O Brasil (Não) Nuclear: Uma Análise das Decisões de FHC e Lula
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O Brasil (Não) Nuclear - Kamilla Bussinger
O BRASIL (NÃO) NUCLEAR
UMA ANÁLISE DAS DECISÕES DE FHC E LULA
Editora Appris Ltda.
1.ª Edição - Copyright© 2022 da autora
Direitos de Edição Reservados à Editora Appris Ltda.
Nenhuma parte desta obra poderá ser utilizada indevidamente, sem estar de acordo com a Lei nº 9.610/98. Se incorreções forem encontradas, serão de exclusiva responsabilidade de seus organizadores. Foi realizado o Depósito Legal na Fundação Biblioteca Nacional, de acordo com as Leis nos 10.994, de 14/12/2004, e 12.192, de 14/01/2010.
Catalogação na Fonte
Elaborado por: Josefina A. S. Guedes
Bibliotecária CRB 9/870
Livro de acordo com a normalização técnica da ABNT
Editora e Livraria Appris Ltda.
Av. Manoel Ribas, 2265 – Mercês
Curitiba/PR – CEP: 80810-002
Tel. (41) 3156 - 4731
www.editoraappris.com.br
Printed in Brazil
Impresso no Brasil
Kamilla Bussinger
O BRASIL (NÃO) NUCLEAR
UMA ANÁLISE DAS DECISÕES DE FHC E LULA
AGRADECIMENTOS
As ideias que compõem este livro foram semeadas em 2017 com meu ingresso como aluna no mestrado em Estudos Estratégicos, pelo PPGEST, na Universidade Federal Fluminense. De lá até a versão final, o caminho foi longo, e é impossível passar por longas jornadas sem ter pessoas para agradecer. São amigos, professores, alunos e familiares que compõem nosso arsenal pessoal e profissional e nos dão recursos a continuar. Para todos esses rostos gravados em minha memória, vibro gratidão.
Porém, alguns desses rostos precisam ganhar nomes nestas páginas, pois sem eles este trabalho não teria o mesmo sentido. Em primeiro lugar, é preciso dizer que, sem o apoio da minha família materna, este trabalho não teria sido possível. Portanto, é imprescindível que nominalmente eu agradeça à minha mãe, Joana Darc, um referencial em minha vida e a quem dedico este livro. Às minhas tias Lia e Fátima, gratidão.
Agradeço também ao meu orientador, o doutor Adriano de Freixo, que durante o mestrado me apresentou o prazer que é estar em sala de aula como sua estagiária e hoje me concede a honra de prefaciar este livro. Agradeço também à editora Appris e, em especial, à Milene e à Renata, pelo contato direto e constante.
Agradeço à Deborah, profissional sensível e dedicada, e ao Matheus, pela foto presente neste trabalho.
Por último e não menos importante, agradeço às pessoas que escolhemos por meio dos laços do coração e que verdadeiramente se mostraram felizes por esta conquista, pessoas essas que, atualmente, são centrais: Bruno, Letícia, Giovanna, Marcella, Luiz, Vivian, Raul, Célia, Juliana, Luciana, Íris e demais amigos que souberam e vibraram por esta realização desde sua concepção. Afinal, comemorar também faz parte do processo.
A economia de guerra proporciona abrigos confortáveis para dezenas de milhares de burocratas com e sem uniforme militar que vão para o escritório todo dia construir armas nucleares ou planejar uma guerra nuclear; milhões de trabalhadores cujo emprego depende do sistema de terrorismo nuclear; cientistas e engenheiros contratados para buscar aquela inovação tecnológica
final que pode oferecer segurança total; fornecedores que não querem abrir mão de lucros fáceis; intelectuais guerreiros que vendem ameaças e bendizem guerras.
(Richard Barnet, 1981)
PREFÁCIO
Em 1962, pouco antes da crise dos mísseis soviéticos em Cuba e no auge da Política Externa Independente dos governos Jânio Quadros (1961) e João Goulart (1961-1964), o Brasil propôs à Organização das Nações Unidas o estabelecimento de uma zona livre de armas nucleares na América Latina, posição essa que seria referendada no ano seguinte por meio da apresentação de uma resolução nesse sentido à XVII sessão da Assembleia Geral da ONU, em conjunto com Chile, Equador e Bolívia. Estavam dados os primeiros passos para o Tratado da proibição de armas nucleares na América Latina e no Caribe, mais conhecido como Tratado de Tlatelolco, que em 1967 seria assinado por 21 países, recebendo a adesão dos demais Estados da região ao longo das décadas seguintes.
Apesar da mudança de regime ocorrida em 1964, o Brasil seria um dos primeiros signatários do Tratado, o que não significou, no entanto, que o país estivesse disposto a abrir mão de ter o seu programa nuclear. Assim, no mesmo ano em que acontecia o Encontro de Tlatelolco, o diplomata Paulo Nogueira Batista, então subsecretário de Planejamento Político do Ministério das Relações Exteriores e futuro presidente da Nuclebrás (1975-1983), afirmava:
A meta será nuclearizar pacificamente o Brasil, [...] repudiamos o armamento nuclear [...]. Não desejamos, porém, que os instrumentos internacionais sobre o assunto contenham cláusulas que possam significar entraves imediatos ou potenciais ao pleno aproveitamento da energia nuclear para fins pacíficos. Privarmo-nos do acesso direto da utilização de combustíveis e explosões nucleares para fins pacíficos, deixá-la exclusivo privilégio das potências hoje detentoras de seria aceitar de forma inadmissível o colonato (FREIXO; SENRA, 2017, p. 133, grifo original).
Tal perspectiva coincide com a mudança da percepção dos estrategistas e formuladores da política externa da ditadura brasileira sobre as configurações do sistema internacional, na passagem do governo Mal. Castelo Branco (1964-1967) para o do Gen. Costa e Silva (1967-1969). Os pífios resultados obtidos pela Aliança para o progresso e o avanço da coexistência pacífica entre EUA e URSS, em uma lógica de congelamento de poder e de manutenção do status quo, fizeram com que houvesse a revisão do alinhamento automático com os EUA, que caracterizou o primeiro governo do período ditatorial. Como assinalam Williams Gonçalves e Shiguenoli Miyamoto em um clássico estudo sobre a política externa dos governos militares:
Postos diante do quadro do sistema internacional e dos insípidos números da ajuda norte-americana para o desenvolvimento, os formuladores brasileiros sofreram um verdadeiro desencantamento com o mundo. Afinal, a análise desse quadro evidenciava, de maneira inequívoca, que a concepção de defesa integrada dos blocos, antes prevalecente, estava dando lugar às prioridades nacionais (1993, p. 220-221).
Assim, já no governo Costa e Silva, a lógica da divisão do mundo em dois blocos antagônicos — o eixo leste-oeste — deixaria de ser o norte principal das relações exteriores do Brasil, com a busca do desenvolvimento econômico — e o eixo norte-sul — voltando a ter centralidade, como nos anos que antecederam o golpe civil-militar de 1964. Nesse sentido, a chamada diplomacia da prosperidade
apresentaria muitas semelhanças com a PEI, mas sem fazer qualquer referência à realização de reformas sociais (VIZENTINI, 1998). É nesse contexto que, em 1968, o governo brasileiro se recusaria a aderir ao Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP), que entraria em vigor dois anos depois.
Considerando que o TNP tinha um caráter excludente e que cerceava o desenvolvimento tecnológico dos países não nuclearizados, que seguia a lógica de manter fechado o seleto clube das potências nucelares e que contribuiria para o congelamento de poder no sistema internacional, o Brasil manteria essa posição pelas três décadas seguintes, apesar das fortes pressões internacionais. Nesse período, a adesão ao Tratado de Tlatelolco era usada como argumento para mostrar o comprometimento do Estado brasileiro com o uso pacífico da energia atômica, sem, no entanto, abrir mão de ter o domínio dessa tecnologia.
Mas mudam-se os tempos, mudam-se as vontades. O fim da ditadura civil-militar, o término da Guerra Fria e a crise do modelo desenvolvimentista e de um paradigma de política externa autonomista e vinculado ao projeto de desenvolvimento nacional levariam a mudanças na posição brasileira. Na década de 1990, Fernando Collor (1990 – 1992) e Fernando Henrique Cardoso (1995–2002) implementariam diretrizes de política externa mais alinhadas, em maior ou menor grau, aos princípios liberais e em 1998, no final do primeiro mandato de FHC, o Brasil finalmente efetivaria sua adesão ao TNP.
No entanto, a eleição de Luís Inácio Lula da Silva, em 2002, à frente de uma coalizão de centro-esquerda liderada pelo Partido dos Trabalhadores (PT),
levaria a transformações expressivas na política externa e na própria inserção internacional do Brasil. Essa mudança de rumos seria impulsionada pela convergência entre as posições históricas do PT sobre política internacional e as de setores do Itamaraty identificados com uma visão autonomista e nacionalista, o que se traduziria naquilo que foi definido pelo então chanceler Celso Amorim como uma política externa ativa e altiva
. Em relação à questão nuclear, essas novas orientações implicaram, por um lado, um novo fôlego para o programa nuclear brasileiro, que desde a década de 1980 vinha se mantendo funcionando quase que por inércia; e por outro, a manutenção e o aprofundamento da posição de não assinatura do Protocolo Adicional ao Acordo de Salvaguardas do TNP, apesar das pressões estadunidenses, notadamente durante a administração Barack Obama.
É em torno do desenrolar dessa trama e do comportamento dos atores nela envolvidos que gira este livro de Kamilla Bussinger Ribeiro Short. Apresentado originalmente como dissertação de mestrado no Programa de Pós-Graduação em Estudos Estratégicos da Universidade Federal
Fluminense – PPGEST/UFF, o trabalho de Kamilla procura respostas para duas questões centrais: 1- quais teriam sido as motivações que levaram o presidente Fernando Henrique Cardoso a assinar o TNP; e 2- o porquê de nem ele nem seu sucessor, Luís Inácio Lula da Silva, terem aceitado assinar o Protocolo Adicional, apesar do compromisso do Estado brasileiro com o desarmamento nuclear expresso na Constituição Federal promulgada em 1988.
Para isto, a autora dialoga com a literatura sobre o tema produzida nas últimas décadas e se utiliza de uma ampla gama de fontes, que vão de documentos oficiais a matérias jornalísticas, abarcando mais de 60 anos da história do Brasil contemporâneo. Fazendo as necessárias articulações entre as políticas doméstica e externa, a pesquisa de Kamilla Bussinger procurou compreender e destrinchar os grandes processos decisórios, tendo como pano de fundo aquilo que Pierre Renouvin e Jean-Baptiste Duroselle (1967, 2000)
designaram como forças profundas — o conjunto de forças sociais, políticas, econômicas e culturais que moldam a ação dos homens de Estado — que tanto podem influenciar quanto pressionar os governos e, por consequência, os Estados na adoção e nos rumos das suas políticas externas. Por isso, o homem de Estado, nas suas decisões ou nos seus projetos, não pode negligenciá-las; sofre-lhes a influência e é obrigado a constatar os limites que elas impõem a sua ação
(RENOUVIN; DUROSELLE, 1967, p. 6).
Nesse sentido, este trabalho constitui-se em importante contribuição para a compreensão não só dos meandros da política nuclear brasileira na passagem do século XX para o XXI, mas também dos processos decisórios em política externa e da atuação de atores políticos estatais e não estatais. Mas para além de suas qualidades acadêmicas, a pesquisa também cumpre um papel político importante que é o de resgatar e de fazer o balanço de um período de grande protagonismo da política externa brasileira — que perpassa os governos FHC e Lula da Silva —, quando o Brasil gradativamente se afirmaria como um global player. Em um momento em que o país caminha para se tornar um pária internacional em um conjunto de questões — como meio-ambiente, direitos humanos ou defesa da democracia —, vendo o seu protagonismo e prestígio se esvaindo rapidamente, e em que o alinhamento acrítico à potência hegemônica atinge níveis sem precedentes, o olhar atento e crítico sobre os erros e acertos do passado recente é um exercício fundamental para se pensar caminhos para o futuro.
Adriano de Freixo
Professor de Relações Internacionais e Política Externa Brasileira do Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense – UFF e coordenador do Programa de Pós-Graduação em Estudos Estratégicos (PPGEST-UFF).
Referências
DUROSELLE, Jean-Baptiste. Todo império perecerá. Brasília: Ed. UnB; São Paulo:
Imprensa Oficial do Estado, 2000. 448 p.
FREIXO, Adriano de; SENRA, Alvaro de Oliveira. Paulo Nogueira Batista: ação intelectual, projeto nacional e autonomia tecnológica (1967-1974). Revista da ESG, Rio de Janeiro, v. 32, n. 63, p. 121-143, 2017.
GONÇALVES, Williams; MIYAMOTO, Shiguenoli. Os militares na política externa brasileira (1964-1984). Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 6, n. 12, p. 211-246, 1993.
RENOUVIN, Pierre; DUROSELLE, Jean-Baptiste. Introdução à história das Relações Internacionais. São Paulo: DIFEL, 1967. 542 p.
VIZENTINI, Paulo G. F. A política externa do regime militar brasileiro. Porto Alegre: Ed. da Universidade, 1998. 416 p.