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Espírito de Jeans: Quando que você gostaria que seu melhor amigo estivesse morto?
Espírito de Jeans: Quando que você gostaria que seu melhor amigo estivesse morto?
Espírito de Jeans: Quando que você gostaria que seu melhor amigo estivesse morto?
E-book381 páginas6 horas

Espírito de Jeans: Quando que você gostaria que seu melhor amigo estivesse morto?

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Sobre este e-book

O tempo é capaz de promover incríveis mudanças em nossas vidas, como levar e trazer amores esquecidos, mexer de forma avassaladora com o corpo e a alma, sobretudo com os sentimentos, principalmente aqueles mais secretos.A vida é um celeiro de histórias pontuadas de alegrias e tristezas, marcadas por buscas e encontros, muitas vezes com seus amores viscerais.Espírito de Jeans é a vida, presente e passada, é o lado espiritual buscando ficar a volta dos vivos, pontuando que a morte é quase um mero acidente de percurso, algo surreal, fatos que impressionam mais pela curiosidade do que pelo medo ou o espanto.Este livro vai do humor à emoção em segundos, ele é uma aula de vida, onde a morte é mais um ingrediente nesse grande caldeirão de acontecimentos que é a vida, onde amar e ser amado é o que vale a pena, o importante é que seja de verdade independente da pessoa e do seu sexo.
IdiomaPortuguês
EditoraLitteris
Data de lançamento22 de jun. de 2022
ISBN9786555730906
Espírito de Jeans: Quando que você gostaria que seu melhor amigo estivesse morto?
Autor

Jeanluiz Fernando

Jeanluiz Fernando de Medeiros, nascido em 1966 no Rio de Janeiro onde foi criado. Ex-militar, sempre atuando na área de ensino e estudos da língua inglesa e afins. Formado pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro como bacharel em língua inglesa e literaturas, atualmente atuando como professor em língua inglesa em escolas públicas.

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    Espírito de Jeans - Jeanluiz Fernando

    capa_interna.jpg

    Copyright© 2021 by Jeanluiz Fernando de Medeiros

    Direitos em Língua Portuguesa reservados ao autor através da

    LITTERIS® EDITORA.

    ISBN: 978-65-5573-088-3 (versão impressa)

    ISBN: 978-65-5573-090-6 (versão digital)

    Desenho da capa feito por Marco ByM Veloso com arte final de Teresa Akil

    Revisão: Bianca Yassodara

    Editoração: Litteris Editora

    Editoria: Artur Rodrigues

    Deucimar Cevolela

    Conversão: Cevolela Editions

    CIP - Brasil. Catalogação-na-fonte

    Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ.

    Image485

    LITTERIS® EDITORA

    CNPJ 32.067.910/0001-88 - Insc. Estadual 83.581.948

    Av. Marechal Floriano, 143 sala 805 - Centro

    20080-005 - Rio de Janeiro - RJ

    Tel: (21)2223-0030/ 2263-3141

    E-mail: litteris@litteris.com.br

    www.litteriseditora.com.br

    www.livrarialitteris.com.br

    Meus agradecimentos

    Ao suporte dos meus amigos e familiares.

    Aos meus amigos invisíveis que tanto me iluminam.

    A todos que se foram e deixaram saudades.

    Ao Allan Kardec por suas orientações salvadoras.

    Ao Aggelos, o anjo grego do amor e inspiração nesta obra.

    Ao Marco ByM Veloso pela maravilhosa capa feita para esta obra.

    Índice

    Capítulo I - Início

    Capítulo II - A Intenção

    Capítulo III - O Mensageiro

    Capítulo IV - Mel e Trovão

    Capítulo V - O Cara

    Capítulo VI - O Silêncio

    Capítulo VII - A Visão

    Capítulo VIII - Urso e Alegria

    Capítulo IX - A Família Cresce

    Capítulo X - As Rosas do Vale Vermelho

    Capítulo XI - A Tempestade

    Capítulo XII - A Dama do Lago

    Capítulo XIII - Sentimentos e Coisas Afins

    Capítulo XIV - O Dragão

    Capítulo XV - Morrer é Bom

    Capítulo XVI - No Limiar

    Capítulo XVII - Em Novas Terras

    Capítulo XVIII - O Caminho das Lendas

    Capítulo XIX - Os Meninos Perdidos

    Capítulo XX - Fim de Jogo

    Capítulo XXI - Morrer de Novo

    Capítulo XXII - O Coração de Um Homem

    . Capítulo I

    (Início)

    As pessoas sempre se tornam uma enorme fonte para observação e estudos, quando sabemos para onde olhar e o que procurar.

    Como costumava ser dito, o conhecimento é, e sempre será, uma moeda de recursos ilimitados e de grande… Poder! Quem o tem, terá enorme vantagem sobre os outros que não o possuem. Por outro lado, aqueles não detentores de tão preciosa mercadoria temem, não só os que a possuem, mas também, tudo aquilo que suas mentes não são, ainda, capazes de entender. Isso somente acontece, porque lhes faltam elementos essenciais para uma compreensão satisfatória do que o acaso os leva a presenciar, se é que o acaso existe. O que o torna, sem dúvida, uma tendência humana: o medo do que não se pode explicar ou provar.

    Desde o início dos tempos, isso vem acontecendo: o desconhecido, e a escuridão que ele provoca, invoca o medo das entranhas de suas almas. E também, todos os efeitos, físicos e químicos, que ainda não podem ser descritos por suas inteligências em desenvolvimento, despertam o espanto que acaba atormentando as suas mentes com fantasias que suas imaginações acabam projetando para explicar o inexplicável aos homens. Falta a eles o entendimento elementar, que nem tudo que surge da escuridão tem que ser obrigatoriamente maligno, assim como nem tudo que acaba por nos atingir nos foi feito, necessariamente, na intenção de nos prejudicar.

    — Estas palavras… Gostaria de poder entender por que toda vez que retorno aqui, elas saltam em minha cabeça… Sempre um rastro de sabedoria, guiando-me em minhas pesquisas no campo humano. Elas me foram ditas tão sabiamente há tantos anos, quando eu fui trazido pelo meu sábio orientador, Jorge, e finquei os pés nesta cidade pela primeira vez. Cidade linda e maravilhosa em todos os aspectos. Com os seus moradores tão complexos em sua natureza, e que adoro observar quando me é autorizado e me dada a oportunidade para isso. No entanto, hoje especificamente, tudo me parece tão diferente. Até os enigmas que estas palavras clareavam com tanto espanto, aparentam, para mim, estar em um segundo plano agora. Ah! Antes eu adorava percorrer estas vielas e ruas estreitas em busca de seus marcantes personagens. Observar suas vidas sempre me intrigava. Examinar seus conflitos me trazia grandes revelações sobre a essência da alma. Contemplar suas fraquezas, normalmente, me fazia relembrar as minhas próprias infelicidades… Mas, principalmente, adorava perceber a fé que a grande maioria, no fundo, sentia. Isso sempre me maravilhava ao ponto de fazer meus olhos marejarem em jubilo! Que alegria me trazia.

    Murmurando consigo mesmo, uma figura triste e furtiva caminha lentamente perdida em pensamentos, se espreitando por entre as sombras que se erguem em meio as fortes luzes dos postes que iluminam a noite das ruas da cidade do Rio de Janeiro. Ele é ágil, sorrateiro, silencioso… E astuto no trato de não ser notado. Não digo notado pelos homens e mulheres que por ele passam normalmente, pois esses não conseguiriam enxergá-lo, mesmo se assim o quisessem. Estão, na realidade, totalmente alheios a sua presença ou ao que lhes acontece a sua volta, mas, apenas, por incapacidade dos seus sentidos que são deveras limitados para poder fazê-lo. Na realidade, refiro-me não a eles, mas aos outros… Os vultos!

    Eles já foram chamados por muitos nomes durante os séculos que se seguiram. Também já foram relatadas as mais variadas formas que te lembrariam, desde um homem mais comum até criaturas diversas, que se estendem onde a sua imaginação permitir conceber. Seres perdidos, entregues aos seus sofrimentos e delírios profundos. Espectros que se entregaram totalmente às paixões humanas mais baixas e que continuam em sua procura cega por cúmplices: pessoas comuns que possam servi-los como ponte para que tenham condições físicas de voltar a provar da fonte de prazeres que tanto desejam e necessitam. Parasitas à procura do alvo de seus vícios.

    Sim, vultos inconscientemente ignorados pelos homens que, como a nossa figura, também percorrem as ruas da cidade. Alguns normalmente sozinhos, outros em grupos de tamanhos variáveis, que se atraem de acordo com a vibração originada de seus sentimentos impuros.

    No entanto, retornando à nossa figura em questão, que caminha a passos curtos, mas ágeis, ela se depara com um grupo de vultos que caminham em outra esquina à sua frente. Ele para a uma certa distância deles e os observa com um olhar paterno e nostálgico. Nosso desconhecido percebe a neblina que esses vultos arrastam ao se deslocarem. Para ele, é como se um humano comum mergulhasse em uma poça d’água. De tão espessa essa neblina, ele mal consegue respirar à medida que ela passa por ele.

    Esta é a atmosfera gerada pelas vibrações comuns entre os vultos. É a dedução que o nosso amigo tem quando a neblina se dissipa aos seus olhos.

    Ele continua a acompanhá-los com o olhar até que todos se percam na distância, e em meio à penumbra que o cercava, instantes mais tarde, ele também desaparece por completo na escuridão, retornando ao seu destino… Como se algo muito mais importante ou urgente requeresse a sua total atenção.

    Andando sempre pensativo, essa sombra de roupas escuras percorre o centro da cidade a passos lentos e normais. Ele entra e sai das ruas, prosseguindo sempre atento ao movimento normal das pessoas, e aos dos que não eram muito bem percebidos por elas. Mas, quando nosso andarilho entra em uma zona da cidade onde havia uma concentração maior de bares e restaurantes, ele torce o rosto, fazendo uma expressão de grande desagrado. Era como se o próprio ar estivesse carregado com elementos pesados que tornavam a área desagradável a quem não estivesse na mesma vibração daqueles que lá frequentavam em busca dos prazeres do álcool e comida farta. Ele somente sente-se livre de tais sentimentos quando seus pés o levam para longe dessa área.

    De volta a uma alameda estreita, ainda com passos cadenciados e lentos, suas botas chamam a sua atenção à medida que elas tocam o solo semi-úmido. O ruído compassado de suas solas ecoa como o mecanismo de um relógio antigo: iniciando a contagem dos segundos e minutos gastos em sua travessia. De vez em quando, nosso andarilho resvala na iluminação que pendia de um poste que ele logo deixa para trás. É somente nesses momentos que podemos notar a elegância de suas botas, que nos remetem a um passado remoto: botas de canos longos, que sobem por sua perna até quase o seu joelho, mas com suas pontas dobradas para fora e para baixo. É somente o que a luz revela do nosso personagem pensativo e solitário. Aparentemente, esse tipo de caminhada lhe traz boas memórias, dando-lhe certo prazer e distração.

    Sem o menor aviso, ele para de vez diante de uma grande avenida, a Avenida Rio Branco, porém, em um ponto bem mais afastado dos bares, cinemas e pequenos hotéis da região conhecida como Cinelândia. No avançado da hora naquela noite, a avenida já estava quase totalmente deserta. O asfalto, ainda bem molhado da chuva que castigara a cidade há algumas horas antes, refletia as lâmpadas dos postes e dava à vista certa aparência romântica para os poucos casais que ainda saiam do Teatro Municipal ou que já voltavam daqueles bares.

    Ele, nossa sombra, que nenhum transeunte é capaz de enxergar, está lá… Parado. Nada para ver, porém ele permanece imóvel, ainda na penumbra, junto a um pequeno beco. Aparentemente esperando...

    Das trevas distantes, que as estrelas não conseguem iluminar nesta noite, surge do nada um carro em alta velocidade, que parecia tentar, a todo custo, fugir de disparos entre dois homens que correram para o meio da avenida um pouco antes, logo depois de uma grande discussão entre eles. Esse carro derrapa no asfalto molhado e perde totalmente o controle, colidindo com dois outros que estavam estacionados a mais ou menos 200 metros da origem dos tiros, aguardando a hora de serem requisitados por seus donos, depois de uma noite de diversão e relaxamento. O carro desgovernado capota depois do choque e seu grito de agonia, que ele dá ao derrapar de cabeça para baixo no asfalto, interrompe toda a calmaria daquela noite mais que perfeita para a nossa sombra, que observa tudo do beco. Algumas pessoas nos bares voltam seus olhares para identificar de onde veio o barulho, mas ninguém ousa sair e averiguar o que acabara de acontecer. Os dois homens, ao perceberem o que tinham ocasionado, deixam a cena como entraram: correndo para a noite que os abraça, fazendo-os desaparecer sem deixar rastros.

    Dentro e na parte da frente daquele carro, agora desacordados e banhados em sangue, está um casal de quase a mesma idade, não mais que trinta e cinco anos. Na parte de trás do carro, um garoto de tenra idade que fora protegido por ter sido cuidadosamente alojado, por sua mãe, em uma cadeirinha infantil ajustada ao banco traseiro.

    O garoto tem um pouco mais de três anos, mas não aparenta ter sofrido mais que um grande susto e poucos arranhões nessa aventura desagradável. Seu grito, seguido de choro agudo, volta a rasgar a calmaria que se segue ao acidente, tentando, em vão, chamar a atenção dos seus pais que estão impossibilitados de socorrê-lo naquele momento. Seus pedidos de socorro prosseguem por alguns instantes, até que seus pequeninos olhos passam a perceber o salto de duas botas pretas masculinas que param próximo à janela, cujo vidro tinha se espatifado com a batida. O menino estranhamente se cala, como se tivesse tido um susto maior que o primeiro, e então ouve uma voz agradável e calma que lhe fala:

    — Não tenha medo, meu irmão. Eu estou contigo novamente.

    A criança inocente não consegue se comunicar, mas o homem gentil volta a falar, como se ele pudesse ouvir seus pensamentos mais profundos:

    — Não se preocupe. Seus pais ficarão bem! Eu posso garantir.

    A voz dá uma longa pausa e volta a falar:

    — Infelizmente não, meu amigo. Eu sinto muito, mas você não pode voltar comigo. Eu entendo todos os seus temores, também consigo compreender a saudade alojada em sua alma dos entes que não puderam te acompanhar nesta sua empreitada… Nesta sua jornada. Sei que todos que tu deixaste para trás torcem pelo seu sucesso e te mantém em suas constantes orações. Seus pensamentos positivos irão, com certeza, iluminar o seu caminho e as horas de grandes decisões, mas assim como os seus pais atuais, aqui desacordados, você tem grandes obrigações a cumprir. Você não se recorda de todos os planos e compromissos que assumimos juntos?".

    Uma nova pausa é feita e se encerra com outra frase:

    — Marta não atendeu aos nossos repetidos pedidos para que desistisse de visitar os seus avós paternos no dia de hoje e, ao contrário do que sentia no fundo de sua alma, ela decidiu acatar seus pedidos para passar o dia em sua companhia, já que isso não seria possível no dia do seu aniversario que se aproxima. Temos que agradecer ao Criador por não terem sofrido nada grave que os levassem a obtido, porém, de acordo com outros irmãos que tomam conta desta bem-venturada família, eu temo que os ferimentos sofridos por Marta nesta noite a impedirão de voltar a engravidar. Sim… Eu sei. Eu suponho que não será desta vez que dividiremos o amor de pais tão dedicados como os seus. Mas não tema! O amor do nosso Pai celestial nos enviará outra forma para que eu possa estar ao seu lado, o acompanhando e ajudando nesta jornada, Max".

    Dita essa última palavra, as botas masculinas caminham para um celular que fora arremessado para fora do carro e voltam a parar. De repente, o aparelho acende e se ouve o ruído de uma ligação em andamento, seguido de uma voz feminina perguntando se podia ajudar. Logo depois, o aparelho apaga novamente. Em seguida, nosso andarilho olha para trás e percebe três vultos que foram atraídos por todo o barulho produzido pelo acidente. Ele gentilmente caminha na direção dos intrusos que param e começam a debochar de sua autoridade sobre eles. Sem dizer nada, e em meio aos gritos lançados por aqueles entes amargurados, ele para, fecha as suas mãos, que estavam revestidas em luvas de couro preto, e olha para o céu ainda encoberto. Subitamente, seu corpo começa a emanar um brilho azulado que sobrevém a sua roupa escura, ficando cada vez mais intenso. Logo em seguida, como se atendessem a algum pedido, vários entes iluminados começam a aparecer, saindo do nada. Os intrusos, que antes arrotavam superioridade, começam a correr para longe e voltam a ser engolidos pela noite.

    O silêncio recupera a sua força para dar lugar a dois outros carros com luzes no teto, que param abruptamente ao lado daquele que permanecia em agonia, e outras botas começam a correr em direção aos acidentados. Enquanto luzes, vermelhas e brancas alternando-se, começam a iluminar o interior do veículo e as pessoas ali acidentadas, homens destemidos saem de uma ambulância e correm na direção do menino. Ele, então, volta a chorar copiosamente ao notar que estava novamente sozinho naquela linda noite de verão.

    . Capítulo II

    (A Intenção)

    Nossa história começa em um pequeno quarto de um apartamento humilde na zona metropolitana, ainda na cidade do Rio de Janeiro. Um jovem, aos pés de uma cama de solteiro, repousa calado sobre um tapete grosso, porém confortável, que o separa de um piso de porcelana frio e rústico. Nosso jovem, que começamos a observar, não deve ter mais que vinte e seis anos de idade, e um pouco mais magro que o normal para a sua altura, uns sessenta quilos. Ao seu lado, mas sentado em sua cama, está outro ainda mais novo, que se encontra perdido e entregue a um falatório interminável, totalmente alheio ao que poderia estar se passando com o primeiro.

    O quarto é tão simples quanto o apartamento em si. No entanto, é muito bem organizado e cuidadosamente decorado para explorar todo o seu potencial, e, também, para ser utilizado na sua plenitude pelo seu único morador. Sua cama fora estrategicamente encostada em uma das paredes para se obter uma visão privilegiada da televisão, que foi fixada na parede à sua frente. Duas prateleiras, situadas uma acima da outra, percorrem duas de suas paredes que são perpendiculares uma a outra. Prateleiras que foram preenchidas com o que de mais belo o seu dono poderia apreciar: seus livros. Já junto à parede oposta à cama encontra-se uma singela escrivaninha. Juntos, um laptop e um modesto aparelho que reproduz seus CDs repousam ao lado de uma garrafa de refrigerante e dois copos. O aposento é o refúgio de uma pessoa simples e de posses limitadas, mas que aparentemente adora o que a vida possui de mais valioso: o conhecimento, que é a imortalidade em sua forma mais bela.

    É sábado, e as preocupações diárias, que normalmente produziriam um efeito negativo nas mentes daqueles que agora estão presentes nesse dormitório, não passam de uma ligeira e inconveniente lembrança para os dois.

    Carlos, ainda deitado sobre a lua e a estrela estampadas em seu tapete, encontra-se bem à vontade: pés descalços, bermuda simples, de uma única cor e uma camiseta sem mangas, que oferecem a todos que o observam, a vista de seus ombros e braços quase encobertos por seus pelos escuros, assim como o seu cabelo. Seus olhos percorrem fixos, porém com um olhar distante, as suas tão queridas estantes, enquanto ouve aquele falatório interminável. Nesse instante, o seu melhor amigo, que se encontra preso a uma calça jeans surrada, camiseta com algum tema ambiental e meias, resolve então deitar-se, tentando uma posição mais confortável, porém perdendo o contato visual com Carlos.

    Poucas pessoas, em uma época em que jovens só pensam em diversão e desvarios, tenderiam a notar o valor daquilo que fora tão seriamente acumulado durante os anos de uma existência relativamente curta. Mas, apesar de não ser uma coleção de dar inveja aos eruditos e aficionados das literaturas, os livros estão muito bem conservados e cuidadosamente catalogados entre material didático, pensadores, ficção e clássicos da literatura mundial.

    Agora, sob seu olhar curioso visto do chão, está a coletânea de contos de ficção de Neil Gaiman The Sandman – book of dreams (livro dos sonhos), seu favorito. Mas, na medida em que relembra seu conteúdo, seus olhos deslizam e passam a tocar outras obras não menos importantes para Carlos. Tolkien e sua saga O Hobbit, e O senhor dos Anéis com sua trilogia: A sociedade do Anel, As duas torres e O Retorno do Rei.

    A ficção associada à magia nesse instante se depara com as grandes jornadas: Homero, com Ilíada e a Odisseia, e Camões, com Os Lusíadas, que as exaltam em suas obras. Ainda, seus olhos reproduzem o retrato psicológico das instituições contemporâneas ao passar por Arthur Miller, e A Morte do Caixeiro Viajante, e Tennessee Williams, com Gata em Teto de Zinco Quente, saltando em seguida com ligeiro impulso para as tragédias: Macbeth, King Lear e Romeu e Julieta de Shakespeare, onde passa a admirar a psique humana. Volta, então, para a magia, quando se detém por um espaço de tempo um pouco maior no O Gozo das Feiticeiras e Revelações de uma Bruxa de Márcia Frazão.

    No entanto, em meio a sua longa jornada junto aos imortais, os olhos de Carlos repentinamente param, como se apenas caíssem mortos, ficando pálidos e perdendo o brilho de felicidade que adquiriam na medida em que ele conseguia visualizar os personagens vivenciando as suas histórias. Ele estava tendo toda a sua atenção roubada por uma linda melodia que começara a ouvir e que vinha de seu aparelho de Cd. Ela batia com mãos fortes em seus ouvidos e o deixava, de início, ligeiramente atordoado. Uma doce canção, cantada por uma de suas cantoras preferida: Dido. Carlos nunca escondera sua predileção por ela.

    Logo em seguida, é a letra que começa a caminhar perdida em sua cabeça e acaba instalando-se no que parecia ser o centro de seu cérebro. Carlos passa a se sentir estranho. Mais leve… Entregue totalmente a essa música. É quando a melodia intensa o segura com força e o faz sacudir cada vez mais forte, como se estivesse em um barco que sobe e desce, deslizando por ondas enormes. A letra se faz entendida, martelando algo dentro sua cabeça e o fazendo flutuar cada vez mais alto. Ela diz em inglês: Eu não te ouvi partir. Eu me pergunto como eu ainda estou aqui. Eu não quero mover nada. Isto pode mudar a minha memória.

    Os livros tentam, mas não conseguem mais prender a sua atenção, e Carlos é arrastado, passando a vê-los cada vez mais distantes e cada vez menores, até que todos eles se perdem por completo na escuridão infinita que começa a cercá-lo sorrateiramente, como em uma neblina. O mundo fica totalmente mudo e a voz do seu amigo tagarela foge e se cala… Resta agora apenas o som do seu próprio coração que, ao contrário do que seria o normal naquela situação, acaba por diminuir seu batimento em vez de aumentá-lo. A cada batida perdendo mais velocidade e força: PUM… PUM… PUM... Seu coração fala como se estivesse caindo em um sono profundo.

    Carlos, então, perde a noção das coisas que estão ao seu redor e da própria realidade por completo, inclusive do seu amigo que não nota o que se passa com ele. Em seguida, e sem aviso, a melodia volta a ser ouvida por Carlos. Com força, irresistível… Puxando-o pela mão, cada vez mais, para o desconhecido. Oh eu sou o que eu sou. Eu farei o que eu quiser, mas eu não posso esconder. Eu não irei, eu não dormirei, eu não consigo respirar até que você esteja descansando aqui comigo. Eu não quero chamar os meus amigos, eles podem me acordar deste sonho (Here with me).

    Instantes mais tarde, depois de se sentir arrastado por espaços desconhecidos, a música o liberta de vez, como se esta tivesse finalizado a sua missão, e Carlos sente que sua viagem chegara ao fim. Não está mais deitado e sente o chão apoiar seus pés. Era como se tivesse acordado repentinamente em meio a um grande susto. Ele não sabia dizer como havia se levantado, apenas ali estava, de pé em meio a um grande vazio… Mesmo apesar de estar cercado pela escuridão, ele consegue enxergar ao seu redor. Carlos estende suas mãos e as contempla, percebendo uma fraca luz azul que começa a fluir delas, contornando todos os seus dedos, mãos, braços, pernas... Agora por todo o seu corpo, mesmo por baixo de suas roupas, que eram as mesmas que ele estava usando em seu quarto alguns momentos antes. Ela pulsa, aumentando e diminuindo em intensidade como se fosse produzida pelo seu próprio coração, que batia timidamente naquele instante. Carlos olha ao redor, mas não consegue reconhecer onde está em meio ao breu que o cobre. Ele permanece parado, olhando curioso o que o cerca, até que uma coisa surge em sua mente. Primeiro, como uma vaga lembrança de algo sem sentido algum nesse contexto, mas que envolvia o seu amigo disperso em falatório. Uma ideia fixa que começa a lhe irritar e a corroer a sua mente pela insistência com que vinha a tona… Cada vez mais forte…

    — Um corredor de escola? — Ele grita!

    Então o vazio começa a tomar forma… Como se atendesse a um comando seu. Retas aparecem da escuridão e se esticam até quase tocarem o infinito e portas começam a se desenhar. Uma a uma, mas em velocidade razoável, surgindo em toda a sua extensão e até onde ele podia enxergar. Tudo ainda era muito confuso.

    Embora ainda um pouco perplexo, o medo já havia dele se despedido. Afinal, não era a primeira vez que situação parecida acontecia com aquele estranho jovem. Carlos sempre conseguia manter-se sob controle diante de tais acontecimentos, mesmo não entendendo o quê ou o porquê isso, de tempos em tempos, acontecia a ele.

    É então que Carlos começa a ouvir um turbilhão de vozes. Elas advinham de todos os lugares e se misturavam em uma confusão de sons, fazendo com que ele não conseguisse entender o que elas diziam com clareza. O bater de ondas contra as rochas lhe dizia mais do que aquele murmúrio que chagava aos seus ouvidos. Carlos, então, começa a caminhar corredor adentro em uma tentativa de entender o que as vozes falavam. Ele para por algum tempo diante de uma ou outra porta, porém sem tentar abri-las. Era como se algo dentro dele o avisasse para não o fazer.

    Um pouco mais à frente, e diante de uma porta que curiosamente era um pouco mais clara que as demais, Carlos volta a parar e permanece inerte diante dela… E de dentro, uma voz firme se faz entender, enquanto todas as demais se calam de uma só vez.

    — A história. — Dizia a voz bem alta e cada vez mais clara. — A história, principalmente a Medieval, para aqueles que se interessam, é o alicerce para a maioria das disciplinas… Literatura sem a história passaria a ser um amontoado de livros sem significados práticos, e a história sem a literatura também ficaria sem elementos culturais importantes para se entender o comportamento e costumes das sociedades ao longo de um determinado período de tempo. Elas se completam!

    A voz era de um entusiasmo de quem adorava e entendia do que falava. Carlos se empolga e tenta, a todo o custo, se aproximar e olhar pela porta para ver quem possuía aquela voz tão firme e tão interessante que ele acabara de ouvir. No entanto, quando ele segura a maçaneta para tentar abri-la e poder espiar em seu interior, tudo começa a tremer ao seu redor. As portas e paredes começam a se desfazer, como se fossem feitas de areia e caem ao chão. A escuridão retorna sem aviso prévio, mas não por muito tempo.

    Agora Carlos vê apenas uma única porta fechada à sua frente. Ele não reconhece mais aquele longo corredor. Momentos depois ela se abre, adentrando uma mulher loira mais velha que Carlos, carregando duas malas consigo. Ela as solta ao chão e grita:

    — Que dia! A viagem foi maravilhosa, mas nada melhor que voltar para casa e rever meus familiares.

    Dizendo isso, a mulher cuja voz lhe era familiar também desaparece, cedendo lugar ao seu pequeno e acolhedor quarto, com todos os seus livros na velha estante novamente… Ao perceber que as visões se extinguiram, Carlos vira-se, voltando a ouvir o falatório de Off — como chamava seu amigo desatento.

    Off!— Carlos chama a atenção do seu amigo para voltar a falar. — Por que você não liga para a sua casa para saber notícias de sua irmã?

    Off, sem entender o porquê da pergunta, responde de imediato:

    — Ué, não me lembrava de ter comentado que minha irmã estava viajando!

    Dito isso, o telefone toca. Carlos agarra a extensão do quarto e sem pensar a passa para Off atender, num gesto puramente instintivo. Ao atender, Off apenas emite alguns murmúrios e desliga para falar em seguida:

    — Cara! — Grita ele, com uma fisionomia de pânico. — Um dia você ainda vai me matar do coração! Ainda vou descobrir como você faz essas coisas! Minha irmã Bárbara acaba de chegar de Brasília e minha mãe está me chamando para jantar com elas!

    — Desculpe-me Off, mas foi só um palpite… Você bem sabe que isso não é nada raro comigo. Pensei que já estivesse acostumado, amigo!

    Off levanta-se, ainda suando frio, e despede-se de Carlos para sair logo em seguida. Carlos levanta-se com certa dificuldade e aparentando estar com dores no corpo. Deita-se em sua cama e, fechando os olhos, acaba por adormecer. Seus sonhos nada são relacionados com o que Carlos viu ou ouviu durante o dia. Ele apenas descansa como se tivesse terminado com suas obrigações diárias, mas a voz por ele ouvida naquele corredor não sairia mais de sua mente.

    As horas passam a galope e nosso amigo descansa, tendo um sono longo e restaurador.

    No dia seguinte, ao acordar, Carlos traz para a realidade todas as novas energias ganhas ao repousar tão bem durante aquela noite.

    — É domingo. — Resmunga Carlos com os seus botões ao tomar um banho refrescante. — E agora? — Pergunta para si mesmo ao se olhar no espelho ainda no banheiro. — Não posso contar com o Off, porque ele já tem compromisso com a família, mas não quero passar o domingo vendo televisão. Eu preciso mesmo de alguém com quem eu possa contar e conversar, mas que me permita falar o que preciso e que realmente possa me entender.

    Então Carlos se lembra de um amigo do trabalho, que estava prestes a se formar em psicologia na mesma faculdade em que acabara de prestar exames de admissão, já que a sua intenção era poder voltar a estudar e dar vazão a sua maior paixão: as literaturas. Em seguida, decide ligar para marcar um encontro e conversar.

    José Monteiro, como era conhecido na firma, era bem mais velho que Carlos e sempre demonstrou uma grande afeição por ele.

    Feito o primeiro contato, os dois decidiram se encontrar para tomar uma cerveja e conversar na praia de Copacabana, no Rio de Janeiro – cidade onde moravam. Naquela mesma tarde, eles se encontraram em um quiosque do posto seis, uma divisão administrativa que as praias cariocas costumam ter. O sol ainda rasgava o céu com seu brilho ofuscante quando ambos sentaram para conversar. O lugar mais lembrava uma cabana, com um telhado de folhas secas de coqueiro por cima de um balcão de alvenaria e com algumas mesas e cadeiras de plástico espalhadas pelo calçadão da praia. Tudo era muito simples, porém bem bonito e acolhedor. Ambos extremamente à vontade, vestidos com camisetas bem leves, bermudões e sandálias – trajes típicos para uma cidade à beira mar.

    — Muito legal de tua parte ter se lembrado de me convidar para sair de casa, Carlos. Eu não aguentava mais todos aqueles livros que me vejo obrigado a ler para meus exames finais. Também, os pacientes que estou acompanhando em meu estágio na clínica estão me tirando do sério. Eu realmente preciso aliviar a mente um pouco. Mas, digas aí! O que está te preocupando? — Perguntou mudando o assunto com um tom mais sério.

    — Por que você acha que algo me preocupa?

    — Bem… Eu poderia utilizar-me de várias teorias complicadas para impressioná-lo, mas na verdade é só olhar para ti e perceber que algo não está muito bem. E julgando pela tua voz quando me ligaste, foi fácil perceber que estavas precisando de um amigo para conversar. Se me julgares merecedor, é claro! — Diz sorridente para, logo

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