Cartas de quem vive as infâncias
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Cartas de quem vive as infâncias - Ligia de Carvalho Abões Vercelli
APRESENTAÇÃO
É com enorme satisfação que apresentamos o quinto volume da coleção Educação e Infância, projeto iniciado em 2015 e cujo andamento vamos acompanhar nestas linhas, quando a Professora Doutora Ligia de Carvalho Abões Vercelli passou a ministrar a disciplina Educação e Infância: concepções e processos de aprendizagem. Desde então, os mestrandos e doutorandos do Programa de Mestrado em Gestão e Práticas Educacionais (Progepe) e do Programa de Mestrado e Doutorado em Educação (PPGE) da Universidade Nove de Julho (Uninove) que participam desse curso têm se empenhado em escrever artigos que argumentam sobre a educação e a infância à luz de diferentes teóricos estudados no decurso das aulas, principalmente os que compõem o campo da Sociologia da Infância, da Psicologia e da Pedagogia crítica.
O primeiro livro, lançado em 2016, fruto das discussões ocorridas no decorrer do segundo semestre de 2015, baseou-se em considerações sobre trechos de diferentes filmes. A resposta a tal iniciativa foi tão profícua, que, no ano de 2016, para dar continuidade ao projeto, a proposta foi desenvolvida com base em recortes de textos literários, desta vez com os novos estudantes da disciplina. Os alunos da turma anterior que haviam escrito para o primeiro volume foram convidados a participar do segundo , lançado em junho de 2018. Isto se deu a cada nova obra.
O mote das discussões ocorridas no segundo semestre de 2017 foram algumas obras de arte, as quais os alunos deveriam analisar, cada qual com seus recursos. Foi dito a eles que, ao final da disciplina, cada um elegeria uma pintura do movimento artístico e do pintor que mais lhes chamassem a atenção, com o intuito de fazerem uma reflexão sobre a obra de arte escolhida e sua relação com educação e infância, e que, após isso, escreveríamos o terceiro livro.
Em 2018, a proposta amparou-se em letras de músicas para suscitar o debate sobre educação e infância. Ao final, cada autora escolheu uma canção para analisar e, a partir delas, discorrer sobre o tema.
Em 2019, pensamos em conceber um livro dirigido aos professores, relatando experiências do contexto escolar em diferentes níveis de ensino. Apoiados nas diversas cartas escritas pelo nosso maior expoente da educação nacional, Paulo Freire, como Cartas à Cristina; Professora sim, tia não: cartas a quem ousa ensinar; Pedagogia da indignação: cartas pedagógicas e outros escritos; Cartas à Guiné-Bissau; Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa, entre outros, resolvemos nos atrever a escrever cartas aos educadores, mostrando a importância da relação entre teoria e prática, sugerindo ideias para as reuniões semanais e para práticas pedagógicas diferenciadas, de aportes teóricos que não podem ser negligenciados, conversas sobre inclusão, afeto, identidade e arte, a fim de provocá-los a pensar conosco novos modos e jeitos de fazer educação; afinal, o momento atual, de pandemia e afastamento social, está nos levando a isso, apesar de não ser o foco de nossas cartas, já que o livro começou a ser gestado em 2019, antes do surto epidêmico.
O resultado encontra-se na presente obra intitulada Cartas de quem vive as infâncias, organizada em nove cartas, a saber: O que afeta você como professor?
, de Adriana Siqueira Russo; Tia, ADI, PEI ou simplesmente: professora! Trajetos sobre a identidade dos professores na rede municipal de São Paulo
, de Merilis Aparecida Franco; Diferentes referenciais teóricos em uma única sala de aula: isso é possível?
, de Ligia de Carvalho Abões Vercelli; Há esperança para a formação continuada
, de Aline Maria de Faria Borborema Zan; Da teoria à prática, além do discurso
, de Rafaele Paulazini Majela dos Santos; Refletindo a prática pedagógica: pedra, papel ou tijolo?
, de Ana Paula Gomes de Araújo; Adivinhe o que eu desenhei?: o ensino da Arte na Educação Infantil e a formação do professor
, de Angela Maria Infante; Inclusão: em busca da identidade surda
, de Rosemeire Fernandes e Distúrbio do Processamento Auditivo Central: você já ouviu falar?
, de Melissa dos Santos Quintal Magalhães.
Boa leitura
Ligia de Carvalho Abões Vercelli
Merilis Aparecida Franco
Organizadoras
PREFÁCIO ÀS CARTAS DE QUEM VIVE AS INFÂNCIAS
"O registro da própria história
é como um ‘tempo de balanço’
do próprio percurso e do cotidiano"
Pierre Dominicé
É com muito prazer que escrevo este prefácio sobre um tema que é tão significativo para mim: os registros reflexivos de educadores, pesquisa que norteou o meu mestrado na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (Feusp), em 2003. Agradeço imensamente às organizadoras Ligia de Carvalho Abões Vercelli e Merilis Franco pelo carinhoso e honroso convite.
Registrar
Refletir
Reorganizar o pensamento
Escolher
Relacionar
Analisar
Recortar
Aprofundar
Transparecer
Posicionar-se
Estabelecer conexões
Revelar fazeres e saberes da prática docente
Ressignificar a própria história
são papéis do educador efetivamente compromissado com a qualificação da prática profissional, empenhado em distinguir-se na sua forma de ser e estar na docência.
O ato de registrar contempla as narrativas do próprio percurso com olhos de sujeito da história pessoal, alguém que deixa marcas significativas sobre as escolhas que faz em seu cotidiano.
O desafio das organizadoras desta obra que vocês têm em mãos revela um percurso engajado no contato dos educadores de seus grupos de pós-graduação com a diversidade de possibilidades formativas trabalhadas. Esta coleção transitou entre a análise compartilhada de filmes, a leitura de textos, de imagens, de letras de músicas até estas cartas, escritas por quem está no chão da escola. Com esse olhar, o fortalecimento da postura criativa dos professores é uma consequência das pesquisas que fazem a partir da própria prática pedagógica.
As múltiplas linguagens escolhidas enriquecem os repertórios de fazeres e saberes pedagógicos dos educadores envolvidos neste trabalho, nutrem suas possibilidades de atuação e exortam os demais colegas a participarem das pesquisas investigativas, estimulados pela leitura destes registros, genuínas correspondências afetivas, repletas de conhecimentos construídos no cotidiano das escolas.
As cartas traduzem paixão por palavras, acolhem, desafiam, provocam reflexões, comunicam, aproximam pessoas, encantam, constituem sujeitos imaginários, possibilidades de construção de um currículo em ação.
Não deixem de escrever suas respostas, de educador para educador, correspondendo-se com seus pares, partilhando entre si ideias, saberes e práticas, fortalecendo a cultura de troca que descortina muitos mundos possíveis ao revisitar o cotidiano da escola.
Convite feito, boa leitura!
Alice Proença
CARTA 1
O QUE AFETA VOCÊ COMO PROFESSOR?
Estimados professores,
Escrevo-lhes esta carta com a finalidade de convidá-los, inicialmente, a rever, junto comigo, o percurso da Educação Infantil no município de São Paulo e, com isso, despertar em cada um as memórias que os fizeram chegar até aqui. Essa exortação visa rememorarmos nossas histórias, firmarmos nossa identidade e suscitarmos a reflexão e a ressignificação de nossos atos em uma constante busca pela evolução. Faço votos de que possamos nos inspirar em nossas próprias histórias, com o intuito de esperançar e planejar os caminhos que ainda serão trilhados.
Primeiramente, vamos recordar algumas das legislações educacionais brasileiras e, assim, traçar um breve panorama do percurso da Educação Infantil.
Nos últimos anos, a Educação Infantil, no Brasil e no mundo, foi foco de profundas reflexões no campo da legislação, da investigação pedagógica e das políticas públicas governamentais. Desde a Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 5 de outubro de 1988, tem-se dado atenção a essa etapa do Ensino Básico. Várias obras, documentos e legislações federais e municipais – lembrando que minha análise está voltada à cidade de São Paulo, onde atuo – trouxeram regulamentações e reflexões com o objetivo de que houvesse atenção, cuidado e olhar pedagógico dirigidos a essa faixa etária do desenvolvimento humano, tais como: Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, 1990); Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB, 1996); Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (RCNEI, 1998); Orientações Curriculares: Expectativas de Aprendizagens e Orientações Didáticas para Educação Infantil (2007); Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI, 2010); Avaliação na Educação Infantil: Aprimorando Olhares (Orientação Normativa 01/2013); Currículo Integrador da Infância Paulistana (2015); Indicadores de Qualidade da Educação Infantil Paulistana (2016); Base Nacional Comum Curricular (BNCC, 2017); Orientação Normativa nº 1, de 6 de fevereiro de 2019, que dispõe sobre os registros na Educação Infantil, publicada no DOC em 07/02/2019; Carta de Intenções, instrumento reflexivo que vem substituir o planejamento anual, até então realizado pelos professores, e o Currículo da Cidade – Educação Infantil, publicado em 2019.
Essa trajetória demonstra a importância da Educação Infantil no desenvolvimento de bebês e crianças e o impacto social que o bom atendimento à primeira infância enseja. Entretanto, para que esse bom atendimento aconteça, é necessário ter em mira a formação dos professores.
É importante compreender a formação do professor a partir da sua essência, ou seja, analisando a identidade do ser humano, visando conhecer o desenvolvimento em uma análise introspectiva. Sendo assim, faço aqui um novo convite, o de revisitarmos nossa formação inicial e os motivos que nos impulsionaram a nos tornar educadores da infância.
A escolha do ofício professor
iluminou nosso caminho até a sala de aula,