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A Miséria Bella: O outro lado da moeda
A Miséria Bella: O outro lado da moeda
A Miséria Bella: O outro lado da moeda
E-book354 páginas5 horas

A Miséria Bella: O outro lado da moeda

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Sobre este e-book

A Miséria Bella continua a aventura de vida de Reginildo Santos (Régis Comprido), com bons olhos, apesar dos pesares, encarando todo mal, imaginando o que poderia ser pior, o que ameniza as dores e dando a esperança de melhores dias. A boa mensagem presente aqui é a inspiração que fortalece a mensagem de Deus e da vida, sendo A Vida é Bella, como no filme em que um pai, no meio de uma guerra, com seu filho, mostra-o como a vida é bela apesar de todo o caos e obstáculos a sua volta. Gratidão, sempre!
IdiomaPortuguês
EditoraViseu
Data de lançamento15 de ago. de 2022
ISBN9786525422541
A Miséria Bella: O outro lado da moeda

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    A Miséria Bella - Reginildo Santos

    A

    presentação

    A partir de suas memórias pessoais, desde 1973, neste de 1994 a 2004, o protagonista desta história, Reginildo Santos (Régis/Comprido), capoeirista, educador físico e animador de resorts, faz um paralelo entre a situação de extrema pobreza e a riqueza e como a interação saudável entre esses dois mundos pode gerar bons frutos.

    Sua história começa em Salvador, ainda criança, nas portas das igrejas da Vitória e Santo Antônio da Barra, onde sua mãe pedia ajuda para alimentar seus nove filhos. Com o apoio de Monsenhor Gaspar Sadoc, já matriculado na escola, além de estudar, aos 9 anos de idade ele começa a trabalhar e fazer amizade com crianças bem diferentes dele, com estilo de vida totalmente opostos ao do mundo em que vivia; eram os filhos dos moradores do bairro Estrada de São Lázaro, de classe média alta, vizinho à sua comunidade pobre, cercada de miséria e criminalidade. Essas novas amizades também foram fundamentais, ajudaram-no a superar os percalços de menino pobre da comunidade do Alto das Pombas e o incentivaram a prosseguir com os estudos em busca de um lugar ao sol, dando um novo rumo à sua trajetória educacional, social e profissional. Na faculdade, e ainda depois dela, através de projetos sociais com foco na educação, resgate da autoestima e cidadania, ele segue semeando a esperança de uma vida melhor e socialmente mais justa entre as crianças de sua comunidade de origem, em troca de boas notas no boletim escolar; com isso, vira pauta de telejornal.

    Dentro e fora das rodas de Capoeira, em viagens pelo Brasil e em seu criativo trabalho como esportista e animador temático no setor de entretenimento e lazer hoteleiro, Reginildo continua resgatando a cultura, o folclore e a arte do brincar, nos fazendo crer em dias melhores e em um mundo mais justo e feliz para todos. A Miséria Bella prova que A Vida É Bela e pode se tornar ainda mais maravilhosa se vivida com Alto Astral e Energia Positiva. Independente das dificuldades e obstáculos encontrados no caminho, é possível, sim, seguir em frente rumo ao alcance de seus objetivos e ser bem-sucedido, estando na riqueza ou mesmo na miséria – só depende de como você encara a vida oferecida por Deus.

    Conheça ricos e pobres, anônimos e famosos, sem preconceito, que interagem e convivem juntos com a mesma alegria em viver; são os dois lados da mesma moeda, da mesma história, em um passado não tão distante deste mundo presente em que vivemos. Hoje, temos uma sociedade distante, mesmo tão perto, sem amor e respeito ao próximo, cada vez mais sem paz, sentindo a falta de gente do bem, do ser humano, pois está presa aos valores materiais e ao apego digital, que precisa ler esta obra: um livro, uma bella história, um conceito de superação que nos convida a olhar para dentro; uma milagrosa lição de vida que nos inspira a superar todas as crises materiais e espirituais; um Livro emocionante, poético e triste, ao mesmo tempo que engraçado, inteligente e motivador; uma retrospectiva das nossas vidas.

    Lembre-se aqui onde você estava e o que estava fazendo na hora datada em que a história acontecia. Você vai se surpreender com tantos detalhes. Conheça A Miséria Bella por dentro, para, quando ela chegar, você saber sair dela. Se a vida lhe deu um limão, faça uma limonada e plante as sementes para um futuro com mais refrescos, porque gentileza gera gentileza! Uma boa leitura e um ótimo regresso aos bons tempos – ricos sem soberbas e pobres sem amarguras, para quem a humildade é o sinônimo de felicidade, estampada no rosto de quem vive na Bahia.

    Um livro para todos que amam a Bahia, em especial para capoeiristas e turistas semearem seus ricos frutos culturais, artísticos e folclóricos, para conhecerem ainda mais uma geração, a mais próxima de seus precursores, iniciadores, construtores e formadores da história de um povo mágico.

    1994 – Chegou estagiando com começo, meio e fim marcado no Banco do Brasil.

    O começo de 1994 foi de adaptação para os novos tempos aos costumes que o ano anterior tinha deixado. No ano da família, segundo a ONU, o chefe da casa da família Brasil era Fernando Henrique Cardoso, que trazia consigo no bolso o dinheiro com novo nome de Real. Os filhos de todos os brasileiros eram balançados nos braços, em coreografia, ao mesmo tempo que Bebeto e Romário comemoravam juntos o nascimento de mais um gol na Copa do Mundo nos Estados Unidos. A mãe África ganhava o seu primeiro filho negro para administrar as suas terras como presidente e o mundo presenciava Nelson Mandela liderar a primeira eleição multirracial da terra pátria.

    Chegadas e partidas foram registradas no cartório da vida de 1994. O Brasil perdia o seu maior patriota: morria Ayrton Senna no esporte, mas não nas batidas do tan tan tam dos corações de sua nação. O humor ficava menos alegre sem o cacildis e o do Muçum e as risadas gostosas de meu tio Tóte. O piano tocava tristes melodias com a partida do mestre Tom Jobim, mas suas músicas continuariam eternizando as coisas mais lindas e cheias de graças – como tudo nessa vida, que vem e que passa.

    O fim pode ser o começo.

    Na casa de Dona Solange, onde eu trabalhava de jardineiro, lavador de carro e outros serviços domésticos em meio turno, recebendo meio salário mínimo e uma atenção especial ao meu futuro que não tinha dinheiro que pagasse, com tristeza de ambas as partes, chegava ao fim minha estadia, porque eu teria que começar um estágio remunerado no mesmo horário, pela manhã, no Banco do Brasil, na área de administração, por um ano, para o complemento obrigatório no boletim escolar.

    As rodas de capoeira da academia Urucungo já não tinham mais a presença de alguns dos alunos mais velhos; saíram do grupo. A inteligência e a voz marcante dos cânticos de Osvaldo, a resistência de Fabinho Tombo na Ladeira, o raciocínio rápido de Escude e a coragem explosiva de Dinamite já não marcavam mais o compasso dos nossos berimbaus, mas era assim que eu pegava uma nova graduação e o meu Mestre Ferreira me formava.

    O começo daquele ano no Alto das Pombas chegou com mais trabalho para mim e alguns amigos do Pilão. Eu, Claudio, Júlio e Paulo fomos fazer a segurança de uma festa particular de reggae organizada por Piu, um dos alunos do grupo Urucungo. Caixas de som, palco e instrumentos completavam a decoração rústica do quintal da imensa casa de seus pais, que viajavam e cediam o espaço verde para a realização de seu primeiro evento, para o qual fui convidado para fazer a organização, juntamente com o apoio de meus colegas do bairro. O show teria, além de dezenas de convidados e vendas de convites, três bandas de rock, surf music e reggae. Nossa missão era controlar a entrada, a saída e evitar qualquer tipo de confusão, mas a festa nos parecia ser somente de amigos, uma vez que todos se portavam muito bem e o astral tomava conta do lugar, então nosso trabalho era mais diversão. Parecia que a gente fazia parte da lista de convidados, porque mesmo de paletó e gravata para impor respeito, os presentes na festa nos tratavam como um dos seus e, quando percebemos, já estávamos no meio dançando, cantando e nos divertindo com eles na presença e permissão de seus organizadores. Todos achavam graça e se uniam à magia de quatro rapazes engravatados, que mais pareciam os irmãos Jackson, que curtiam a festa e a vida, semeando uma energia positiva que valia a pena compartilhar naquele momento único com todos presentes – parecíamos mais animadores de festa que segurança. Danças, aplausos, movimentos, gritos e socos no ar arrancavam risos, gargalhadas e felicidades, tornando o ambiente muito mais familiar. Eu e meus amigos do Pilão nos sentíamos em casa – ou melhor, no Bar do Reggae do Pelourinho! Só faltou o cravinho, mas não podíamos beber, afinal de contas, estávamos trabalhando. Mesmo nos sentindo a polícia dos filmes de Hollywood, disfarçados no meio da multidão, teríamos que estar prontos caso houvesse confusão. Por sorte, foi só alegria do começo ao fim, e tudo terminou na seresta do bar de Alcides, no Alto das Pombas.

    O Alto das Pombas começava também em festa na sua lavagem anual; dessa vez, tinha a presença de trio elétrico, além dos arrastões do Bloco das Vassouras, Samba Energia, Semente, Fama, Filhos de Gandhy, Olodum e Ilê Ayiê, convidados por Dona Detinha. O bairro, além de limpo, estava mais colorido, como todas as ruas do país: o verde, amarelo, azul e branco tomavam conta dos chãos de asfaltos e paredes de muros, públicos ou particulares, quando liberado pelos seus donos. Bandeiras, bolas, jogadores e traves de gol eram desenhados por todos os lados, na companhia de capacetes, carros de corrida e o ícone Ayrton Senna para completar o cenário de um país campeão. O povo parecia saber, mais do que nunca, que aquele ano era o ano da vitória. Depois de tantas tristezas e decepções a população brasileira estava confiante de que merecia uma atenção especial de Deus. Bolso e panela vazios, ídolos e alegria partindo, roubo e violência chegando, a esperança de um breve momento de felicidade era a última coisa que o povo esperava que morresse mais uma vez nas telas de seus televisores.

    No futebol, a confiança que os jogadores e os verdes dos gramados dos campos passavam para gente aumentava ainda mais a certeza de que Deus era Brasileiro e aquela era a nossa vez.

    Realmente, era uma coisa divina. O que não se vê sempre no dia a dia do futebol, se viu e marcou presença naquela Copa do Mundo. Primeiro, teve a sua realização num país que não tinha a tradição do esporte; depois, tudo de anormal era normal: troca de trave em plena partida de jogo oficial, o melhor do mundo chutando pênalti igual a minha vó, jogador ninando filho invisível, cotovelada desmaiando gente em campo, gol de esquiva, locutor e narrador pulando descontroladamente feito crianças e o Brasil Tetracampeão da Copa do Mundo de Futebol.

    Infelicidade para uns e felicidades para outros, tristeza para alguns e alegria para muitos, lágrimas de decepção deles e gotas de emoção nos rostos da gente foi ver a humildade de Bebeto agradecendo a Romário pelo gol de presente; o choro inconsolável de perda para todos e a vitória chorada, na raça, de Branco, ao cobrar falta de fora da área logo que entrou no jogo, fazendo o Brasil todo chorar junto com ele.

    — Acabou, acabou.... é tetra! É tetra! É tetra campeão do Mundo! Brasil... Pam pam paaam! — a voz de Galvão Bueno dava início à esperança de um Brasil melhor para todos, a musiquinha que estávamos já acostumados escutar com a vitória raçuda de Ayrton selava o resultado final e nos dava a certeza de que éramos vencedores. Por um breve momento, tínhamos a certeza de que Deus era brasileiro e que merecíamos comemorar aquela vitória que simbolizava tantas outras. As estradas e ruas que levavam aos pontos de encontro estavam lotadas e engarrafadas, parecia que toda população estava nas ruas. Era dia de festa no Brasil, era dia de esquecer os problemas e comemorar.

    Era dia de festejar, abraçar, pular e gritar Tetracampeão!... Tetracampeão!...

    A Copa veio para mim parcelada em mais de sete vezes e sem juros, congelada, como o Brasil. A um jogo, eu assistia na casa de Bruno, sentado na sala com a presença marcantemente alegre e incomparável dele, Kiko, Zé, Léo, Mariza e Martinha. A outro jogo, lá na rua, na casa de Claudio, com Claudia, Gilselha, Seu Marrom, Adenildes, Nilton, Jair e Jaiminho. Às vezes, o primeiro tempo era na Rocinha, na casa de Lêu, que se recuperava milagrosamente e voltava a andar depois do atropelamento que sofreu no Carnaval, por isso a sua casa estava sempre cheia de amigos e a torcida era maior; e o segundo tempo na casa de Jaú, de seu Milton, ouvindo as melhores músicas mixada nas caixas de som de Joel.

    No Alto das Pombas, depois do Jogo tinha sambão, Samba Energia na Rocinha e Samba Fama no Pilão. No São Lázaro, depois do jogo, todos pegavam seus carros e partiam para o bar mais próximo que oferecesse música ao vivo de bandas que faziam a folia particular na Barra Avenida, a passarela do Carnaval. De rua em rua ou de bar em bar eu estava depois de cada jogo, de penetra ou convidado, comemorando com os meus amigos. Ora no telão, ora na telinha, ora na televisão preta e branca, ora na tevê colorida – mas a torcida era igual dos dois lados da moeda, a mesma vibração, as mesmas lágrimas, as mesmas emoções, as mesmas torcidas, o mesmo apoio e os mesmos xingamentos e pragas eram vistos e escutados tanto lá como cá; o Brasil, mais uma vez, todos juntos para a frente e misturado.

    Mas a final é a final e disso eu me lembro muito bem.

    Num fim de tarde chuvoso, descemos eu, Ivan Guiné e André Rios para assistir ao jogo na casa de Alexandra, onde outros amigos nos esperavam. Cerveja, televisão, salgadinhos e dobradinha de feijão branco, caprichado na carne, coloriam e temperavam o aroma do ambiente do jogo Brasil x Itália.

    Sentamos em meio às almofadas do chão da sala, de frente para o centro de todas as atenções, agora acompanhado pela maioria dos presentes na casa, torcedores olhando em uma só direção, a televisão.

    Todos pararam o que estavam fazendo, menos Alexandra e as amigas, que andavam de um lado para o outro nos servindo bebidas e tira-gostos, nos deixando ainda mais à vontade para torcer e nos concentrarmos no jogo. As meninas queriam mesmo era ver gol e o resultado positivo para o time do Brasil no final, afinal, era uma final esperada há mais de 20 anos! A seleção brasileira de futebol, campeã do mundo, mais uma vez disputava a taça, uma vitória até agora vivida somente em nossos pensamentos, imaginação, videotapes ou narrada pelos nossos pais, parentes e amigos, mais velhos que a gente, que assistiram e presenciaram a primeira vitória, o bi ou o tricampeonato de 1970. Sabíamos mais da Copa de 70 porque, mesmo sem ter visto de corpo presente, era a mais próxima de nós – parecia que tinha acontecido recentemente; era contada com tantas riquezas de detalhes e valores emocionais que, mesmo sem termos visto o jogo por inteiro, já era possível sentir o corpo arrepiar e o coração disparar junto com a voz de quem nos narrava as jogadas de Pelé, Garrincha e companhia.

    Agora, era Galvão quem a narrava, na tevê da namorada de Ivan Guiné e na de todos os brasileiros que paravam para vê-los, Pelé e Arnaldo. A narração do locutor fazia uma reprise da história que se comentava a todo tempo, até aquele momento, minutos antes do juiz apitar e começar a partida. Aproveitando a presença de quem apitou o jogo e de quem jogou, Bueno, amigo da Rede Globo, começava a contar as Copas passadas, nos lembrando da última.

    O último jogo da Seleção Brasileira de Futebol na Copa do Mundo tinha sido há exatos quatro anos, em uma final e contra aquela mesma seleção que disputaria mais uma decisão para ver quem levaria a taça de melhor do mundo.

    O mundo todo tinha presenciado e testemunhado a derrota do Brasil para a Seleção da Itália, mas agora era diferente; agora era a revanche, uma nação inteira, junta, vestindo a 12ª camisa amarela, entrando em campo com sede de vitória.

    Há exatamente 24 anos, o país aguarda um resultado a favor numa final de Copa; eu, nem tanto, pois ainda iria fazer 21 anos de idade, mas graças às fitas de videocassete de meu amigo Frede, do Bosque Suíço, às quais eu já tinha assistido diversas vezes com ele, com ou sem Copa, estava por dentro do assunto e fazendo os meus cientes comentários; nada, entretanto, era mais comentado do que os menos de cinco minutos restantes para o jogo começar – demorava tanto que parecia durar mais que os 24 anos de espera!

    Todos estávamos nervosos e ansiosos para a partida começar.

    Edson Arantes Nascimento, o Pelé, que fez história e deu alegria e felicidade aos espectadores de todo mundo desde menino, com a sua genialidade futebolística, agora estava de mãos entrelaçadas uma na outra tentando acalmar a si próprio, de cabeça baixa, tocando nelas e de olhos fechados; ele era a imagem perfeita dentro da caixa na caixa televisiva, representando a oração que todos ao meu redor cochichavam para si mesmos, falando com Deus, pedindo atenção especial ao nosso time.

    Arnaldo Cesar Coelho parecia querer arrancar o apito, que era também seu por direito de árbitro, apitar e começar logo a partida, de ansiedade que era tanta.

    Galvão Bueno, honrando o seu dever, não parava de falar, comentando dos seus colegas de trabalho, seus amigos telespectadores e a vida de todos os brasileiros, em especial o tormento e sofrimento deixado pelos recentes anos administrativos do país: a miséria, a fome, a violência e o desemprego, eram citados. Foi-nos lembrado que o futebol não acabava com a fome, não exterminava a violência... mas era muito importante para nós, os brasileiros, que a seleção brasileira ganhasse, levantasse a autoestima e o credo de que juntos seríamos capazes de transformar o negativo em positivo.

    Como se os jogadores do Brasil tivessem escutados, entraram os atletas de mãos dadas, formando uma corrente de energia que passava por toda torcida brasileira presente, atravessava as telas da TV e energizava ainda mais a sala da casa de Alexandra – onde, nesse momento, parecia não caber mais ninguém, a menos que a sala fosse como o coração de mãe.

    Família, em definição do jogador Branco, é o que era aquele grupo de jogadores de futebol dentro e fora do campo.

    União era o que Pelé citava que precisávamos, como as suas mãos, uma lavando a outra.

    Coragem, Galvão frisava, vai para cima deles! – mas com os pés no chão.

    Da humildade, Arnaldo lembrava das regras básicas para o sucesso.

    A Vitória, ninguém mais que a torcida brasileira desejava e ansiava pela Taça, pelo grito da vitória que queria arrancar da garganta e botar para fora, sentir o gostinho de gritar:

    – É campeão! Tetracampeã!

    Agora só faltava o Hino Nacional ser cantado e o jogo começar.

    Primeiro a fanfarra – presente nos famosos filmes colegiais americanos, na minha escola, Edgard Santos, e agora no campo de um estádio lotado, em sua maioria de colonos italianos nos Estados Unidos –, tocava, como a Orquestra de Seu Vivaldo (que eu adorava ver na sua laje), o começo de um enredo que todos já conheciam: o panranranran... panranraran... panranranrann pan deu início à junção de milhares de vozes no mundo inteiro se transformar numa só. Começou no campo pelos jogadores, passou mais uma vez pelo estádio, nas partes verdes, amarelas, azuis e brancas, as cores de nossa família, e atravessou a tela da TV, invadindo a sala e os nossos corações. As meninas choravam, os meninos empurravam o choro para dentro com goladas de cerveja gelada – às vezes, na falta de atenção e com a vibração, derramavam-na, mas era preferível babar que chorar na frente delas, por isso engoliam também as lágrimas.

    Dunga, representando os colegas de equipe e o Brasil, trocou as bandeiras simbólicas e de respeito com Barezzi, que representava a Itália, apertaram as mãos e, na humildade, se cumprimentaram, correram para o meio do campo e tomaram seus devidos lugares, ao meio dos times já posicionados, prontos para o início do jogo. O juiz apitou e começa a partida.

    Seja lá o que Deus quiser! O sinal da cruz no rosto de ponta a ponta do corpo e lá fomos nós.

    Nos 10 primeiros minutos de jogo do primeiro tempo, eram nervosismo e ansiedade por todos os lados do campo, nas arquibancadas, na tela da TV e na sala, onde todos se calavam nos lances contra – podia até se ouvir as batidas dos corações, se não fossem os breves comentários dos amigos técnicos presentes.

    Nos ataques da seleção canarinho, a gente voava juntos em todos os lances que começavam, um vai...vai... terminava em um alongado gritante huuuuuuu... isssssss na aterrissagem da bola nas mãos do goleiro italiano ou raspando a trave, seguindo para fora da área, em direção à torcida.

    O jogo era lá e cá; mesmo com as camisas amarelinhas mais presentes na área azzurra, todos tremiam, os jogadores derretiam de tanto calor e pela sede de fazer gol; nem parecia que o sol escaldante do azulado céu dos Estados Unidos os intimidava.

    Dez minutos de jogo e chance clara de gol.

    Dunga cruzou a bola para o baixinho Romário, que, em meio ao azul que lhe marcava dos pés à cabeça, subiu gigantemente e cabeceou a bola, que por pouco não entrou para o gol e abriu o placar – mas foi para fora! Huuuuuuu... isssssssss!

    Para fora era o desejo dos nossos corações, tentando sair pela boca, de tantas batidas fortes e descompassadas. Os huuuuu dessa vez vieram de mãos dadas com os aplausos de todos na televisão e na ação dos que esperavam por um gol. Mas não foi agora, o jogo continuava corrido, o Brasil faz pressão dos dois lados da televisão; lá dentro o sol parecia querer cozinhar os miolos dos jogadores; aqui, o cheiro do feijão que cozinhava na panela de pressão da mãe de Alê nos aliviaria de uma das fomes e aumentava as esperanças de um final feliz.

    Aos 20 e poucos minutos de jogo, Romário recebeu a bola e Bebeto correu para receber mais na frente, invadindo a área italiana quase que sem marcação; quando recebeu do baixinho a bola redondinha, que aterrissou quase em seu pé e de primeira, já na pequena área de frente para o goleiro, chutou para o gol e... para fora!

    Detalhe: o chute foi com a canela do jogador, se é que assim podemos chamar, e sem nenhum controle de direção, a bola saiu pela linha de fundo.

    E a regra é clara, segundo Arnaldo: quem quase faz também quase toma. Depois de um dos contra-ataques, Maurão falhou na saída de bola, dando chance para a Itália roubar a bola e chutar para o gol, sai que é sua Taffarel! E saiu e agarrou a bola em seus braços. Huuuuuuuuu…! Aguenta, coração! O jogo pegava fogo em todos os sentidos: no campo, na sala, no coração, na cabeça e no feijão.

    Aproveitando a parada do jogo para a entrada de Cafu no lugar de Jorginho, todos pegam carona no tempo para respirar.

    Água para os jogadores beber, água para a gente comer e não se embriagar, água no feijão para render e não queimar, água nas ideias para refrescar os conselhos que o locutor nos dava:

    — Saia à procura de preços baixos e ajude o Real a caminhar!

    Mas a real era que o jogo recomeçava e os jogadores, juntamente, com a torcida brasileira, caminhavam juntos em busca da vitória.

    Todos de olhos bem abertos, menos o bandeirinha, que não viu que foi impedimento de Romário ao receber a bola na pequena área depois de um longo cruzamento! Chutou para o gol e o juiz apitou impedimento! Não valia mais nada, mesmo sem bandeira no ar, o árbitro marcou o que todo mundo já sabia. As lesões que começaram a surgir no jogo pareciam iniciar dos braços do bandeirinha que não se levantava. Tiro de meta.

    Aos 40 minutos, Branco marcou a falta com uma das suas indiscretas bombas e o goleiro espalmou a bola, desejando freá-la; entretanto, para toda ação se tem uma reação, e a bola voltou e sobrou para Marzinho, que, sem ação, como quem recebe um presente de surpresa, não acertou o chute na bola e furou o vento ao seu redor a ação da bola foi se dirigir para fora pela linha de fundo. Ninguém acreditou, nem ele, nem nós e nem eles.

    Vós sejais louvados e nos ajude!

    E ajudou! O juiz apitou o final do primeiro tempo, nos dando um tempinho para repensar. Os jogadores pensavam em sombra e água fresca, além da vitória. A gente pensava no gelo e em se servir do feijão, que esperava posto na mesa, pronto para ser devorado. A televisão pensava na esperança de o baixinho repetir o que fez nos jogos anteriores, cinco gols em seis partidas, para a gente alimentar o sonho da Pátria Minha.

    Apitou o juiz, ordenando o início da partida do segundo tempo.

    O sinal da cruz em volta do corpo agora era em dobro para afastar o azar e a energia negativa; era para as tantas bolas na pequena área da Itália não acharem o caminho do gol.

    Um verdadeiro duelo de Dândis!

    Mas de oração e reza os italianos também entendiam, não era à toa que em suas terras os Papas reinam!, e o goleiro parecia representar sua nação muito bem, ao beijar fielmente as traves do gol depois de quase um frango. Mario Silva chutou de longe, não tão forte, mas o goleiro errou e a bola quase entrou em seu gol, batendo no travessão e voltando para as suas mãos, um verdadeiro milagre. Deu sorte com o frango nas oferendas que o Brasil lhe servia.

    Com a fé e a bola de pé em pé, o jogo não parava, o corre-corre era inevitável de um lado para o outro. Depois de 48% de posse de bola do Brasil contra 25% da Itália, 13 chutes a gol da seleção brasileira contra três perigosas da azzurra, 54 contra 48 nos erros, 14 contra 15 nas faltas, 26 contra 24 nas bolas roubadas e cinco a zero nos lances de fundos, a Seleção do Brasil mostrava superioridade, mas o gol que era bom e definiria a partida, nada. Nada de gol, nada de Taça e nada de Campeão. Terminou o Segundo Tempo, terminou a paciência, mas não terminou a fé. Agora, era pouco mais de meia hora para saber do campeão mundial de futebol. Era a hora da prorrogação, mais trinta minutos extras.

    Jogadores exaustos, jogados ao chão, procuravam recuperar o fôlego para a próxima partida.

    Os dois times estavam sem gol, mas com muitas cãibras, como resultado de uma partida clássica de final dos melhores do mundo, no mesmo nível. De um lado, uma seleção recentemente campeã; do outro, uma seleção tri que não abria mão para, mais uma vez, a Taça escapar… era mais que hora de mostrar que a Taça do Mundo é Nossa e Com o Brasileiro Não Há Quem Possa!. Era garra, vontade, dores e emoção misturadas nos dois lados.

    Mas o nosso lado era, de longe, o mais unido. Bebeto fazia massagem em colegas, Dunga abanava um outro e a bandeira do Brasil foi posta por Ronaldo em cima da cobertura do banco de reserva para fazer sombra para todos. Era a união das ruas do Brasil, que tirou um presidente, presente nos tapetes verdes dos Estados Unidos, unindo forças para seguir em direção à vitória nos próximos 30 minutos extras.

    Os eternos 30 minutos, que, mesmo dividido em dois tempos de 15, não pareciam querer passar. As pernas dos jogadores também não achavam forças para passar a bola adiante. Foi um jogo mais lento, com os dois lados cansados e sofridos.

    Logo no início da prorrogação, nos cinco primeiros minutos da primeira parcela dos 15, Bebeto sentiu

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