Diluição de Fronteiras: A Identidade Literária Indígena Renegociada
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Diluição de Fronteiras - Thays Xavier Campos de Miranda
COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO LINGUAGEM E LITERATURA
Dedico este livro, com muito carinho, à minha mãe, Luiza Eustáquia Xavier Campos de Miranda, ao meu pai, Francisco Victorino de Miranda (in memoriam), aos meus irmãos, Cristiano e Evelyne, que estiveram sempre presentes ao meu lado no incentivo e orientação para meu crescimento pessoal e profissional.
AGRADECIMENTOS
A Deus e Jesus, por terem me proporcionado capacidade intelectual e determinação para superar as adversidades e os obstáculos.
Ao meu pai, Francisco Victorino de Miranda (in memoriam), à minha mãe, Luiza Eustáquia Xavier Campos de Miranda, e aos meus irmãos, Cristiano e Evelyne, que sempre me incentivaram e contribuíram para meu êxito. Em especial, à minha mãe, pelos seus conselhos e companheirismo.
Ao escritor indígena Olívio Jekupé, que esteve presente durante toda a escrita deste livro, auxiliando-me e dando-me suporte.
O Brasil colonial não era igual a Portugal
A raiz do meu país era multirracial
Tinha índio, branco, amarelo, preto
Nascemos da mistura, então por que o preconceito?
(Gabriel, o Pensador)
PREFÁCIO
CONHECER, QUESTIONAR, REPENSAR
O desejo de conhecer muitas vezes impõe desafios ao se confrontar com o desconhecido. O que nem existia no pensamento, posto que nunca percebido, passa a ocupar a atenção, novos mundos vão se desdobrando à percepção e superando preconceitos e preconcepções. Esse parece ser o trajeto de toda pesquisa e não seria diferente com o estudo empreendido por Thays Xavier Campos de Miranda.
A professora se debruçou sobre a obra de Olívio Jekupé, autor guarani, que tem se preocupado com a divulgação do conhecimento indígena, em busca da desmitificação de preconceitos e da criação de espaços institucionais de circulação literária para os povos autóctones brasileiros.
O objetivo foi analisar as configurações da autoria indígena na obra do autor, destacando especificamente a caracterização do Saci, personagem altamente popularizado no imaginário brasileiro, a partir de uma apropriação cultural realizada por notórios folcloristas e difundida em espaços institucionais como a escola, e confrontá-la com a versão apresentada por Jekupé.
A importância do estudo de caso apresentado no livro reside na constatação de que as manifestações literárias oriundas de grupos específicos constituem um lugar de reflexão necessário para o estudioso de literatura, pois conceber o fenômeno literário como um sistema dinâmico, no qual as operações de formação do cânone se realizam na dobra entre o deslocar das concepções consagradas e, simultaneamente, a absorção de novas formas de escrever aquilo que é visto como o já estabelecido, conforme ensina mestre Antonio Candido no ensaio Literatura de dois gumes (1987), torna-se imperioso no século XXI.
A simultaneidade de movimentos que ocorrem dentro do cânone é mapeada (talvez controlada) pelas suas diversas instâncias de consagração; a denominada academia, a mídia e o mercado editorial promovem a inclusão ou a exclusão de determinadas expressões culturais. As motivações dessas ações seriam as mais diversas, contudo, é possível e mesmo desejável que, vez ou outra, uma forma que ameace ou que transforme completamente a concepção dominante se imiscua no interior de um sistema. É o caso literatura indígena ou nativa, conforme defende Olívio Jekupé (2010).
Constituindo um excelente lugar de visibilidade para os povos autóctones que tiveram sempre sua voz, sua vez e o seu lugar obliterado pelos olhares, ora condescendentes, ora discriminatórios dos povos dominadores, as produções literárias recentes têm promovido um deslocamento de concepções consagradas sobre o grande sistema denominado literatura brasileira.
Um dos aspectos mais incisivos das produções indígenas na literatura brasileira encontra-se na cisão que estas provocam na ideia de unidade linguística. Partindo das concepções de literatura menor e suas implicações intuídas por Gilles Deleuze e Félix Guattari (1997, p. 25), segundo a qual uma literatura menor não é a de uma língua menor, mas antes a que uma minoria faz em uma língua maior, e a da Teoria dos Polissistemas elaborada por Itamar Even-Zohar, na qual no sistema literário, os textos, mais que desempenhar um papel nos processos de canonização, são o resultado desses processos, é possível realizar uma abordagem sobre o deslocamento ou a desterritorialização provocados pela literatura indígena no conceito de literatura brasileira, na noção de unidade linguística entre outros pressupostos que têm norteado a crítica literária.
Antonio Candido, em Literatura de dois gumes, apresenta o seu conceito de formação da literatura brasileira a partir da constatação de que a literatura no Brasil, desde a fase colonial, foi uma peça eficiente do processo colonizador, ou seja, de imposição cultural. Em defesa de sua tese, o grande mestre elenca, em primeiro lugar, as restrições impostas pela administração ao uso da língua geral, o tupi-guarani, proibida na segunda metade do século XVIII, o que evitou que ocorresse em São Paulo um bilinguismo análogo ao do Paraguai.
Não só Candido aponta a questão linguística como um elemento poderoso no processo de exclusão e segregação dos povos colonizados. Silviano Santiago, em outro texto seminal sobre a literatura brasileira, O entre-lugar da literatura latino-americana
, afirma que a imposição de uma língua estava diretamente ligada à imposição religiosa, pois, segundo o autor de Formiga:
Evitar o bilingüismo, significa evitar o pluralismo religioso e significa também impor o poder colonialista. Na álgebra do conquistador, a unidade é a única medida que conta. Um só Deus, um só Rei, uma só Língua: o verdadeiro Deus, o verdadeiro Rei, a verdadeira Língua (SANTIAGO, 1978, p. 16).
Pelo exemplo desses dois pensadores, parece que a crítica literária brasileira no século XX percebeu o lugar da exclusão de uma parte significativa da população brasileira por meio da ativação de um pseudomonolinguismo que servia ao mesmo tempo de discurso unificador de falsos patriotismos e de apagamento de traços identitários anteriores à presença do colonizador europeu.
Contudo, seja pela configuração do momento histórico, seja pela demanda da crítica em apreciar as obras que eram apresentadas pelas editoras comerciais, seja pelo momento político, não se sabe que tenha sido a partir de um crítico literário a deliberação de se voltar as pesquisas para a literatura produzida por não falantes natos da língua portuguesa. Isso, que agora é possível vivenciar em congressos e em encontros recentes sediados pelo meio acadêmico, é fruto da conquista, melhor, reconquista do protagonismo das próprias populações que foram frequentemente caladas na sua própria voz.
Para alcançar prestígio no cenário nacional, os escritores indígenas devem lidar com as questões do idioma, pois precisam, de certa forma, abandonar a língua materna e adotar a língua do colonizador como instrumento de trabalho. Além de ser uma obrigação e imposição colonial, a apropriação da língua do colonizador por escritores indígenas é, por vezes, considerada ilegítima
, por representar a rendição às imposições culturais seculares. Exatamente por estarem presos a essas contradições estruturais, os escritores indígenas são obrigados a optar pela tradução para uma língua literária e essa dinâmica acaba afastando-os de seu público original e, simultaneamente, proporcionando à obra a existência literária em uma escala nacional.
Uma das estratégias estilísticas adotadas por Jekupé para reterritorializar sua língua de escrita foi a inserção de vocabulário guarani em suas obras. Embora causem certa estranheza no leitor, informam explicitamente a ele que é um texto em português, com a presença de uma outra língua subjacente. Por meio de expressões e construções sintáticas, os leitores de sua obra passam a ter um conhecimento mínimo de alguns termos e, até mesmo, de algumas frases em guarani. Utilizar a língua materna é também uma forma de Jekupé homenagear a tradição oral de seu povo.
A escritora indígena Graça Graúna (2013, p. 15) afirma que a literatura indígena é um lugar utópico (de sobrevivência), uma variante do épico tecido pela oralidade; um lugar de confluência de vozes silenciadas e exiladas (escritas), ao longo dos mais de 500 anos de colonização
. A prática autoral de Olívio Jekupé, evidenciada na leitura de Thays Miranda, permitiu revelar a complexa representação das identidades indígenas, mas, agora, sob a ótica de dentro, daqueles que construíram suas próprias culturas e subjetividades.
Se, ainda segundo Graúna, a literatura indígena é auto-história, uma forma crítica de perceber a memória, cumplicidade na leitura do mundo e da palavra dos Filhos da Terra
(GRAÚNA, 2013, p. 18), é essa cumplicidade que é exigida do leitor