O Labirinto Das Almas Atormentadas
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O Labirinto Das Almas Atormentadas - Rafeal Ceadric
Naquela inesquecível manhã de quarta-feira, marcada pelo calor de um lindo sol escaldante, Plinius Serejo dirigiu seu carro até a mansão da família Riggi. A imponente casa, antes frequentada pelos proprietários e empregados, mostrava-se quase vazia. O jardim sempre bem cuidado estava incólume. O prestativo porteiro liberou a entrada para o visitante, o qual foi observado pelas muitas estátuas de anjos e deuses presentes no logradouro. As águas cristalinas da piscina, que tanto banharam crianças e adultos, espalhando diversão e alegria, mantiveram-se comedidas.
Plinius tinha plena convicção do que faria naquele imóvel. Ele preferiu subir ao segundo pavimento pela escada, ao invés de se utilizar da comodidade do elevador residencial. Por algum motivo desconhecido, ele teve um repentino pânico de entrar solitário naquela câmara metálica.
Ele penetrou na sala onde ficava a biblioteca particular do patrão. Era o lugar onde o sinistro tratado havia sido anunciado. O mesmo recinto que recebera a presença dele e mais quatro homens irremissíveis. O local onde o infortúnio tivera início. Numa das muitas estantes instaladas nas paredes do ambiente, ele retirou um punhado de livros e liberou a entrada do cofre, mediante a prévia inserção da senha. Os seis números encontravam-se registrados no seu caderno. Dentro do recipiente havia somente uma bíblia escrita em hebraico e alguns pacotes de cédulas esverdeadas.
Plinius ficou surpreso por conta da ausência de algo importante que ali se encontrava guardado. Por outro lado, encontrou um aparelho celular que anteriormente não estava armazenado no cofre. Ele retirou o instrumento eletrônico e não identificou nenhuma ligação efetuada ou recebida preservada na memória do telefone. Havia somente um vídeo gravado no banco de dados do aparelho. Ele clicou na tela sensível ao toque e acionou a reprodução do vídeo de doze minutos de duração.
Na reprodução visual aparecia um homem bem vestido se distanciando de uma cama hospitalar. Esse indivíduo caminhou de modo apressado até o quarto vizinho. A momentânea tensão provavelmente o fez se esquecer de fechar a porta do quarto, por isso o vídeo feito por outra pessoa desconhecida pôde ser prosseguido sem cortes. O visitante fitou um paciente que se encontrava deitado, inconsciente. Não havia médicos ou enfermeiros nas imediações naquele horário. Ele permaneceu de pé por um determinado tempo e depois abriu um par de envelopes. Após conferir o conteúdo dos invólucros, o cidadão que aparecia no vídeo teve sua fisionomia transformada.
– O senhor está à procura desta caixa?!
– Que susto! – espantou-se Plinius, arrepiado, olhando para trás. – Eu senti a sua falta quando saí da empresa. Onde você estava?! Como me encontrou aqui? O que faz com essa caixa? – perguntou Plinius ao súbito interlocutor, demonstrando intranquilidade no timbre da voz.
Plinius manteve uma rápida conversação com o sujeito, o qual lhe fez uma revelação bombástica. Na sequência, o intruso voltou a lhe perguntar:
– O senhor está procurando por esta caixa, estou certo?!
Plinius aparentava estar com medo. Seu antagonista se comportava de modo estranho, como se não tivesse sido abalado pelos últimos acontecimentos envolvendo seus entes familiares.
– Sim, eu estava procurando por essa caixa. Nela está guardado um objeto muito importante... Por favor, dê-me a caixa! – pediu Plinius, temeroso.
– A caixa está vazia. – confessou o interlocutor, detalhando uma ação deliberada feita por ele tempos antes.
– Por que fez isso? – ponderou Plinius.
De forma gradual, o intruso elucidou os questionamentos de Plinius Serejo, deixando-o estupefato.
– Então... Então era você! – relembrou Plinius.
Ele ouviu plausíveis explicações do indivíduo acerca de importantes acontecimentos do qual participara nos últimos meses. Plinius jamais desconfiaria que aquele desqualificado tivesse capacidade de alcançar portentosa façanha.
– Eu senti a sua ausência hoje cedo. Sabia que você estava na fábrica e não o vi. – disse Plinius, acuado.
– Eu não estava ausente. Estava presente mais do que o senhor imagina.
Ele mostrou a Plinius alguns pedaços de papel amassado. Depois lhe falou uma frase instigante. Uma frase dita por Térsio Bartolomeu horas antes. Plinius se desequilibrou e caiu no chão. Uma incômoda sensação de medo o dominava a cada momento.
O intrometido lhe apresentou um depoimento desconcertante, capaz de elucidar alguns misteriosos acontecimentos até então vivenciados entre os partícipes daquela tradicional família. Ele parecia ter premeditado tudo.
RETROVISOR
As duas crianças coradas brincavam intensamente no jardim da faustosa casa. Brincadeiras inocentes, diversão à base de muita correria e disposição. O menino mais velho se escondeu por detrás de uma estátua de mármore e se agachou. Ele vestia um largo calção em azul marinho, uma camisa de malha branca e um par de tênis da mesma cor. O irmão caçula permaneceu quieto junto a uma frondosa árvore, de onde contou vagarosamente de um a vinte em voz alta. Após finalizar a contagem, saiu apressado à procura do mano.
A grande amplitude do campo gramado, repleto de plantas decorativas e artigos de jardinagem no seu entorno, dificultava a completude do metódico esconde-esconde. Sorridente e protegido pela sombra de uma deusa grega, o garoto agachado observava o menor à distância. Este caminhava de um lado ao outro do terreno, na ânsia de descobrir o esconderijo do irmão peralta.
No centro do jardim havia uma intrincada estrutura arbórea na forma de uma extensa rede de caminhos interligados, cuja entrada ficava a trinta metros da fonte d'água principal e a saída apresentava-se difícil. O menino pequeno, agasalhado numa bermuda de tecido amarelo, camiseta vermelha e sapatos esportivos de couro marrom, adentrou pelas vias internas dessa construção vegetal de muitas passagens e divisões, tendo lá permanecido por cerca de dez minutos. O irmão mais velho, percebendo a demora no retorno do caçula, saiu do ponto em que se encontrava escondido e se aproximou da entrada do dédalo feito de ciprestes ornamentais.
– Ah-ha! Achei você, mano! – exclamou o menino menor ao irmão mais velho, muito ofegante, aparecendo repentinamente e o surpreendendo.
– Não valeu, eu saí do meu esconderijo visando te procurar. Você demorou dentro do quebra-cabeça feito de plantas. Eu fiquei preocupado! Como conseguiu sair de lá sozinho?! – retrucou o garoto mais velho.
– Eu encontrei a saída! Veja, fiz um mapa! Sempre trago lápis e papel comigo. – respondeu o garotinho, parecendo muito esperto, mostrando um desenho de vias paralelas e encruzilhadas.
Os irmãos abraçaram-se afetuosamente e retornaram para uma das varandas da mansão, planejando novas travessuras infantis. Os dois adultos presentes ao imóvel acompanharam atentamente o desenrolar da brincadeira e demonstraram satisfação.
– Eles trazem a lembrança de mim e do meu irmão quando éramos pequenos. Faz tanto tempo... Sempre fomos unidos. – disse o saudosista homem à esposa.
– Tenho orgulho dos nossos dois filhos. Eles são crianças únicas e primorosas. Que Deus as mantenha sempre assim! – desejou a senhora, acariciando os poucos cabelos do marido.
– Deus é um bom pai. Ele sempre iluminará o nosso caminho. Falando nisso, meu pai já deve estar chegando para o jantar. Vamos entrar, querida! – falou o homem, beijando carinhosamente a testa da mulher.
– Seu pai é um verdadeiro relógio suíço. – comparou a esposa, bem humorada, apontando o dedo indicador para o pulso do marido. – O senhor Hermenegildo jamais desrespeita a agenda dos seus compromissos, principalmente quando envolvem a família. Ele é um admirável sogro.
– Não sei o que seria de mim sem o meu pai. O legado dele é irretocável. – elogiou o homem. – Crianças, subam! O vovô já está chegando.
Ah, como o tempo transcorre rapidamente. O misterioso amanhã vem a nós apressado, deixando um demasiado acúmulo de ontens. Dias transformados em memórias, às vezes vivas, muitas vezes vagas. Entre as extremidades da balança do passado e do futuro está o hoje, sempre fugaz. Ah, como o tempo transcorre rapidamente.
A FÁBRICA DO EXTERMÍNIO
"Vejo uma enorme caldeira fundindo o metal bruto e o transformando em matéria-prima industrializável. O calor insuportável remete ao inferno. A fumaça tóxica foge incondicionalmente ao céu acinzentado, despachada pela extensa chaminé de alvenaria. O metal derretido em chamas é então conduzido a outros recipientes de menor porte, por meio de calhas posicionadas em declive, fazendo lembrar estreitos riachos escaldantes.
No galpão anexo, menos insalubre, a matéria recém-processada é recepcionada sem ressalvas. Dali, ainda sem a presença de mãos humanas, a substância pastosa despeja-se mecanicamente em incontáveis fôrmas igualmente metálicas, objetivando oferecer ao produto final a aparência desejada. Os moldes possuem variados tamanhos e configurações.
Após o resfriamento da pasta ferrosa, o instrumento confeccionado no curso do ciclo de produção transfigura-se numa estrutura rígida composta de uma base contendo um espaço vazio no seu centro. Na fase de montagem, essa base é conectada a um cilindro oco e a uma empunhadura, formando um característico objeto com o feitio da letra L.
Milhares desses objetos saem dos fornos e das esteiras deslizantes a cada dia, de maneira ininterrupta.
Os fugazes transeuntes de chumbo desses cilindros vazados, ao invés de medidos por circunferências e diâmetros, são identificados por calibres.
Instrumentos de ataque e defesa cujos projéteis das munições possuem normalmente trinta e dois ou trinta e oito centésimos de polegada.
Aqueles amplos galpões localizados nos confins da metrópole abrigam uma tradicional indústria. Uma fábrica de armamentos leves. Revólveres de diversas variedades, compostos de canos, tambores, gatilhos, guarda-matos, cães e alças de mira. Pistolas mostrando conjuntos de armações, carregadores, câmaras, alavancas de desmonte, ferrolhos e molas de recuperação. Armas de tecnologia arcaica, porém altamente funcionais, montadas por gabaritadas equipes de profissionais especializados.
Mais do que a manufatura de simples armas de fogo, ali se destrói o futuro. O futuro de muitas vidas que serão ceifadas, sonhos que serão roubados e famílias potencialmente destruídas. Ali funciona a fábrica do extermínio.
As autoridades deveriam limitar ou mesmo proibir a fabricação de armamentos. Atualmente produz-se de modo indiscriminado. Além disso, o uso de armas de fogo deveria ser restrito apenas às polícias e às forças armadas. Não há cabimento em os civis adquirirem perigosas armas da forma como o fazem. Faz-se necessário um controle mais rigoroso. As estatísticas demonstram o aumento do número de mortes ocasionadas pelas armas desse tipo. Bandidos que matam pais de família. Pais de família que assassinam outros pais de família inocentes, transformando-se em bandidos. Até quando suportaremos tamanha desfaçatez humanitária?"
A HORA SAGRADA
O homem octogenário encontrava-se sentado em sua poltrona reclinável preferida, feita de couro legítimo, importada da França. A revista semanal segurada por ele foi jogada longe, atingindo não intencionalmente o rosto de Judas Iscariotes, que confabulava distraído ao lado direito de Jesus Cristo no transcurso da Última Ceia. A valiosa tela impressionava tanto quanto um belo espelho de cristal montado na parede da suntuosa sala de jantar.
– Jornalista miserável! Quem autorizou a entrada desse crápula na minha fábrica?!
– Ele penetrou sem autorização, disfarçado de operário. Essa reportagem é um acinte à sua história, à sua trajetória de sucesso! – discursou o braço-direito e assessor pleno Plinius Serejo, em franca solidariedade ao velho.
– Eu exijo uma apuração dessa ocorrência! Você é um incompetente, Plinius!
– Eu?! Incompetente? Mas, senhor...
– Além de incompetente você é surdo! Mande reforçar imediatamente a segurança no interior da fábrica. Aquele jornalista irresponsável pagará caro por isso. Fábrica do extermínio, era só o que me faltava! – reclamou o idoso, irritado.
– Tudo bem, patrão. – respondeu o servidor, mantendo a cabeça baixa e fazendo anotações num caderno de pequenas dimensões.
– Mantenha a calma! – pediu a esposa do empresário. – O doutor Norman já lhe falou dos seus problemas cardiovasculares. Controle-se, por favor.
– Fábrica do extermínio... – resmungou novamente o homem. – Eu emprego centenas de pessoas na minha indústria, sou um verdadeiro pai para elas! A comida das suas mesas sai das esteiras da minha fábrica. Eu garanto o estudo dos filhos deles. Eu sou o maior contribuinte tributário deste município, um dos maiores do estado! Os elevados impostos que pago estão nas ruas, pontes e na rede de esgoto. O que esses bastardos jornalistas querem mais? Eles almejam subtrair o meu sangue?!
O idoso de cabelos brancos respondia pelo pomposo nome de Hermes Adolpho Riggi. Ele era o acionista principal da próspera indústria Riggi, líder continental na fabricação de armamentos leves.
A tradicional empresa fora fundada pelo seu pai, senhor Hermenegildo Riggi, falecido havia trinta anos. O patriarca da família transitara durante muitas décadas pelo mundo político, tendo acumulado inúmeros mandatos consecutivos por diversas legislaturas. O duradouro convívio dentro dos gabinetes oficiais o auxiliou sobremaneira no seu propósito de se firmar no mundo empresarial.
Os interesses público e privado sempre convergiram de modo recíproco, pois os governos e a empresa frequentemente conversavam a mesma língua.
Contratos milionários para o fornecimento de material bélico às polícias e forças armadas foram assinados às escuras. Vantagens e acertos obscuros discutidos sorrateiramente na calada da noite, tendo apenas a presença de insetos repugnantes como álibis. Muitas licitações foram vencidas pela empresa à espreita da legalidade, resultando em vultosos negócios escusos.
O portentoso império Riggi resultara construído à margem da licitude, não se constituindo exceção à regra envolvendo relacionamentos duvidosos daquela espécie.
Hermes Adolpho Riggi buscava a todo custo esconder parte do passado idealizado pelo seu genitor. Não que acumulasse vergonha ou desprezo. Nos meios sociais fazia questão de frisar que seu pai fora um magnífico empreendedor, respeitável sob todos os aspectos. Era comum jactanciar-se frente aos outros.
Ele ressaltava que o negócio da família nascera dentro dos padrões da ética e dos bons costumes. Mais do que aço, essas miras e gatilhos estão impregnadas do nosso suor
, dizia ele. O senhor Hermenegildo era um exemplo para o filho mais velho, sob todos os aspectos.
A barriga saliente escondia-se por debaixo da camisa de marca famosa, normalmente exibindo cores escuras. O relógio amarelo de ouro maciço adereçado ao pulso demonstrava um gosto peculiar pelas coisas invulgares. Ele se levantou da poltrona francesa mediante o apoio de uma bengala e caminhou vagarosamente à mesa retangular de doze lugares, sentando-se na extremidade situada próxima ao piano negro. O mesmo lugar de sempre, seu recanto preferido na principal mesa da sala. A vista da porta corrediça de vidro transparente oferecia a imagem da piscina externa, de onde seus netos brincavam alegremente.
– Por que as crianças não tomam café conosco?
– Não se preocupe com eles. O Ananias já lhes serviu lanche na beira da piscina. – respondeu a esposa, dona Stella Riggi, referindo-se a um dos empregados da mansão.
– Meu pai sempre me ensinou que as refeições devem ser compartilhadas em família. Da próxima vez quero os garotos junto à mesa. – ordenou o chefe da casa. – Onde estão Pedro e