Péricles
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Autoajuda para você
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Péricles - Nossèe Loquepassa
PÉRICLES
(ou uma viagem dentro de si)
Nossèe Loquepassa
1ª Edição
2016
Péricles (ou uma viagem dentro de si)
PÉRICLES
(ou uma viagem dentro de si)
Nossèe Loquepassa
Florianópolis-SC
1ª Edição
2016
NOSSÈE LOQUEPASSA 2
Péricles (ou uma viagem dentro de si)
APRESENTAÇÃO
Esse livro é fruto do relato livre de um jovem estudante, que decidiu
fazer uma viagem no ano de 2010, pelo sul da América Latina, logo após
perder precocemente seu pai. Durante todo o percurso percorrido, entre os
países Brasil, Uruguay e Argentina, foi escrito em um diário feito de papéis
de pão, os causos da viagem. Nesses causos, estão inclusos os pensamentos
que lhe viam à mente, geralmente carregados de problemáticas confusas
acerca do existencialismo. Como promessa inicial, os escritos dessa obra
mantiveram-se fielmente iguais aos escritos do referido diário, inclusive no
linguajar utilizado. Mesmo o autor do diário não concordando com muitos
escritos passados alguns anos, a necessidade de manter íntegras as ideias e
vivências daquela época, se faz importante, pois é constituinte de alguma
maneira, daquilo que se tornou esse ser hoje. Considerando um possível
momento de surto existencial, a personagem e ator dessa jornada se perde
por diversas vezes da compreensão do que é, e de quem é realmente. Relata
momentos extra-sensoriais intrigantes e incompreensíveis ao primeiro
passo. Relata também, de forma cômica por vezes é verdade, as peripécias
de um quase adulto, mas ainda adolescente mimado, que sai em busca de
seus sonhos com a mochila nas costas, sem dinheiro no bolso e livre pela
estrada. Os relatos vão desde os lugares e pessoas que Péricles conheceu,
até a culinária de cada local, além dos fatos ocorridos aos olhos de um
mochileiro de primeira viagem. Esta primeira edição é caracterizada pela
rusticidade inerente ao autor do diário, desprovida pomposidade, não
remetendo importância mor à estética, e sim ao conteúdo escrito, não
normativo necessariamente.
Por fim, no entanto não menos importante nesta primeira edição,
levando em consideração a conjuntura política atual, pela qual minha terra
natal atravessa, Fora Temer!
Boa leitura!
NOSSÈE LOQUEPASSA 3
Péricles (ou uma viagem dentro de si)
Dedico esse livro aos presentes durante toda essa
jornada construtiva, que me ensinou muito daquilo
que acredito ser hoje. Em especial ao Carlitos,
Lázaro, Chapo, Natália, Libetad Catarina, Maicon, e
ao Maurí. Muitas caminhadas. Uma só alma, um só
amor.
NOSSÈE LOQUEPASSA 4
Péricles (ou uma viagem dentro de si)
Caminhar é preciso…
Era uma segunda feira fria e chuvosa. Aos chuviscos do Pantanal,
bairro neoboêmio da capital catarinense. Eu e Maquelelê caminhávamos
embriagados com a chuva pelas calçadas. A cidade já despertara entre
andorinhas arrevoantes e galos bicudos indo trabalhar. O caminhar
displicente entre bons amigos era o prenúncio de que o momento chegara.
Havia decidido há alguns meses já que viajaria. Não defini nem data, nem
local de partida e tampouco onde chegaria. Comprei um mochilão desses
bem resistentes, uma capa de chuva, e uma barraca. Ganhei um pote de mel,
um canivete e três pacotes de chás essenciais. Tinha na bagagem a certeza
que Descartes era um pífio ao pronunciar seu conceito de machine
animatae, e um fogareiro a gás portátil . Refleti por muito tempo sobre as
peripécias de Alexander Supertramp. Entre uma pausa e outra, para o gole e
para a prosa, um momento de silêncio pairou sobre nós. Dei um abraço em
Maquelelê, que me retribuiu então com outros tantos abraços. Deixei aquela
moto 150cc preta que nunca foi paga e nem tinha documentos com as
chaves no contato para Maquelelê. Fiquei com o restinho da cachaça e fui.
Assim! Como todos os nômades vão. Temporários ou perenes, eles
simplesmente e sempre vão.
Nunca em vão por certo.
*****
***
NOSSÈE LOQUEPASSA 5
Péricles (ou uma viagem dentro de si)
Eu já estou com o pé nessa estrada…
Consegui me despedir de quase todos. Alguns obviamente não teve
como. E outros eu não quis me despedir. Nada de ruim. Em todos os
momentos fazemos escolhas e não credito à elas serem certas ou erradas.
Cada momento tem seu veredicto e temos apenas milésimos de segundos
para pensar sobre, na grande maioria das vezes. Eu em alguns momentos,
por exemplo, me despi e não me despedi. E ele – meu ímpeto de viajar,
simplesmente não tinha arrumado nada. Mas sabia minuciosamente cada
artefato remanescente de suas doações e o que levaria. Somente o
necessário. Mesmo que o conceito de necessário se mostrasse totalmente
volátil em outros dias. Não dormi na última noite. E eu vi quem sou. Passei
meus momentos com os irmãos. Coxixi e Maquelelê foram muito
importantes na força para que meu eu tomasse a coragem necessária para
então sair de casa. E sai…
(Nossa Senhora do Desterro, SC, 20 de Setembro de 2010. Nublado.
Lua Crescente.)
*****
Depois de entulhar tudo o que queria dentro da mochila, olhei para o
quarto triplamente ocupado da moradia estudantil da UFSC. O Sol
começava a entrar por entre a janela do térreo. O Sol por entre as frestas da
janela com aquelas telinhas protetoras de insetos, iluminando o Mineiro,
que ali roncava em seu quinto sono. Parti sem muitas delongas e logo
embarquei no coletivo lotado das manhãs de pico. Indiferente ao mundo
pelo cansaço, passei sem perceber e sem ser percebido pela multidão no
terminal do centro, e também pela rodoviária. Tomei um bus cinza rumo ao
sul de Santa Catarina, para a praia desconhecida mais próxima.
NOSSÈE LOQUEPASSA 6
Péricles (ou uma viagem dentro de si)
***
Cheguei na Guarda do Embaú e almocei em um restaurante na vila.
Alcancei uma trilha que dava no morro, na encosta junto ao mar. Encontrei
um bom lugar, montei acampamento e adormeci ali perto do meio dia.
Quando acordei estava chovendo. A barraca certamente aguenta a água. Mas
rasgará em breve tenho certeza. O vento está muito forte e logo abaixo
verifico que o mar também não se apresenta com movimentos que melhores
amigos ofereceriam. Pela tarde tinha golfinhos no mar. Isso enquanto as
águas não se remexiam tanto quanto sapatilhas trinta e sete em noites de
forró. Já me encontrava em meio a escuridão no meio do mato. Aos poucos,
fui dando conta que comecei a fazer um de meus sonhos realidade. Na pura
verdade e sem demagogias, quantos sonhos tornamos realidade? Não falo
de coisas legais que conquistamos e dizemos para nós mesmo: poxa,
consegui! Digo sonhos mesmo. Aquele devaneio que dia ou outro você
expõe na roda de boteco ou de baseado, ou de boteco e baseado. Ou
algumas vezes em cochicho ao pé de ouvido daquele amor platônico.
Realizado por uma noite daquelas de mesa em mesa, de carreira em carreira,
onde finalmente você soltou a voz. Agora estou desprendido de tempo, de
casa e ou comunicação. Sou eu agora meu próprio tempo. Sentia a viagem
começando. A noite anterior ainda acalentava meu corpo. Eu poderia
simplesmente voltar e dizer que não iria mais viajar. Ou qualquer outra
coisa, só pelo meu conforto. Mas o desprendimento se fazia necessário e
meu ego que, ao que parece irá me acompanhar por parte da viagem, não
me deixaria voltar. Mesmo diante da noite pavorosa que estava se formando
ao leste junto ao mar.
(Guarda do Embaú, SC, madrugada de 21 de Setembro de 2010.
Chuvoso. Lua Crescente.)
*****
A noite acampado foi a noite mais pavorosa de que eu poderia
reclamar. Um pescador disse pela manhã, que os ventos chegaram a 80
quilômetros por hora. Isso dentro de uma barraca e em um costão à beira do
mar revoltoso, parece até a morte. Muitos raios caíram durante a noite. Para
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Péricles (ou uma viagem dentro de si)
alguém cheio de parafernálias e um medo infantil de choque, era assustador.
Ainda mais acampado sobre montanhas rochosas em campo aberto ao lado
do mar. Cheguei a pensar sobre a existência divina no auge do descontrole.
Ainda chove. E ainda estou no mesmo posto desde a hora do almoço. Não
sei. Mas a chuva agora veio em boa hora. Assim como o carisma e a
musicalidade brasileira. A chuva afastou da pista o cachorro que quase foi
atropelado bem na minha frente. Eu voltaria pra casa se acontecesse o
atropelamento. Não aconteceu. O carisma me tornou novamente homos
herectus. A musicalidade brasileira me colocou a andar somente para
colocar pés sobre pés. A carona é que não veio de maneira nenhuma. Sigo
caminhando neste momento pelo acostamento da BR 101. Enquanto não
chego em Imbituba, vou pensando sobre o kitsch. Esteticamente e
empiricamente tento desvendar meu kitsch. Pensei em livros. Pensei como
um livro sobre etimologia me ajudaria com o kitsch agora. Pensei nos livros.
Pensei como eles em estantes equivalem a um baú de lembranças no porão.
Nem percebi, quando já chegava em Imbituba. Esse rolê pode se comparar
agora, neste momento, a um chocolate derretendo na boca. Quanto mais
contínua a apreciação, mais a ênfase do sabor. Acabo de sentir-me alinhado
a um pássaro. Uma andorinha talvez. Nasci na cidade das andorinhas. Mas a
verdade é que estou agora na cidade de Tubarão. Agora cheira a poluição
industrial. Nada muito diferente da cidade das andorinhas pra falar bem a
verdade. Deve ser pelo fato de eu estar em uma região rodo modal. Não me
agrada muito a vegetação que cresce em meio aos escombros abandonados.
Em contraste, porém não muito distante do cinza sideral, são apenas
fúnebres arbustos. Minha primeira carona me trouxe até aqui. Foi breve e
me deixou em um posto. Decidi que vou tomar um ônibus até Porto Alegre
amanhã. Chove muito, mesmo que em trégua neste momento. E carona em
fim de tarde e com chuva é difícil. O irmão que me deu carona é firmeza,
porém já esqueci o nome dele. Acho que é muita pressão ter que lembrar o
nome de todas as pessoas que conhecemos. Nunca me esqueci de uma só
pessoa que conheci. Mas não me recordo do nome de quase todas. Recordo
das amadas pessoas que conheci no dia a dia com os aprendizados. Não sei
da qualidade de sistematizar nomes de A a Z quantitativamente em minha
memória encefálica. As pessoas que conheci estão caminhando comigo, a
cada momento, em cada ação minha. Sou feito dos outros em soma com eu
mesmo.
***
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Péricles (ou uma viagem dentro de si)
Acordei novamente pelos raios. Desta vez estou acolhido no chão de
um posto de gasolina na BR. Chorei muito esta noite, novamente. Pensei em
voltar. Mas não volto agora. Pela manhã, quem mandava a letra no rádio era
Zeca Baleiro. O tom esverdeado de minha caneta acompanha o verde do
ritmo que uso para colorir o céu pasmo sul catarinense deste dia. Dia muito
importante. Noite muito importante. Não por que dia e noite resolveram
encontrar-se nas mesmas medidas e proporções por um momento entre
trezentos e sessenta e quatro tantos outros agora diante de mim. Mas a
chegada da primavera deixa aflorar vida mesmo de dentro do mais cinza das
sementes e corações. Junto com a primavera, comecei a ler Zen e a Arte da
Manutenção de Motocicletas, de Robert M. Pirsig.
Cheguei de noite em Porto Alegre.
(Porto Alegre, RS, 22 de Setembro de 2010. Chuvoso.
Lua crescente para cheia.)
*****
O hotel rodoviário de Porto Alegre é um estilo predial clássico. Lembra
ares sombrios e militares. Edificado em um casarão desses estilo colonial
antigo. Aproveitei a parada para o descanso, e apliquei argila branca em
minhas rotas pernas. O osso lateral doía muito. Quando vi, o quarto já
estava tomado por uma poeira branca por todos os cantos. Não sei como
limpar essa bagunça. Acho que nunca tinha alugado um quarto de hotel na
vida. Será que preciso limpar? To cansado! O café da manhã – incluso nos
12 reais, tinha uma rodela de mortadela, meia fatia de queijo, manteiga, um
pão francês, um pão de forma, café – poderia designar " chafé ", e de
melhor: geleia de uva! Não, não era amido de milho modificado, com aroma
idêntico ou igual ao natural