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Libras: aprendizagem na vida cotidiana
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E-book479 páginas4 horas

Libras: aprendizagem na vida cotidiana

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Sobre este e-book

Este livro expõe teorias acerca da aprendizagem humana, de línguas, ambientes de aprendizagens e, particularmente, da Língua Brasileira de Sinais-Libras. No livro é sugerido "onde, como e com quem" aprender a Libras, são descritos aspectos gramaticais da língua, define-se o que é a Libras e seus sinalizantes e discute-se sobre o status de propriedade/pertencimento da Libras. É um livro para pessoas interessadas na aprendizagem da Libras, para aprendizes/sinalizantes experientes da língua e profissionais de diferentes áreas que investigam no âmbito da Libras. Sinopse em Libras: https://youtu.be/zTXNMv42kjY
IdiomaPortuguês
Data de lançamento14 de jun. de 2022
ISBN9786525243733
Libras: aprendizagem na vida cotidiana

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    Libras - Rafael Carlos Lima da Silva

    CONSIDERAÇÕES INICIAIS

    Olá, Leitora ou Leitor!

    O presente livro é resultado da minha experiência nas comunidades surdas, convivência com surdos e de trabalho com o ensino-aprendizagem da Língua Brasileira de Sinais-Libras. Enfatizando o processo de aprendizagem, a escrita deste livro permitiu- me encontrar, descobrir, aprender e refletir perspectivas sobre a aprendizagem de diferentes conteúdos em diversos ambientes. O que foi encontrado, descoberto, aprendido e refletido, busquei diferenciar e aproximar da aprendizagem de Libras - e relacionar com minhas observações advindas da prática docente. Desse modo, entre outras discussões no âmbito da Libras, compartilho, neste livro, possibilidades de aprender a língua - que não são as únicas. Além disso, a intenção é contribuir com os aprendizes para potencializarem o melhor de si mesmos durante a aprendizagem da Libras na vida cotidiana.

    Antes de apresentar a estrutura do livro, permita-me descrever como aprendi a Libras. Meu primeiro contato com a Libras, foi no ano de 2010, aos 20 anos de idade, após iniciar um curso de extensão de Libras na mesma Instituição em que me formei Pedagogo. Na minha família, não há nenhuma pessoa surda. Talvez, tenha sido por esse motivo, que de início, reagi com estranheza: Libras? Para quê? Tudo o que eu acreditava saber sobre Libras, resumia-se à moça que aparecia na TV entre uma programação e outra, executando sinais. Inclusive, tinha um amigo surdo e eu não sabia dessa sua condição. Não havia ficado tão evidente sua surdez, pois, ele era um surdo oralizado, isto é, reproduzia oralmente a Língua Portuguesa e não sinalizava a Libras. Outrossim, foi cancelado o curso do qual eu comecei a participar (o professor foi aprovado em concurso público e mudou-se de cidade).

    Na minha cidade - Bom Jesus do Itabapoana/RJ [...pedaço do meu Brasil...], não havia outros cursos e, no início de aprendizagem da Libras, encontrei poucos surdos fluentes na língua. No entanto, aprender Libras tornou-se um objetivo e, aos poucos, fui me permitindo e buscando conhecer a língua e seus sinalizantes. Boa parte do que aprendi de Libras, advém da vida cotidiana, pela informalidade, utilizando diversos artefatos socioculturais (livros, dicionários físicos e digitais, redes sociais etc) e, para ser mais específico: pelas janelas de tradução-interpretação da TV, (auto)praticando a língua. Esse processo de aprendizagem da Libras essencialmente em ambiente informal é caracterizado como aprendizagem autodirigida por autoinstrução ou aquisição não- orientada (autodidata).

    Minha aprendizagem de Libras autodirigida, não é aqui apresentada como uma vaidade. Se no início do meu processo de aprendizagem, eu tivesse a oportunidade de mais encontros/interações reais com os sinalizantes da língua e participar de mais cursos - por imersão ou não, acredito que ser autodidata não seria uma opção; ou melhor, a autoinstrução não seria a única opção, uma vez que eu já estava disposto a prosseguir com a aprendizagem da Libras, havia me encantado com a possibilidade de ‘falar com as mãos’. Destarte, muitos ouvintes sabem que um dos motivos para desistir ou, pelo menos, um fator desanimador no processo de aprendizagem da língua é não ter a oportunidade de aprender e praticar a língua com outros sinalizantes - sobretudo, em cidades do interior, onde são esparsas as ofertas de cursos de Libras e, às vezes, inexistentes fisicamente as comunidades surdas constituídas por surdos e ouvintes como espaços de aprendizagem e prática de sinalização da Libras.

    Nesse contexto, pessoas ouvintes, iniciantes na aprendizagem da Libras, indagam a si mesmos ou buscam fundamentações teóricas para as seguintes indagações: Como? Com quem? Onde aprender Libras?. Entretanto, faz parte do senso comum e, em certa medida, é endossado por pesquisas, o discurso de que a aprendizagem de Libras depende prioritariamente do encontro/interação com surdos e ouvintes sinalizantes da língua, participação nas comunidades surdas e realização de cursos de Libras ministrados por surdos professores, através de imersão. Além disso, é unânime, entre iniciantes aprendizes de Libras, que o êxito na aprendizagem da língua está relacionado à prática de uso dessa - e, com efeito, está. No entanto, seria a interação/encontro com surdos e ouvintes nas comunidades surdas, a participação em cursos de Libras - por imersão ou não, as únicas possibilidades de aprendizagem e/ou de praticar a Libras? Nesse ínterim, para fundamentar em termos teóricos a proposta de descrever acerca de como, onde e com quem é possível acontecer a aprendizagem e a prática de sinalização da Libras, este livro possui 5 capítulos - e um capítulo sobre aspectos gramaticais da língua.

    No primeiro capítulo, serão descritas algumas teorias que versam sobre a aprendizagem numa perspectiva ampla. Desse modo, entre as teorias que buscam descrever o processo de aprendizagem, neste capítulo encontram-se as seguintes: aprendizagem humana numa perspectiva abrangente, teoria histórico-cultural, teoria social-cognitiva e teoria da autorregulação. Conforme será exposto, a aprendizagem abrange mudanças de comportamento, envolve emoções, o ambiente, o biológico, a atitude, estratégias de aprendizagem, a motivação do aprendiz, entre outras variáveis. A aprendizagem envolve a pessoa por completo e o ambiente sociocultural no qual ela se insere. Conquanto, apesar de existirem diversas abordagens acerca do processo de aprendizagem humana, nenhuma consegue explicar esse fenômeno em sua totalidade.

    No segundo capítulo, de modo restrito, são apresentadas teorizações sobre a aprendizagem de línguas. Similar as proposições que descrevem a aprendizagem humana de modo amplo, as teorias sobre o processo de aprendizagem de línguas também são diversas. São embasamentos que apresentam abordagens divergentes; porém, todas buscam contribuir para melhor compreender como acontece a aprendizagem de línguas. No capítulo, estão presentes as seguintes fundamentações teóricas: da compreensão, lingualização, sociocultural e da complexidade. Nesse momento, é importante destacar que, excetuando-se os casos de citação, nos demais será utilizado o termo aprendizagem abrangendo os termos aquisição e aprendizado. Apesar de existir teorias que descrevem a aquisição de língua(s) como processo inconsciente em ambiente natural de uso da língua e, a aprendizagem, como processo consciente em ambiente ‘artificial’ (em cursos, por exemplo), acredito que aquisição e aprendizado são intercambiáveis - isto é, há possibilidade de aquisição em contexto artificial e de aprendizado em contextos naturais de exposição à língua.

    No terceiro capítulo, intitulado Educação formal, não-formal e informal: aprendizagem na vida cotidiana, o objetivo é realizar uma discussão que apresente os diversos locais de aprendizagem. O foco do capítulo é discutir onde se desenvo lvem aprendizagens; diferente dos capítulos anteriores, cujo foco é como acontece a aprendizagem de modo geral e a aprendizagem de línguas de modo restrito. Nesse contexto, objetiva-se argumentar que a as instituições escolares não são os únicos lugares para o desenvolvimento de aprendizagens. Os aprendizes estão em diversos ambientes/contextos e, consequentemente, os lugares de aprendizagens são múltiplos. Portanto, o objetivo do capítulo é explanar que a aprendizagem acontece na educação formal, não-formal ou informal e, em qualquer ambiente/contexto, a aprendizagem encontra lugar no aprendiz situado na vida cotidiana.

    No quarto capítulo, com o título "Libras: o que é? Seus sinalizantes e status de ‘propriedade’", objetiva-se realizar uma breve síntese da institucionalização da Libras, a definição da língua, quem são os sinalizantes da língua e, sem paixões, (contra)argumentar discussões que distribuem status de pertencimento da língua entre seus sinalizantes. Sobre o status de propriedade da Libras, o objetivo é problematizar discursos que propalam ser os surdos os ‘donos’ da língua - com concessão aos seus filhos ouvintes (CODA) e, por conseguinte, aos demais ouvintes, não lhes é atribuído status de propriedade com a língua. Nesse sentido, o intuito é argumentar que a Libras é uma língua de domínio público, de uso individual e coletivo e, ao mesmo tempo, uma língua que suscita subjetividades de pertencimento em seus sinalizantes surdos e não- surdos. Ser ouvinte não-CODA e aprender a Libras como segunda língua/língua adicional, não corrompe a língua e não significa que ela seja secundária em relação à primeira língua do aprendiz, possua menos prestígio ou tenha menor status de pertencimento quando comparado aos sinalizantes nativos da língua.

    No quinto capítulo: Libras: teorias e práticas de aprendizagem, a finalidade é discorrer acerca do processo de aprendizagem da Libras por pessoas surdas e, com mais ênfase, por pessoas ouvintes (não-CODA). Com base nas teorias de como e onde é possível acontecer aprendizagens, descritas nos capítulos anteriores, a proposta é argumentar que a aprendizagem da Libras por pessoas ouvintes é possível de acontecer no encontro/interação com outros sinalizantes, em cursos por imersão ou não e, inclusive, de maneira autodirigida na vida cotidiana. A aprendizagem de Libras não é um processo simples, tampouco, exacerbadamente difícil - é complexo, demanda tempo e requer que o aprendiz se situe em suas condições concretas de vida e esteja disposto a aprender a língua. O êxito na aprendizagem de Libras envolve diversos aspectos, como por exemplo, empoderar-se das condições ambientais/contextuais, bio-psico-cognitivas, de utilizar estratégias de aprendizagem adequadas ao próprio estilo cognitivos para aprender e de motivação durante a aprendizagem. Desse modo, o quinto capítulo busca fornecer elementos teóricos e relatos práticos sobre a aprendizagem de Libras, para que sirvam de apoio aos aprendizes da língua para organizarem seu próprio juízo sobre o processo de aprendizagem da Libras.

    Destarte, em relação ao status de propriedade da Libras e acerca do processo de aprendizagem da língua, em alguns momentos irei (contra)argumentar discursos e teorias. Não serão discutidos méritos pessoais de pesquisadores, pois são pessoas com vasta experiência nas comunidades surdas, nas investigações em que abordam a educação de surdos e nos estudos linguísticos da Libras; portanto isso garante que suas ideias sejam consideradas nos debates sobre o rumo dos estudos linguísticos da Libras e/ou educação de surdos - alguns, conheço pessoalmente e concordo com suas teorizações em determinados temas. Entretanto, isso não significa que suas opiniões não possam ser questionadas e contrapostas a partir de outras perspectivas - e as minhas também.

    No último capítulo, serão descritas as principais características dos níveis gramaticais da Libras: fonologia, morfologia, sintaxe, semântica e pragmática. Não há a intenção de discutir detalhes de todos esses níveis, pois esse não é o objetivo principal do livro. Além disso, esse fato é apresentado como uma explicação antecipada das possíveis heresias que a ortodoxia Linguística possa encontrar no texto. O objetivo é apresentar os principais aspectos gramaticais da Libras e comunicá-los de maneira mais acessível e menos técnica. Na sequência, à guisa de conclusão, são realizadas as considerações finais.

    Este não pretende ser um livro de receitas, mas um convite para conhecer - ainda que minimamente - como é possível a aprendizagem autorregulada da Libras na vida cotidiana. A proposta é provocar uma sadia inquietação em seus leitores de como, onde e com quem é possível a aprendizagem da Libras, sem que isso signifique necessariamente estar apenas em contexto de imersão em cursos, ou em contato direto com os sinalizantes surdos e ouvintes da língua. Destacar que em contextos de aprendizagem formal, não-formal, informal ou nos encontros/interações com sinalizantes da Libras, o aprendiz é o principal agente no processo de aprendizagem. É o aprendiz que(m) necessita perceber-se capaz de aprender e sinalizar a Libras, pois, a aprendizagem é um ato que acontece no aprendiz, não é no outro - embora outras pessoas e o contexto/ambiente possam contribuir (ou não) durante a aprendizagem da Libras.

    Nesse sentido, convido você: Leitora ou Leitor, a ler cada página deste livro com olhar crítico-reflexivo. Você pode concordar, discordar, ficar em dúvidas, suscitar outras discussões... busque uma posição de interlocutor que faça a leitura de cada capítulo ser intensa através da sua relação com ele. Sugiro que você, não apenas leia, mas que sinta a provocação, a problematização e, inclusive, a essência subjetiva de cada página. Portanto, anseio que a leitura deste livro, possa instigar, ressignificar e ampliar seus horizontes acerca das possibilidades de aprendizagem da Libras na vida cotidiana.

    Boa leitura!

    R.C.L.S

    Alfenas-MG [...uma joia do Brasil...]

    Outono, abril/2022.

    1. APRENDIZAGEM HUMANA: ALGUMAS TEORIAS

    A aprendizagem é um termo amplo e abarca diversas concepções em seu conceito. A literatura que versa sobre o processo de aprendizagem humana é vasta e apresenta numerosas perspectivas desse contínuo, dinâmico e complexo processo. Diante dessa heterogeneidade de definições, neste capitulo, será apresentada e descrita a aprendizagem humana numa perspectiva abrangente e mais três teorias, a saber: histórico-cultural, social-cognitiva e da autorregulação.

    1.1 APRENDIZAGEM HUMANA: UMA PERSPECTIVA ABRANGENTE

    Em relação à aprendizagem humana, Illeris (2013) dispõe de alguns fundamentos e pressupostos básicos desse tipo de aprendizagem. Inicialmente, o autor discorre que a aprendizagem é um tema complexo, pois, sendo uma construção teórica abrangente, falar de aprendizagem significa incluir todas as condições psicológicas, biológicas e sociais que estão envolvidas em qualquer forma de aprendizagem (ibid., p. 16). Segundo Illeris, a aprendizagem pode ser definida de maneira ampla, como qualquer processo que, em organismos vivos, leve a uma mudança permanente em capacidades e que não deva unicamente ao amadurecimento biológico ou ao envelhecimento (ibid.). Nesse contexto, um conjunto muito amplo de fatores envolve o processo de aprendiazgem e, diversas condições sociais, psico-cognitivas, biológicas etc., são influenciadoras durante esse momento. A figura 1 exemplifica as principais áreas de estudos envolvidas no processo de aprendizagem e a estrutura das suas conexões mútuas:

    Figura 1: As principais áreas de estudo da aprendizagem

    Fonte: Illeris (2013, p. 16).

    Nesse sentido, para acontecer qualquer forma de aprendizagem, há o processo externo e psicológico. O processo externo de aprendizagem, relacionado ao meio externo do aprendiz, refere-se à interação entre o indivíduo e seu ambiente social, cultural ou material; e o processo psicológico, relacionado ao cognitivo do aprendiz, trata-se de um procedimento interno de elaboração e aquisição (ibid., p. 17). A base geral para o processo interno de aquisição é o ambiente e, o indivíduo, que é o aprendiz, está no topo desse processo. No psicológico, percebido como superior ao processo de interação, existe a integração entre duas funções psicológicas envolvidas em qualquer forma de aprendizagem, sendo essas, a função de administrar o conteúdo da aprendizagem e a função de incentivo e de prover e direcionar a energia mental necessária que move o processo". Conforme demonstra a figura 2, Illeris (ibid.) desperta-se a atenção para o fato de que a aprendizagem não se concentra apenas no processo psicológico daquele que aprende, mas inclui também interações externas e os dois processos devem estar ativamente envolvidos.

    Figura 2: Os processos fundamentais da aprendizagem

    Fonte: Illeris (2013, p. 18).

    Na sequência, após explanar acerca dos processos básicos de aprendizagem, Illeris (ibid., p. 18-19) discorre que a aprendizagem envolve três dimensões: do conteúdo, do incentivo e da interação. A dimensão conteúdo refere-se àquilo que é aprendido. Isso corresponde à aprendizagem de conhecimentos e habilidades, mas muitas outras questões como, por exemplo, "opiniões, insights, significados, posturas, valores, modos de agir, métodos, estratégias etc., podem estar envolvidas como conteúdo da aprendizagem e contribuir para construir a compreensão e a capacidade do aprendiz. Nesse sentido, a busca do indivíduo envolve construir significado e capacidade para lidar com os deságios da vida prática e, assim, desenvolver uma funcionalidade pessoal geral". A dimensão incentivo proporciona e direciona a energia mental necessária para o processo de aprendizagem e compreende elementos como sentimentos, emoções, motivação e decisão. A função do incentivo é garantir o equilíbrio mental contínuo do aprendiz e, assim, desenvolver simultaneamente uma sensibilidade pessoal. As dimensões de conteúdo e de incentivo, sempre são iniciadas por impulsos dos processos de interação e integradas no processo interno de elaboração e aquisição. A dimensão da interação propicia os impulsos que dão início ao processo de aprendizagem, pode ocorrer na forma de percepção, transmissão, experiência, imitação, atividade, participação etc.; a interação serve à integração pessoal em comunidades e na sociedade, constrói a socialidade do indivíduo e essa construção ocorre necessariamente por meio das dimensões de conteúdo e de incentivo. A figura 3 representa as três dimensões de aprendizagem e o desenvolvimento de competências:

    Figura 3: As três dimensões da aprendizagem e o desenvolvimento de competências

    Fonte: Illeris (2013, p. 19).

    Essa representação das três dimensões da aprendizagem e do desenvolvimento de competências, pode ser descrita como campo de tensão da aprendizagem em geral e de qualquer situação específica de aprendizagem ou processo de aprendizagem, estendido entre o desenvolvimento da funcionalidade, sensibilidade e socialidade - que também são os componentes gerais das competências (ibid.). Porém, também é importante mencionar que cada dimensão inclui um lado mental, assim como corporal. Desse modo, a partir da teoria do construtivismo, Illeris acredita que a aprendizagem começa com o corpo e ocorre por intermédio do cérebro, que também faz parte do corpo, e apenas gradualmente o lado mental é separado como uma área ou função específica, mas nunca independente.¹

    No entanto, embora busque fundamentação na abordagem construtivista - que pressupõe ser o próprio aprendiz quem constrói ou interpreta as suas estruturas mentais ativamente, Illeris (ibid., p. 20) reconhece que diversas perspectivas e abordagens fazem parte do processo de aprendizagem, pois, esse processo não se reduz a ser apenas uma atividade cognitiva, mas existe outra área ou função relacionada com as posturas dos estudantes para a sua aprendizagem pretendida: seus interesses, mobilização de energia mental, isto é, a dimensão do incentivo. Dessa forma, a concretização da aprendizagem também guarda proximidade com fatores externos aos aprendizes e, além disso, o conteúdo e o incentivo dependem crucialmente do processo de interação entre o indivíduo e o ambiente social, cultural e material (ibid., p. 21).

    Nessa direção, Illeris (ibid., p. 22-23) apresenta quatro tipos de aprendizagem: i) cumulativa ou mecânica; ii) assimilativa ou por adição; iii) acomodativa ou transcendente; e iv) transformadora. A aprendizagem cumulutiva ou mecânica, é mais comum durante os anos iniciais de vida, mas acontece em idades posteriores apenas em situações especiais, quando é necessário aprender algo sem que haja um contexto de significado ou significância estritamente pessoal. Essa aprendizagem é compreendida como sendo uma formação isolada e, a aprendizagem resultante se caracteriza por um tipo de automação que significa que ela somente pode ser recordada e aplicada em situações mentalmente semelhantes ao contexto de aprendizagem.

    A aprendizagem assimilitativa ou aditiva, significa que o conteúdo aprendido guarda relação com conhecimentos prévios do aprendiz. Essa é o tipo mais comum de aprendizagem e costuma ser construída por meio de adições constantes ao que já foi aprendido, mas a aprendizagem assimilativa também ocorre em todos os contextos onde o indivíduo desenvolve suas capacidades gradualmente. Os resultados da aprendizagem por assimilação ou adição, se caracterizam por estarem ligados ao esquema ou padrão em questão, de modo que seja relativamente fácil recordá-los e aplicá-los quando se está mentalmente orientado para o campo em foco. Entretanto, em certos casos, nem sempre é possível imediatamente relacionar qualquer esquema ou padrão pré-existente, pois o conteúdo pode não ser importante ou interessante. Quando existe interesse e determinação para a aprendizagem de algo, ocorre a aprendizagem acomodativa ou transcendente (ibid.).

    A aprendizagem acomodativa ou transcendente implica a decomposição de um esquema existente e a sua transformação, de modo que a nova situação possa ser relacionada. Assim, o aprendiz renuncia e reconstrói algo, podendo ser difícil e até doloroso, pois exige um forte suprimento de energia mental. Na aprendizagem acomodativa ou transcendente, mais do que apenas acrescentar um novo elemento a um esquema ou padrão preexistente, é necessário transpor as limitações existente e entender ou aceitar algo que é significativamente novo ou diferente, isto é, deve ocorrer entendimento ou domínio de determinado conteúdo que realmente se internalizou (ibid).

    Quanto à aprendizagem transformadora, ela é definida como profunda e ampla. A referida demanda muita energia mental e, quando realizada, pode ser vivenciada fisicamente, em geral, como uma sensação de alívio ou relaxamento(ibid., p. 23). Essa aprendizagem, não envolve apenas o cognitivo do aprendiz e configura-se o que poderia ser definido como:

    mudanças na personalidade, ou mudanças na organização do self, e se caracteriza pela reestruturação simultânea de todo um grupo de esquemas e padrões em todas as três dimensões da aprendizagem - uma quebra de orientação que geralmente ocorre como resultado de uma situação de crise causada por desafios considerados urgentes e inevitáveis, tornando necessário que o indivíduo mude para avançar (ibid., p. 23).

    Os desafios e a situação de crise mencionados no trecho acima são os obstáculos que fazem parte da aprendizagem. Geralmente, esses empecilhos ocorrem porque é impossível se manter aberto aos gigantescos volumes e ao impacto dasinfluências que todos enfrentamos cotidianamente. Em vista das muitas influências exercidas no processo de aprendizagem, como mecanismo de seleção de conhecimentos, é necessário utilizar a consciência cotidiana (ibid., p. 24). Através da consciência cotidiana, para evitar que a aprendizagem seja incompleta ou distorcida, de formaresistente, é possível controlar a própria aprendizagem e não aprendizagem de um modoque, raramente, envolve algum posicionamento direto, mas envolve, simultaneamente, uma defesa massiva das compreensões já adquiridas e, em última análise, a própria identidade (ibid., p. 25).

    Nesse contexto, também existem as condições internas e externas no processo de aprendizagem que não estão envolvidas na aprendizagem propriamente dita, mas que a influenciam e, assim, podem ser denominadas condições de aprendizagem (ibid., p. 27). As condições internas de aprendizagem, são características do aprendiz que influenciam as possibilidades de aprendizagem e estão envolvidas nos processos referentes a ela. A inteligência, portanto, necessita ser uma medida da capacidade geral de aprender, apesar de, não ser consensual a existência de um exemplo geral e mensurável de inteligência, considerando que a inteligência inclui não apenas capacidades cognitivas, mas também capacidades emocionais. As condições externas de aprendizagem são aspectos situados fora do indivíduo que influenciam as possibilidades e estão envolvidos nos processos de aprendizagem. Essas condições externas, podem ser divididas em aspectos da situação imediata e espaço de aprendizagem, ou seja, além dos contextos social e cultural, o tipo de espaço de aprendizagem gera diferenças entre a aprendizagem cotidiana, nas escolas, no trabalho etc. (ibid.).

    Diante dessas considerações, observamos que a aprendizagem é um processo transformador, complexo e pode ocorrer a qualquer instante, de variadas formas, em diferentes ambientes e contextos. Estamos constantemente aprendendo a ser uma pessoa na sociedade, aprendendo a ser eu (JARVIS, 2013, p. 32). Em relação à dinâmica tarefa de aprendizagem, Jarvis (ibid., p. 35-36) referenda que:

    a aprendizagem humana é a combinação de processos ao longo da vida, pelos quais a pessoa inteira - corpo (genético, físico e biológico) e mente (conhecimento, habilidades, atitudes, valores, emoções, crenças e sentidos) - experiencia as situações sociais, cujo conteúdo percebido é transformado no sentido cognitivo, emotivo ou prático (ou por qualquer combinação) e integrado à biografia individual da pessoa, resultando em uma pessoa continuamente em mudança (ou mais experienciada).

    A partir da leitura do trecho, compreende-se que cada pessoa possui um modo diferente de experienciar o processo de aprendizagem. Com o passar do tempo, as experiências de aprendizagens evoluem e ocasionam mudanças internas e externas - cognitivas, sociais, culturais, ambientais, biológicas, entre outras. É pertinente destacar que é a pessoa inteira que aprende e que essa aprendizagem se passa em uma situação social. Ao mesmo tempo sendo indivíduos sociais, a aprendizagem é algo existencial e experiencial, pois a pessoa que aprende é formada por mente e corpo (ibid., p. 36).

    Nesse contexto, a aprendizagem humana ocorre ao longo da vida, pois há uma constante relação de ambivalência com o nosso mundo-vida - tanto ao experienciarmos sensações e significados, quanto ao saber e não saber (ibid., p. 39). Jarvis alerta que é somente sendo que nos tornamos e, na aprendizagem, experienciamos o processo de vir a ser e, por isso, a aprendizagem envolve três transformações: a sensação, a pessoa e, depois, a situação social. Segundo a autora, aprender é um processo contínuo, inacabado, afinal, a possibilidade de mais crescimento, mais experiência, permanece - ou ainda estou aprendendo a ser eu! (ibid., p. 40).

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