Fernando Pessoa Por Alberto Caeiro
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Fernando Pessoa Por Alberto Caeiro - Claudionor Aparecido Ritondale
FERNANDO PESSOA
POR ALBERTO CAEIRO
Claudionor Aparecido Ritondale
FERNANDO PESSOA
POR ALBERTO CAEIRO
Claudionor Aparecido Ritondale
São Paulo
2012
Sumário
Introdução
9
1. NOÇÕES FUNDAMENTAIS
29
1.1. Movimentos literários principais que se desenvolveram
29
no período de vida de Fernando Pessoa.
1.2. Cronologia sumária da vida de Fernando Pessoa.
32
1.3. Conceituação de heteronímia, seu surgimento e
39
desdobramento na obra do poeta.
1.4. A projeção heteronímica na figura de Alberto Caeiro.
55
2. PROSPECTANDO A OBRA DE CAEIRO
71
2.1. A inserção do livro nas Ficções do interlúdio
.
71
2.2. As séries de poemas.
73
2.3. A poesia do complexo simples.
78
2.4. Os principais temas.
120
2.5. O filosofismo contraditório.
121
2.6. Os oxímoros dialéticos.
123
2.7. Campo, pastoreio e o diálogo com a cidade.
124
2.8. A ficção por trás das datas dos poemas.
125
2.9. O dialogismo com os heterônimos.
127
3. A POESIA DO MESTRE
131
3.1. Idealização de um princípio poético.
131
3.2. Por que Caeiro é o que introduz a importante questão da 150
heteronímia para Pessoa?
3.3. O mestre e os discípulos, inclusive o próprio Fernando
151
Pessoa.
3.4. A crítica ficcional dos heterônimos.
152
3.5. Autojustificativas e autocontemplações.
152
4. O COMPLEXO DO COMPLEXO
155
4.1. Dualidade: simples e complexo.
155
4.2. Criar dentro do criar.
157
4.3. Concepção do poeta magistral.
158
4.4. A aparência e a essência.
159
4.5. Sensorialismo e objetividade.
161
5. OS GÊNEROS POÉTICOS EM CAEIRO
165
5.1. Lirismo.
165
5.2. Sentido narrativo ou épico.
166
5.3. Dramatização.
167
5.4. Filosofismo.
168
5.5. A imbricação de gêneros.
169
5.6. A teorização de Pessoa e a obra de Caeiro.
170
6. AS MUITAS VERTENTES
175
6.1. Pensar e, ao mesmo tempo, sentir.
175
6.2. O um e o múltiplo.
176
6.3. Criar, teorizar, expressar-se.
179
6.4. Versos livres e brancos.
180
6.5. Realidade e metafísica.
181
6.6. Os efeitos dos confrontos.
182
7. APRENDER E APREENDER POESIA.
185
7.1. A concepção de Mestre e o legado.
185
7.2. Poesia mínima, não medíocre.
186
7.3. Elevação, ainda o eu sob fingimento.
187
7.4. Modernidade, modernismo e eternização.
188
7.5. Vertentes ficcionais e psicologismo.
188
7.6. Os muitos eus e os desafios do entendimento do ser
190
humano.
8. CONCLUSÕES
191
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
195
Livros
195
Periódico
197
APÊNDICE: Transcrição dos Poemas completos de Alberto Caeiro
199
Dados do autor
255
Pequena apresentação de meus livros publicados
259
INTRODUÇÃO
Em Portugal, no ano de 1915, um jovem escritor
lançou uma revista que ajudou a provocar uma das grandes
revoluções na literatura portuguesa. O jovem escritor era
Fernando Pessoa, a revista era Orpheu, o movimento
revolucionário era o Modernismo.
A revista já trouxe um dos mais destacados aspectos
da poesia de Fernando Pessoa, seus propalados
heterônimos.
A ideia de verificar alguns estudiosos de sua obra e
verificá-la por meio de um de suas criações de escritor, seus
heterônimos, é atraente porque pode revelar um pouco da
obra multifacetada do poeta e expor ao público leitor as
várias personas incorporadas à figura muito criativa de
Fernando Pessoa – para alguns, poeticamente, Pessoas
.
Ele foi, por assim dizer, além de um criador de
poemas, um criador de poetas. Sua responsabilidade na
difusão do Modernismo português é inegável.
Muito sobre sua vida e obra intrigam até hoje,
passados quase um século do lançamento da revista Orpheu.
9
Muitas são as perguntas que surgem sobre o autor,
como o contexto histórico em que viveu, sua história de
vida e o que o fez ser tão especial para a cultura portuguesa
a ponto de influenciar a literatura da época e a dos dias
atuais. Assim, desperta-se o interesse pela pesquisa, em
busca de possíveis respostas para tais questionamentos.
Propusemo-nos
a
buscar
um
início
de
desvendamento de uma das personagens criadas por
Fernando Pessoa, o poeta Alberto Caeiro da Silva.
Para começar a entender esse autor e essa sua
particularidade criativa – os heterônimos –, na figura do
talvez mais importante de seus heterônimos, temos que
considerar, em primeiro plano, que a literatura é uma área
abrangente, seio acolhedor de diversos estudos, e que cada
fato histórico é portador de particularidades, as quais, no
contexto histórico, constroem diariamente um futuro,
expresso nas linhas e entrelinhas dos diversos autores.
Portanto, para iniciarmos o desvendamento de aspectos da
criação de um autor, temos que procurar entender o
momento histórico em que ele viveu, algumas de suas ideias,
até mesmo um pouco de sua trajetória de vida.
10
A questão persistente é: Por que estudar Fernando
Pessoa, especialmente por um de seus heterônimos?" Para
respondê-la, observemos Massaud Moisés (2003:288):
Fernando Pessoa é dos casos mais complexos e
estranhos, senão único dentro da Literatura
Portuguesa, tão fortemente perturbador que
só o futuro virá a compreendê-lo e julgá-lo
como merece.
Tentaremos, com este trabalho, mostrar a inserção
de um grande autor num movimento também instigante, o
Modernismo. Para compreender esse complexo autor, é
necessário conhecer a heteronímia. Ancorados em textos
críticos, históricos e biográficos relativos ao poeta e sua
produção, reconhecemos na heteronímia uma das grandes
forças criativas do poeta, aquela que mais tem despertado o
interesse dos pesquisadores e certamente a mais instigante.
Para o próprio poeta, mostrava-se desafiadora, porque ele,
em várias cartas a escritores e críticos, procurou explicar a
gênese dessa forma de criar, bem como justificá-la até do
ponto de vista psiquiátrico, como se fosse algum tipo de
11
desvio de comportamento ou personalidade, no nível
mesmo da anormalidade emocional.
Na complexidade da obra de Fernando Pessoa há um
mapa que ele mesmo determinou, a partir da própria
escolha dele direcionada a Alberto Caeiro, quando o
considerou seu mestre, inclusive do próprio poeta
ortônimo, o Fernando Pessoa, ele mesmo, também como de
todos os demais heterônimos. Então, o fato de delimitarmos
nosso objeto de estudo em Alberto Caeiro explica-se
porque o próprio Fernando Pessoa considerava-o o mestre
dele e dos demais heterônimos, um como que mestre dos
mestres de sua poesia. Desvendar alguns dos aspectos
dessa personagem é o maior dos interesses deste trabalho ,
que julgamos poder constituir-se numa introdução à crítica
aos heterônimos todos de Pessoa.
O praticamente único integrante do corpus será
inevitavelmente o livro que comporá a parte – digamos –
prática
do estudo, ou seja, o livro Poemas completos de
Alberto Caeiro. A edição escolhida foi a da editora Aguilar, do
Rio de Janeiro, que faz a coletânea em volume único da Obra
Poética de Fernando Pessoa, publicada em 1977 (sétima
12
edição). O volume separa didaticamente toda a complexa
obra poética do poeta português e propõe a reunião de
poemas por semelhanças no desenvolvimento. Assim, a
produção dos três principais (e mais conhecidos)
heterônimos – Alberto Caeiro, Álvaro de Campos e Ricardo
Reis –, mais um quarto, igualmente expressivo (Coelho
Pacheco), compõe, no livro da Aguilar, uma parte expressiva
intitulada Ficções do Interlúdio
, nome que o próprio
Fernando Pessoa manifestara intenção de ver publicado
para a reunião da produção da poesia de seus heterônimos,
em carta endereçada a João Gaspar Simões, em 28 de julho
de 1932, da qual selecionamos o trecho que menciona tal
título (PESSOA, 1977:753):
Não sei se alguma vez lhe disse que os
heterônimos (segundo a última intenção que
formei a respeito deles) devem ser por mim
publicados sob o meu próprio nome (já é
tarde, e, portanto, absurdo, para o disfarce
absoluto). Formarão uma série intitulada
Ficções do Interlúdio, ou outra coisa qualquer
que de melhor me ocorra. Assim, o título do
13
primeiro volume seria, pouco mais ou menos
Fernando Pessoa – Ficções do Interlúdio – I.
Poemas Completos de Alberto Caeiro (1889-
1915). E os seguintes do mesmo modo,
incluindo um, curioso mas muito difícil de
escrever, que contém o debate estético entre
mim, o Ricardo Reis e o Álvaro de Campos, e
talvez, ainda, outros heterônimos, pois ainda
há um ou outro (incluindo um astrólogo) por
aparecer.
Fixamo-nos no primeiro dos volumes que seriam
publicados por Fernando Pessoa nas Ficções do Interlúdio
,
porque o próprio poeta o reconheceu como o seu ponto de
partida na produção dos principais heterônimos. Caeiro é o
mestre e daria início à coletânea, na própria lógica traçada
por Fernando Pessoa, que, como se vê na carta acima a João
Gaspar Simões, reconhece o disfarce que ele propõe com a
composição
de
heterônimos,
assumidos
como
desdobramentos complexos dele mesmo.
A intenção não é um grande aprofundamento, pois
fugiríamos muito da proposta de compor um trabalho de
14
pesquisa inicial sobre o livro. Apenas delinearemos temas
relevantes e verificaremos a trajetória desse heterônimo na
produção de Pessoa, ou ao menos o que o próprio autor
projetou para o texto de Caeiro em sua múltipla produção.
Na vasta galeria de personagens que compõem a
heteronímia, biógrafos chegam a contar de 127 a 207
heterônimos diferentes, dependendo do critério usado.
Mesmo que conseguíssemos o imenso esforço de
individualização de todos eles, não seria compatível ilustrá-
los, tampouco apenas comentá-los, em um curto trabalho
como é este. Optamos, então, pela fixação no livro de um dos
principais heterônimos, assim considerado pelo próprio
Pessoa e tido como o seu mestre. Na edição da Aguilar, a
coletânea Ficções do Interlúdio
recebeu uma nota
preliminar, que é a transcrição de apontamentos soltos e
sem data não assinados de autoria de Fernando Pessoa e que
foram publicados pela primeira vez pela própria editora
Aguilar, na primeira edição da Obra poética, em 1969. O
interesse dessa nota preliminar é a comparação que o
próprio Pessoa faz de alguns de seus heterônimos, nos quais
inclui o que considera não um heterônimo (em outra carta a
15
J. Gaspar Simões), mas uma personalidade literária:
Bernardo Soares. No final da nota, ele dá a sua versão dos
heterônimos (PESSOA: 1977:199):
Por qualquer motivo temperamental que
não proponho analisar, nem importa que
analise, construí dentro de mim várias
personagens distintas entre si e de mim,
personagens essas a que atribuí poemas vários
que não são como eu, nos meus sentimentos e
ideias, os escreveria.
Assim têm estes poemas de Caeiro, os de
Ricardo Reis e os de Álvaro de Campos que ser
considerados. Não há que buscar em quaisquer
deles ideias ou sentimentos meus, pois muitos
deles exprimem ideias que não aceito,
sentimentos que nunca tive. Há simplesmente
que os ler como estão, que é alias como se deve
ler.
Para a análise de Alberto Caeiro, o final dessa nota
preliminar (PESSOA, 1977:199) é esclarecedor:
16
Um exemplo: Escrevi, com sobressalto e
repugnância, o poema oitavo do "Guardador de
Rebanhos", com a sua blasfêmia infantil e o seu
antiespiritualismo absoluto. Na minha pessoa
própria, e aparentemente real, com que vivo
social e objetivamente, nem uso da blasfêmia,
nem sou antiespiritualista. Alberto Caeiro,
porém, como eu o concebi, é assim: assim tem,
pois, ele que escrever, quer eu queira, quer
não, quer eu pense como ele ou não. Negar-me
o direito de fazer isto seria o mesmo que negar
a Shakespeare o direito de dar expressão à
alma de Lady Macbeth. Se assim é das
personagens fictícias de um drama, é
igualmente lícito das personagens fictícias sem
drama, pois que é lícito porque elas são
fictícias e não porque estão num drama.
Parece escusado explicar uma cousa de si
tão simples e intuitivamente compreensível.
Sucede, porém, que a estupidez humana é
grande, e a bondade humana não é notável.
17
O Guardador de Rebanhos
é a primeira série de
poemas do livro de Alberto Caeiro. A comparação com
Shakespeare demonstra que os heterônimos são
personagens, mas há a distinção com as personagens de
uma peça de teatro ou de um romance, novela ou conto,
porque, em Pessoa, elas são criações poéticas, são poetas
criados a partir de sua imaginação, com debates conduzidos
ficcionalmente entre elas e o próprio Pessoa, ele também se
autocriando. A complexidade é maior e envolve um sentido
metalinguístico.
A seguir, na edição escolhida, há um apontamento
sem data, escrito pelo heterônimo Ricardo Reis, sobre
Caeiro – é uma análise heteronímica, digamos. Ela é pela
organizadora
(Maria
Aliete
Galhoz)
muito
apropriadamente como introdução aos poemas.
A própria introdução, que é esse apontamento solto
de Ricardo Reis, diz que os poemas são aparentemente
simples, mas, após análise cuidadosa, apresentam-se
complexos. Reis atribui a eles a condição de filosóficos,
embora o próprio texto de Caeiro diga que não vê filosofia
em nada. A curiosidade da introdução é justamente a crítica
18
concebida ficcionalmente, ou seja, um heterônimo
analisando outro.
A crítica de Reis é erudita e mostra certa intimidade
dele com Caeiro, inclusive com a menção indireta de que
eram amigos. O ficcionismo intermitente de Pessoa já se
mostra claro e de maneira complexa nessa passagem. É
oportuna sua inserção antes dos poemas de Caeiro para já
apresentar a heteronímia como um dos alicerces da criação
de Pessoa, mesmo concebida em termos da autoanálise que
fazia de sua obra, algo que não era unívoco, mas plural, sob
vários aspectos, e, principalmente, ficcional.
Após três séries de poemas, na edição da Aguilar,
segue-se um posfácio com o título "Notas para a recordação
do meu Mestre Caeiro", que tem a assinatura de Álvaro de
Campos. A observação ao rodapé dá conta de que foram
notas publicadas pela primeira vez na revista Presença, em
janeiro-fevereiro de 1931. Fernando Pessoa já se
notabilizara pelos seus heterônimos, fazendo uso deles em
críticas assinadas em revistas para que colaborava. Nesse
universo complexo de fingimento, tais apontamentos finais,
19
no posfácio, são também reveladores da complexidade do
livro.
Concluímos, preliminarmente, desta exposição que a
organização do livro com os poemas completos de Caeiro,
como proposta pela Aguilar, favorece amplamente um
entendimento mais próximo da complexidade que esse
heterônimo apresenta. Portanto, decidimos optar por ela, a
fim de que pudéssemos nos aproximar de uma visão a
partir da complexa veia ficcional de Fernando Pessoa com
relação a seus heterônimos e ao que possivelmente tenha
sido seu principal e mais complexo heterônimo: Alberto
Caeiro.
Como objetivo geral, o presente trabalho visa dar
uma contribuição (ainda que pequena) à crítica literária e ao
estudo de obras poéticas de autores marcantes do
Modernismo; e, como objetivo específico, visa apresentar, na
medida do possível, alguns elementos constituidores de um
dos principais livros de Fernando Pessoa, concebido para
um de seus principais heterônimos. Não avançaremos sobre
as Ficções do Interlúdio
em sua totalidade, porque, apesar
de ser apenas uma pequena parte da imensa produção de
20
Fernando Pessoa, é ainda uma pequena parte de sua
complexa criação e nosso trabalho extrapolaria os limites
pensados para nossa abordagem, que procurará direcionar -
se apenas para o