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Emendas constitucionais e constitucionalismo abusivo no Brasil: uma proposta de releitura do instituto da inconstitucionalidade progressiva
Emendas constitucionais e constitucionalismo abusivo no Brasil: uma proposta de releitura do instituto da inconstitucionalidade progressiva
Emendas constitucionais e constitucionalismo abusivo no Brasil: uma proposta de releitura do instituto da inconstitucionalidade progressiva
E-book292 páginas3 horas

Emendas constitucionais e constitucionalismo abusivo no Brasil: uma proposta de releitura do instituto da inconstitucionalidade progressiva

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Sobre este e-book

O livro é resultado de pesquisa doutoral realizada pelo autor junto ao Programa de Pós-Graduação em Direito pela Universidade Estácio de Sá. Partindo da perspectiva de Roger Myerson que associa a forma federativa estatal à democracia em países em transição democrática, o autor realiza um estudo do processo centralizador ocorrido no Brasil mediante o uso abusivo do processo de emendamento constitucional. Para a correção destes desvios da rota proposta pelo Poder Constituinte originário, o trabalho propõe o reconhecimento de um reexame conceitual do fenômeno da inconstitucionalidade progressiva como caminho corretivo dos rumos neste processo de centralização e recondução aos caminhos da democracia.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento31 de jan. de 2022
ISBN9786525218113

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    Emendas constitucionais e constitucionalismo abusivo no Brasil - Davi Marques da Silva

    1. INTRODUÇÃO

    O texto da pesquisa exposto no presente trabalho é, de certa forma, o aprofundamento de reflexões anteriores nas quais a perplexidade com as sucessivas crises (basicamente financeiras) dos entes subnacionais, Estados (EE), Distrito Federal (DF) e Municípios (MM), no contexto brasileiro foram debatidas pelo autor em outros estudos (SILVA, 2007 e SILVA, 2015). Nos trabalhos anteriores foi enfrentada, ainda que de forma suscinta dadas as limitações de espaço exigidas para a produção de um artigo científico, a perda de receitas próprias dos entes subnacionais em favor do ente central e a falta de mecanismos formais de correção desta ali denominada competição vertical.

    Na condição de advogado público estadual, vinculado, portanto, a uma entidade subnacional, a percepção do problema da ausência de uma percepção clara da sociedade no que concerne à manipulação de regras de direito, progressiva e permanente pela União, mediante o uso das Emendas à Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/1988) como cabeça de ponte¹ destas alterações pontuais na distribuição de competências e limitação de acesso às rendas e de autonomia governamental. Tais modificações – adotadas de forma paulatina e que, numa primeira leitura, não oferecem risco à forma federativa de estado, pois não caracterizam uma violação frontal e direta à CRFB/1988 e, por este motivo, fogem do controle de constitucionalidade pelo instrumento mais usual de proteção do núcleo da Constituição pela via abstrata, a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), – vistas numa perspectiva de conjunto, podem ter afetado sensivelmente a organização do Estado Brasileiro e descaracterizado o projeto constituinte. Estas perplexidades e inconformismo foram a provocação inicial para o enfrentamento do problema que será mais adiante descrito.

    Muito embora a questão federativa seja frequentemente tratada em trabalhos acadêmicos² nos programas de pós-graduação stricto senso, a ausência de enfrentamento do problema por esta perspectiva temporal de longo prazo parece caracterizar um vácuo na bibliografia, que poderá ser parcialmente coberto pelo trabalho que ora se submete ao Programa de Pós-graduação stricto senso em Direito da Universidade Estácio de Sá – PPGD UNESA.

    O exame de alguns conceitos ainda pouco trabalhados na doutrina brasileira, como o conceito de constitucionalismo abusivo (item de embasamento teórico que será tratado ao longo do trabalho), já foi manejado, de forma suscinta, na decisão cautelar proferida pelo Ministro Roberto Barroso, na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 622 (ADPF 622 MC/DF), juntamente com os de legalismo autoritário e democracia iliberal (que não são objeto do presente estudo), para justificar a suspensão da eficácia do Decreto 10.003/2019, da Presidência da República, que alterou substancialmente a composição do Conselho Nacional da Criança e do Adolescente – CONANDA, tal decisão é um exemplo claro da atualidade da pesquisa e de seu impacto na sociedade.

    O reduzido número de estudos brasileiros sobre o tema³, por sua vez, caracteriza uma efetiva necessidade de exame da categoria (constitucionalismo abusivo) desenvolvida teoricamente por David Landau (2013), tendo em conta realidade de países em franco trajeto autoritário e antidemocrático, para verificar o contexto em que foi adotada na decisão, o que demonstra um real impacto na ciência jurídica nacional, podendo-se concluir que se amolda perfeitamente à área de concentração Direito Público e Evolução Social eleita pelo PPGD UNESA para o desenvolvimento de estudos acadêmicos.

    O ineditismo da pesquisa no plano teórico e no plano metodológico (análise da existência de padrões de manejo do poder constituinte derivado visando a concentração de poderes na União), também é inovadora e tem impacto para o PPGD UNESA na medida em que busca trazer uma perspectiva de exame empírico do problema jurídico tratado no plano abstrato sem descurar dos aspectos teóricos relevantes para oferecer uma contribuição à ciência jurídica brasileira.

    É relevante anotar que o problema acima apresentado também está adequado à Linha de Pesquisa Direitos Fundamentais e Novos Direitos pela perspectiva de que o modelo federativo, especialmente nos países em transição democrática, como é o caso brasileiro pós-1988, é um elemento de impulsionamento de regimes políticos dessa natureza. Logo, a proteção de direitos fundamentais é aspecto relevante nos regimes políticos reconhecidamente democráticos.

    Neste particular, a questão da mudança substancial da estrutura federativa estatal no sentido da centralização, como é demonstrado por Roger Myerson (2006), produz impacto negativo não apenas no plano institucional de estruturação e distribuição geográfica de poder, como pode parecer a uma primeira vista, mas também, fragiliza os mecanismos da democracia desestimulando a formação de lideranças locais e regionais no jogo político ordinário. Segundo o autor, as atuais condições de desenvolvimento tecnológico permitiram a realização da pesquisa comparativa do fator federalismo e sua influência na democracia mediante a análise de grande volume de dados, o que seria impossível de se fazer apenas com trabalho humano. Daí também decorrem a relevância e a atualidade do presente estudo.

    Da mesma forma merecem referência neste contexto os estudos de Arend Lijphart (2019), que na revisão do seu já clássico Modelos de Democracia dedica um capítulo à estrutura federativa. Segundo o autor, "os Indicadores de Governança Mundial (Worldwide Governance Indicators – WGI) e os dados do projeto Democracy Index da Economist Inteligence Unit", permitiram aprofundar seus estudos na aferição da qualidade do governo e da democracia. Logo, há hoje instrumentos de medição que autorizam a associação entre forma federativa, democracia e qualidade do governo, em especial, quanto à determinação da alocação de recursos, o que anima a presente pesquisa.

    Outro aspecto a ser levado em conta no que toca à relevância da pesquisa é que a limitação material ao poder de reforma abriga em seu bojo não somente a vedação a mudanças constitucionais tendentes a abolir a forma federativa, mas, também, o voto direto, secreto, universal e periódico, a separação dos Poderes e os direitos e garantias individuais.

    Logo, o reconhecimento da possibilidade de proteção por cláusula pétrea contra mudanças estruturais paulatinas, periódicas e sucessivas que, se analisadas individualmente não aparentam agredir as cláusulas constitucionais protegidas contra modificações, mas que, vistas no conjunto contaminam o projeto constituinte originário, é de grande interesse tanto na proteção de direitos fundamentais como na defesa da democracia representativa, da separação dos poderes e dos direitos e garantias individuais.

    Para fins da pesquisa acolheu-se o conceito liberal de democracia, presente no art. 21 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que afirma:

    1. Toda a pessoa tem o direito de tomar parte na direção dos negócios públicos do seu país, quer diretamente, quer por intermédio de representantes livremente escolhidos.

    2. Toda a pessoa tem direito de acesso, em condições de igualdade, às funções públicas do seu país.

    3. A vontade do povo é o fundamento da autoridade dos poderes públicos; e deve exprimir-se através de eleições honestas a realizar periodicamente por sufrágio universal e igual, com voto secreto ou segundo processo equivalente que salvaguarde a liberdade de voto. (UN GENERAL ASSEMBLY, 1948)

    Assim, o ponto de partida eleito, relativamente à concepção de democracia, embora não seja possível encontrar uma concepção pacífica na literatura, é um conceito normativo, dotado de pretensão universal e internacionalmente aceito e traduzido na Declaração Universal dos Direitos Humanos.

    Apresentadas as premissas do estudo segue-se à sua descrição.

    O fato de reconhecer que a institucionalidade instaurada pela CRFB/1988 efetivamente teve o objetivo de reconduzir o País à democracia e que, no plano mais geral, as instituições estão funcionando com normalidade não implica necessariamente que, eventualmente, o caminho dessa transição não possa ter sofrido alguns desvios para atender demandas de grupos de pressão e/ou instituições. Logo, o problema que se põe no presente estudo não implica em afirmar a existência orientada de interesses menores na modificação do desenho institucional formulado pelo legislador poder constituinte originário. Dito isto, passa-se a demonstração da hipótese enfrentada na pesquisa.

    O problema de pesquisa pode ser resumido na seguinte pergunta: As emendas constitucionais relacionadas à organização, tributação e orçamento do Estado Brasileiro desconfiguraram o desenho instituído pelo legislador constituinte originário para a federação e permitem a identificação de uma inconstitucionalidade progressiva no texto constitucional a ensejar o controle judicial?

    Para responder a essa questão é importante, inicialmente, conhecer o desenho institucional da federação brasileira traçado pelo legislador constituinte originário, conhecer o contexto histórico da decisão constituinte e contrastar com o modelo atual para, mediante comparação, afirmar a ocorrência ou não da violação da cláusula proibitiva prescrita no art. 60, § 4º, inciso I da CRFB/1988.

    A par desta premissa é necessário buscar na teoria constitucional e na teoria política a existência de identificação e teorização acerca da presença de fenômeno similar já diagnosticado, bem como, se efetivamente, há uma violação constitucional.

    Essa é a problematização que se pretende esclarecer no trabalho ora apresentado.

    A hipótese de pesquisa pode ser descrita como a possibilidade de, a partir de um exame teórico e de análise factual, afirmar que o manejo pela União do mecanismo constitucionalmente previsto para emendas à Carta Magna, adotado para alterar o sistema normativo relativo aos Títulos III e VI, que se vistos individualmente não apresentam aparente agressão à cláusula pétrea, descrita no art. 60, § 4º inciso I da CRFB/1988, mas quando examinados no conjunto são capazes de caracterizar o denominado constitucionalismo abusivo e uma violação da Constituição.

    Diante das perplexidades levantadas na problematização, a definição do objetivo geral que responderá à inquietação pode ser melhor delineado.

    O objetivo geral da pesquisa, extraído da problematização acima, é examinar se a cláusula de bloqueio às mudanças mediante o uso do instrumento constitucionalmente previsto para promover alterações na Carta – emendas à Constituição – que se afigurem tendentes à abolir a forma federativa de estado, como disciplinado no art. 60, §4º, inciso I da CRFB/1988, foi violada pelo poder constituinte derivado mediante pequenas e sutis mudanças no texto de base que, tomadas sob o prisma global panorâmico, produzem a vulneração da mencionada regra proibitiva a ensejar correção pela via judicial.

    O enfrentamento da questão relativa à ocorrência de uma violação à cláusula de bloqueio que veda o uso do mecanismo das emendas à Constituição como instrumentos de mudanças tendentes a abolir a forma federativa de estado passa, necessariamente, por conhecer o desenho institucional original.

    Um primeiro objetivo específico da pesquisa será descrever o quadro institucional da federação brasileira com as atribuições de competências materiais, tributárias e financeiras da União e dos entes subnacionais.

    Também para a construção de uma resposta à inquietação materializada na problematização é relevante entender o processo de emendas à Constituição Brasileira. Assim, o trabalho pretende descrever o processo de modificação substantiva da Constituição e as posições doutrinárias no tema quanto aos limites ao exercício do poder constituinte derivado.

    O problema da identificação do manejo de instrumentos institucionais formalmente válidos que quando analisados de forma individual não parecem afrontar a CRFB/1988, mas que se vistos em conjunto podem demonstrar a descaracterização do desenho constitucional vedada por cláusula pétrea exige a construção ou reconfiguração de uma categoria já divisada na doutrina: a inconstitucionalidade progressiva.

    Este ponto merece uma explicação: o instituto que a doutrina e a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) reconhecem como inconstitucionalidade progressiva, também denominado trânsito para a inconstitucionalidade, refere-se ao exame da compatibilidade normativa de um determinado diploma legal prévio à CRFB/1988, que é recepcionado pela nova ordem jurídica com o intuito de evitar o vácuo normativo, mas que, com o passar do tempo, será reconhecido inconstitucional.

    O objetivo específico correspondente a essa inquietação será enfrentado pela descrição de teses que identificam o manejo de instrumentos do constitucionalismo como mecanismo de enfraquecer as proteções e garantias da Constituição, legitimadas pela observância formal dos métodos de trabalho constitucional caracterizadores de uma suposta normalidade institucional, em especial, o denominado constitucionalismo abusivo (LANDAU, 2013), adotado como referencial teórico na pesquisa.

    O último objetivo específico é verificar se houve substancial descaracterização da forma federativa estatal em função da sucessão de emendas à Constituição que alteraram os Títulos III e VI da CRFB/1988, permitindo inferir se efetivamente é possível afirmar que houve violação do seu art. 60, § 4º inciso I.

    A busca de enfrentamento dos objetivos se dará mediante o uso de pesquisa bibliográfica e documental, acompanhadas de exame evolutivo do quadro normativo constitucional por meio da aplicação de formulário montado no padrão Google Docs., descritivo das emendas constitucionais aprovadas pelo Congresso Nacional que envolvem modificações dos Títulos III (Da Organização do Estado) e VI (Da Tributação e do Orçamento).

    Na seleção bibliográfica fixou-se o marco teórico na teoria desenvolvida por David Landau (2013) e, posteriormente, aperfeiçoada pelo próprio autor (LANDAU, 2016) ou em coautoria com Rosalind Dixon (2015), como também tratada por Mark Tushnet (2015) e outros autores como Tom Ginsburg e Alberto Simpser (2014), e Richard Albert (2016). Os mesmos autores são base metódica acerca da validade do uso pelo poder constituinte originário da estratégia de entrincheiramento de cláusulas de imutáveis nos textos constitucionais como instrumento de proteção contra mudanças eventuais da titularidade do poder político em estados

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