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Contos Fora Da Minha Pele
Contos Fora Da Minha Pele
Contos Fora Da Minha Pele
E-book139 páginas2 horas

Contos Fora Da Minha Pele

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Sobre este e-book

Tudo era silêncio, agonia e solidão, me restava apenas folhas em branco, caneta e a literatura como cura do mal sem remédio de viver. Somos muitos e tantos que nos perdemos entre labirintos folgados entre o que somos, o que pensamos ser e o que queremos ser. Esses contos vão apresentar ao leitor esta lacuna angustiante e até engraçada, para quem tiver coragem, de uma sorte de Sibila, a deusa grega que pede a Apolo a vida eterna e esquece de pedir a juventude eterna, envelheceu de consciência e a figura putrefacta e eterna só pedia para morrer. Havia em mim um eu Sibila que envelheceu sem morrer e escrever estes contos o matou. É de cunho psicológico e agonia, personagens que não se encontram mais em seus papeis em que o fatalismo do dia-à-dia nos impõe como os cabelos brancos e as dores no joelho. O joelho de existir por vezes não dobra e a articulação de viver trava, há quem procure ajuda profissional, eu procuro o papel, meu psicanalista, parafraseando Hemingway. A pós-modernidade criou modelos e modas de viver, auto-ajuda que serve para tudo, mas não funciona para nada pois a vida não é reta e os caminhos são tão originais quanto digitais, vesti muito ternos que nunca me couberam e estes contos me trouxeram o dorso insuportável da liberdade, livrei-me dos meus eus que não me eram funcionais e não passavam de caricaturas menores do que podia ser. Texto bom é aquele que faz o espirito sangrar, cada um deles me deu uma hemorragia e ao passo que me renovava com um sangue mais rubro, mais vivo, mais tesudo pela vida e seus sabores, odores, dessabores, dores e gozos bebia da liberdade. Já que a vida não tem sentido real, nascemos perdidos, não sabemos para onde vamos e morremos, e estas são as únicas verdades dogmáticas da existência, todo resto são firulas de aliviar dor, paracetamol e morfina existencial, cabe a cada ser um mergulho profundo na sua piscina vazia de se encontrar, se aceitar, se receber e se perdoar; inventar a vida, não aquele que havia sonhado, mas a que mais lhe apraz. Não aceite modelos de viver, são apenas marketing de comportamento que não enxuga suas lágrimas na solidão, nem alivia sua dor da consciência de ser um intérprete de si mesmo. Quando comecei este livro tudo era silêncio e agonia, terminei e era o fim de Hamlet: “Tudo é silêncio”. Ao fim vi todos os ternos que vesti na estrada da vida e ficou o profundo orgulho ser apenas esta figura insignificante, putrefante, e muito satisfeita do resultado dessa miscelânea de línguas, países, culturas, livros, amores, mulheres, coxas e perfumes, sobrou apenas o que deu para ser e o que sobrou era melhor do que todas as pretensões que havia sonhado e interpretado para mim. Detesto gente bem resolvida, gente sem conflito invariavelmente é mentirosa, quero-as longe de mim e de seres bonzinhos fujo com fobia; não sou modelo, nem molde, sou eu e ser eu é uma das, se não, a maior conquista de uma vida. Contos Fora da Minha Pele para os que tem coragem!
IdiomaPortuguês
Data de lançamento10 de jun. de 2015
Contos Fora Da Minha Pele

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    Contos Fora Da Minha Pele - Edu França

    O Existencialista

    A ENTREVISTA DA TRAGÉDIA (Ou a virtude do cinismo na pós-modernidade)

    O Doutor iria se aposentar depois de 40 anos de reinado empresarial, acumulava fortuna invejável, adquirida nos seus domínios de bancos e empresas de comunicação. Empresário de mídia e avesso às aparições públicas, mas jamais esquecido pelo imprensa, que não passava um dia sem citar seu nome de modo pejorativo como personificação do mal. Em especial a jornalista Medeiros, que se dedicava a escrever longas páginas sobre as atividades comerciais do Doutor, com acusações e denúncias, mas uma insistência tão ferrenha que ele a convidou para dar sua última entrevista à frente do grupo.

    O escritório do Doutor era revestido de mármore, sóbrio, funcional e luxuoso sem ser fresco, muito amplo e visão panorâmica sobre a cidade, luzes claras sem agressividade e ele rodava sua caneta Mont Blanc, vestia uma camisa de botão branca, barba bem feita, um jeans e um tênis, até onde se sabe nunca usou um terno ou gravata.

    _ Seja bem vinda, sente-se por favor! Vou pedir café e água, deseja mais alguma coisa?

    _ Não, obrigada. - a jornalista estava intimidada por aquela figura ainda jovial para seus 65 anos e mais intimidada ainda pelo luxo, que tem esse poder sobre os menos habituados. Beberam seus cafés, ela tensa, ele analítico.

    _ Como a senhora pretende fazer a entrevista?

    _Gostaria de agradecer por ter me convidado em exclusividade, agradecer sua gentileza comigo. Pretendo gravar e editar depois, mas mando ante para sua aprovação, aliás já estou gravando! Poderia saber porquê de ter me chamado se não pedi a entrevista e sou, talvez, sua maior crítica?

    _ É minha maior crítica sim, mas nunca foi desonesta. Chamei exatamente por causa de sua fidelidade ao desamor, ao asco, à ojeriza por mim. Os outros foram incoerentes a longo da minha vida, elogiaram, praguejaram e até caluniaram, todos fizeram este ciclo repetitivo, menos a senhora, que sempre nutriu um combate odioso contra mim e contra aquilo que eu represento. Há em mim algo que é seu, a senhora não me combate, tem obsessão por mim. - o Doutor tinha um tom muito sereno e olhar muito firme, falava a Medeiros com a ternura de um pai.

    _ Não é pessoal, meu combate é àquilo que o senhor representa. Não leve pelo lado pessoal, eu sou comprometida com a verdade e nada mais…

    _ A senhora é o que Sartre chamava de náusea, alguém que está muito convencido do papel que disseram que ele representa. Só há uma verdade, vamos morrer. Todo resto são fabulações, conjecturas e falácias, fato concreto é a morte seja para mim seja para senhora!

    _ Doutor, o senhor tem noção da tragédia que dissemina nesta nação?

    _ Que nação, a sua ou a minha?

    _ Só há uma!

    _ Não! Minha nação são meus filhos, minha mulher, meus familiares (e nem todos) e meus funcionários. Minha nação vai muito bem, obrigado: meus filhos foram bem formados, me deram netos lindos, noras e genros que foram integrados às empresas, meus funcionários recebem entre 50 e 60% acima do piso nacional além de regalias como plano de previdência privada, plano de saúde. Já a sua eu não sei, nem me interessa, nunca me interessou. Não se ofenda, mas a senhora faz parte de uma geração que quer um mundo melhor, não come carne, abraça árvore, luta via facebook pelas baleias da Zâmbia e contra o fim da fome na África, faz sexo oral e escova os dentes, e no fundo não consegue constituir uma família harmônica, nem dormir sem crises de choro e calmantes. É a náusea sartriana, essa representação do papel que a sociedade dá a qualquer, quer no oco da reflexão só lhe cabe interpretar a si mesmo de forma caricaturada. Tragédia? A senhora sabe a tragédia que representa para uma outra jornalista que está desempregada e gostaria do seu lugar? Não, senhora nunca pensou nisso, ninguém pensa e pelo mesmo princípio eu não penso em quem perdeu dinheiro para eu poder ganhar. Tragédia vem da palavra grega ‘trago’, que quer dizer bode…

    _ E?

    _ Ansiedade cruel, calma! A palavra se formou em analogia ao bode que era sacrificado em adoração ao deus Dionísio, ser trágico é estar nalgum momento no lugar do bode prestes a ser morto. Por este princípio a tragédia é nascer. Todo esforço da literatura e e da filosofia provar que o mal nunca vence. Mentira, desde sempre o mal sempre triunfou. O problema é que os conceitos mudam com o sopro do vento, há 70 anos nos EUA um homossexual era a representação do mau e era cassado à morte, hoje fazem plano privado em banco de biotecnologia para comprar um filho, o qual escolherão a cor dos olhos e da pele, que será gerado numa mulher de aluguel e tem até representação parlamentar para isso. Eu fico com meu conceito do bom e mau.

    _ Esse seu egoísmo não lhe fere? E o senhor fala muito em filosofia para um empresário…

    _ Quer bem administrar? Estude filosofia, todo resto é técnica burocrática que se aprende, mas lidar com o ser humano não se aprende em cada esquina, nem é para qualquer um. O dinheiro está sempre na posse de um ser humano, você precisa passar por ele primeiro. Sobre o egoísmo, somos todos, vejamos pelo lado mais básico, há 200 mil anos fugíamos dos predadores para não sermos comidos, hoje para não passarmos fome e nisso: minha pele primeiro a do outro se ele for um cara legal!

    _ É por isso que o coletivo pode ser mais justo…

    _ O coletivo é uma piada, minha cara. Não existe coletivo, a não ser que haja a possibilidade de darem notícia de sua supostas ações em prol do outro, o homem só se une na miséria e me dê um exemplo de onde e quando o coletivo triunfou? A senhora tem uma inocência fértil, mas que já não cabe nos seus trinta e poucos anos…

    _ Seu cinismo é mortal!

    _ Esqueça toda idéia religiosa de paraíso, você nasce, cresce e sofre, sabe que vai morrer sem mais nem porquê, mas não sabe a data, o que sobra para além do cinismo? A pós-modernidade formou 3 tipos de indivíduos: o indiferente, o cínico e o modal! Eu sou cínico na medida que a senhora é modal o leitor do seu jornal é indiferente. Diante dessa tragédia nos resta sermos indiferentes, o anestesiado por excelência; o cínico como eu, que ainda faz sua própria vida acontecer; e o modal, que precisa de causas para se sentir mais puro, moralmente superior, mais espiritualizado, mais acima da média, não passa de um melancólico desesperado inconfessável, um egoísta que só se preocupa de fato com seu marketing pessoal.

    _ Eu vim pronta para arrancar sua pele, esperar sua recusa e lhe confrontar com fatos, mas me perdi. Confesso que tive vontade de lhe matar ao mesmo tempo de me compadecer com o humano que eu encontro, tudo ao mesmo tempo e neste momento. Eu não tenho mais condições de continuar essa entrevista…

    _ A senhora, dona Medeiros, está diante da tragédia de Aquiles. Ele teve dúvidas se deveria ir à campanha resgatar Helena ou ficar em Tróia e sua mãe lhe disse: ou a vida ou a glória! Ele escolheu a glória, se a senhora publicar a íntegra desse nosso papo encontrará a fama no seu meio, encontrará o reconhecimento dentro do seu micro espaço, porque outros empresários não lhe falarão, mas nessa sua causa modal a senhora será a maior de todas. Se editar de forma sóbria e moderada será mal vista no seu meio, mas abrirá portas em outras redações, alcançará até chefia nalgum jornal moderado ou conservador, pouca fama, mas uma vida estável e um sereno reconhecimento de quem poderá lhe proporcionar almoços mais fartos. Precisamos de segurança e liberdade para viver, ao longo da vida quando a segurança avança come a liberdade, quando a liberdade avança compromete a segurança, sempre. Hoje eu tenho a segurança que comprou minha liberdade, mas estou velho! É ou não para rir? Escolha dona Medeiros, ou glória ou vida, sabendo que ambos serão trágicos só pelo fato da senhora nunca saber como seria o caminho rejeitado. Escolha! - A jornalista levantou-se pronta a partir em desespero, não esperava que a conversa tomasse esse rumo tão profundo, seu coração pulsava com vigor e nem se despediu, quando tocou a maçaneta da porta o Doutor intercedeu: _ Lembre-se, o mal vence na mesma medida que o bem porque a vida não um conto de fadas da Disney!

    A entrevista nunca foi publicada, nem integral, nem parcialmente e vinte anos depois estava a jornalista flores no túmulo do Doutor com um bilhete que dizia assim:

    O senhor era o meu eu que dormia - O motorista interrompeu a cena e disse:

    Os acionistas de NY já estão na sala de reuniões, estamos atrasados, Doutora!

    EU ERA OUTRO

    Eu me acordei com o barulho de uma feira a céu aberto, aquele zum-zum-zum de gritos soltos, diálogos atropelados, conversas cruzadas, das quais eu não pesquei uma palavra, umazinha por misericórdia. Eu não entendia o idioma! Me levantei trôpego e me debrucei, estático, à janela da feira, estava num prédio de dez andares e por baixo havia senhoras de turbantes negros, senhores de sarongues paquistaneses e os árabes com suas tocas e eu só queria saber o que eu estava fazendo ali. Virei às costas e o quarto de casal não era o meu, ao contrário: móveis escuros e antigos não me encantavam, me soavam como parte de um antiquário; e eu amava a modernidade, mas algo me fez velho: uma fotografia de casamento, comigo muito moço e uma senhora bela, de aparência magrebe, lindíssima por sinal. Mas eu não sabia o que estava fazendo, ao menos eu sabia o que não estava fazendo: eu nunca casei com aquela mulher! Voltei à janela em busca de Recife, mas ao longe passava um trem azul, branco e vermelho e a estação tinha uma placa azul com o nome em branco: Sevran, logo abaixo assinalava a direção de Paris. Que danado tava eu fazendo no quarto de um estranho, casado com a mulher dos

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