Diversidade Cultural e Formação: Reflexões para a Educação
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Diversidade Cultural e Formação - Lúcia Isabel da Conceição Silva
COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO EDUCAÇÃO, TECNOLOGIAS E TRANSDISCIPLINARIDADE
PREFÁCIO
Em um momento de profunda dúvida sobre os destinos do mundo com a pandemia da Covid-19, reflexões que nos reportem às teorias sobre o sentido da vida para a formação das sociedades humanas, assim como para práticas educacionais nessa direção, são, mais do que nunca, necessárias. É nesse sentido que esta obra se coloca, a partir da iniciativa de docentes e estudantes do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal (PPGED/UFPA) em parceria com docentes da Universidade Estadual do Maranhão, da Universidade Federal do Amapá e da Universidade Estadual de Roraima.
Ao tratar de diversos temas que matizam as discussões sobre cultura e formação, os autores e as autoras desta obra colocam em discussão projetos e processos de educação pensados e executados no Brasil por meio de políticas e programas. Também abordam teorias, visões históricas e dados que fundamentam concepções de formação, assim como descrevem práticas e ações vivenciadas por atores principais da cena escolar como professores/as e estudantes. No contexto narrativo dos escritos de nossos/as autores/as, algumas questões importantes se colocam: que tipo de formação as políticas educacionais implementadas pós-redemocratização do país tentam viabilizar? Quais percepções históricas e bases teóricas que têm fundamentado o debate sobre educação na academia se aproximam ou se distanciam dessa formação?
Embora não respondam diretamente a tais questões, os autores nos indicam, por meios diversos de investigação, os caminhos que o país trilha na consecução de suas políticas e práticas educacionais, assim como apontam as perspectivas teóricas sob as quais os pensadores da educação e seus atores vêm colocando o debate acerca da formação humana para o país. A partir de diversos ângulos, fica evidente que, de 1988 (ano da promulgação da atual Constituição Federal brasileira) a 2016, representações e práticas desenvolvidas no país correram, com erros e acertos, na direção de uma formação humana progressista, fundada num certo senso de direito e de oportunidade para todos e que, tais perspectivas, passam a ser colocadas em risco no cenário pós-2016. Vale a pena conferir.
Do ponto de vista de sua viabilidade, a obra é resultado de um trabalho coletivo. Encontra-se composta de textos produzidos por professoras, professores e estudantes do PPGED/UFPA e das outras universidades parceiras (Universidade Estadual do Maranhão, da Universidade Federal do Amapá e da Universidade Estadual de Roraima). Contou, em especial, com a política de cooperação articulada pela Coordenação do Programa, gestão 2018-2019, sob a liderança da Prof.ª Vera Lúcia Jacob Chaves e da Prof.ª Lúcia Isabel da Conceição Silva, que tornou possível um acordo de cooperação institucional (Dinter) entre o Programa e o Governo do Estado do Maranhão, com vistas à formação de doutores para a universidade estadual daquele estado (Uema).
A obra conta, também, com a parceria da Universidade Federal do Amapá e da Universidade Estadual de Roraima, integrantes do Projeto Pesquisa em Educação na Amazônia: história, política, formação de professores e diversidade cultural
, aprovado pelo edital n.º 21/2018 ‒ Programa Nacional de Cooperação Acadêmica na Amazônia. Assim, agradecemos:
A todos os professores/as e estudantes do PPGED, que participam da publicação com textos especificamente produzidos para este livro;
À Prof.ª Vera Lúcia Jacob Chaves, pelo apoio a esta publicação;
À Prof.ª Lúcia Isabel da Conceição Silva, coordenadora do Dinter, que se empenhou em garantir no orçamento do Dinter os recursos para a publicação;
Ao governador do estado do Maranhão, Flavio Dino, que confiou na formação qualificada promovida pelo PPGED/UFPA;
À Fundação de Amparo à Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Maranhão (Fapema), pelo financiamento;
À Fundação de Amparo e Desenvolvimento da Pesquisa do Pará (Fadesp), pela gestão dos recursos do Dinter, que garantiu a publicação;
Ao Reitor da UFPA, Prof. Emmanuel Tourinho, pelo apoio ao PPGED na viabilização do Projeto Dinter PPGED/Uema.
Belém, 29 de outubro de 2020.
As organizadoras.
Sumário
INTRODUÇÃO 11
Sônia Maria da Silva Araújo e Lúcia Isabel da Conceição Silva
1
CONCEITOS ARENDTIANOS EM EDUCAÇÃO: CONTRIBUIÇÕES PARA A FORMAÇÃO HUMANA PELO ENSINO DE SOCIOLOGIA NO ENSINO MEDIO 25
Ricardo Teixeira da Silva e Helena Cristina Guimarães Queiroz Simões
2
GÊNERO E DIVERSIDADE SEXUAL: ANÁLISES PRELIMINARES SOBRE A PRODUÇÃO ACADÊMICA BRASILEIRA NA ÁREA EDUCACIONAL 35
Alexandre Adalberto Pereira e Lúcia Isabel da Conceição Silva
3
POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO PARA POVOS INDÍGENAS: REFLEXÕES SOBRE A PROFISSIONALIZAÇÃO DO PROFESSOR INDÍGENA E A TRANSFORMAÇÃO EM TRABALHADOR ASSALARIADO 47
Daniela de Fátima Ferraro Nunes e Vera Lúcia Jacob Chaves
4
O DISCURSO DA DEMOCRATIZAÇÃO DO ACESSO AO LIVRO E À LEITURA NO PLANO NACIONAL DO LIVRO E LEITURA-PNLL
(2006-2018) 59
Lidiane Tavares do Nascimento Gomes, Ilma de Andrade Barleta e Regina Lúcia da Silva Nascimento
5
AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM: O QUE PENSAM OS PROFESSORES DO ENSINO MÉDIO? 69
Marcelo Conceição da Rocha Campos e Eliana do Socorro de Brito Paixão
6
FORMAÇÃO DO PROFESSOR DE EDUCAÇÃO INFANTIL DO CAMPUS DE CAXIAS-UEMA: UM ESTUDO SOBRE O LÚDICO NO CURRÍCULO DO CURSO DE PEDAGOGIA 79
Marinalva Veras Medeiros e Waldir Ferreira de Abreu
7
ACESSIBILIDADE NA EDUCAÇÃO SUPERIOR: Das condições objetivas à contradição do Programa Incluir 89
Washington Luis Rocha Coelho e Fabíola Kato Bouth Grello
8
FORMAÇÃO DOCENTE SOB A ÓTICA DO BANCO MUNDIAL: O FOCO NOS PROFESSORES 99
Lucenilda Sueli Mendes Cavalcante Abreu e Olgaíses Cabral Maués
9
Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva e trabalho docente nos anos
iniciais 113
Maria José Santos Rabelo e Arlete Maria Monte de Camargo
10
COTAS RACIAIS PARA NEGROS NO ENSINO SUPERIOR: UM ESTUDO SOBRE A IMPLEMENTAÇÃO NA UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO 125
Marina Santos Pereira Santos e Lúcia Isabel da Conceição Silva
11
NÍSIA FLORESTA: POR UMA EDUCAÇÃO QUE ALARGUE OS ESPARTILHOS 137
Adriane Raquel Santana de Lima e Sônia Maria da Silva Araújo
12
SABERES SOBRE O CURRÍCULO POR ÁREA DE CONHECIMENTOS, EM CIÊNCIAS DA NATUREZA E AGRÁRIAS, NA LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO DO CAMPO 149
Ana Cláudia Peixoto de Cristo, Oscar Ferreira Barros e Salomão Antonio Mufarrej Hage
13
Autoeficácia acadêmica no contextO da Educação a Distância 161
Fernando César dos Santos e Maély Ferreira Holanda Ramos
14
FORMAÇÃO E SABERES DOCENTES: possibilidades e limites da racionalidade técnica 175
Roseli Moraes Cardoso e Damião Bezerra Oliveira
15
PÓS-GRADUAÇÃO NA UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAPÁ: INSTITUIÇÃO DE PROGRAMAS E EXPANSÃO DE MATRÍCULAS 187
José Almir Brito dos Santos e André Rodrigues Guimarães
16
REPRESENTAÇÕES SOCIAIS SOBRE A INCLUSÃO ESCOLAR NO ENSINO SUPERIOR: a produção acadêmica brasileira de teses e dissertações no período de 2013 a 2017 201
Wilma Cristina Bernardo Fahd e Ivany Pinto Nascimento
17
OS ALMANAQUES E A HISTÓRIA DO ENSINO DE MÚSICA EM SÃO LUÍS ENTRE AS DÉCADAS DE 1850 E 1870: PRIMEIRAS ANÁLISES 219
João Costa Gouveia Neto e Cesar Augusto Castro
SOBRE OS/AS AUTORES/AS 231
INTRODUÇÃO
DIVERSIDADE CULTURAL E FORMAÇÃO NA PERSPECTIVA EDUCACIONAL
Sônia Maria da Silva Araújo
Lúcia Isabel da Conceição Silva
Passados praticamente 200 anos da independência política do país e mais de 130 anos da proclamação de sua República, pouco temos a comemorar e muito ainda por lutar se colocarmos no horizonte o acesso da população a um sistema público de educação democrática. Ao longo desses anos, embora o povo brasileiro, representado pelas populações indígenas e quilombolas, pelos trabalhadores e trabalhadoras das cidades e do campo, tenha constituído movimentos organizados de lutas de resistência (locais e nacionais) e articulado organizações de classe e partidos políticos em favor da distribuição justa da riqueza, do acesso à agua potável, à escola e a um sistema público de saúde que lhe garantisse o direito a uma vida digna, as forças políticas contrárias, representadas pela elite do atraso, como bem identifica Jessé de Souza (2017), vem usando, ora explícita, ora implicitamente, seu poder para impedir as transformações profundas que a sociedade brasileira precisa para deixar de ser essa nação tão desigual e cruel, produzidas nas relações de escravidão e subalternização às quais foram/são submetidas as populações indígenas, a população negra, as mulheres, a população LGBTQIA+, as pessoas com deficiência, enfim, os/as trabalhadores e trabalhadoras precarizados/as. É no rastro dessa compreensão mais geral que os capítulos deste livro, especificamente relacionados ao campo da educação, colocam-se.
Essa realidade, que se espraiou por todo o continente latino-americano, foi se conformando desde a chegada de Colombo, em 1492, que iniciou um processo de violência contra a população originária e depilhagem da natureza e do conhecimento no continente, como destaca Shiva (2001). A situação de hoje, construída historicamente ao longo desses mais de 500 anos, amalgamou, nos corações e mentes latino-americanos, práticas e representações alinhadas às visões de mundo dos europeus do Ocidente. Nesse processo, a educação escolar foi cultivada na região, desde os seminários de missionários católicos e protestantes para meninos e meninas, tornando-se uma herança da cultura Ocidental enraizada no seio das sociedades latinas e anglo-saxônicas da América.
Com o desenvolvimento do capitalismo na região após os processos de independência, isso depois do saque no continente que corroborou a acumulação primitiva do capital, como destacam Marx e Engels no Manifesto Comunista, ao dizerem que a descoberta da América, a circunavegação da África ofereceram à burguesia em assenso um novo campo de ação
(MARX; ENGELS, 1999 [1848], p. 8), a educação escolar, sob a lógica e os valores do Ocidente, torna-se um instituto importante nos projetos nacionais, principalmente com as repúblicas proclamadas.
É no contexto da realidade desse continente colonizado, pilhado, já conformado por grupos humanos diversos, mas conduzido por uma elite escravocrata dominante, que projetos de educação são traçados de modo a favorecer uns em detrimento de outros. A força política dessa elite, que tenta fazer prevalecer a cultura que herdou dos brancos europeus, forjada por relações escravistas e patriarcais, vai, especificamente no Brasil, conduzir a formação de um sistema educacional que exclui grande parte da sociedade.
Não por acaso, republicanos convictos, passados alguns anos da proclamação da República, desencantam-se com o regime, principalmente porque ele não consegue resolver os problemas educacionais, sociais, econômicos e de infraestrutura. É o caso de José Veríssimo. Republicano inconteste, que dedicou uma vida à educação e produção literária, autor do clássico Educação nacional, Veríssimo se desencanta porque constata que a educação não se torna um bem comum, ao alcance de todos.
Mas como dar certo? Uma República proclamada sem povo na rua era uma demonstração inequívoca de fracasso, como demonstra Carvalho (1990). Imobilizado por liberais aliados a proprietários rurais e pequenos comerciantes, liderado por oficiais militares, com absoluta indiferença aos grupos mais oprimidos, o povo, bestializado, assistiu a mudança acontecer numa parada militar ostentada por Deodoro, o Marechal (CARVALHO, 1987). Com uma ideia bastante abstrata de povo, mesmo diante de uma sociedade visivelmente desigual e hierarquizada, a República não aconteceu. Sem sentimento de comunidade, de identidade coletiva, de pertencimento a uma nação, logo o novo regime começou a mostrar seus problemas de origem que se arrastam e vão sendo periodicamente reapresentados na forma de golpes, manipulações e manobras institucionais.
Mas essa República, que iria alavancar a educação popular no país, garantir formação escolar às crianças negras livres, fundada no positivismo, colocou na pasta da Instrução Pública um militar que atuou na guerra do Paraguai – Benjamim Constant –, que desoficializa o ensino, abolindo sua obrigatoriedade e a responsabilidade do Estado Federal por ofertá-lo. Em suas reformas, anula o sentido filosófico do conhecimento, reduzindo a instrução à formação da capacidade técnica estritamente profissional, como denunciou Veríssimo (1985), e a educação à formação moral e cívica.
Muito distante de uma formação para exercício pleno da democracia, as Reformas de Benjamin não só ignoravam as condições diversas do território nacional, as assimetrias regionais já pulsantes naquele momento, mas também as bases revolucionárias da mudança para o regime republicano. Permanecendo conservadora, a educação que se pretendia republicana não passou dos limites estreitos da capital e do atendimento majoritário aos já privilegiados. Em consonância com a revolução burguesa conservadora do país, o projeto educacional de mudança prometido, que atingiria as massas, relegou as populações campesinas ao esquecimento em nome de um desenvolvimento urbanocêntrico, pautado no higienismo e no eugenismo, fazendo prevalecer as hierarquias de classe e de raça da sociedade burguesa brasileira, representada pelo coronel, pelo fazendeiro, pelo grande proprietário de terra e comerciante. Como ressalta Florestan Fernandes (1979, p. 414, grifos do autor), o sistema republicano logo se converteu em "transação com o velho regime, do qual se tornou mero sucedâneo político".
Quarenta anos após a fundação da República, por volta de 1930, os fracassos em fazer prevalecer uma educação para todos voltam a perturbar
incautos educadores. Reunindo marxistas e liberais, de Pascoal Lemme (1904-1997) a Anísio Teixeira (1900-1971), os movimentos em favor de uma educação popular inquieta a elite letrada à sua maneira ao querer transformar o Brasil num país industrializado. Entre a transformação da sociedade e o alargamento das oportunidades, o país segue com um projeto de educação para todos, mas não igual: para os trabalhadores a formação profissional; para as elites a formação intelectual. Determinando, definitivamente, as distinções entre classes, o Estado, por meio das Reformas de Francisco Campos, põe em prática a máxima de colocar o homem certo no lugar certo
e manter o status quo. O projeto educacional do Estado Novo tinha o claro propósito de sedimentar as relações sociais e de poder que a revolução burguesa brasileira instalou. Como destaca Fausto (2001, p. 188):
As iniciativas do governo Vargas na área educativa, como em outros campos tinha uma inspiração autoritária. O Estado tratou de organizar a educação de cima para baixo, sem envolver uma grande mobilização da sociedade, mas sem promover também, consistentemente, uma formação escolar totalitária, abrangendo todos os aspectos do universo cultural.
Malogradas as tentativas de mudança no sistema educacional que beneficiassem os mais pobres, os resultados das reformas na educação serviram aos interesses do capitalismo e às elites locais, que permaneceram mantendo sua hegemonia no plano político. Entre trabalhistas e democratas, a política que predominou nos anos que se seguiram, da década de 1940 a década de 1950, foi centrada na ideia força de modernização do país com a instalação de grandes estatais e empresas nacionais, que atuaram, inclusive, na construção da nova capital da República no planalto central.
Mudanças começam a ser vislumbradas no começo da década de 1960, com a chegada de João Goulart no poder, que propunha transformações profundas, como a reforma agrária e a educação popular. Denominadas de Reformas de Base, porque alteravam a estrutura social brasileira, as descontinuidades propostas eram apresentadas como necessárias para a superação do subdesenvolvimento do país. Em tal direção, no plano educacional, articulavam-se políticas de valorização do magistério, de superação do analfabetismo com a aplicação das experiências pioneiras de Paulo Freire e de uma reforma universitária que acabasse com a cátedra vitalícia.
Interrompidas pelo golpe militar de 1964, fustigado pelo capital internacional (representado por empresas estrangeiras que se viram ameaçadas pela política nacionalista de Jango), pela elite agrária e conservadora diante das reformas em favor do pequeno trabalhador rural, pela classe média das grandes cidades (que associava corrupção ao comunismo e entendiam ser ele uma grande ameaça à estabilidade pública), pela burguesia industrial paulista e pelos especuladores imobiliários (que consideravam a reforma urbana um problema para os seus negócios ao se facilitar a compra da casa própria), as Reformas de Base não aconteceram e, mais uma vez, as mudanças estruturais em favor dos excluídos são adiadas por um golpe que silencia a sociedade civil, impede a liberdade de expressão, extingui partidos políticos, tortura e mata lideranças políticas e religiosas que lutavam contra o regime.
Com o governo militar, sob a gestão do então ministro da Educação, o paraense Jarbas Passarinho, implanta-se, num dos momentos mais sangrentos da ditadura, sob a presidência do General Médici, uma reforma universitária que objetivava desarticular professores e estudantes universitários; a Lei n.º 5.692/71, que faz uma mudança radical no ensino médio, visando alienar jovens e formá-los profissionalmente para o mercado de trabalho; o Mobral, que visava à alfabetização funcional de jovens e adultos.
Somente na década de 1980, com a redemocratização do país, ainda que golpeado, novamente, com a derrota da Emenda Dante de Oliveira, que alterava a eleição indireta para presidente para a direta, o povo volta a respirar
os ares da liberdade. Mas mesmo com a ampla mobilização pelas Diretas Já
, o direito ao voto para presidente só vai voltar a acontecer na década de 1990, após a promulgação da Constituição Cidadã, em 1988. É a partir de então que novas discussões são travadas no contexto nacional, por políticos, trabalhadores da educação, entidades científicas e de classe, no sentido de se traçar uma legislação educacional capaz de atender aos desafios mais amplos traçados na constituição. Os debates se acirram e, em 1996, o Congresso Nacional, após uma série de manobras, aprova a LDBEN n.º 9.394, que norteará, a partir de então, as políticas governamentais para a educação.
Esse processo histórico lento, muito pontualmente aqui revisitado, que atravessa séculos, marcado por avanços e retrocessos, mobilizados por atores sociais diversos, mas conduzido por representantes do poder político instituído, o mais das vezes, alheios às lutas dos oprimidos, faz parte dos questionamentos lançados por pesquisadores da educação nacional.
É no rastro desse viés que os autores dos capítulos deste livro apresentam suas reflexões, articulam seus argumentos e produzem suas críticas. Focados mais diretamente no tema da formação e da cultura, ora numa perspectiva ampliada de formação da sociedade e de cultura como sistema de representação, ora numa perspectiva específica de formação, como a formação de professores, e de cultura como prática, os autores entrecruzam temas e questões complexas só presentes em espíritos inconformados, em pesquisadores militantes humanizados pela experiência cotidiana de conviver com os excluídos das políticas públicas de educação ou com os incluídos precariamente.
Formação e cultura são temas tratados de modo transversalizado por problemas não resolvidos do ponto de vista educacional ao longo de nossa história e que podem ser resumidos na ideia da ausência de um certo humanismo descolonial na formação da sociedade brasileira, profundamente marcada pela experiência da violência regida pela subalternização do Outro em função da raça, do gênero, da deficiência, da crença religiosa, da indiferença ao pensamento divergente e da classe social, tal qual como aprendemos com a Europa Ocidental civilizada
, que, como bem nos alerta Césaire (1977), é indefensável pelo passado colonial modelado pelo regime burguês. As representações cultivadas no nosso coletivo ao longo desse tempo não foram suficientemente suplantadas pela independência política, muito menos pela República, conduzida, ora às claras, ora às escuras, por militares desprovidos de um senso mínimo de soberania popular.
O primado da cultura sobre a formação aparece com especial força nos textos que tratam da necessidade da inclusão dos conceitos de Hannah Arendt no ensino de Sociologia para a formação do pensamento crítico de nossos estudantes do ensino médio (Silva; Simões), da defesa dos estudos sobre ludicidade na formação dos pedagogos (Medeiros; Abreu), das percepções