados de problemas de divisão
5.4 Expressões quantificadas e possibilidades de leitura
6 Testando a interação entre estrutura linguística
6.1 Correlação do desempenho em
6.2 Experimento 1
6.3 Experimento 2
6.4 Experimento 3
7 Considerações Finais
Referências bibliográficas
PREFÁCIO
A solução de problemas vem sendo uma prática sistemática na sala de aula, quer como instrumento de aprendizagem, quer como forma de avaliação do conhecimento matemático das crianças. Como contexto de aprendizagem, a solução de problemas matemáticos permite a integração de conhecimentos, a descoberta de novos procedimentos, ampliando o sentido atribuído às operações matemáticas.
Espera-se da criança a leitura do enredo do problema e a transposição dos dados e das relações presentes na linguagem escrita para a notação matemática, com a escolha da operação aritmética esperada, a execução do cálculo e, finalmente, a formulação da resposta do problema pela transposição do resultado numérico ao contexto específico do enredo do problema. Dessa maneira, é esperado que primeiro a criança domine o algoritmo canônico das operações aritméticas, para que depois possa aplicá-las em problemas matemáticos. Dessa forma, os problemas de divisão são os últimos a ser apresentados para as crianças, em função da complexidade de seu algoritmo. Assim, não se espera que as crianças possam resolver os problemas de divisão em seus dois primeiros anos de escolaridade.
Por outro lado, desde muito cedo, somos ensinados socialmente a partilhar. Antes mesmo de iniciar o ensino fundamental, a criança se depara com situações em seu cotidiano em que tem que dividir uma determinada quantidade com outras crianças. Essas experiências fazem com que tenhamos formado conceitos intuitivos.
Jessica Barcellos, em seu livro Esse é mais difícil por causa das palavras
: uma investigação psicolinguística acerca do papel da linguagem na resolução de problemas matemáticos de divisão, mostra que é possível, sim, que crianças dos anos iniciais de escolaridade possam resolver problemas de divisão mesmo que desconheçam como realizar o algoritmo da divisão. Isso é possível desde que possamos dar a elas a liberdade de usar suas próprias notações e procedimentos intuitivos de cálculo construídos a partir de suas experiências cotidianas com a divisão. Assim, por meio, principalmente, do desenho e da representação das partes ou das quotas, a criança consegue chegar à solução dos problemas.
No entanto, Jessica Barcellos vai mais longe, estabelecendo de forma inequívoca a relação entre linguagem e matemática. Suas pesquisas fornecem evidências empíricas de como a linguagem pode influenciar o raciocínio matemático. A forma como se apresenta o enunciado do problema de divisão, não importando o seu tipo de estrutura, pode ter grande influência sobre a eficácia da resolução encontrada pela criança.
Permitindo que a criança empregue formas de notação e procedimentos intuitivos de cálculo, como pelo planejamento dos aspectos estruturais e linguísticos dos problemas, é possível que, nos anos iniciais de escolaridade, a criança possa lidar com os fundamentos para o entendimento da divisão. Dessa maneira, o emprego de problemas verbais no ensino de conceitos matemáticos seria uma forma de aprimorar o raciocínio lógico da criança, auxiliando-a na construção de habilidades cognitivas que lhe permitam lidar com as diversas operações aritméticas.
Jane Correa
1
Introdução
O trabalho reportado neste livro insere-se na área da Psicolinguística e investiga a interface linguagem-raciocínio matemático, tendo como foco o papel da linguagem na resolução de situações-problema de divisão por crianças em idade escolar. Está vinculado ao projeto Processamento sintático e questões de interpretação na interface sintaxe-semântica, coordenado pela Professora Erica dos Santos Rodrigues, e insere-se no âmbito da linha de pesquisa Língua e cognição: representação, processamento e aquisição da linguagem, do Programa de Pós-graduação Estudos da Linguagem da PUC-Rio. Articula-se, ainda, a outros trabalhos que exploram a relação entre linguagem e habilidades cognitivas superiores, desenvolvidos no Laboratório de Psicolinguística e Aquisição da Linguagem da PUC-Rio (LAPAL)¹.
A investigação da interface apresentada é feita tomando como base os conceitos de divisão mais enfatizados na educação básica: divisão partitiva e divisão por quotas. Exploramos como o uso de diferentes estruturas linguísticas nos enunciados matemáticos pode influenciar o desempenho dos alunos. Nesse sentido, o trabalho dialoga com as áreas da Cognição matemática, da Educação matemática e da Psicologia Cognitiva.
Realizamos uma análise linguística das estruturas presentes nos enunciados de divisão de livros didáticos que fazem parte do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD 2016) e, a partir do levantamento conduzido, investigamos, por meio de experimentos psicolinguísticos, como o desempenho dos alunos em tarefas de resolução de problemas difere em contextos originais e em contextos nos quais se buscou controlar a complexidade gramatical das estruturas utilizadas. Exploramos também como os alunos interpretam enunciados ambíguos.
Com este trabalho, pretendemos contribuir para a investigação teórica acerca da interface linguagem-matemática, mais especificamente sobre o papel da gramática (língua-interna) em tarefas de resolução de situações-problema. Ao verificar como diferentes estruturas linguísticas podem influenciar a interpretação feita sobre um mesmo enunciado, este trabalho auxilia no exame de quais tipos de erros e de dificuldades são oriundos do domínio da língua e quais são pertencentes ao campo do raciocínio matemático. Do ponto de vista aplicado, esta pesquisa propõe reflexões sobre aspectos gramaticais que precisam ser considerados na elaboração de enunciados matemáticos e na avaliação das respostas dos alunos.
O interesse por investigar o papel da língua no desenvolvimento de habilidades cognitivas superiores, especificamente das habilidades matemáticas, tem origem na minha observação, como professora de Ensino Fundamental, a respeito do antagonismo com que são tratadas e trabalhadas, na escola, as habilidades linguísticas e as habilidades matemáticas do aluno. Planejamos, ensinamos e avaliamos como se essas esferas fossem independentes e uma não pudesse influenciar a outra.
Muito se fala acerca do baixo desempenho dos alunos brasileiros nas avaliações de matemática e das dificuldades que a maioria dos alunos encontra nessa disciplina. O mito da má-temática
é presente em grande parte das escolas, como a disciplina que mais reprova e assusta os alunos. No entanto, é evidente para nós, professores, que os alunos apresentam mais dificuldade em realizar tarefas de resolução de problemas do que em calcular e operar com algoritmos. Portanto, o papel da linguagem no desempenho em tarefas matemáticas é um ponto que necessita ser investigado, visando contribuir para o ensino de matemática nas escolas. As avaliações internacionais e nacionais apontam que o Brasil está abaixo da média na proficiência em matemática (PISA, 2012; SAEB, 2015). Os resultados da Prova Brasil de 2015 apontam um cenário bastante preocupante no que tange ao desempenho dos municípios brasileiros na avaliação de matemática para o 5º ano do Ensino Fundamental, que possui como foco a resolução de situações-problema.
Os resultados indicam que, na maioria dos municípios do país, a proficiência em matemática dos alunos do ٥º ano está abaixo da média nacional.
É preciso questionar até que ponto esses baixos resultados devem-se exclusivamente a uma dificuldade ligada à cognição matemática ou até que ponto o domínio da linguagem influencia o processamento e a leitura dos enunciados. É também papel de nós, professores, analisar linguisticamente os enunciados que elaboramos e os enunciados presentes nos materiais didáticos, visando investigar até que ponto a sintaxe e a carga semântica desses textos estão adequadas à faixa etária de nossos alunos e identificar que tipos de estruturas trazem dificuldades do ponto de vista do processamento, de modo a desenvolver a competência leitora dos estudantes.
A parte inicial do título deste trabalho foi retirada da justificativa de uma aluna do 2º ano do Ensino Fundamental para um problema que não conseguiu solucionar.
Figura 1: Justificativa para um problema que o aluno não conseguiu resolver
Trata-se de uma resposta que foi dada para um problema retirado de um livro didático de matemática para o 2º ano do Ensino Fundamental. Tal enunciado possuía duas expressões nominais coordenadas na posição de sujeito, que tornavam o enunciado ambíguo, além de outra ambiguidade causada por um complemento que poderia referir-se a dois verbos diferentes do enunciado². Esse comentário nos faz refletir em que medida as dificuldades que os alunos apresentam em matemática podem estar relacionadas à dificuldade de compreensão do enunciado e, mais do que isso, em que medida a forma como nós, professores, redigimos esses enunciados contribui para que sua compreensão seja mais custosa.
Apresento a seguir outros exemplos de respostas de alunos para questões matemáticas que me fizeram despertar para a investigação sobre essa área de interface Linguística e Matemática.
Ao lecionar para turmas dos anos iniciais do Ensino Fundamental, comecei a notar dificuldades de compreensão por parte dos alunos no que tange aos enunciados de situações-problema, especialmente na leitura e no processamento de determinadas estruturas linguísticas comumente utilizadas nesse tipo de exercício, como quantificadores e expressões distributivas. A interpretação do operador distributivo cada e de expressões nominais coordenadas (sujeito composto) foram dois pontos de dificuldade que me chamaram bastante atenção. Enquanto a literatura em teoria linguística aponta que o quantificador cada está associado, predominantemente, à interpretação preferencial distributiva, o dia a dia em sala parecia indicar-me que, no contexto específico dos enunciados matemáticos, os alunos na faixa etária de 7 a 9 anos não dominavam o tipo