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Alquimias do Audiovisual
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E-book344 páginas4 horas

Alquimias do Audiovisual

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Sobre este e-book

Em Alquimias do Audiovisual, Natália Aly pratica a movimentação entre o passado e o presente, adentrando "os pormenores do audiovisual com base no seu passado remoto para contextualizar e realizar novos desdobramentos no presente". Transmutação é a palavra de ordem, diante das analogias entre a ciência hermética ou arte da alquimia nas experimentações do audiovisual. Disso resulta uma concepção do audiovisual que também não fica reduzido aos limites de seu desenvolvimento estritamente a partir da revolução industrial. Seus germens frutificaram em gradações temporais antes desse limite.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento6 de dez. de 2021
ISBN9786587387475
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    Pré-visualização do livro

    Alquimias do Audiovisual - Natália Aly

    Capa do livro

    PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

    Reitora: Maria Amalia Pie Abib Andery

    EDITORA DA PUC-SP

    Direção: José Luiz Goldfarb (até 28/2/2021)

    Thiago Pacheco Ferreira (a partir de 1°/3/2021)

    Conselho Editorial

    Maria Amalia Pie Abib Andery (Presidente)

    Ana Mercês Bahia Bock

    Claudia Maria Costin

    José Luiz Goldfarb

    José Rodolpho Perazzolo

    Marcelo Perine

    Maria Carmelita Yazbek

    Maria Lucia Santaella Braga

    Matthias Grenzer

    Oswaldo Henrique Duek Marques

    Frontspício

    © 2021 Natália Aly. Foi feito o depósito legal.

    Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Reitora Nadir Gouvêa Kfouri / PUC-SP

    Menezes, Natália Aly

        Alquimias do Audiovisual / Natália Aly Menezes.- São Paulo : EDUC, 2021.

        Bibliografia

        Originalmente Tese de Doutorado (Programa : Tecnologias da Inteligência e Design Digital) PUCSP, 2017.

        1. Recurso on-line: ePub

        ISBN 978-65-87387-47-5

    Disponível para ler em: todas as mídias eletrônicas.

    Acesso restrito: http://pucsp.br/educ

    Disponível no formato impresso: Alquimias do Audiovisual / Natália Aly Menezes.- São Paulo : EDUC, 2021. ISBN 978-65-87387-27-7

    1. Alquimia. 2. Cinematografia - Inovações tecnológicas. 3. Média digital. 4. Recursos audiovisuais. I. Título

    CDD 778.53

    794.4375

    302.23

    Bibliotecária: Carmen Prates Valls – CRB 8A./556

    Direção

    José Luiz Goldfarb (até 28/2/2021)

    Thiago Pacheco Ferreira (a partir de 1°/3/2021)

    Produção Editorial

    Sonia Montone

    Preparação e Revisão

    Simone Cere

    Projeto Gráfico e Diagramação

    Marcus Bastos

    Editoração Eletrônica

    Gabriel Moraes

    Waldir Alves

    Capa

    Bruna Aly

    Administração e Vendas

    Ronaldo Decicino

    Produção do e-book

    Waldir Alves

    Revisão técnica do e-book

    Gabriel Moraes

    Rua Monte Alegre, 984 – sala S16

    CEP 05014-901 – São Paulo – SP

    Tel./Fax: (11) 3670-8085 e 3670-8558

    E-mail: educ@pucsp.br – Site: www.pucsp.br/educ

    Dedicatória

    Que este livro seja como DNA passado de mãe para filha. Para Lya.

    Agradecimentos

    Editar um livro é, sem dúvida, resultado de um trabalho cooperativo, seja pelo lado emocional, seja pelo lado prático.

    No plano emocional,

    agradeço a meu marido Lorenzo, que sempre me apoiou e, acima de tudo, me deu todo o suporte necessário para que eu pudesse trabalhar neste livro, desde o final da minha gravidez, até depois do nascimento da nossa filha. Agradeço a minha mãe Ana, que me incentivou a seguir firme com a ideia de transformar minha tese em livro. E agradeço a minha eterna parceira de vida, minha irmã Bruna, honrosamente a capista desta edição.

    No plano prático,

    agradeço imensamente à Lucia Santaella, por acreditar, mesmo que incialmente titubeante, na capacidade que tive em unificar teorias e ideias que foram o pontapé inicial para o desenvolvimento da pesquisa de doutorado que deu origem a este livro. E agradeço ao Marcus Bastos, por aceitar ser responsável pelo projeto gráfico do livro e se unir a mais uma parceria dentre tantas que já fizemos.

    Um especial agradecimento a toda a equipe da EDUC, em particular ao diretor e professor José Luiz Goldfarb e à produtora editorial Sonia Montone. E também aos artistas e pesquisadores Bruno Palazzo, Charlotte Becket, Christian Faubel, Cinara Dias, Dagie Brundert, Dirceu Maués, Drew Berry, Edda Manriquez, Erick Felinto, Fred Camper, John Whitney Jr., Logan Martin, Marilyn Brakhage, Mario Ramiro, Nandita Kumar, Sarah Vagnat, Wolfgang Ernst e Zoe Beloff; e à Academy Film Archive, Capes, Cinemateca Brasileira, PUC-SP e Universidade Humboldt de Berlim.

    prefácio

    Rastros da Alquimia no Tecnológico

    Lucia Santaella

    O fato de ter acompanhado muito de perto o nascimento e o desenvolvimento da pesquisa, que deu origem a este livro de Natália Aly, autoriza-me a afirmar que nem toda pesquisa, especialmente no seu despertar, depende de bases objetivas e lógicas. O papel desempenhado por aquilo que C. S. Peirce chamou de abdução, ou seja, as iluminações interiores que levam à descoberta, não pode ser negligenciado. Sob esse aspecto o caso desta pesquisa merece ser relembrado.

    A autora defendeu com brilho sua dissertação de mestrado, cujas pesquisas cuidadosas colocaram as tendências atuais do cinema expandido, cinema imersivo, cinema interativo etc., na esteira da história do cinema experimental. Pouco depois disso, nas conversas que antecederam a escolha da temática a ser desenvolvida no doutorado, em um belo dia, Natália Aly, ainda de modo tímido, declarou que seu interesse estava voltado para a alquimia. Não pude esconder meu espanto e meu descontentamento. Estes não decorriam de qualquer forma de desprezo pela alquimia. Ao contrário, é conhecida a importância da alquimia, do mito e da magia para a emergência da filosofia. É ainda de Peirce a menção de que a filosofia brotou quando a casca do ovo da alquimia se quebrou.

    O problema é que não havia continuidade entre o ponto em que a pesquisa havia chegado no mestrado e os avanços que poderia obter no doutorado. Rezam, entretanto, os deveres de uma orientação que a flecha do desejo de uma orientanda não pode ser interceptada, nem mesmo desviada. Tentei ocultar minha frustração enquanto Natália levava adiante seu intento. Algum tempo depois, entregou-me um texto longo de estrita perambulação pela história da alquimia. Neste ponto fui firme na incapacidade de aceitar o que me parecia um encaminhamento sem indicações de alvos. A conversa foi séria, sem cair na negatividade. Ao contrário, era preciso encontrar algum ponto de cruzamento da alquimia com os conhecimentos que Natália havia acumulado, com talento não apenas teórico, mas também prático e criativo, no campo das mídias, especialmente do audiovisual. Algum proveito teria que ser tirado disso e o caminho só podia ser o da busca de equilíbrio entre o passado da alquimia e o presente dos agudíssimos escritos dos teóricos alemães das novas mídias. Foi nesses escritos que Natália começou a mergulhar.

    Não deu outra, com a felicidade estampada no brilho dos olhos, ela me comunicou, depois de pouco tempo, que encontrara nas teorias concernentes à arqueologia das mídias, as marcas alquímicas que buscava. A iluminação que tivera, na forma de espontânea adivinhação, estava escrita nas estrelas. Era tudo que o trabalho precisava para deslanchar em terreno prometedor. Queriam ainda as estrelas que a pesquisa tivesse também a chance de prosseguir in loco, em Berlim, na proximidade dos estudiosos da arqueologia das mídias a que pelo menos dois capítulos deste livro são dedicados.

    O relato acima justifica-se porque é inspirador para aqueles que não se dispõem a desacelerar a máquina do desejo na sua versão intelectual. Não obstante a complexidade dos múltiplos fatores que se cruzam nos encaminhamentos orientados pelos propósitos de sua pesquisa, Natalia Aly nunca cedeu a facilitações. Ao contrário, acionou as demandas da ciência, arte e magia em fecundos pontos de encontro.

    Suas discussões primam pela originalidade resultante de alguns princípios fundamentais. O primeiro deles consiste no abandono do presentismo como eixo condutor das ideias. O termo presentismo aparece no mundo empresarial, mas o sentido que aqui interessa provém de uma tendência filosófica que reduz toda a realidade ao presente. Passado e futuro não passam de projeções lógicas ou imaginárias. Infelizmente, desde a explosão daquilo que passamos a chamar de revolução digital, o presentismo entrou como moeda corrente no mercado das ideias. Contra esse empobrecimento epistemológico, Natália Aly pratica a movimentação entre o passado e o presente, adentrando os pormenores do audiovisual com base no seu passado remoto para contextualizar e realizar novos desdobramentos no presente. Transmutações é a palavra de ordem, diante das analogias entre a ciência hermética ou arte da alquimia nas experimentações do audiovisual. Disso resulta uma concepção do audiovisual que também não fica reduzido aos limites de seu desenvolvimento estritamente a partir da revolução industrial. Seus germens frutificaram em gradações temporais antes desse limite.

    Analogias entre cinematografia e alquimia são também surpreendentes porque raramente colocadas em evidência, e por isso pouco lembradas. Chamar atenção para elas é outro ponto de originalidade deste livro, uma originalidade, aliás, pautada no conhecimento teórico e prático que a autora acumulou, inclusive em laboratórios da Cinemateca em São Paulo.

    Contra o empobrecimento epistemológico, Natália Aly pratica a movimentação entre o passado e o presente

    Outro princípio empregado é aquele que rejeita dicotomias cerradas entre o analógico tomado como obsoleto e o digital considerado como o último grito da contemporaneidade. Longe disso, as complementaridades criativas entre ambos são colocadas na pauta das ideias defendidas neste livro o que coloca essas ideias no cerne das discussões bastante debatidas na Europa sobre o pós-digital. Embora seja um termo passível de equívocos interpretativos, respaldada pelo conhecimento seguro sobre o tema, a autora sabe driblar os equívocos ao evidenciar os múltiplos sentidos que se aninham nesse termo. Devidamente colocados nas várias pautas deste livro, os sentidos convergem sem tropeços para as alianças, complementaridades, aproximações, distanciamentos, atrações e retrações entre o alquímico e o tecnológico. Os rastros do alquímico que permanecem no tecnológico e as antecipações deste naquele.

    Tudo isso é perfeitamente coroado pelas habilidades experimentais, críticas e criativas de Natália Aly que, por isso mesmo, vê a audiovisualidade como um campo laboratorial para a semeadura de estéticas híbridas em que tempos e espaços se misturam alquimicamente.

    Tenho muito orgulho de ter acompanhado este trabalho e gratificada por ter testemunhado que as iluminações interiores podem rebater devidamente na escrita das estrelas, com a ressalva de que essa escrita apenas ilumina a potência do pensamento quando este é devidamente alimentado pelo esforço e pelo prazer da pesquisa.


    Lucia Santaella é pesquisadora 1 A do CNPq, graduada em Letras Português e Inglês. Professora titular no programa de Pós-Graduação em Comunicação e Semiótica da PUCSP, com doutoramento em Teoria Literária na PUCSP em 1973 e Livre-Docência em Ciências da Comunicação na ECA/USP em 1993. É Coordenadora da Pós-graduação em Tecnologias da Inteligência e Design Digital, Diretora do CIMID, Centro de Investigação em Mídias Digitais e Coordenadora do Centro de Estudos Peirceanos, na PUCSP. É presidente honorária da Federação Latino-Americana de Semiótica e Membro Executivo da Associación Mundial de Semiótica Massmediática y Comunicación Global, México, desde 2004. É correspondente brasileira da Academia Argentina de Belas Artes, eleita em 2002. Foi eleita presidente para 2007 da Charles S. Peirce Society, USA.

    Sumário

    Introdução

    Ritual do Aparato

    Capítulo I Alquimia e Cinematografia

    1.1 Aproximações com a Cinematografia

    1.2 Combinação e Dosagem

    Capítulo II Primeiras Matérias

    2.1 Cola, Grão, Fixação e Projeção

    2.2 Luz e Escuridão

    2.3 Misticismo Tecnológico

    Capítulo III Arqueologia das Mídias

    3.1 Escavação Tecnocultural

    3.2 Nova História do Filme

    Capítulo IV Arqueólogos Midiáticos em busca do tempo perdido

    4.1 Kittler: arqueologia das mídias óticas

    4.2 Flusser: os gestos e misticismo do vídeo

    4.3 Kluitenberg: as mídias imaginárias

    4.4 Zielinski: a alquimia na era digital

    4.5 Ernst: ruídos e ranhuras

    Capítulo V Passado e Presente Maquínico

    5.1 Transmutação Tecnológica

    5.2 Analógico e Digital na Cinemateca Brasileira

    Capítulo VI Alquimia Audiovisual

    6.1 É Pós-digital?

    6.2 Alquimistas dos nosso Tempos

    6.3 Obras Experiência

    Desfecho

    Caderno de Imagens

    Referências

    Bibliografia

    Filmografia

    Introdução

    O cheiro de nitrato tomava conta do ambiente, diariamente. Películas fílmicas de 8 mm, 16 mm e 35 mm com registros audiovisuais espalhavam-se por infinitas prateleiras em corredores levemente iluminados. A sala fria e escura onde ficava a Quadruplex (Figura 1), que funcionava no seu mais perfeito estado, operava rolos magnéticos de duas polegadas – o primeiro formato de gravação analógica bem-sucedido comercialmente – reproduzindo, como num passe de mágica, imagens carregadas de ruídos e imperfeições sonoras, memórias vivas de recordações do passado. Os mais variados tipos de fita (U-matic, Beta, Vídeo8, VHS) revelavam suas potencialidades estéticas e técnicas, consideradas demasiadamente obsoletas para o atual mundo da realidade aumentada e ambientes imersivos. O som da moviola e sua aparente e real complexidade, sendo maquinada por técnicos especialistas daqueles que não se fabricam mais, era a trilha sonora que causava atmosfera de cinema fora de hora em um ambiente de trabalho. Todos esses elementos e principalmente os conteúdos arquivados nesses suportes são preparados pela equipe do Laboratório de Imagem e Som da Cinemateca Brasileira para serem finalmente telecinados, escaneados, decodificados, copiados, desmaterializados e, portanto, transformados em mídia digital e consequentemente em sucintas combinações binárias e/ou restaurados digitalmente e se necessário passados para uma nova mídia analógica ou digital. Os motivos são diversos: inclusão em documentário ou filme dos mais variados gêneros, pesquisa científica, exibição em determinada exposição, transmissão em algum canal televisivo e por aí vai. Mas o principal motivo, acima de qualquer outro, é sem dúvida a preservação desses materiais audiovisuais e seus conteúdos.

    É de se saber que a passagem de uma película fílmica em 35 mm para uma mídia como um DVD difere completamente da transição de um rolo Quadruplex para arquivo .MOV; ou ainda, a restauração de um filme em Super-8 através de avançados softwares de edição é dessemelhante da digitalização de um conteúdo em U-Matic, Betacam, VHS ou qualquer outra fita magnética. A linha de montagem do Laboratório de Imagem e Som em meados de 2012 (ano em que trabalhei pela primeira vez na Cinemateca) era composta por aproximadamente 30 funcionários divididos entre aqueles que executavam demandas técnicas dos processos analógicos e os que lidavam com as artimanhas do digital. Cada lado do laboratório tinha particularidades para que o imenso acervo e seu conteúdo fossem mantidos em constante ação de preservação.

    Os ambientes de cada parte do processo de decodificação do analógico para o digital tinham características absolutamente particulares. Enquanto, de um lado, mesas eram tomadas por tubos de líquidos químicos, colas, tesouras, panos, lentes e diferentes bitolas cinematográficas, de outro lado, modernos computadores, cabos, fios, processadores, hardwares e drives de alta potência dividiam espaço com leitores magnéticos de diversos suportes de vídeo. Resumidamente, este é o mágico cenário laboratorial que compõe o pulmão da Cinemateca Brasileira, local onde todas as mídias ali armazenadas respiram e sobrevivem.

    Uma Cinemateca tem essencialmente a desafiadora tarefa de armazenar a imensa memória audiovisual de um país, produzida ao longo de décadas. Preservando e difundindo, acaba por manter vivo no presente o que quase morreu do passado e dá significância às máquinas (muitas delas verdadeiras relíquias deixadas no tempo) e seus respectivos conteúdos culturais, que tornaram possível de alguma forma a existência das tecnologias e mídias que nos circundam nos dias de hoje.

    A experiência de ter sido parte da equipe do Laboratório de Imagem e Som no início do meu percurso profissional acabou despertando uma incessante curiosidade acerca da magia intrínseca ao funcionamento de máquinas antigas que processam mídias audiovisuais do passado. Ademais, fez-me perceber que a hibridização entre os dois polos tecnológicos (analógico e digital) no contexto das práticas audiovisuais contemporâneas parece ser a alternativa mais instigante, ao passo que não esgota as possibilidades e os resultados técnicos, científicos e estéticos existentes no traquejo desta arte. Aqui se apresenta então, muito resumidamente, o objetivo deste livro: entender a misteriosa passagem do analógico para o digital como um processo de transmutação tecnológica no contexto do audiovisual experimental.

    O termo transmutação é importado das práticas alquímicas. Quando empregado nesse contexto, abre chance para solidificar analogias entre a ciência hermética (A Arte da Alquimia) e sua inerente conexão – mesmo que historicamente ocultada – com experimentos que hoje se configuram como práticas do audiovisual. Desse modo, passado (analógico) e presente (digital) são analisados por meio de tal metodologia que vasculha as camufladas brechas deixadas na história, apresentando aos olhos dos leitores, precursoras experimentações criadas por personalidades que praticavam alquimia e investigavam o universo das técnicas óticas e acústicas sob um viés também científico. Alguns alquimistas deram o pontapé inicial numa longa jornada evolutiva que ajudou a configurar o atual cenário das mídias do ouvir (áudio) e do ver (visual).

    Embora a metodologia aplicada ao longo deste estudo tenha sido a exploração de sabedorias milenares provindas inicialmente de experimentos no campo da alquimia – para então configurar uma linha do tempo às avessas da tradicional história das práticas na mescla entre imagem em movimento e som –, o objetivo foi, paradoxalmente, arquitetar pensamentos acerca das atuais experiências no contexto das práticas audiovisuais. Não houve ambição em raciocinar sobre o futuro do audiovisual, mas, sobretudo, reposicionar e direcionar novos olhares para o presente, que faz uso de conhecimentos remotos quase esquecidos no tempo e ainda férteis para serem reconfigurados no campo das artes e das teorias midiáticas.

    Audiovisual / Audiovisualidades / Cinema / Cinematografia

    Os quatro termos acima serão usados com certa frequência ao longo deste livro. No entanto, é necessário esclarecer quais são as suas proximidades e diferenças de significado – ao menos quando aplicados dentro das premissas do estudo ora apresentado.

    Audiovisual é uma palavra híbrida que, por natureza, mescla definições: som e imagem, o audível e o visível, unidos. Além disso, em seu significado está implícita a combinação de ferramentas e a junção de sentidos. Trata-se também de um meio de comunicação que recorre à desmodelagem de uma linguagem restrita a um único suporte. E, como um meio de comunicação, acaba irrefutavelmente sendo influenciado por impulsos místicos que faíscam e sustentam a obsessão da humanidade por tecnologias, especialmente as de comunicação. Audiovisual, portanto, é um termo que veio suprir a necessidade da natureza técnica de uma sociedade tecnologicamente pós-modernizada, que inegavelmente está sendo engolida por mídias capazes de nos colocar cada vez mais no limiar entre a realidade e a ficção.

    A história do audiovisual é bastante antiga embora o uso da palavra seja recente, circunstância que acaba por contradizer essa afirmação. Com a explosão dos gêneros que se apropriam da imagem em movimento e som sincronizados, a partir da metade do século XX, a palavra passou a ser aplicada com o intuito de englobar as diferentes práticas que manipulam, enfim, estruturas áudio visuais. Tanto o cinema e suas diferentes categorias (ficcional, documental, experimental etc.) como a televisão, as práticas do vídeo (videoarte, videoinstalação e videopoesia), a internet e as estruturas da telefonia móvel (smartphones, todos eles dotados de câmeras) são inclusos no audiovisual. Portanto, o cinema é aqui entendido como uma das formas do audiovisual, embora tenha sua história particular. Quando palavras como cinema e audiovisual são colocadas lado a lado, cinema soa aos ouvidos tal qual uma prática mais madura e robusta; porém, Sergei Eisenstein mesmo já reconhecia haver um cinema antes da invenção da indústria cinematográfica e insistia na ideia de que essa arte não podia ser reduzida à máquina industrial e histórica que lhe deu forma (Eisenstein apud Silva, 2007, p. 145).

    Cinematografia é uma palavra usada aqui como a ciência que gera o cinema, cuja estrutura se dá com a reprodução mecânica de quadros fotográficos sequenciais projetados numa determinada relação de velocidade e tempo, após captura da imagem (absorção química) e revelação do filme. Será bastante usada principalmente nos dois primeiros capítulos para estreitar relações com a alquimia. O cinema, por sua vez, será visto no seu formato tradicional: uma linguagem artística consolidada, que sincroniza imagem em movimento ao som e segue a linha de tempo histórica que sempre lhe foi dada. O que se pretende subverter é a análise histórica do audiovisual – que paradoxalmente acaba por oferecer novos desdobramentos para a própria cinematografia, já que ela é uma das vertentes do audiovisual.

    Audiovisual é uma palavra híbrida, que mescla definições: som e imagem, o audível e o visível, unidos

    No entanto, será substancial entender o audiovisual enquanto arte e não apenas como uma expressão para definir outras práticas. Hoje o audiovisual é um pulsante campo de experimentação artística, extremamente representativo e que permite abrangentes interpretações e ações acerca do seu passado remoto, do seu atual estado e até mesmo de possíveis desdobramentos futuros. Esse contexto define o que é audiovisualidade: livres e divergentes traquejos específicos das frutíferas possibilidades na mescla entre diferentes mídias e expressões do ver e ouvir.

    Frederico Morais, no artigo Áudio-Visuais¹, escrito em 1973, comenta que foi nessa época que, no Brasil, alguns poucos artistas passaram a encarar o audiovisual como forma de arte, expressão poética e enfim como linguagem (Morais, 1985, p. 61). Morais relata que contribuiu para o novo estado do audiovisual no país, aumentando a importância dessa prática. Em 1971, houve no Salão da Eletrobrás a exposição Luz e Movimento, que pioneiramente premiou artistas com obras AV (como atualmente são batizadas), incluindo Cantares, de autoria do próprio Morais. Em seguida, o Salão Paulista e o de Belo Horizonte abriram espaço para montagens audiovisuais e aos poucos um vasto campo foi sendo solidificado. Morais (1985, p. 62) entende o audiovisual como sístole e diástole da vida, como forma de conhecer/viver a realidade, e considera que o cinema está para a câmera assim como o audiovisual está para o projetor (que permite livres combinações de elementos materiais).

    Neste livro os leitores perceberão as audiovisualidades como traquejos independentes que existem e configuram o que hoje se chama artes do audiovisual. Ana Carvalho e Cornelia Lund (2015, p. 11) confirmam essa afirmação quando consideram que a audiovisualidade descreve um grupo genérico de práticas, grupo esse em permanente desenvolvimento, o que consequentemente torna difícil estabelecer definições técnicas, estéticas e conceituais acerca do uso das imagens em movimento + som na atualidade. Entre alguns dos exemplos que as autoras selecionam para representar esse cenário estão as músicas visuais, cinema expandido, live cinema, Vjing e performances audiovisuais em tempo real (Carvalho e Lund, 2015, p. 11). No entanto, as vertentes não se esgotam nos cinco gêneros colocados pela dupla.

    Obras-experiência

    Como o mote aqui é adentrar os pormenores do audiovisual com base no seu passado remoto para contextualizar e realizar novos desdobramentos no presente, acaba sendo desenvolvida uma proximidade entre magia, arte e ciência que traceja as discussões abordadas do primeiro ao último capítulo. Para definir a união dos conhecimentos óticos/acústicos às estruturas híbridas de composições audiovisuais analógico-digitais, em alguns momentos é

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