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Nostalgia da luz: As inquietações da história, da memória e do tempo presente
Nostalgia da luz: As inquietações da história, da memória e do tempo presente
Nostalgia da luz: As inquietações da história, da memória e do tempo presente
E-book289 páginas3 horas

Nostalgia da luz: As inquietações da história, da memória e do tempo presente

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Sobre este e-book

A obra Nostalgia da luz: As inquietações da história, da memória e do tempo presente, apresenta análise, com aparato histórico, relacionando cinema e história. Para tal, o autor utiliza o filme Nostalgia da Luz, do cineasta Patrício Guzmán, traçando paralelo com a memória construída ao longo da ditadura militar chilena.
A partir da história do filme, o autor reflete sobre a história, considerando as memórias do passado narrado, com o tempo presente no país.
A partir do contexto analisado, a obra evidencia a relação nos estudos de história e cinema também no Brasil, de modo que, valoriza as produções de documentários como fonte de conhecimento.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento8 de mar. de 2022
ISBN9786558408420
Nostalgia da luz: As inquietações da história, da memória e do tempo presente

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    Nostalgia da luz - Samuel Torres Bueno

    PREFÁCIO

    Yo creo que la memoria tiene fuerza de gravedad.

    Siempre nos atrae. Los que tienen memoria son capaces de vivir en el frágil tiempo presente.

    Los que no la tienen no viven en ninguna parte

    (Patricio Guzmán, Nostalgia de la luz, 2010)

    La calle no calla, la calle se raya

    La calle no calla, debate que estalla

    Todo lo quitan, todo lo venden

    Todo se lucra, la vida, la muerte

    Todo es negocio, bajo tu toldo

    Semilla, pascuala, métodos y coros

    (Ana Tijoux, Shock, 2011)

    O Chile vem se reconciliando com o seu passado a partir de intensas lutas políticas que revelam o esforço de boa parte da sociedade civil por superar o legado da ditadura militar (1973-1989) e as desigualdades sociais, acentuadas pelo neoliberalismo com medidas econômicas que levaram, por exemplo, à privatização do ensino público e do sistema de saúde. A renovação da Constituinte, no ano de 2021, é um marco nessa direção ao validar, entre outras coisas, a importância institucional de candidaturas independentes, de representações indígenas e da paridade de gênero. Mas o ávido apreço político por exaltar a democracia e retirar o entulho autoritário do poder, representado pela Constituição de 1980, que permanecia vigente desde a Ditadura do Pinochet, não caminhou sozinho, as manifestações culturais foram elementos vitais para essas transformações operadas no seio de uma sociedade com fortes traços conservadores.

    Muitos escritores, músicos, cineastas, etc., vêm se ocupando, há décadas, de interpelar e denunciar as arbitrariedades do poder e os silêncios que ele provoca. Uma das vozes artísticas mais expressivas é a do documentarista chileno Patricio Guzmán. Com uma obra imensa e diversa, que cobre desde os dramas vividos pelo governo de Salvador Allende (A Batalha do Chile - A Insurreição da Burguesia, 1973; A Batalha do Chile 2 - O Golpe de Estado, 1977; A Batalha do Chile 3 - O Poder Popular, 1979) até os desafios políticos do nosso tempo presente (Nostalgia da Luz, 2010; O Botão de Pérola, 2015; A cordilheira dos Sonhos, 2019), ele nos convida não apenas a ver a história recente do Chile, mas a refletir intensamente sobre os seus significados.

    Foi esse convite de destrinchar o passado recente chileno de forma crítica que foi aceito pelo historiador Samuel Torres Bueno ao eleger o documentário de Patricio Guzmán, Nostalgia da luz, como uma forma privilegiada para a compreensão das relações entre cinema, história e memória no Chile. Este livro é fruto de sua dissertação, defendida (2020) sobre essa temática, na Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), que vem à tona vinte anos após o lançamento do Manifiesto de historiadores (1999)¹, obra coletiva que marcou uma das batalhas da memória no Chile, em resposta à defesa do golpe de 1973 e da posterior ditadura, bastante endossada pelos grandes meios de comunicação e pela escrita da história ufanista de Gonzalo Vial.

    Interessante notar que Nostalgia da Luz (2010) foi lançado durante as comemorações do bicentenário de luta pela independência da América Latina e da fundação do Museu da Memória e dos Direitos Humanos, possibilitando a todos adentrar de forma poética no Deserto de Atacama e perceber esse espaço como um lugar que apresenta um conjunto de experiências vividas pelos homens ao longo do tempo, capaz tanto de modificar a relação dos chilenos com o passado, o presente e o futuro, quanto de corroborar com a justiça e a democracia no país. A tessitura de narrativas cruzadas apresentadas nesse documentário lança luz no conhecimento sobre eventos primordiais da formação do universo, trajetórias dos povos pré-colombianos e biografias interrompidas de forma súbita e brutal pela ditadura. O resultado é um trabalho visual ensaístico, com mais perguntas do que respostas, que sensibiliza para a necessidade humana de lembrar e esquecer – mesmo que parcialmente – os horrores do passado no intuito de conseguirmos traçar novos rumos.²

    Samuel Torres Bueno demonstra assim como o documentário enfocado aprofunda uma dimensão dinâmica e conflituosa da memória, principalmente a memória recente do Chile ligada ao Terrorismo de Estado e a cultura do medo, em sintonia com o que Ludmila Catela denomina de território da memória, ao considerar os

    [...] processos de articulação entre os diversos espaços marcados e às práticas de todos os que se envolvem no trabalho de produção de memórias sobre a repressão; ressalta os vínculos, a hierarquia e a reprodução de um tecido de lugares que potencialmente pode ser representado por um mapa. Ao mesmo tempo, as propriedades metafóricas do território nos levam a associar conceitos tais como conquistas, litígios, deslocamentos ao longo do tempo, variedade de critérios de demarcação, de disputas, de legitimidades, direitos, soberania.³

    Neste livro, feito com a emoção daqueles que são tomados pela força poética da história, as inquietações proliferam: como fazer história com imagens em movimento? Como a arte influencia na política? Quais são as armadilhas da memória? A história é de fato capaz de servir a justiça e sanar o terror autoritário? Como o deserto se torna um espaço geográfico importante para refletir sobre a memória? Ao procurar nos dar algumas pistas instigantes, Samuel Torres Bueno demonstra um apurado conhecimento historiográfico sobre a realidade chilena, levando o leitor a compreender a complexidade do passado que não passa quando não se elabora o trauma vivido em uma sociedade de tantos desaparecidos políticos.

    Priscila Ribeiro Dorella (Professora de História das Américas/UFV)

    Mateus Fávaro Reis (Professor de História das Américas/Ufop)

    Notas


    1. Um país sem cinema documental é como uma família sem um álbum de fotografias (tradução nossa).

    2. Em 1970, o vencedor das eleições presidenciais chilenas foi Salvador Allende, que concorreu pela Unidade Popular, uma aliança de diversos grupos e partidos à esquerda. Em linhas muito gerais, e tomando as próprias palavras de Allende, objetivo da UP era o de implementar uma revolução com empanadas e vinho tinto, isto é, uma revolução socialista que não passase pelo emprego das armas ou da insurreição violenta, mas pelo aprimoramento da democracia do Estado liberal/burguês. Em outras palavras, tratou-se de unir propostas socialistas em uma forma democrática. Em 1973, Allende sofre um golpe comandado pelas Forças Armadas chilenas, com o apoio dos EUA: o palácio presidencial, o Palácio La Moneda, é bombardeado e arde em chamas. E a partir disso, se inicia a feroz ditadura de extrema-direita que assolou o Chile até 1990.

    3. Segundo Barrenha (2013), durante o governo Allende (um dos marcos mais emblemáticos desses anseios por profundas transformações sociais), muitos dos mais relevantes cineastas chilenos, como Raúl Ruiz e Miguel Littín lançaram uma miríade de obras alinhadas, em maior ou menor grau, às propostas deste movimento cinematográfico nitidamente alinhado ao imaginário das esquerdas. Em suma, da década de 1960 até o fim trágico do governo de Salvador Allende, o cinema chileno conheceu uma fase de efervescência.

    INTRODUÇÃO

    Samuel Torres Bueno

    Nenhuma palavra

    nenhum discurso

    – nem Freud, nem Martí –

    serviu para deter a mão

    a arma do torturador.

    Mas quando uma palavra escrita

    na margem na página na parede

    serve para aliviar a dor de um torturado

    a literatura tem sentido.

    (Cristina Peri Rosi)

    Neste trabalho, o objeto da nossa atenção é Nostalgia da Luz (2010), um dos filmes mais importantes dentro da trajetória do chileno Patricio Guzmán (1941), que é considerado um dos mais notórios cineastas latino-americanos. A sua carreira (que ultrapassa a marca dos 50 anos) é caracterizada por produções amplamente premiadas em importantes festivais de cinema mundo afora, como os de Cannes e o de Berlim. Ele também é um dos criadores do Fidocs (Festival Internacional de Documentales de Santiago), além de ministrar diversos cursos sobre cinema documental em muitas universidades nos Estados Unidos, América Latina e Europa.

    Na produção em questão, o cineasta conduz a narrativa, através da sua própria voz, em off (ou seja, ouvimos sua voz, mas não o vemos nas cenas), costurando as suas memórias com as de outros sujeitos que, assim como ele, tiveram suas vidas afetadas pelo golpe e pela ditadura militar no Chile (1973-1990), e que carregam nos seus corpos as marcas dos mecanismos repressivos (tortura, mortes, prisões, desaparecimentos, exílio, censura etc.). Ambientado no Atacama, o filme aproxima as atividades de busca pelo passado realizada pelo próprio diretor e por três grupos que compartilham o deserto: os astrônomos, os arqueólogos e as mulheres oriundas da cidade do Calama, no norte do Chile, que procuram restos de seus familiares desaparecidos durante a ditadura.

    Aqui, nesta seção introdutória, talvez seja proveitoso traçarmos uma visão panorâmica da filmografia e do percurso de Patricio Guzmán. Desse modo, sublinhamos uma afirmação do cineasta: un país sin cine documental es como una familia sin álbum de fotografias¹. Essa frase indica uma preocupação recorrente na obra de Guzmán: se no âmbito privado, os registros fotográficos mantêm vivas as recordações familiares, no plano coletivo, os documentários cumprem uma função análoga. Enquanto os álbuns materializam a obrigação ética de se conservar as lembranças dos entes queridos, dentro da esfera pública, os filmes documentais simbolizam uma necessidade semelhante. Por conseguinte, é possível dizer que questões delicadas que giram em torno das memórias relacionadas ao passado recente chileno constituem um tema constantemente revisitado por Patricio Guzmán. A filmografia do diretor se dedica primordialmente a eventos que marcaram a história chilena nas últimas décadas: o breve, mas intenso período da Unidade Popular (UP); o violento golpe de Estado de 11 de setembro de 1973 e o regime de exceção².

    O cineasta iniciou a sua carreira quando estudava no Instituto Fílmico da Universidade Católica do Chile. Em 1965, realiza a sua primeira produção, o curta-metragem Electroshow, que expressava uma rejeição ao imperialismo por meio de montagem de fotografias de revistas norte-americanas antigas (Villaça, 2015). O contexto cinematográfico no qual Guzmán produziu seus primeiros filmes se enquadra dentro do Novo Cinema Latino-americano (NCL). Na América Latina dos anos 1960 e 1970 houve muitos movimentos inspirados pela Revolução Cubana. Era inegável que o desejo de transformação estava presente nos projetos e nos imaginários das esquerdas da região, das mais moderadas e reformistas até as mais radicais.

    Tais lutas também se observaram dentro do campo artístico e, por conseguinte, o cinema também se tornou uma das trincheiras dessas batalhas. Surgiu o NCL, que, em linhas muito gerais, de acordo com Dávila (2013), propunha como novidade justamente a transposição para a sétima arte, especialmente nos filmes documentais, a necessidade de enfrentamento ao imperialismo, de construção de uma identidade cultural construída a partir das raízes populares de cada país e levar uma consciência revolucionária à população. Em outras palavras, o cineasta deveria revestir o seu ofício de uma função militante em prol de uma arte contra a opressão dos países colonizadores.³

    Apesar do Guzmán não ter sido um nome proeminente na construção do NCL, a primeira fase da sua filmografia foi influenciada por esse movimento. É pertinente destacar o papel importante da Chile Films: esse órgão estatal foi fundado em 1942 para fomentar a produção da sétima arte local e, ao longo da Unidade Popular, se tornou a maior produtora dos/as cineastas chilenos/as engajados no NCL (Aguiar, 2013). E, embora Guzmán não tenha realizado nenhum filme com o aporte direto da Chile Films⁴, o diretor contribuiu com as oficinas promovidas por essa instituição, o que lhe permitiu o contato com outros profissionais do audiovisual chileno dos anos 60 (Bispo, 2019; Monteiro, 2018). Nesse cenário, Lima (2015) indica que no caso do Chile dos anos 1960, o debate cinematográfico fervilhou nos cineclubes, nos festivais, nas revistas e instituições públicas, a exemplo da Chile Films. Então, embora os novos cinemas que se desenvolveram no Chile (e na América Latina) nas décadas de 1960 e 1970 tenham bebido na fonte de escolas cinematográficas europeias, como o neorrealismo italiano⁵, os/as realizadores/as chilenos/as imbuíram nas suas películas contornos próprios da realidade em que viviam e atuavam, apoiando o projeto da Unidade Popular.

    Em 1966, Guzmán vai para a Espanha dar sequência à sua formação, estudando na Escola Oficial de Cinematografia de Madrid. Retornando ao seu país em 1971, ele realiza o seu primeiro longa-metragem. Trata-se de O Primeiro Ano (1972), documentário que se propunha a revelar os feitos do governo Allende durante os seus doze primeiros meses, como a reforma agrária e a estatização de setores econômicos estratégicos, como a extração de cobre, bem como capturar a euforia gerada pela vitória de Unidade Popular.

    Posteriormente, Guzmán embarcou em um projeto de realizar uma obra ficcional acerca de um dos líderes da independência chilena, Manuel Rodríguez. Entretanto, o diretor mudou de planos devido aos acirrados confrontos entre a oposição e o governo, especialmente no campo da economia. Se, por um lado, houve uma forte campanha para desestabilizar Allende por meio de uma greve de caminhoneiros patrocinada pelos sindicatos patronais, em outubro de 1972, por outro, houve tomadas de fábricas organizadas por trabalhadores entusiastas da Unidade Popular para enfrentar o desabastecimento causado pela paralisação comandada pela classe empresarial. Nessa atmosfera, em que havia uma urgência de realizar um cinema baseado na coleta de testemunhos produzidos imediatamente aos fatos e que demonstrasse a intensidade desses conflitos, os quais pareciam ser o prenúncio de uma guerra civil, Guzmán e sua equipe abandonam o empreendimento anterior e decidem dar sequência à ideia de realizar uma crônica da Unidade Popular. Deste modo, surgiu A Resposta de Outubro (Aguiar, 2013).

    Guzmán estava seguindo o propósito de narrar a cronologia da Unidade Popular ano após ano. No momento do golpe de 1973, estava filmando um projeto, inicialmente denominado de O Terceiro Ano, que ficou inacabado. Depois do golpe, o material ainda não montado seguiu para o exílio assim como o próprio cineasta⁶. Primeiramente, Guzmán foi para Paris, onde não conseguiu recursos para trabalhar com esse material. Em 1974, a convite de Alfredo Guevara, diretor do Instituto Cubano de Arte e Indústria Cinematográficos (Icaic), Guzmán se desloca para Cuba (Bispo, 2019). Na ilha caribenha, o cineasta reaproveitou boa parte das filmagens de O Primeiro Ano e A Resposta de Outubro⁷ juntamente com o material não editado de O Terceiro Ano para criar um novo filme: A Batalha do Chile, uma trilogia composta por A Insurreição da Burguesia (1975), O Golpe de Estado (1976) e O Poder Popular (1979) Vale lembrar que Cuba foi o destino de muitos outros/as cineastas alinhados ao NCL que foram forçados/as a deixar os seus países e, assim, continuarem o seu ofício no exílio⁸, especialmente no Icaic (Lapouble, 2014).

    Por conseguinte, após o golpe de 1973, o sentido dos primeiros longas-metragens da filmografia de Guzmán foi alterado. Sendo assim, é possível afirmar o seguinte:

    […] a ideia de testemunhar um processo histórico desempenhou o seu papel, não da maneira como supunha Guzmán: ao invés de registrar uma revolução, ele havia filmado o percurso de um dos golpes militares mais violentos do século XX […] A Batalha do Chile se transformou em um ícone do cinema de exílio, feito por cineastas chilenos que se encontravam fora de seu país de origem […] Nesse sentido […] as imagens da UP se tornaram armas não mais para mudar a vida do povo, mas para denunciar à comunidade internacional torturas, assassinatos e perseguições, uma tarefa atribuída ao cinema do exílio. (Aguiar, 2013, p. 133-134)

    Percebemos, então, que quando Guzmán retornou ao seu país, se propôs a realizar uma crônica do governo Allende. Essa tarefa foi progressivamente ganhando outros significados diante das muitas transformações do período. Havia uma noção de que seria mais do que necessário documentar e oferecer um testemunho do que se passava nas ruas no calor dos acontecimentos, exibindo os muitos embates incisivos entre os apoiadores e os adversários da Unidade Popular, bem como o próprio momento do golpe de 1973, simbolizado nas imagens do Palácio de La Moneda em chamas.

    As imagens capturadas por Guzmán e sua equipe ao longo do período Allende adquiriram novos contornos quando reunidas em A Batalha do Chile, que se tornou uma das mais celebradas obras de cineastas chilenos/as exilados/as, justamente por manifestar a destruição da possibilidade de um projeto que visava amplas reformas sociais e denunciar a violência injustificável inerente ao golpe de Estado e à ditadura que se instalou em seguida. Assim, a partir de A Batalha do Chile, Patricio Guzmán se tornou um nome ilustre nos circuitos do cinema documental (Aguiar, 2017). Para Valenzuela (2006), essa trilogia ocupa um lugar de muito destaque na história da produção documentária chilena e latino-americana:

    Al hablar de una revisión del documental chileno resulta casi imposible no mencionar La Batalla de Chile [...] Durante los años de dictadura, este documental recorrió el mundo denunciando la brutalidad del golpe militar y llamando a la solidariedad con Chile. Fue visto en casi cuarenta países, convirtiéndose en un estandarte para quien salió al exilio [...] Pero la película no llamó solamente la atención de los movimientos de solidariedad con la izquierda latinoamericana de la época. Críticos cinematográficos y festivales de cine resaltaron la autenticidad de los testimonios, la agudeza de la cámara en mano y la forma de estructurar audiovisualmente las propuestas de análisis […] Actualmente La Batalla de Chile es considerada, entre otras, una obra maestra del cine documental latinoamericano de todos los tiempos.⁹ (Valenzuela, 2006, p. 7-8)

    Posteriormente, dos anos 1980 até a metade dos 1990, Guzmán se estabeleceu em Madri e concebeu filmes majoritariamente para a TV espanhola¹⁰. Em 1997, Guzmán retorna ao seu país depois de mais de duas décadas para realizar Chile, A Memória Obstinada. Nesse filme, o cineasta se encontra com pessoas entrevistadas por ele na trilogia dos anos 1970, leva um ex-segurança pessoal de Allende de volta ao Palácio de La Moneda e exibe A Batalha do Chile pela primeira vez na sua terra natal, em algumas escolas de Santiago (ou seja, para estudantes que não viveram o período da Unidade Popular e do golpe militar de 1973). É como se fosse uma quarta parte de A Batalha do Chile.

    A partir dessa película, o diretor passa a produzir na França e lançou documentários que possuem como pano de fundo as dificuldades que o seu país possui para lidar com a memória do seu passado sensível. Além disso, diferentemente de A Batalha do Chile, uma obra marcada, mesmo que não totalmente, pelos parâmetros mais tradicionais do documentário, Chile, A Memória Obstinada, produzida duas décadas depois, revela outra tendência do fazer documental, muito mais sensível e acolhedora à experiência individual e a um ponto de vista nitidamente intimista. Fábio Monteiro (2018), então, associa essa mudança na produção cinematográfica à trajetória de Patricio Guzmán:

    A partir de então, o registro reflexivo […] passou a compor os seus filmes sob o signo do testemunho: as suas narrações passaram a evocar a natureza do relato de um sobrevivente, de alguém que viu e viveu fatos marcantes e chocantes e que hoje precisa tentar falar a respeito. Assim, o exercício da sua autoria por meio da narração adquiriu uma nova dimensão, um tom testemunhal. (Monteiro, 2018, p. 69)

    Nesse sentido, as produções de Guzmán após a segunda metade dos anos 1990 representam, cada uma ao seu modo, a inquietação do cineasta com heranças incômodas da ditadura pinochetista. Além da já mencionada Chile, A Memória Obstinada, mais duas películas¹¹ fazem parte dessa fase da trajetória do diretor: O Caso Pinochet (2001) e Salvador Allende (2004). O primeiro tem como pano de fundo o processo de condenação de Pinochet por crimes contra a humanidade.

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