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O Controle Jurídico Da Publicidade Ilícita
O Controle Jurídico Da Publicidade Ilícita
O Controle Jurídico Da Publicidade Ilícita
E-book568 páginas5 horas

O Controle Jurídico Da Publicidade Ilícita

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Sobre este e-book

A presente obra foi desenvolvida com o intuito de despertar a consciência do leitor quanto ao mundo audiovisual que o cerca, mais precisamente, quanto ao conteúdo das peças publicitárias que lhe chegam ao alcance, diariamente. Faz-se ncessária a análise crítica dessas mensagens e o seu controle no sentido de legalizar e moralizar a publicidade brasileira. Permeiam este trabalho diversos exemplos de campanhas publicitárias ilícitas, no Brasil e no mundo, bem como situações práticas em foram acionados o Ministério Público e/ou o Conselho Nacional de Auto Regulamentação Publicitária na defesa de direitos transindividuais da sociedade. A obra é bastante didática, começando pela capa, em que o símbolo nacional da publicidade- o galo - traz pendurado no pescoço a balança da justiça. Sugere-se, assim, que a publicidade, desde a sua gênese, antes mesmo de deixar o mundo das ideias para se tornar arte de persuasão, deve se pautar pelos contornos da lei. Sendo um livro de fácil e prazerosa leitura, sem dúvidas, vale a pena tê-lo em seu acervo literário!
IdiomaPortuguês
Data de lançamento31 de mar. de 2014
O Controle Jurídico Da Publicidade Ilícita

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    O Controle Jurídico Da Publicidade Ilícita - Michelle Barreto Passos

    DA PUBLICIDADE

    1.1. Conceito de Publicidade

    Os publicitários definem a publicidade de várias formas, não havendo um conceito padrão. Entretanto, Eugênio Malanga¹, professor universitário e escritor, traz um conceito suficientemente abrangente para a compreensão e alcance do termo: a Publicidade tem um objetivo comercial bem caracterizado. É definida como a arte de despertar no público o desejo de compra, levando-o à ação. É um conjunto de técnicas de ação coletiva, utilizadas no sentido de promover o lucro de uma atividade comercial, conquistando, aumentando ou mantendo clientes.

    1.2. Histórico da Publicidade no Brasil

    Ao se tratar sobre a história da publicidade no país, tem-se que levar em consideração todo o seu desenvolvimento, desde a carta promocional de Pero Vaz de Caminha até a era eletrônica, que a envolve nos dias de hoje.

    Deixando de lado a carta de Caminha, com seus aspectos publicitários, mas, por muito tempo, sem seguidores, a publicidade brasileira foi, por mais de três séculos, após o nosso descobrimento, quase exclusivamente oral, apenas com rastros de expressões escritas e desenhadas. Era um tempo basicamente de pregões, com arautos e ambulantes, época do quem quer comprar, quem vai querer, essência popular da mensagem de vendas².

    Esclarece Ricardo Ramos que, em 1808 surgiu o primeiro jornal brasileiro e nele a Gazeta do Rio de Janeiro, o primeiro tipo de anúncio, que veio a fundar a dinastia dos classificados, com anúncio de venda de casas, carruagem, escravos, serviços de professor e outros.

    Afirma esse autor que o campo publicitário se estendeu a partir de 1821 com o aparecimento de um novo jornal carioca, o Diário do Rio de Janeiro, que se apresentou como jornal de anúncios. Surgiram os cafés, livrarias, proliferaram os pasquins. Os classificados ganharam ilustração, cresceram no tamanho. A rima entrou, definitivamente, na propaganda brasileira através de famosos poetas como Casimiro de Abreu, Emílio de Menezes, Guimarães Passos etc, todos responsáveis por aumentar o nível dos anúncios. O público, em sua maioria analfabeto ou semi-alfabetizado, encontrava nas rimas ajuda para melhor guardar temas e anúncios e, nesse clima de paródias, rimas e sátiras, lançou-se a semente do que talvez mais distinga a publicidade brasileira das demais: sua irreverência.

    Na década de 20, as grandes empresas nacionais e internacionais se firmaram como clientes e as campanhas institucionais tornaram-se mais volumosas. Surgiu, nessa época, o Jeca Tatuzinho, escrito por Monteiro Lobato, para os Laboratórios Fontoura, criação responsável pela consolidação da marca no mercado³.

    A publicidade impressa cresceu com a multiplicação de jornais e revistas. Cartazes e painéis ao ar livre ganharam espaço, proliferando-se tanto quanto os Spots e Jingles, já familiares. Aos poucos, amadores começaram a fazer experiências com publicidade no rádio, o que acabou por alastrar-se. No final de 1930, havia mais de 21 emissoras em operação⁴.

    Nessa época constata-se um grande requinte na criação, com textos bem elaborados pela agência, sendo interpretados pelos mais qualificados locutores das emissoras. Era realizado o patrocínio exclusivo de alguns programas e não era admitido colocar publicidade de produtos concorrentes nos intervalos dos mesmos.

    Nota-se que a televisão, instalada no país em setembro de 1950, através da TV Tupi de São Paulo⁵, não causou, de imediato, impacto sobre o vigoroso rádio dos anos 50.

    A televisão se apropriou de todo o talento que existia no rádio: o diretor, o produtor, o artista e o técnico; pessoal que, já habituado a enfrentar e dominar sua platéia, transplantou-se para a televisão. A solução foi simples: rádio com imagem, programação ao vivo, esquema que durante muito tempo cumpriu seu papel de entretenimento. Em poucos anos, a novela, a notícia, o teatro, o circo e a transmissão esportiva já eram dominados pela telinha.

    Houve uma série de fatos importantes nesses primórdios da televisão, quase todos sem registros significativos. O importante é frisar o longo caminho percorrido nesses 50 anos de vida da televisão brasileira. Partindo de improvisações e adaptações, a publicidade nesse meio evoluiu rapidamente. Surgiram os planejamentos de mídia, estudos de hábitos, retornos, público-alvo, patrocínios, entre outros. Cada vez mais se fala em maximização de resultados da verba empregada em publicidade, de maneira que hoje, os canais de televisão, traçando perfil especializado de sua audiência, conseguem produzir uma publicidade dirigida que atinge de forma mais eficiente o seu público padrão.

    A Publicidade atingiu todas as formas de mídia: cinema, rádio, TV, revista, jornal, outdoor, painéis, e, atualmente abarcou a Internet, de modo que o consumidor é diariamente bombardeado por uma série de anúncios em correio eletrônico, spams, etc.

    Enfim, foram gastos quinhentos anos em lentos e cumulativos compassos, desde a propaganda oral, passando pela impressa, radiofônica, televisiva, até os dias de hoje, em que se romperam as barreiras mais imprevisíveis da comunicação, antecipando o terceiro milênio.

    A publicidade se superou na linguagem e na forma e, apesar de estar sempre se modernizando, não abriu mão de seus velhos truques e conceitos. Pelo contrário, é eclética e lança mão de todos os recursos. Sua premissa maior é vender, convencer, sugerir, não importam os meios. Superou-se, ultrapassou barreiras e se universalizou. Hoje, usa-se som, imagem e cada vez mais caminha-se para o uso dos cinco sentidos. Tudo com muita imaginação e criatividade. Por tudo isso, a publicidade tornou-se um dos mais importantes e eficazes meios de persuasão humana.

    1.3. A Publicidade e seus Elementos Persuasivos de Sedução

    1.3.1. A publicidade como argumento falacioso

    A linguagem natural⁶ é um rico instrumento de comunicação que serve para expressar os mais diversos tipos de sentimento e estabelecer as mais variadas formas de comunicação no dia-a-dia. Entretanto, por causa de sua riqueza, o idioma traz, em seu bojo, uma série de limitações que dificultam seu entendimento. Algumas das ambigüidades mais graves deste tipo de linguagem são: as limitações estruturais, as implicações emotivas e as falácias:

    Limitações estruturais: a teoria da comunicação revela o quanto é difícil a transmissão fiel de uma informação do emissor para o receptor. Inúmeros ruídos intervêm, afetando todos os ingredientes envolvidos no processo de comunicação.

    Implicações Emotivas: a linguagem natural expressa a vida, carregada de valorações, sentimentos e emoções, em que o mundo interior do indivíduo se manifesta. Assim, a linguagem não é objetiva, de forma que uma mensagem dificilmente é imparcial, causando muitas vezes dificuldade em se distinguir o que é real daquilo que foi transmitido intencionalmente pelo emissor.

    Falácias: representam a limitação lógica mais relevante da linguagem natural, sendo a falácia um argumento que parece psicologicamente persuasivo, mas que logicamente não é o correto. Na falácia a conclusão é aceita não pelo apoio dado à conclusão pelas premissas (inferência), mas devido à intervenção de fatores extra-lógicos que pressionam para que se aceite a conclusão.

    Por causa das influências peculiares que as implicações emotivas exercem na argumentação, costuma-se distinguir o argumento demonstrativo do argumento persuasivo⁷. O primeiro se caracteriza por uma exclusiva e rigorosa dimensão racional e visa a demonstrar algo. O segundo visa a construir a razoabilidade, através de um discurso processual que tenta persuadir alguém a fazer algo. O argumento persuasivo não tem como objetivo demonstrar o que é racional ou real, mas simplesmente convencer alguém a fazer algo, usando de qualquer ardil que julgue eficaz. Para conseguir este objetivo, recorre aos sofismas, sacrificando a verdade e a lógica.

    Sofisma é qualquer argumentação falaciosa, ilógica, capciosa, com aparência de verdade, que intencionalmente visa a iludir os outros.

    O sofisma não acontece por acaso. Manifesta uma intencionalidade viciada. Revela duas características fundamentais: a) a intenção, por parte de quem o elabora, de induzir seu ouvinte ao erro; b) o compromisso com o resultado, com o sucesso na ação, usando todo ardil retórico necessário, em detrimento da verdade.

    Aristóteles já condenava o sofisma como a forma mais desonesta de raciocinar: "A arte sofística é o simulacro da sabedoria sem a realidade. O sofista é aquele que faz comércio de uma sabedoria aparente, mas irreal⁸".

    A publicidade utiliza-se bastante dos sofismas, construindo um argumento persuasivo, quase nunca lógico ou objetivo. Apela aos sentimentos do receptor, através de uma mensagem carregada de símbolos. Convence-o não por uma linha de raciocínio lógico, mas sim através do apelo a uma série de fatores extra-lógicos: a autoridade de quem fala, o apelo ao povo, à piedade, à força, enfim, argumentos convincentes, mas nem sempre reais.

    Por toda a sua preocupação com a persuasão do espectador em detrimento da lógica, ou da realidade da mensagem, é que a publicidade é considerada um argumento falacioso.

    1.3.2. A publicidade como instrumento psicossocial

    A publicidade é uma tática mercadológica, um instrumento de vendas, rico em dimensões humanas e tecnológicas. Trabalha com arte, criatividade, raciocínio, moda, cultura, psicologia, tecnologia, enfim, um complicado composto de valores e manifestações da capacidade humana, com a função específica de persuadir o consumidor, funcionando ao nível da psicologia individual e ajudando a produzir no mesmo o esperado comportamento de compra.

    É oportuno afirmar que, por sua função persuasiva, a publicidade deixou de ser empírica e intuitiva para ser transformada em uma técnica mais eficiente e precisa, capaz de ser conhecida, controlada e sistematizada em métodos e princípios teóricos, tornando-se mais segura para os crescentes investimentos em comunicação. A publicidade explora conhecimentos, convicções, informações, despertando no consumidor toda uma sorte de sentimentos que o condicionam ao ato da compra.

    A autora Neuza Guareschi, em seu artigo "Comunicação e Psicanálise⁹", descreve os ensinamentos de Freud, segundo o qual, o ser humano passa, em sua vida, por três estágios de desenvolvimento, sendo eles o oral, o anal e o fálico:

    Na primeira fase do desenvolvimento, a oral, estabelecemos nossas primeiras relações com o mundo externo, através do nosso primeiro objeto de amor, geralmente a mãe. A boca é a primeira parte do corpo que podemos controlar, sendo que a maior parte da energia libidinal disponível é direcionada e focalizada nela. Parte dessa energia, devido a sensações prazerosas que introjetamos, permanece nesta zona do corpo até a vida adulta e são demonstradas através da manutenção de alguns hábitos que se tornam prazeres orais. Comer, chupar, mascar, fumar, morder, lamber, beijar são algumas expressões físicas que mostram esta gratificação oral. Na segunda fase, a anal, começamos a exercer um controle sobre o mundo externo, devido à aprendizagem das atividades esfincterianas que ocorrem neste período. A criança, nesta fase, entre 2 e 4 anos, presta uma atenção especial à micção e à evacuação. A obtenção desse controle fisiológico é ligada à percepção de que esse controle é uma nova fonte de prazer. Características adultas que estão associadas a essa fase são: ordem, parcimônia, obstinação, autoridade, extravagância e poder. Na terceira fase, a fálica, que se estende até aproximadamente os 6 anos, a criança descobre os órgãos genitais e o prazer de manipulá-los. O objeto de sua energia sexual passa a ser o pai para a menina e a mãe para o menino. Essa situação a que chamamos Complexo de Édipo, é que faz com que adquiramos uma identidade psicossexual. As características adultas que podem advir dessa fase são: competitividade, vulnerabilidade, instabilidade afetivossexual.

    Verifica-se que a publicidade atua sobre o inconsciente humano de forma que nele desperta os anseios mal desenvolvidos e mal superados dentro de uma daquelas fases, ou mesmo de todas. Assim, analisando de uma forma simplista a "Teoria de Freud", poderíamos afirmar, por exemplo, que uma criança que, a cada choro, recebe o peito da mãe para calar-se ou mesmo um bebê mal amamentado, poderia desenvolver, teoricamente, problemas em sua fase oral, tendendo, ao longo de sua vida, a solucionar suas dificuldades e ansiedades preenchendo a cavidade bucal, seja com alimentos, bebidas, cigarros, gomas de mascar, etc; enfim, essas pessoas seriam excelente público-alvo para anúncios desses tipos de produtos. Em suma, a publicidade deixa impressões e imagens não necessariamente conscientes, que se manifestam oportunamente, no momento da compra do produto. Age no inconsciente despertando desejos e reações que até então estavam latentes, hibernavam.

    Enfim, há uma série de doutrinas e correntes acerca do funcionamento da publicidade. Algumas coincidem, outras se contradizem. Prevalece, no entanto, a certeza de que a publicidade não é feita por acaso, num assombro de criatividade instantânea. Ela é pensada e repensada, seus efeitos são mais ou menos previstos de acordo com seu público-alvo previamente detalhado. Não é inocente, mas sim um instrumento regido por técnicas altivas e eficazes, com ferramentas incisivas, enfim, um forte instrumento de sedução e persuasão humana.

    1.4. A Publicidade como Ferramenta do Marketing

    Há muito tempo a publicidade deixou de ser um exercício de criação de redatores e diretores de arte talentosos. Perseguindo os fins práticos que lhe são inerentes, a publicidade faz parte de um complexo de atividades integradas de planejamento, conhecidas, em conjunto, como marketing.

    Segundo a American Marketing Association, "marketing é a execução de atividades de negócios que encaminham o fluxo de mercadorias e serviços do produtor aos consumidores finais, industriais e comerciais¹⁰".

    O marketing elege um objetivo de mercado, em função do qual são definidos: o produto, o preço, o modo de promoção e de comercialização. A publicidade vem depois, num conjunto de apoio, ao lado da promoção de vendas. E o seu papel principal é influenciar o comportamento do público visado. Integrada desse modo ao processo de marketing, ela é definida, pela American Marketing Association, como uma forma de comunicação persuasiva, destinada a obter uma resposta positiva, usualmente de compra, de um alvo de mercado pré-definido.

    Celso Japiassu¹¹, em seu texto intitulado Os Irmãos Siameses, comenta a respeito da importância do marketing e da publicidade nas relações de consumo:

    "O marketing de relacionamento" pretende simplesmente atingir o consumidor de forma direta, na sua própria individualidade, em seu próprio universo pessoal… Tornou-se cada vez mais necessária a habilidade de identificar novas tendências de consumo e desenvolver o mercado apresentando o produto certo, no momento certo, no lugar certo. A publicidade tornou-se elemento crucial do marketing mix, um item muito caro no investimento das marcas para preservar e ampliar sua participação num mercado superlotado".

    1.5. A Publicidade na Engrenagem Econômica

    A história da publicidade apresenta-se entrelaçada com o desenvolvimento da economia e, do ponto de vista da estratégia dos negócios, cumpriu um papel decisivo em favor da indústria, permitindo a transferência do poder dos vendedores para os fabricantes.

    As empresas, em geral, afirmam que fazem aquilo que o consumidor manda. A indústria apenas teria sensibilidade para auscultar as preferências do público e atendê-las, oferecendo os produtos aptos a satisfazerem seus desejos e necessidades.

    Entretanto, essa autonomia do consumidor é contestada por John Kenneth Galbraith¹², mostrando que, na verdade, ocorre o inverso: "o consumidor está substancialmente a serviço da empresa. Os seus desejos são moldados de acordo com os interesses da empresa, que para isso serve-se da publicidade e do merchandising".

    Um dos maiores teóricos da comunicação, Young, escreveu que a riqueza de um país não é somente determinada por seus recursos naturais o que, em última análise, determina a riqueza das nações é a liberação das energias do homem, mediante incentivos pelos quais ele considere desejável esforçar-se no estudo e no trabalho¹³. Nesse caso, a publicidade, por colocar perante o homem médio, incentivos específicos e concretos para a aquisição de melhores meios de vida, libera tais energias. Talvez seja por isso que pareça haver uma crescente correlação entre o volume de publicidade num país e uma alta produção per capita de riqueza.

    Entretanto, se por um lado a publicidade é capaz de erguer uma economia, baseada no trabalho incessante, como forma de obtenção de renda e consequente satisfação de desejos, por outro, deve-se levar em conta que tal incentivo gera a escravidão humana, visto que, cada vez mais as pessoas trabalham para aquisição de bens materiais, esquecendo-se das relações inter-pessoais, cultuando-se o poder, o sucesso, a beleza, o dinheiro, desvirtuando importantes valores humanos.

    Em análise crítica da situação, Renato Castelo Branco afirma: a classe média está cansada de ser provocada a consumir o que não necessita e os assalariados pobres estão exaustos de serem instados a comprar o que necessitam e não podem. Eis um dos maiores impulsos à criminalidade na sociedade atual, que fabrica o delito ao concentrar renda e, ao mesmo tempo, estimular o consumo impossível¹⁴.

    Pode-se afirmar, portanto, que a publicidade se torna uma espécie de engrenagem em que a economia realmente se movimenta, mas à custa da escravidão de muitos em benefício de poucos.

    1.5.1. Efeitos perversos da publicidade - necessidade de regulamentação

    Em que pese sua utilidade econômica, a publicidade também produz, como anteriormente citado, efeitos perversos, especialmente sobre legítimos interesses do público. Assim, além de promover produtos nocivos como o fumo e as bebidas alcóolicas, os vende e os anuncia indistintamente, inclusive para quem não pode comprá-los.

    A questão do leite materno infantil¹⁵, a título de ilustração, ficou como um marco na luta contra os desvios da publicidade. Várias empresas multinacionais sugeriam, especialmente em países de Terceiro Mundo, a substituição da amamentação materna pela mamadeira. Mexiam com a vaidade feminina e o conforto das mães. O leite em pó, que substituiria o aleitamento materno era mais caro e, sendo nutritivamente menos valioso, transformou-se em causa concorrente de desnutrição.

    Outra perversidade da lógica publicitária é que ela se transforma numa guerra de comunicação entre as marcas. As qualidades apregoadas a um produto formam uma imagem pública e, frequentemente, essa imagem acaba substituindo o próprio produto. Já não se consome o produto, mas o que ele representa. A imagem forjada do produto torna-se completamente onírica e a publicidade passa a representar uma mentira. Um produto tecnicamente melhor, mas com uma imagem mercadologicamente menos elaborada não prevalecerá, a menos que se corrompa, fazendo o mesmo jogo de arrebatamento da preferência pela persuasão irracional.

    1.6. A Publicidade e o conceito de Direito Transindividual

    A Constituição Federal de 1988 trouxe em seu texto um rol de princípios que visam à tutela de interesses individuais e coletivos. Assim, os direitos do consumidor figuram entre os direitos e garantias fundamentais bem como entre os princípios gerais da atividade econômica.

    A ideia, a princípio, é proteger o cidadão garantindo-lhe o pleno exercício de seus direitos fundamentais, seja a título individual ou coletivo e conter os abusos do poder econômico. Por isso a necessidade de uma tutela protetiva ampla, garantidora dos direitos dos consumidores em sua plenitude e ampliadora das possibilidades do acesso à justiça, seja em caráter individual ou coletivo.

    Com o escopo de ampliar a proteção dos interesses coletivos lato sensu, o CDC conceituou os interesses transindividuais como difusos, coletivos e individuais homogêneos. A Lei de Ação Civil Pública e a Lei da Ação Popular, em conjunto com o CDC, oferecem os elementos necessários para a proteção desses interesses.

    Pode-se conceituar transindividual como aquilo que transcende o indivíduo, que vai além da esfera individual do interesse existente. Assim, existe uma categoria intermediária de interesses que, embora não sejam propriamente estatais, são mais que meramente individuais, porque são compartilhados por grupos, classes ou categorias de pessoas.

    MAZZILLI em brilhante exposição sobre os interesses transindividuais¹⁶, discorre:

    No Brasil, a defesa dos interesses de grupos começou a ser sistematizada com o advento da Lei n. 7.347/85 – Lei da Ação Civil Pública (LACP), e, em seguida, com a Lei n. 8.078/90 – Código de Defesa do Consumidor (CDC), que distinguiu os interesses transindividuais em difusos, coletivos em sentido estrito, e individuais homogêneos.

    O CDC descreve que a defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente ou a título coletivo, e seu procedimento remete à Lei de Ação Civil Pública, aplicável à defesa em juízo dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas, individual ou coletivamente (art. 1o).

    Os interesses transindividuais são também conhecidos como interesses coletivos lato sensu, eis que compartilhados por uma coletividade ou grupos de pessoas que tenham em comum um direito gerado a partir do mesmo fato ou ato jurídico.

    A proteção do Estado a interesses transindividuais remonta aos tempos clássicos em Roma, quando a sociedade já tinha legitimidade para proteger a coisa pública. No sistema da common law, a Inglaterra é apontada como o berço dos dissídos coletivos, com a propositura de ações de classe (class actions) representativas, em que um grupo representava o interesse de todos os demais perante os Tribunais de Equidade. O instituto intensificou-se no direito norteamericano, com a publicação da Regra 48 e mais tarde da Regra 23, que serviu de inspiração para o modelo brasileiro de ações coletivas.

    No cenário jurídico pátrio, o processo coletivo ainda é incipiente. Sua incorporação se deu timidamente com o dissídio coletivo (introduzido pela Consolidação das Leis do Trabalho- 1943), a Lei de Ação Popular (1965) e a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (1981). Porém, somente com a Lei de Ação Civil Pública (1985) é que se iniciou, de forma efetiva, a defesa de direitos fundamentais metaindividuais, ou seja, aqueles em que há direito coletivo lesado ou ameaçado de lesão. A proteção foi reforçada com a promulgação da Carta Magna (CF/88) e a criação do Código de Defesa do Consumidor, em 1991, preservando-se não somente direitos difusos e coletivos, mas também direitos individuais homogêneos.

    Cite-se como objetivos principais do processo coletivo o de ampliar os beneficiários da decisão, o de promover a economia e a celeridade processual, o de garantir a razoável duração do processo (art. 5o, LXXVIII, CF), o de evitar julgamentos díspares sobre um mesmo objeto.

    1.6.1. Interesses difusos

    Dentre os interesses transindividuais descritos no parágrafo único do art. 81 do CDC, o primeiro arrolado refere-se aos direitos ou interesses difusos (art. 81, § único, I) como sendo os transindividuais de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato.

    Os interesses difusos caracterizam-se pela indivisibilidade do interesse (interesses de natureza indivisível), pelo grupo de indivíduos atingidos (pessoas indeterminadas) e a origem da lesão ou da ameaça de lesão a direito (ligadas por circunstâncias de um mesmo fato).

    A veiculação de publicidade enganosa ou abusiva (arts. 6o, IV e 37 do CDC), desrespeita direito difuso na medida em que a ilicitude, na maioria das vezes, atinge um número indeterminado de pessoas, sendo seus efeitos igualmente indetermináveis em relação aos espectadores como um todo. Afinal, não há como medir exatamente quais as pessoas atingidas por publicidade veiculada em canal aberto. Caso seja possível aferir quais os indivíduos expostos à mensagem e, dentre estes, quais sofreram algum tipo de lesão em decorrência da mesma, o interesse passa a ser individual homogêneo, em virtude da individualização das vítimas.

    Tanto a pessoa que somente assistiu à publicidade enganosa/ abusiva, quanto aquela que comprou o produto enganosamente descrito pelo anúncio, como todas as pessoas atingidas pelo vício ou fato do produto comprado em função da mensagem veiculada são considerados consumidores lesados e, portanto, detentores de uma pretensão jurídica, fruto de um interesse difuso (independentemente dos casos de direitos individuais homogêneos). Exatamente porque não se pode determinar até que ponto cada pessoa foi atingida pela publicidade ilícita abusiva, nem mesmo exatamente quem foi atingido e de que maneira específica isso ocorreu é que se chamam tais interesses de difusos.

    O parágrafo único do art. 2o do CDC, ampliando o conceito de consumidor, descreve como consumidor equiparado (Bystandard), e, portanto, detentor de direitos e interesses referentes às práticas abusivas ocorridas em relações de consumo, a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo. Em face de tal distinção, MAZZILLI¹⁷ cita como exemplo de detentores de interesses difusos os destinatários de publicidade, especialmente aquela divulgada nos veículos globais de comunicação (rádio, televisão, jornais, painéis publicitários em locais públicos etc.), pois a mera publicidade já cria deveres e direitos numa provável relação de consumo, seja quando tem caráter enganoso ou abusivo, seja quando promete condições que vinculam o proponente.

    Não descrito, no contexto acima, mas de suma importância para os dias atuais, estão as publicidades veiculadas na internet que bombardeiam os consumidores o tempo todo, independente de sua vontade. Assim, todas as pessoas usuárias da internet, não importando se proprietárias de um computador ou não, são atingidas pela publicidade digital. A grande gama de usuários da internet amplia a condição de grupos indeterminados atingidos pela eventual veiculação de mensagem publicitária ilícita na rede mundial de computadores.

    1.6.2. Interesses coletivos

    O CDC descreve como sendo interesses ou direitos coletivos stricto sensu (art. 81, § único, II) os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base.

    As características dos interesses coletivos levam em conta a indivisibilidade do interesse (interesses de natureza indivisível), pertencentes a um grupo determinado de indivíduos atingidos (categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária) e a origem da lesão ou da ameaça de lesão a direito (ligadas por uma relação jurídica base).

    Nos casos de interesses coletivos stricto sensu, a lesão ao grupo não decorrerá propriamente da relação fática subjacente, e sim, da própria relação jurídica viciada que une todo o grupo, como, por exemplo, um contrato de adesão que contenha cláusulas abusivas. O grupo de contratantes estará ligado por uma relação jurídica básica comum, sendo determinado o grupo e a relação jurídica, mas não o tamanho, a extensão da lesão sofrida por cada contratante individualmente.

    Para individualizar o dano ocorrido em face de um interesse coletivo stricto sensu pleiteado em juízo de forma coletiva, se faz necessária a respectiva liquidação da sentença, a ser pleiteada individualmente por cada um dos interessados que fizeram parte do pólo ativo do processo de conhecimento coletivo.

    1.6.3. Interesses individuais homogêneos

    Os interesses individuais homogêneos são assim entendidos aqueles decorrentes de origem comum (art. 81, § único, III). MAZZILLI¹⁸ diz que, para o CDC, interesses individuais homogêneos são aqueles de grupo, categoria ou classe de pessoas determinadas ou determináveis, que compartilhem prejuízos divisíveis, de origem comum, normalmente oriundos das mesmas circunstâncias de fato.

    Discute-se na doutrina se seria necessário para propor Ação Coletiva, em defesa de direitos individuais homogêneos, cumprir-se os três requisitos exigidos para a demanda coletiva do direito norteamericano (Regra 23-Class Actions). Tais requisitos seriam:

    1) superioridade da tutela coletiva sobre a individual;

    2) prevalência da questão comum sobre a individual;

    3) origem comum. Partilhamos do entendimento de que o único requisito necessário é o da origem comum, conforme disposto no Código de Defesa do Consumidor que trata especificamente desta ação (art. 81, §único, III).

    Interesses individuais homogêneos são, portanto, aqueles passíveis de individualização, mas decorrentes de uma origem comum. São direitos essencialmente individuais e acidentalmente coletivos, em razão de sua origem comum, que pode ser de fato ou de direito.

    Imagine-se, a título ilustrativo, uma publicidade enganosa, veiculada por vários dias na imprensa, de um produto nocivo à saúde, adquirido por vários consumidores, num largo espaço de tempo e em várias regiões do país. Tal publicidade será a origem comum do dano causado a todos e a cada um destes consumidores em particular.

    Outro exemplo é o de um consumidor que comprou um produto cuja publicidade descrevia erroneamente uma de suas qualidades ou omitia seus efeitos colaterais nocivos à saúde. Todos os

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