Intraterra - A série. 1: Piloto
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Intraterra - A série. 1 - Carlos Flávio Angelo Filho
INTRATERRA - A SÉRIE
A Irmandade dos Ossos, uma sociedade secreta considerada terrorista por todos, menos pelo governo corrupto de Intraterra, utilizava de todos os meios possíveis para garantir o poder do centro oco do planeta. Há dez anos, eles haviam retomado o poder absoluto utilizando de extorsão, terrorismo e sequestro de membros importantes da sociedade.
Logo que isso aconteceu, muitos políticos, autoridades e mesmo os fiéis Doutrinadores, um grupo de oposição aos desmandos da Guarda Imperial do governo, trataram de enviar seus familiares para a superfície, a fim de evitar que fossem capturados e utilizados para chantagear.
Entre esses garotos, estava o filho do atual líder do partido Sobrenatural, Rufino Rufus, pessoa de bom coração e que lutava pelos interesses do povo.
Sem saber do paradeiro do filho por dez anos, Rufino, assim como muitos outros na mesma situação, agia com moderação com relação ao combate ao crime e a corrupção governamentais, temendo represálias.
Por sua vez, chegar em Intraterra era uma tarefa muito arriscada. As fronteiras eram patrulhadas e todos os caminhos eram vigiados. Em outras palavras, chegar ao centro oco da terra era praticamente impossível para uma criança vinda da superfície, ainda mais sozinha.
Os Doutrinadores, bruxos e magos, para auxiliar, haviam criado cidades limites na superfície, cidades estas, enfeitiçadas e invisíveis aos humanos comuns, e que não eram do conhecimento do restante da humanidade, na esperança de que as crianças conseguissem encontrá-las e uma vez estando lá, elas pudessem ser resgatadas mais facilmente. Esse tipo de missão era chamada de extração
e era considerada a tarefa mais importante entre os Doutrinadores.
Essa é a história de Rufus e de outra criança não menos importante, que juntos, e com a ajuda de muitos amigos, mudaram o destino de Intraterra.
CAPÍTULO UM. - PILOTO
O guarda ruas da cidade limite de Esperança, entrou com seus dois soldados na Taverna do Dragão, e, todo orgulhoso, deu uma boa olhada à sua volta. O lugar estava calmo, mas, mesmo assim, as mesas estavam quase todas ocupadas. Ele observava e tentava imaginar uma forma de aplicar uma multa no estabelecimento e com isso encher sua bolsa de couro com mais algum dinheiro.
Omar olho furado, o dono da espelunca, sentiu nos ossos que o agente do governo estava procurando confusão, e se adiantou para tentar amenizar o prejuízo inevitável.
__ Seja bem-vindo, senhor Guarda ruas, sente-se com seus homens em nossa melhor mesa. - Disse ele indicando uma mesa nos fundos e bem próxima a lareira, e puxando a cadeira para que Ulfred se acomodasse. - Mandarei trazer nossa melhor cerveja e quem sabe, um pouco de nosso guisado.
Ulfred, o guarda ruas, era quase três vezes maior que Olho Furado, e o olhou de cima, como quem observa um inseto nojento. O uniforme da guarda dava um ar ainda mais feroz aos homens, e os poucos frequentadores da taberna estavam totalmente quietos, tentando não chamar a atenção.
Ulfred seguiu até a mesa como se estivesse desfilando, e sentou na cadeira oferecida como se fosse um rei. Sua roupa, de oficial, em contraste com as dos soldados que o acompanhavam, estava parecendo muito limpa naquele dia. As cidades limite não eram conhecidas por sua limpeza.
Olho furado rezou para que o garoto tivesse limpado a cadeira um pouco antes de Ulfred sentar, afinal, com todo aquele óleo em seus pratos, respingos eram inevitáveis.
Em seguida, Olho Furado foi até a cozinha e voltou com uma jarra grande e três canecas de estanho. Serviu as três até a boca e deixou a jarra como cortesia. Não ousava falar uma só palavra, para não atrair a ira do Guarda ruas.
Ulfred pegou a caneca e a esvaziou de um só gole, Olho Furado tornou a encher. Só então o Guarda ruas fez sinal para que seus soldados sentassem e se servissem, no que foi prontamente atendido.
Os dois guardas eram apenas recrutas, novatos, nem pareciam ter sangue puro de vampiro nas veias. E também estavam nervosos, era a primeira semana daqueles dois patrulhando as ruas e eles tinham, por azar, sido escolhidos para a ronda por Ulfred, que não tinha boa fama.
Ulfred estava olhando atentamente as mesas ao redor e estudando o rosto dos homens, pelo jeito, nenhum deles era procurado, o que também poderia render algum dinheiro. Apesar de o salário pago pelo governo ser generoso, dinheiro era sempre bem-vindo.
Os homens no bar sentiram no ar que as coisas haviam se acalmado e voltaram a conversar, se bem que em voz baixa. Olho furado foi até a cozinha e pegou uma travessa com guisado de porco boiando em muito óleo e alguns pães, e retornou. Ulfred olhou para a carne e gostou do que viu, afinal, o dia não estava de todo perdido. Olho Furado enquanto isso, voltou para a cozinha sorrateiramente.
__ Prepare mais guisado, esse idiota costuma repetir e pode faltar para os outros fregueses. - Ordenou ele em voz baixa para a cozinheira, que tratou de colocar mais uma panela no fogão e atiçou a lenha com um ferro.
Ao voltar para o salão com mais cerveja para outra mesa, Olho Furado arriscou uma olhada na direção da tina de lavagem. O garoto estava lá, esfregando as panelas e colocando para secar em um suporte na parede. Ele não pôde deixar de se admirar com a disposição do rapazinho, com apenas quatorze anos, trabalhava melhor que muito homem barbado.
Perto dali, Ismael, o boticário, apagou a última vela e sua loja ficou totalmente escura. Ele pegou sua maleta que estava em cima do balcão e saiu para a rua, tomando cuidado em lembrar de fechar a porta de forma espalhafatosa.
Sua loja estava protegida com alguns feitiços e eles eram suficientes para evitar que fosse roubada, mas o ato de trancar, servia para desencorajar quem pudesse olhar com má intenção.
Hoje em dia quase ninguém mais acreditava em magia, até se deparar com ela, o que era raro e as vezes, perigoso.
Ele seguiu pela calçada de madeira em direção a sua taverna preferida, para tomar seu copo de cerveja diário, mas, mais uma vez, teve a sensação de ser observado. Aquilo já vinha acontecendo há uma semana e já estava incomodando.
Ismael parou em frente a vitrina da papelaria ao lado, e ajeitou a gola do casaco, aproveitando para dar uma boa espiada, usando o reflexo do vidro para vigiar as suas costas, mas não conseguiu notar nada de suspeito. Assim que se tranquilizou, ele deu uma boa olhada em suas vestimentas e ficou satisfeito. Ainda preferia manter a forma usual de se vestir usada pelos seus antecessores. Botas de cano alto e de bico fino, meias que iam até os joelhos, uma bata que descia até as canelas e seu chapéu pontudo com uma cinta de couro e uma fivela, um perfeito bruxo das antigas.
Infelizmente agora os bruxos eram tratados apenas como curandeiros, e por isso ele exercia essa profissão, por ainda render um bom dinheiro e ser segura.
Ele deu outra espiada pelo reflexo do vidro e olhou para seu casaco, que era necessário por conta do calor naquela época do ano, mas que não atrapalhava em nada o visual. Ele sabia que seus clientes acreditavam no que viam, e toda ajuda era bem-vinda. Se parecer com um bruxo, fazia as pessoas voltarem a acreditar na magia. Pelo menos enquanto estavam em sua presença.
Ismael andou mais um pouco e entrou na Taverna do Dragão, e foi sentar-se a uma mesa no canto do salão, onde poderia aproveitar para dar uma olhada em seu livro de poções, enquanto apreciava uma boa caneca. Estava mesmo precisando renovar seu estoque de ervas e toda sorte de bugigangas.
Ao abrir o livro, ele levantou os olhos e notou o Guarda ruas sentado ao fundo com dois soldados, atacando selvagemente uma travessa de guisado banhada em óleo de porco selvagem, parecia mais um animal comendo. Não se preocupou com aquilo, a atmosfera estava calma e parecia que tudo estava em ordem.
Ulfred também notou o bruxo Ismael no outro lado do salão. O bruxo vinha pagando seus impostos em dia, mas poderia sofrer uma visita no dia seguinte, sob a desculpa de fiscalização de rotina. Ulfred poderia arrumar algum dinheiro ali, e esse pensamento alegrou seu coração.
Quando o guarda ruas tornou a olhar para a mesa, notou um dos soldados olhando para debaixo da mesa, e viu que havia entornado a travessa e derrubado quase todo o óleo do guisado nas calças. O soldado estava petrificado, pois todos morriam de medo do gênio do chefe.
__ Olho Furado, me traga um pano. - Gritou Ulfred