Noctívagos
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Noctívagos - Luiz Cézar Da Silva
Sinopse
Vampiros. Talvez sejam esses os seres que mais fascinam as pessoas na cultura moderna. Homens e mulheres que carregam em seus próprios corpos a voraz marca do mal. Personagens que vagam pelas sombras condenados a uma existência entre demônios e humanos; presos para sempre às noites, a escuridão e ao sublime, porém, profano vício do sangue. Adoradores de liturgias lúgubres, praticantes de atos lúbricos e atormentados por uma sede sem fim. Criaturas repletas de desejos e paixões. Almas corrompidas e escravas somente de si mesmas. Esta coletânea traz quinze relatos onde a primeira fileira do mal; os peões e bispos das sombras se mostram no meio das pessoas. Nas páginas deste livro, os que vagueiam nas trevas sairão de seus esconderijos e mostrarão que ainda hoje, tal como no passado, eles permanecem acompanhando a humanidade. E assim será para sempre.
Sr. Expedito
Dia 27 de Janeiro 2010.
Nove horas da manhã; o dia estava ensolarado com céu azul e muitas nuvens, porém o sol parecia um prenúncio de chuva para aquela tarde; todo o mês de Janeiro tinha cumprido um ritual que se iniciava com céu claro durante as manhãs, seguido de muito calor no princípio de tarde; calor esse que chegou a alcançar mais de quarenta graus em certos dias e, no final das tardes estava ocorrendo fortes pancadas de chuva que vinham transtornando a vida de grande parte das pessoas, fazendo com que os rios transbordassem e inundando vias e casas de vários municípios.
A ambulância do corpo de bombeiros ficou parada em frente a uma das casas mais afetadas pela enxurrada que atingiu vários municípios da Baixada Fluminense, no Estado do Rio de Janeiro.
Os para-médicos foram obrigados a pedir auxilio aos homens da defesa civil para que pudessem entrar na casa; porque ela estava totalmente trancada, tanto portas quanto janelas. Era um domicílio antigo localizado em Mesquita, construído no início do século XX. A casa fora construída abaixo do nível da rua e, portanto, ainda tinha um pouco da água barrenta trazida pelo grande volume da enchente que atingira aquela residência dois dias antes; o quintal pequeno que circundava o lugar não possuía nada a não ser um varal para estender roupas, sem nenhuma roupa nele; um tanque para a lavagem da roupa, que parecia não ser usado há dias e uma enxada velha que o proprietário provavelmente utilizava para cultivar algum tipo de pequena horta particular junto ao muro; horta essa que agora estava submersa em pelo menos três palmos de lama e água fedorenta deixada pela chuva.
Nas paredes a marca de até aonde a água chegou no dia do incidente; cerca de um metro. Essa marca parecia uma faixa amarelada sobre a tinta velha das paredes.
A casa, uma espécie de chalé, tinha apenas uma porta e uma janela na frente; a tinta era antiga e surrada pela passagem do tempo, o telhado em formato triangular formado por telhas confeccionadas em uma olaria antiga no município e que hoje em dia já não existe mais; a porta de madeira não permitia ver nada dentro do domicílio, era inteiriça e não possuía nada além da maçaneta.
A janela de igual modo também tinha toda a armação feita de madeira, mas possuía os vidros que por sinal estavam empoeirados e embaçados; eles não permitiam ver muito do interior até porque por detrás da janela havia uma cortina do que parecia ser um tecido rendado e isso acabava contribuindo ainda mais para cortar a visão daqueles que estavam do lado de fora.
Os homens da defesa civil rodearam a casa e tentaram abrir a porta dos fundos, mas também encontraram muita dificuldade, como se algo estivesse servindo de barreira pelo lado de dentro.
Aquela força de salvamento estava ali presente naquela manhã por ter recebido um telefonema de um dos moradores vizinhos à residência, informando que ali morava um homem conhecido como Sr. Expedito e que desde o dia da enchente as pessoas não o tinham visto durante as noites que era o seu horário habitual de perambular pelo quintal; não o viram nem mesmo para falar sobre a chuva nem o viram tirando água de dentro da casa; absolutamente o homem havia desaparecido, mas como nenhum dos vizinhos o viu sair ficaram preocupados com o que de pior podia ter acontecido com ele e entraram em contato com a defesa civil que por sua vez acionou o corpo de bombeiros.
Segundo os moradores locais, que estavam espalhados pela rua observando atentos no momento em que os homens vasculhavam o quintal; o Sr. Expedito era um homem recluso, sempre fora assim, mas de uns tempos para cá estava muito pior; passou a sair somente durante as noites e em altas horas para evitar o contato com outras pessoas. Corria um boato nas circunvizinhanças de que ele estaria sofrendo de uma grave doença terminal e, portanto, teria ficado desgostoso da vida procurando assim evitar ao máximo qualquer contato com outras pessoas para não falar a respeito e também para não ser visto em seu estado cada dia mais fragilizado. Algumas vizinhas afirmavam que o tinham visto conversando com um familiar que o visitou alguns dias atrás.
De fato, embora o Sr. Expedito vivesse completamente sozinho já há bastante tempo, às vezes ele era visitado por um neto ou algum outro parente, mas as visitas foram diminuindo gradativamente até que apenas um homem vinha raramente falar com ele, ficava pouco tempo, trazia sacolas que retirava de um carro grande, bonito e preto e em seguida ia embora.
Alguns dias antes da enchente as pessoas viram o Sr. Expedito conversando no portão à noite com aquele mesmo homem, supostamente seu neto, ambos entraram e minutos depois o homem foi embora como de costume. Aquela foi a última vez que eles viram Expedito.
Depois de voltar até o veículo da defesa civil, os homens munidos com um pé-de-cabra acabaram por arrombar a porta da frente da casa, entraram juntamente com os para-médicos e ficaram surpresos com o estrago que as águas barrentas tinham feito no interior do lugar. Os móveis estavam cobertos de uma película feita da mistura de areia, barro, lama e outras coisas que não conseguiam identificar; mesas, cadeiras, parte da estante e todo o chão da casa também estava do mesmo jeito. O lugar ficou parcialmente revirado, provavelmente as coisas que boiaram durante a inundação haviam trocado de lugar e se espalharam pelo cômodo e pelos outros cômodos.
Os para-médicos vasculharam cômodo por cômodo até encontrar o dono da casa, não eram muitos lugares para verificar; a preocupação maior era que o Sr. Expedito tivesse sofrido algo por causa de sua suposta doença, algo que o incapacitara permanentemente impedindo-o de conseguir se defender da enxurrada erguendo os móveis por exemplo.
A casa pequena possuía apenas um quarto, uma sala, banheiro e cozinha, tudo nos moldes antigos das construções que já não se fazem mais, o teto possuía um forro de madeira e o chão era composto por incontáveis tacos outrora envernizados.
A cozinha estava tão suja quanto o restante da casa e a porta que dava para os fundos estava escorada pelo lado de dentro por uma velha geladeira cujo motor queimara quando engolido pela água e a lama.
Uma verdadeira bagunça se fazia dentro da casa; o espelho do banheiro estava quebrado no chão e coberto pelo que restou da lama; havia resquícios de sangue já coagulado, mais em grande quantidade na pia, como se o dono da casa tivesse expelido o líquido ali ou cuspindo, ou golfando. Aquilo deixou os profissionais de saúde ainda mais