O Ensino que eu não tive: A direção certa é a contramão
De Márcio Paiva
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O Ensino que eu não tive - Márcio Paiva
A arte de conhecer é a arte de inquietar-se.
Quem busca conhecer acaba por inquietar-se diante de qualquer status quo, de qualquer modus operandi, de qualquer informação, de qualquer teoria. Por isso o aprendiz em busca do conhecimento muitas vezes é tido como rebelde, subversivo, alguém que se nega a rezar a cartilha da religião, do segmento científico, político, econômico ou social a que se vê ligado, quando na verdade é apenas inteligência que ascende acima do fazer diário para pensar o seu papel enquanto sujeito histórico, agente e transformador da realidade, para pensar suas crenças, os valores professados pela instituição ou classe à qual está ligado, seus valores pessoais e assim então ter uma visão imparcial e mais ampla de tudo. Em razão dessa conduta, sua forma de ver o mundo passa por uma metamorfose constante. Conhecer é ato contínuo.
Este livro é dedicado aos homens e mulheres que com sabedoria ultrapassaram a fronteira dos ‘ismos’, ascendendo à condição de grandes humanistas. E por seus exemplos, as bandeiras da liberdade, da paz e da fraternidade estarão para sempre desfraldadas.
Antes de mais nada
Este livro apresenta alguns aspectos referentes ao ensino de Língua Portuguesa e Literatura do ponto de vista do aluno. Não é uma tese, ensaio ou qualquer coisa do gênero, de autoria de um Mestre, Doutor, Pós-doutor ou coisa equivalente. Tão pouco é fruto de anos e anos de exaustivo trabalho de pesquisa, dedicação e suor. O que se tem aqui são considerações de um aluno que não gostou nada daquilo que encontrou pela frente no Curso Superior, mais especificamente no Curso de Letras.
Você que é ou já foi aluno de Curso Superior certamente encontrará neste livro situações que por instantes o farão pensar: é, eu já passei por isso também!
ou então: é verdade, isso acontece muito!
. E isso não são palavras de um profeta, trata-se apenas de convicção de alguém que sabe que a frustração não é privilégio seu, mas sentimento de muita gente. Você que é profissional do ensino (professor, mestre, doutor etc.) certamente ficará magoado com algumas afirmações aqui contidas, mas já adianto: só nos casos em que a carapuça servir.
Serei eternamente grato
À dona Conceição, minha mãe, a alma mais guerreira que já pisou em solo terrestre, mulher por quem tenho profunda admiração, rendo aqui uma singela homenagem. Mãe, você é demais. Obrigado por tudo!
A meu pai, o sujeito mais turrão que o mundo já produziu, mas com quem aprendi a respeitar os mais velhos, deixo aqui minha reverência. Valeu, seu Pedro!
Aos meus irmãos Ademar, Maurício e Wilmar, de quem nunca ouvi não como resposta nas horas difíceis.
Ao meu tio Antônio Martins e minha tia ‘Filhinha’ por contribuírem para a minha formação e, muito especialmente, à minha tia ‘Sana’, pela paciência que teve comigo e com meus ‘pipis’ enquanto eu dava os primeiros passos no Jardim de Infância. Valeu, tia, esse carinho levarei comigo eternamente.
À minha companheira, luz no meu caminho, manifesto aqui meu carinho, meu afeto. Beijo pra ti, Jaque! Beijo que estendo a seus pais, seu Pedro e dona Ritha e igualmente aos meus cunhados Jarbas, Tiago e Tobias.
A Raul Seixas, o maluco beleza
, a quem considero como irmão mais velho pelos ensinamentos que tirei de suas músicas geniais, rendo aqui minha homenagem. Um cara anos-luz à frente do seu tempo.
Tributo ao Camarada Lalá
Ele entrou na sala de aula e tudo mudou. Falava de mitologia grega (Zeus, Eros), de religião (Cristo, Buda), de ciência, (Einstein, Galileu Galilei), de Sociologia (Marx), de Psicologia, Pisicanálise (Freud), de poesia (Carlos Drumond de Andrade, Fernando Pessoa), de prosa (Guimarães Rosa, Emile Zola), de música (Milton Nascimento, Caetano Veloso, Beethoven), de amor e humanismo (Cristo, São Francisco de Assis, Madre Teresa de Calcutá, Martin Luther King, Ghandi), de Filosofia (Platão, Aristóteles), de Arquitetura (Aleijadinho), de Educação (Paulo Freire), de senso crítico (ler nas entrelinhas as mensagens subliminares do texto). E tudo que eu trazia adormecido despertou, acordou, saiu da caverna para ver a luz. Passei então a gostar. A gostar de tudo, de religião, de ciência, de mitologia, de filosofia. Cheguei a pensar que havia encontrado o que eu buscava, um espaço superior, um ambiente onde estudar, pensar, aprender, conviver fosse algo diferente.
Enquanto aquele magricelo dentuço esteve conosco, a Universidade, o Curso de Letras, o ônibus lotado, o longo trajeto de 50 minutos até em casa de barriga vazia, numa fome e num cansaço de lascar, já perto da meia-noite, eram algo que fazia sentido. E esse cara iluminado, esse amante do conhecimento, amante da vida, amante do ser humano, amante da cultura e língua indígenas, esse Cristo, esse Ghandi, esse Aleijadinho, esse Milton, essa metamorfose ambulante, essa Madre Teresa de Calcutá, essa releitura dos grandes e verdadeiros mestres que a humanidade produziu, esse semeador de estrelas fez, com gotas de sensibilidade, de amor e fraternidade, germinar, no solo árido e inóspito da minha e de muitas outras mentes, uma planta que jamais morrerá: professor de verdade, fez de nós verdadeiros aprendizes. Por tudo isso, não poderia deixar de render essa singela homenagem a você, Laércio Nora Bacelar, que faz do ensino uma forma de amor, uma prática religiosa, ação, atitude, transformação. Valeu, magricelo!
Um pouco de Machado de Assis.
"Um dos meus velhos hábitos é ir, no tempo das câmaras, passar as horas nas galerias. Quando não há câmaras, vou à municipal ou intendência, ao júri, onde quer que possa fartar o meu amor dos negócios públicos, e mais particularmente da eloquência humana. Nos intervalos, faço algumas cobranças, ou qualquer serviço leve que possa ser interrompido sem dano, ou continuado por outro. Já se me têm oferecido bons empregos, largamente retribuídos, com a condição de não frequentar as galerias das câmaras. Tenho-os recusado todos; nem por isso ando mais magro.
Nas galerias das câmaras ocupo sempre um lugar na primeira fila dos bancos, leva-se mais tempo a sair, mas como eu só saio no fim, e às vezes depois do fim, importa-me pouco essa dificuldade. A vantagem é enorme, tem-se um parapeito de pau, onde um homem pode encostar os braços e ficar a gosto. O chapéu atrapalhou-me muito no primeiro ano (1857), mas desde que me furtaram um, meio novo, resolvi a questão definitivamente. Entro, ponho o chapéu no banco e sento-me em cima. Venham cá buscá-lo!
Não me perguntes a que vem esta página dos meus hábitos. É ler, se queres. Talvez haja uma conclusão. Tudo tem conclusão neste mundo. Eu vi concluir discursos, que ainda agora suponho estar ouvindo. Cada coisa tem uma hora própria, leitor feito às pressas.
Na galeria, é meu costume dividir o tempo entre ouvir e dormir. Até certo ponto, velo sempre. Daí em diante, salvo rumor grande, apartes, tumulto, cerro os olhos e passo pelo sono. Há dias