Medos & desejos
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Medos & desejos - Fernando H. De Marchi
Nós
A vida é uma caixinha de surpresas. Tudo muda constantemente, e na maior parte do tempo simplesmente não percebemos.
Lembro bem a primeira vez que percebi como o tempo é traiçoeiro. Meus pais me deram de presente o cachorrinho mais lindo do mundo. O Pingo, uma minúscula bolotinha de pelos desengonçada, de cor acinzentada, com uma mancha branca no peito. Ainda me recordo da textura macia de sua pelagem e do seu cheirinho de leite de filhote, contrastando com aquela língua áspera que não cansava de me acariciar.
Eu tinha treze anos, ou quase quatorze, como preferia dizer. Já gostava de me posicionar como adulto. Quando tinha alguém olhando, eu reclamava das lambidas e mantinha uma certa pose de maduro, mas, quando não havia ninguém por perto, eu devolvia todo o carinho, por meio de abraços e beijos, deixando transparecer todo o meu encantamento.
Essa rotina só durou duas semanas. Ganhei o Pingo ao ser premiado como aluno destaque de minha turma no final daquele ano letivo. Meu pai ficou contente a ponto de decidir, por puro impulso, me dar o presente que eu mais desejava. Logo depois, surgiu um problema. Iríamos passar as férias na casa de minha avó materna, alérgica a pelo de cachorro. Assim tivemos um dilema: o que fazer com o Pingo durante o período da viagem?
A solução encontrada foi fazer um acordo com o vendedor, que se responsabilizou em cuidar do Pingo até o nosso retorno. A viagem durou um mês. Quando retornamos, a primeira coisa que fizemos foi buscá-lo.
Enquanto conversava com meus pais, o vendedor permitiu que eu fosse buscar o Pingo nos fundos de sua casa. De acordo com ele, não havia nenhum perigo, pois os demais cachorros estavam presos no canil.
Imediatamente me direcionei até o quintal, nos fundos, chamando o Pingo pelo nome e acabei ficando espantado. Ele tinha virado um monstrengo. É incrível como um dogue alemão cresce rápido!
Suas pernas estavam agigantadas, seu peso tinha dobrado e o tamanho, quase triplicado. Ele passou de uma bolota para uma lombriga, grande e desajeitada. Os latidos já eram bem mais graves e vigorosos.
O Pingo veio em minha direção, mas se esquivou quando tentei pegá-lo, deixando evidente que também estava me estranhando. Insisti em chamá-lo, mas éramos como dois desconhecidos se encarando, e ele decidiu se afastar.
Não tive paciência e tentei forçar a aproximação. O Pingo escapou em minha primeira tentativa. Na segunda, abri as pernas para tentar diminuir o espaço. Deu certo, pois consegui o encurralar; e deu muito errado, já que nenhum animal costuma reagir bem quando fica encurralado. Levei uma mordida bem no meio das pernas. Primeiro senti muita dor, depois tudo amorteceu.
Pedi para ir até o banheiro sem contar nada para ninguém. A intenção foi a de conferir se o meu problema com as mulheres tinha se tornado ainda maior. Ou menor, a depender do ponto de vista! Apesar do susto, estava tudo inteiro.
Qual a importância desta história? Bem, a princípio serviu para mostrar a força do tempo, evidenciada principalmente quando nos ausentamos. Mas a verdadeira transformação a ser relatada é a minha própria, que poderá ser vista, em parte, através da vida do meu grande Pingo. Assim, considerei importante relatar o momento em que ele entrou na minha vida.
Depois do incidente, o Pingo jamais voltou a me morder. Bastou um pouco mais de paciência da minha parte para ganhar a confiança dele de volta. Para isso utilizei algumas guloseimas que eu tinha no carro. Algo bem mais saboroso do que o meu próprio couro.
Aproveitamos muito bem o nosso mundinho particular correspondente ao quintal dos fundos de casa. Quando fecho os olhos, posso até ver a grama verdinha ganhando ainda mais vida ao receber o magnífico tom amarelado da luz do sol. Ao reavivar essas memórias, chego a sentir o cheiro da terra a qual eu quase comia durante os mergulhos desferidos na tentativa de tomar a bola do Pingo! Eu odiava e amava ao mesmo tempo o jeito dele, quando vencia uma disputa e saía todo contente com a bola na boca. A verdade é que, ganhando ou perdendo, era magnífico! Pena que a maturidade chegou como um tsunami arrebentando a minha vida e destruindo o meu mundinho tão belo.
***
Se em casa a minha felicidade era plena, no colégio não era bem assim.
Voz engrossando, barba surgindo, hormônios explodindo, uma grande transformação física estava em plena ação, mas, para os colegas da minha sala, eu continuava sendo apenas o nerd da turma. Aquele eterno flerte entre meninas e meninos já estava se intensificando, e eu certamente permanecia fora desse jogo.
O meu único amigo era o William, que obviamente permanecia excluído da mesma forma. Apesar de isolados, nos divertíamos muito. Isso quando não estávamos sendo humilhados por valentões que pareciam não ter nada melhor para fazer além de infernizar a vida dos outros. Existe situação mais clichê do que essa, entre um nerd e um valentão? Será que algum dia esse tipo de violência vai parar de acontecer?
Depois das férias, dois novos alunos entraram na minha turma. Ambos passaram a me ameaçar de formas distintas.
Um deles, o Gregor, já estudava no colégio e foi transferido para a minha sala por conta das confusões arranjadas na outra turma. Ele era um alemaozão que não se comunicava muito bem com as palavras, assim lhe restava utilizar os punhos para demonstrar o que estava sentindo! Por conta dessas brigas, seu apelido era Bronquinha. O meu medo era de que eu e o William fôssemos nos tornar os seus novos brinquedinhos a serem atormentados.
A garota, chamada Jennifer, veio de outra cidade. Logo ficou claro o quanto ela era inteligente. Em dois meses de aula, percebemos que ela pretendia ser a melhor da turma, e esse era o único status bom disputado entre mim e o William. Não gostávamos nada de ver o nosso reinado ameaçado!
Meus preconceitos em relação aos novos alunos não se consolidaram. O Bronquinha era caladão e não mexia com ninguém, a não ser que mexessem com ele. Sua fama foi grande o suficiente para ninguém ter coragem de testá-la. Apesar de não sofrer violência física ou verbal direta, percebi que aquele grandalhão sofria ainda mais do que eu com o preconceito, pois ele permanecia completamente excluído por todos.
Um belo dia, durante a formação de duplas solicitada pela professora, notei a expressão chateada do Bronquinha, que ficaria isolado mais uma vez. Ninguém o queria por perto, então, em meio a uma situação constrangedora na qual a professora não sabia onde incluí-lo, levantei a mão e pedi para ele vir conosco. O William ficou com uma expressão de espanto, e logo entendi o porquê. O grandalhão nos olhou com uma expressão de ódio realmente assustadora.
A atividade proposta acabou mesmo sendo feita em dupla, pois o Bronquinha não abriu a boca para opinar sobre nada. Só o que fez foi ficar rabiscando alguma coisa em seu caderno, o qual eu não ousava olhar. Lembro-me de ter pensado que seriam desenhos de como me torturar depois da aula!
Após terminarmos a atividade, sobrou algum tempo para conversarmos. O William fez uma crítica relacionada ao Homem-Aranha, meu personagem favorito. Para a nossa surpresa, o Bronquinha defendeu o personagem. Eu não sabia se estava mais impressionado pelo fato de ele falar, ou porque a sua argumentação teve grande coerência. O William ousou retrucar, e o grandalhão foi muito bem em defender o seu ponto de vista. Nem acreditei quando o vi sorrindo pela primeira vez. A conversa acabou sendo bem agradável.
Uma semana depois, quando estava saindo para o intervalo, um dos valentões da turma, chamado Anderson, me passou a perna, e me esborrachei no chão. Bronquinha foi na direção do garoto e o empurrou com tamanha força a ponto de derrubá-lo bem longe de mim.
Anderson se levantou e enfrentou imediatamente o Bronquinha, que estava com um olhar de fúria assustador. Ele estava me ajudando, mas até eu fiquei com medo.
Anderson partiu para a encarada, porém, não teve coragem de levantar os pulsos. Ele estava esperando que os outros garotos viessem apoiá-lo, mas isso não aconteceu. Sozinho, diante de cada vez mais pessoas os cercando, ficando cada vez mais clara a iminência de uma briga, tratou logo de proferir algumas ameaças e se afastou enquanto ainda lhe foi possível.
Eu e o William chamamos o Bronquinha e saímos logo daquela confusão. Depois disso, consolidamos uma amizade. Definitivamente passamos a ser um grupo.
***
Alguns meses depois, uma nova atividade em sala voltou a gerar bons frutos. Dessa vez, o exercício deveria ser realizado em grupos de quatro pessoas. Sinceramente, não nos importávamos de permanecer em três, ao mesmo tempo que não tínhamos nenhum problema em trabalhar com quem pudesse sobrar.
Para a surpresa de todos, a Jennifer veio e se ofereceu para ser a quarta participante. Eu nem pude acreditar, e as amigas dela acreditaram menos ainda, pois ela não estava sobrando!
Naquele dia, como sempre, conseguimos terminar a atividade antes do estipulado, e sobrou tempo para o nosso papo nerd. A Jennifer logo demonstrou também possuir um vasto conhecimento em bobagens. Definitivamente ela era uma de nós!
Jennifer acabou se aproximando cada vez mais, até que passou a participar do nosso grupo em definitivo. Em parte, isso aconteceu por nossas afinidades, e em parte porque seus amigos começaram a excluí-la devido ao contato mantido conosco. Essa aproximação foi um suicídio social!
Na verdade, inteligência não era um parâmetro para se dar bem dentro do colégio, pelo menos não no quesito social. Porém a Jennifer, além de ser inteligente, tinha atitude e beleza mais do que suficientes para se enquadrar em qualquer grupo da sala ou até mesmo do colégio inteiro.
No lugar dela, eu provavelmente não teria feito a mesma escolha! Se bem que, no meu lugar, eu bem sabia que não existia grupo melhor. A única coisa ruim eram as humilhações, as quais estavam sob controle depois da aderência do Bronquinha. De qualquer forma, a escolha dela foi totalmente consciente. Tanto que, tempos depois, ela confessou estar de olho em mim e no William desde o primeiro dia de aula, pois percebeu que éramos os caras mais legais da turma.
Em sua cidade natal, a Jennifer participava de um grupo nerd parecido com o nosso e por isso se identificou de cara conosco, e só não se aproximou porque, de acordo com ela, parecíamos muito fechados. Quando Bronquinha entrou para o grupo, ela percebeu que não era bem assim e esperou uma oportunidade para se aproximar.
Os nerds, a perfeitinha, o ogro bondoso. Aquele se tornou o grupo dos sonhos da minha vida! Eu andava literalmente nas nuvens, e o que os outros achavam já não tinha a mínima importância. Quando chegaram as férias de final do ano, me entristeci, pois o dia a dia era tão bom a ponto de fazer o término das aulas parecer um horror.
Hormônios incandescentes
Durante as férias, o Bronquinha e o William vinham constantemente até a minha casa, ou eu ia à casa deles. Infelizmente, a Jennifer não tinha a mesma liberdade, devido ao fato de ser mulher.
Eu obviamente achava que ela não merecia ser controlada
de tal maneira. Considerei como sendo uma grande injustiça. Isso porque a queria por perto, e também porque a considerava madura e responsável, mais do que o suficiente para ter liberdade de ir à casa de amigos, mesmo estes sendo garotos. Afinal, qual o problema?
Um belo dia, sentindo muito a falta da Jennifer, me dei conta do quanto estava envolvido. Comecei a remoer nossos momentos juntos e percebi o quão me fazia falta sentir o meu coração disparando, quer seja quando ela me olhava, quer quando me tocava. Sua ausência passou a ser como sentir falta de ar. Comecei a pensar cada vez mais em seu lindo sorriso, em sua boca rosada e carnuda, em seus olhos azuis e olhares profundos. Enquanto vagava em meus pensamentos, imaginei nós dois aos beijos.
Senti-me aborrecido ao me dar conta de que os pais da Jennifer não deixavam de ter certa razão, pois eu realmente faria com ela qualquer coisa que me fosse permitido, sem pensar duas vezes. No caso, será que não era eu então quem merecia ficar trancafiado?
Logo descobri que a situação era muito pior do que eu imaginava. Em uma visita à casa do William, o notei estranhamente desanimado. Durante as partidas de videogame, ele permaneceu pensativo ao extremo. Quando o pressionamos para nos contar o que estava acontecendo, ele soltou que estava sentindo muita falta da Jennifer. A intenção do William foi claramente a de declarar sua paixão tentando marcar território
. O Bronquinha tratou de responder de forma grosseira que ela provavelmente optaria por alguém menos melodramático. Do jeito que o grandalhão se expressou, ficou óbvio o seu interesse como pretendente.
Senti como se fôssemos todos traidores. Por alguns instantes, vaguei em meus próprios pensamentos, e quando voltei à realidade os meus amigos estavam trocando farpas pesadas um com o outro. Estávamos perto de completarmos 15 anos, e nessa idade os hormônios literalmente gritam!
Tratei de interromper a discussão:
— Se continuarmos desse jeito, a nossa amizade vai para o espaço. Temos que chegar a um acordo!
— Não estou disposto a fazer nenhum pacto de que só seremos amiguinhos — disse o Bronquinha. — Se ela quiser algo mais, não vou negar nada!
— Nem eu — retrucou o William.
— Então não neguem, mas ao menos deixem que ela decida sem detonarmos a nossa amizade por conta disso! — retruquei.
— Concordo! Nada de mimimi! E que vença o melhor, ou que não vença ninguém. Seja como for, não vamos estragar nossa amizade — respondeu o Bronquinha.
— Fechado! — completou o William.
Apesar do acordo, o clima permaneceu estranho durante todo o resto do dia.
Apesar de saber que todos nós estávamos agindo da mesma forma estúpida, me senti péssimo. Me propus a fazer o possível para ignorar meus sentimentos, com o objetivo de ser um amigo em quem a Jennifer pudesse confiar sem existir segundas intenções. Era uma ideia amarga, difícil de engolir, mas com a qual eu estava disposto a me acostumar.
Ao tomar tal decisão, chorei como qualquer adolescente imaturo e romântico faria, e então o Pingo começou a uivar. Só ele mesmo para conseguir me fazer chorar e rir ao mesmo tempo! Abracei-o e segui firme com a minha decisão.
O jogo
Quando o ano letivo começou, eu estava ansioso só para poder rever a Jennifer. Era inexplicavelmente prazeroso estar perto dela, melhor ainda ouvir a sua voz, e, quanto ao abraço que ganhei em nosso reencontro, a sensação foi maravilhosa. Ainda assim, mantive firme o propósito de conservar uma amizade despretensiosa.
O William tratou de partir para o ataque do seu jeito nerd. Ele passou a demonstrar interesse em Jennifer dando balas com recadinhos e recitando versos de poesia com indiretas. Às vezes, se posicionava como triste só para chamar atenção. Convenhamos, há momentos em que os nerds realmente conseguem ser esquisitos ao extremo. E bota extremo nisso!
Jennifer logo percebeu as intenções, até porque era impossível não notar as bizarrices exageradas do William indo em sua direção como um trem desgovernado. Ela partiu para o contra-ataque mantendo a classe e até mesmo a compaixão. Para isso, passou a deixar claro ao William todo o seu carinho de irmã
, inclusive passou a chamá-lo de maninho e a dizer que sempre desejou ter um irmão como ele.
No começo, o William tentou não entender, mas logo o seu ímpeto em atacá-la foi destruído. Jennifer parecia uma bailarina, pois seus atos tinham extrema força, mesmo mantendo uma aparência de total delicadeza. Afinal, não é isso que toda bailarina faz?
Quando finalmente o William pareceu conformado, foi a vez do Bronquinha tomar coragem e começar a tentar ganhar destaque ao se posicionar como um defensor viril. Ele quase bateu em um garoto só por ter feito uma brincadeira boba com a Jennifer, e ela o repreendeu com veemência.
O Bronquinha continuou tendo atitudes estranhas, que logo fizeram a Jennifer entrar em ação. Dessa vez, ela se esquivou dizendo que sentia nele a proteção de um pai! Isso bastou para fazê-lo entender o recado rapidinho. Sinceramente, para quem assistia, não dava para saber se a bailarina do apocalipse está dançando ou espancando. Só sei que, depois de ter visto como foi com o William, eu também trataria de entender o recado bem rápido!
Acabei me dando conta de que a habilidade da Jennifer em triturar garotos era por já ter certa experiência. Com os amigos, ela foi legal, mas nem sempre era tão boazinha com outros garotos que tentavam chamar sua atenção.
O fato é que todo dom tem o potencial de se tornar uma maldição. Sempre há alguém querendo explorar as qualidades alheias. Nessa linha de raciocínio, não tenho dúvidas de que a beleza é um dom o qual a Jennifer possuía, que já era bem assediado. O lado bom é que, ao menos dentro do nosso grupo, o assunto parecia superado.
O irônico nessa história toda era o fato de a Jennifer ser uma das poucas garotas da sala que não buscava se destacar sexualmente. No entanto, ela não precisava de nada para brilhar. A boca e as bochechas rosadas contrastavam com a pele clara, ressaltada ainda mais pelos extremos opostos dos olhos azuis da cor do mar e dos cabelos longos e negros encaracolados. Sua cintura fininha valorizava os seios, que já eram fartos o suficiente para não ficarem escondidos, mesmo sem utilizar roupas coladas, como a maioria das garotas fazia. No jogo social, ela era naturalmente uma rainha, e mais cedo ou mais tarde acabaria provando o poder que isso traz.
***
Depois das bizarrices do William e do Bronquinha, bons dias de muitas alegrias, risadas e excelentes notas se passaram. Até o Bronquinha estava indo relativamente bem, ao se considerar suas dificuldades com os estudos. Tudo parecia estar em seu devido lugar, no entanto bastou uma fagulha para me fazer incendiar.
Um dia, estranhei o olhar do William fixado em mim.
— O que foi? — perguntei.
— Você é cego? — ele disparou.
— Do que está falando? — retruquei.
— Será que não nota mesmo o jeito que ela te olha?
Senti um enorme frio na espinha por saber que ele estava se referindo a Jennifer, mas fiz uma expressão de quem não tinha entendido.
— Não se faça de bobo! — disse ele. — Ou será que você é bobo mesmo?
— Pare de falar asneiras! — respondi, me desviando do assunto.
O Bronquinha complementou:
— É bobo mesmo!
E foi assim que o assunto terminou. A conversa durou pouco, porém me fez passar praticamente a madrugada inteira remoendo a ideia.
Será mesmo que ela gostava de mim? Foi a primeira pergunta que eu me fiz. A segunda foi: por que ela gostaria? Acho que isso refletia a minha baixa autoestima relacionada a mulheres, ainda mais frente a alguém com tantas qualidades: linda, sim, mas, acima disso, a Jennifer se destacava por sua inteligência, seu bom humor e pelo jogo de cintura que a levava a conquistar o que queria e a repudiar com facilidade qualquer inconveniência.
Em meio a essas reflexões, acabei chegando a uma conclusão que me trouxe um certo conforto. Ao menos eu realmente gostava da Jennifer pelo que ela era e não apenas por conta de sua beleza.
Esse pensamento me libertou da sensação de estar traindo a nossa amizade. Na sequência, pensei que agora ela já tinha dois bons amigos para se apoiar. Também considerei que ela sabia muito bem se esquivar, caso desejasse. Então, por que eu não deveria tentar?
No dia seguinte, notei que a Jennifer realmente parecia me tratar de uma forma diferente. Talvez fosse apenas porque passei a querer enxergar isso, mas a esperança fez meus sentimentos incendiarem mais do que nunca.
Comecei a tentar achar meios de me aproximar mais. Eu já tinha visto de perto os erros do William e do Bronquinha. Assim, ao menos sabia que precisava ser mais sutil. Na teoria era fácil compreender isso, mas na prática eu não sabia como me portar.
O momento ideal para tomar qualquer atitude era na saída da aula, pois nós dois íamos a pé para casa, já que morávamos perto. Sempre andávamos três quadras juntos antes de nossos caminhos tomarem lados opostos. Em um belo dia, em meio a uma conversa descontraída sobre uma série a que estávamos assistindo, paramos no ponto onde seguíamos caminhos diferentes e ficamos conversando por vinte minutos. Quando a Jennifer se deu conta do