Kalls
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Kalls - Diego Lincoln
KALLS
ASAS DE ANJO
Só existem duas formas de se tornar um imortal;
Através da Espada ou das Palavras.
Este livro é dedicado a uma pessoa muito importante que
trouxe um novo sentido a minha tola, pobre, doce e mera
mortalidade; normalidade do ser; do compreender o
humano e questionar o divino. E mesmo com todo este
poder em minhas mãos concentrado no querer; sei que
sou uma pessoa muito difícil e sem qualquer controle que
seja sofre minhas emoções e ações quando algo de errado
acontece, oscilando sempre do herói ao vilão ao menor
toque do acaso. Seu apoio incondicional em todos os
momentos fez-me ser o homem que sou hoje; acreditando
e incentivando todas as minhas loucuras, algumas vezes
insanidades; confesso. Desafios e decisões nesta busca
pelo conhecimento que não termina nunca, em toda a
extensão do sempre; na eternidade do amor, do nosso
amor.
Vocês sabem que Jesus é justo; reconheçam, pois,
todo aquele que pratica a justiça nasceu de Deus.
João, 2:29
PRÓLOGO
"Aqui você pode gritar o quando quiser; por
mais alto que seja. Não importa, não mais; por que, nem
mesmo o meu Deus muito menos os seus Demônios
escutarão as suas súplicas e seus apelos de dor e medo —
suspirei profundamente em um breve pausar em meus
pensamentos mais sombrios e profanos; sentia meus olhos
queimarem por dentro e um gosto amargo do sangue dele que
aflorava cada vez mais em meus lábios; queria ainda mais;
mordia meus lábios incontrolavelmente enquanto me
desabafava a ele — e quanto a esta aliança que enterrei em
sua boca e estes brinquedos; nada mais são, do que um
ínfimo presente da mulher que tanto sofreu em suas
malditas mãos e deste tal Costa; aquela que eu amei tanto
um dia e que você — meus dentes rangeram, senti todo o odor
dos pecados dele — tirou tudo dela. Sua paz, o brilho de
seus olhos, suas verdades, seus sonhos; sua inocência tão
pura e límpida; sua honra; seu futuro, seu passado e seu
presente; e até mesmo a sua vitalidade, sua dignidade; seu
miserável".
KALLS Capítulo I
O VIAJANTE
Á MAIS DE UM SÉCULO EU
venho escondendo a verdade de mim
Hmesmo. Protegendo-me do mundo ou
protegendo o mundo do que realmente sou; em
secreto. Lutando contra a imortalidade que me
foi postulada a muito como um dom celestial e
que sempre me proporcionou ao mesmo tempo,
uma dor constante revelada pela lágrima de
outrem. Uma maldição terrível que década após
década, geração após geração, vem destruindo e
consumindo lentamente todo o resto de
humanidade que ainda coexiste dentro de mim
em uma batalha sem tréguas, sem fim;
caminhando silenciosamente pelas areias nas
terras das sombras do caos; percorrendo os
limites mais estreitos que separam o mundo dos
vivos daquele que já és dos mortos.
Sempre sozinho; perdido. Jogado,
esquecido e entregue à própria sorte;
completamente abandonado neste mundo ainda
desconhecido nas eras a fio que ainda virão ou
as que já se foram.
Isolado de tudo aquilo que a mim, era
mais importante e de todos que realmente
amava; pois assim, eu sempre fui mais forte. Eu
sempre fui aquilo que eu precisava; que eu tinha
que ser. Que era necessário ser aonde quer que
seja. E para ser bem sincero, não me importo,
não mais e talvez, deveras; jamais tenha me
importado; pois nunca foi necessário que eu me
importasse na verdade mais absoluta do todo
que me cerca, de tudo que aconteceu em mim ou
ainda acontecerás, perpetuando-se nos meus
pensamentos mais sombrios que nem mesmo eu,
seria capaz de contê-los ou controla-los por um
único segundo que fosse por elas ou por ela.
Jamais parei para pensar em como
seria viver para sempre; tão cômico e tão
trágico em um só ato; o de ter a minha própria
imortalidade; tão cobiçada e desejada por tantos
em todo este tempo desta falsa história, fadada
em conquistas que jamais aconteceram em nome
do humano, evidenciando apenas e somente,
destruição, devastação e degradação por tudo
aquilo que ainda nos é divido e santo; profano.
Tão pouco e de forma alguma, ainda
não menos importante claro; os que foram ou
quais seriam os reais motivos de uma certeza
cega e muda, a de que eu jamais morreria e por
todo o sempre mataria tantos e tantos na
incapacidade de se quer, saber quantos se
formam por estas mesmas mãos que agora,
escrevem calmamente, silenciosamente. Pois no
fundo mais profundo do meu ser sobrenatural e
predador, sempre soube que as portas dos céus
jamais se abririam para mim; principalmente
após ter tomado a mais difícil, dolorosa e
importante decisão de toda a minha vangloriosa
existência.
Estava predestinado a isto; era
inevitável; sempre foi por mais que eu negasse a
mim mesmo. Tinha que ser assim, precisa ser
assim. E toda aquela dor sufocante de vê-la
partir e não ter tido a menor chance de me
juntar a ela em nosso leito de morte; um elo que
foi selado por um destino cruel que a nós, foi
negado sem misericórdia alguma pelos Deuses
em um jogo insano, cruel e letal.
Eu não tive escolha, eu jamais tive
escolha, sempre foi tudo ou nada para mim. Era
viver pela honra ou morrer na desonra da
injustiça que me cercava por todos os lados, por
onde quer que eu olhasse, por onde quer que eu
caminhasse; ela estava ali, estática, imóvel e
certa como sempre. Eu precisava, eu tinha que
voltar das profundezas do inferno sem se quer
imaginar ou prever, as reais consequências que
me acompanhariam impregnadas na alma como
um fantasma por todo o sempre; no peso
cognitivo da cruz que seria obrigado a carregar
silenciosamente em minha longa caminhada
pelas vielas da destruição mais sagrada; da
perdição mais profetizada entre as linhas sem
fim dos pergaminhos que me antecediam.
Por que quando se desafia a morte
ou se tenta; e se consegue assim, ludibriar o
próprio destino e consequentemente, o próprio
Deus de todas as coisas; tem que existir um
preço para isto. E às vezes, somente às vezes, o
preço a ser pago, é alto demais para um mero
mortal como eu fui um dia; há tantas décadas
que já se foram subitamente, que já nem me
lembro mais do que significa a mortalidade, a
normalidade; de como deve ser prazeroso ter
limites, sentir medo e simplesmente chorar. Ter
lágrimas quentes para se emocionar e assim,
viver. Me sentir vivo por mais alguns segundos
que fosse; sentir o perfume de uma só lágrima a
percorrer suavemente as nuances deixadas pelo
tempo na face da mais bela existência do ter; do
humano em querer e do contraditório do ser.
Estava cego e só conseguir pensar
em sangue e mais sangue. Encontrava-me
imerso em uma sede incontrolável na certeza da
justiça que jamais seria praticada e aplicada a
aqueles que a tiram de mim; totalmente
entregue a uma vingança tamanha e tão
poderosa que não podia ser contida por
ninguém, nem mesmo pelo criador de todas as
coisas, era sempre mais forte do que eu podia
conter ou suportar. Então, apenas fiz o que
tinha que ser feito; embora fosse perceptível
também, que algo monstruosamente grande
estava prestes a me acontecer naquela época, tão
rápido como um simples piscar de olhos e
totalmente fora de controle; não fui se quer
capaz de prever que o meu próprio sangue seria
derramado e que me deitaria sobre ele a poucos
metros de onde estava naquele momento e que
aquele maldito caminho era perigoso de mais
para mim e para ela; principalmente para ela. E
muito menos, que não teria volta.
A busca da verdade a qualquer
preço, a prática da honestidade impensada e
infundada da glória que se encontra na honra e
na sabedoria. Poético ou não, eu não queria
morrer, não podia morrer, não ali e eu sabia
disto. Simplesmente não a deixaria entregue à
sua própria sorte, nas mãos daqueles animais
fétidos, miseráveis e infelizes. E se foi certo ou
errado o que fiz, quem é que pode se quer julgar
o que eu me tornei, foi em nome dela e por ela,
faria tudo de novo se preciso fosse, ao menor
toque do acaso; e isto, eu juro a mim e ao que
me é mais sagrado.
Sou capaz de sentir o cheiro da
morte em todos os lugares, em todos os cantos e
em todas as direções. Por onde quer que eu vá,
para mais longe que seja; não importa, não
posso fugir dela, me esconder dela ou a ignorar,
por mais que este seja o maior desejo. Tão
pouco e subitamente, me atirar em seus braços e
resfolgar-me, deliciar-me neles; nos braços de
uma morte que jamais chegarás; não para mim.
Apenas descansar e ter um pouco de paz, de
tranquilidade e de silêncio; se é que isto existe
ainda, ou existiu algum dia, silêncio.
É meu fado e por mais que eu tente,
não posso morrer; POR QUE EU SOU UM
VAMPIRO e tenho sede de sangue daqueles
que matam, oprimem, anunciam a dor, trazem o
medo ou buscam o sofrimento de outrem. Um
anjo com grandes asas alvinegras que proclama
a morte em sua mais pura essência e está; é a
minha história. .
LIVRO UM
Depois que Ketllin se foi, ou Kallena
já nem mais sei, a inexistência do vazio do ser e
o gosto amargo do passado me consomem; o
futuro e o presente se misturam cotidianamente
e já não é mais possível distinguir o que é
realidade ou insanidade; separando assim, a
imaginação da fantasia, nos mais profundos e
secretos pensamentos que se vão e se apagam
lentamente, e assim, o tempo se transforma em
uma variável inconstante, inconsequente,
instável e amedrontadora para mim. É como se
já tivesse vivido esta maldita vida e mesmo
assim se quer estar vivo.
Tudo passa instintivamente a ser
nada e se vai bem a minha frente. E apesar de
tudo que me aconteceu, que nos aconteceu de
forma tão clara e límpida em minhas
lembranças, vívidas, só consigo, por mais que
tente; definir com precisão que ao final, tudo
sempre esteve conectado ao maldito número
Onze
e que eu a perdi por tantas vezes que se
tornou insuportável a simples ideias, de estar
sem ela neste mundo incompleto, impuro; e por
isto, por ela, eu desafie o próprio Deus em seu
nome e fiz coisas inimagináveis para salvá-la e a
salvei.
E isto; é o que realmente define a
história de quem somos, e separa todos aqueles
que vencem daqueles que perdem em todos os
tempos do mais sagrado ao mais profano.
E desta forma incompleta, concluo o
que nunca fui capaz de entender ou de
simplesmente compreender com perfeição;
revelando-me uma verdade simplória e
grandiosa, incontestável e intocada pelo tempo
que nos une e nos isola; ou pelo espaço que nos
envolve e nos separa; a de que não existe
salvação para os quais não têm se quer, limites
ou fronteiras.
Eu rasquei uma das páginas de seu
diário quando ela se foi há muitas décadas à
frente ou atrás, e é tão belo, poético, é dramático
e imperfeito, pois a trago comigo em memória
por todos os dias; um sofrimento perpétuo que
não para nunca, não acaba, não passa, não
termina; uma ferida que não cicatriza; aquela
que jamais poderá ser esquecida, que nem
mesmo o tempo poderá se quer amenizar e de
modo algum, apagar.
Eu ainda tenho em meus lábios, o
toque caliente dos dela e o gosto do amor que
juntos, nossos corpos exalavam; e por mais
longe que ela esteja agora, a trago tão próxima
de mim que posso tocá-la neste exato momento.
E para isto, me basta o simples ato
de fechar meus olhos e a buscar em minhas
lembranças mais profundas.
"Querido diário, hoje é dia 11 e vai ser
diferente, tem que ser. Nada em minha vida foi real,
eu estava dormindo o tempo todo, apenas sonhando
um sonho ruim e um dia eu vou acordar, sei que vou,
preciso acordar. . e neste dia, eu vou sorrir, será um
sorriso incontestável, capaz de convencer até o padre
daquela igrejinha que eu adoro e durante 61 anos
me confessei diariamente, mesmo sem ter cometido
pecado algum. Um sorriso que vai dizer a todos: eu
estou bem, obrigada. Sim, eu estou muito bem, estou
feliz e contente, eu estou bem.
Não serei mais aquela garotinha triste
de cabelos brancos que viu a morte deitada em sua
cama esta noite e que quase, por muito pouco, teve seu
corpo violentado e sua alma arrancada um dia. Há
muito tempo que já nem sei mais quando, eu acho.
Eu vou recomeçar, vou ser uma nova pessoa, ter uma
nova vida, e não vou ficar sem ele por que ele vai
voltar de novo, ele não pode; mas ele vai, eu sei, eu
sinto, por que ele não vai envelhecer, eu sei que não,
nunca envelhecerá enquanto eu, por outro lado, não
consigo se quer escrever direito com toda esta
tremedeira que me acompanha agora.
Eu não vou mais chorar, já não tenho
mais lágrimas e é o único jeito de conseguir seguir
em frente, de partir sem ele, e isto também é
inevitável, eu não queria mais eu sei que é.
Eu não vou chegar ao final deste dia e
eu tenho certeza disto, não sei como, mas eu tenho, eu
sinto muito meu amor, eu sinto muito. .
E não deveria ter sido assim; eu queria
ter envelhecido ao lado dele e não foi isto que
realmente aconteceu, não entendo, nunca foi normal
com ele. Mas eu o amo tanto, eu sempre o amei e
amarei tanto que o tempo jamais conseguirá
envelhecer este sentimento que trago comigo trancado
a sete chaves aqui dentro de mim; nas profundezas
intocadas de minha alma e que me fez tão feliz,
inesquecivelmente feliz com ele, ao lado dele. . meu
salvador e sempre protetor.
Mas eu também sei que foi eterno
enquanto durou e que eu queria mais, sempre mais e
mais e passou tão rápido que nem mesmo vi o tempo
sempre cruel que me envelhecia, dia após dia. Não
consigo mais, não posso mais, tenho que o deixar ir.
Seguir em frente sem mim, e isto é inevitável eu sei.
Agora eu sei.."
Eu não deveria ter voltado para ela,
para nosso sagrado lar, mesmo que longe de
tudo e de todos, jamais foi justo, nunca foi certo,
podia e deveria ter evitado todo aquele
sofrimento, aquele olhar de despedida e o cheiro
de morte eminente no ar, imperfeita.
Eu sabia e conhecia o risco, mas
retoricamente eu não tinha escolha, eu jamais
terei escolha. Não deixaria que ela passasse por
tudo aquilo sozinha, desprotegida, entregue ao
seu acaso; tudo o que estava escrito em seu
destino precisava ser alterado, tinha que ser
modificado de uma forma ou de outra e esta era
a minha verdade, era tudo pelo que eu lutava.
No entanto, se foi uma assertiva ou
não, jamais vou saber e a única certeza que
tenho e terei em toda a minha jornada pelo
tempo dentro do espaço que nos completa e nos
aflige, é que eu faria tudo de novo se preciso
fosse, sem dúvida alguma, sem nenhum
arrependimento, sem se quer hesitar, simples
assim. Eu faria tudo de novo por ela.
Um dia, em uma tarde chuvosa e fria
no vazio da descoberta, a tanto perdida e quase
a mim esquecida, alguém me questionou sobre a
existência de um Deus único, guardião do bem e
da paz, habitante do céu e protetor de todos nós.
Até hoje, por mais que eu pense, não consigo
definir uma resposta exata para esta questão
milenar que conflita intensamente com todo o
meu conhecimento, fé e sabedoria; na qual em
muitas das vezes, tento no imaginário próprio
localizar este tal Deus, mas ao olhar fixamente
nos olhos de uma criança que tem fome, sede e
frio, constatando que a ela só se destina
abandono, solidão, desesperança e ausência de
qualquer crença que seja; não consigo ver um
Deus justo e soberano zelando por todos nós,
nem a face de um Cristo que morreu na cruz
para salvar a criança que ali estaticamente se
encontra, para ser o alimento dela e o sol que a
aquece e a conforta.
Mas, por outro lado, nunca me senti
completamente só nos longos caminhos que por
mim foram percorridos arduamente; e talvez
esta seja a pergunta imaculada, sagrada de
todos os tempos e em todas as eras. O que
realmente é Deus
e o que é Homem
?. .
Pois, em todas as culturas, desde os
sumérios, esta resposta vem sendo destorcida e
infinitas vezes repetida erroneamente. Assim,
acredito que nem mesmos os próprios Deuses
saberiam responde-la com exatidão; nem mesmo
eles sabem o que realmente nós somos, o que
nos tornamos ou se somos qualquer coisa que
seja a mais do que uma quimera, um pequenino
grão de areia vagando pela imensidão do
deserto que um dia, tanta vida abrigou e agora,
apenas morte e mais morte.
KETLLIN
Eu havia acabado de me mudar para
Arraial do Cabo, uma cidade litorânea, pequena,
tranquila e acolhedora nos dias de inverno,
localizada na Região dos Lagos, interior do Rio
de Janeiro. E para ser honesta, havíamos de
certa forma, nos cansado de tanta violência na
Cidade Maravilhosa e Adan achava mais seguro
me afastar o máximo possível de sua área de
atuação militar. Estava muito orgulhosa dele,
pois havia sido o primeiro de sua turma no
curso para oficiais da Polícia Militar Carioca, e
apesar de não fazer muitos comentários
referentes ao seu trabalho, nos últimos dias ele
estava diferente, um pouco distante, tenso e
bastante preocupado quando se referia
principalmente a uma determinada "Operação
Pelicano" na qual estava empenhado. Mesmo
sem entender absolutamente nada referente a
este termo cognitivo ou o que ele realmente
fazia na polícia, me esforçava ao máximo para
apoiá-lo da melhor maneira possível; com
carinho, respeito, entrega, dedicação e uma
troca constante, o que posso claramente e com
maestria, definir como amor
, em sua mais pura
essência e sincronia universal. Eu ainda estava
me acostumando a ficar longe dos meus pais,
amigos e familiares, o que não era muito difícil
naquele pedacinho mágico e acolhedor do
paraíso ao qual estava entregue de corpo,
mente, coração e alma.
A praia era maravilhosa, podia
caminhar livremente pela areia, sem medo,
receio e totalmente sem destino, completamente
perdida. Pegar um pequeno barquinho e
navegar por longas horas na imensidão do mar
azul, descobrindo e me redescobrindo em todas
as formas conhecidas e imagináveis. Cada dia,
por mais insignificante que fosse eu me
aproximava ainda mais da felicidade em sua
forma original, perfeita e intocável pela
humanidade insana e cruel, capitalizada pelo
consumismo excessivo e destrutivo a qualquer
preço; desprovido de qualquer razão que seja e
sem limites algum. Pois as pessoas não têm
mais honra e caminham sem leis em um sistema
que os corrompem ainda mais.
Mas aqui, estou perto de mim
mesma e a sensação de ser livre
e de "estar
livre" é indescritível, não tem preço e não se
compara a nada que já imaginei ou sonhei em
viver um dia navegando por esta vida louca,
apaixonada, e intensamente frívola longe dele,
minha outra metade sustentada pela eternidade
de um beijo, de um toque, de uma palavra, de
um abraço, de um olhar;
E estar juntos, permanecer juntos; é
o que nos torna uma unidade única e indivisível,
inseparável na morte, no tempo ou na própria
realidade que nos cerca, nos envolve e nos
completa.
Aqui, o céu sempre límpido e na
maior parte dos dias, nos revela um azul celeste
constante e único; não existem nuvens ou
poluição e na maior parte do tempo, também
não chove. A temperatura é estável e permanece
próxima aos vinte e oito graus mesmo durante o
inverno e na primavera, é possível me banhar
nas águas deste mar maravilhoso que me
conforta e me amedronta em toda a sua
grandiosidade e apesar da praia ser pequenina,
eu sempre amei todos aqueles momentos em
que podia fazer parte de tudo aquilo, de estar
diretamente conectada à natureza, me
envolvendo e me apaixonando cada vez mais
por ela; a mãe e dona de todos nós e do pouco
que nos completa nas pequeninas coisas em
nossa existência.
E por ele, principalmente por ele —
esperava ansiosamente o relógio bater com
pontualidade britânica 17:12h, quando enfim,
ele retornava para o nosso lar aconchegante e
cada vez mais acolhedor. Arrumava toda a casa
com dedicação e todo o meu amor verdadeiro e
em doação e troca, para que nosso cantinho se
tornasse todos os dias, o melhor e mais seguro
lugar de todo o mundo para se viver, cuidando
sempre dos mínimos detalhes, que em muitas
das vezes, ele nem os percebe em decerto. Não
importo, não ligo, pois não faço isto por ele ou
por mim, faço pela entidade que nos
complementa e nos enriquece, dia após dia.
Ainda estávamos começando a viver
nossas vidas unificadas em um só destino, e por
este motivo, colocamos o nosso apartamento no
rio — um presente do meu pai, que não gostava
muito de ter me casado com um simples policial
pelo pouco que teria a me ofertar — à venda,
pois conversamos deliberadamente e decidimos
que juntos, ficaríamos ali por todo o sempre,
envelhecendo e cuidando um do outro, durante
todos os dias a nós concebidos por Deus com
sabedoria, paciência, respeito e plenitude.
E mesmo sendo ainda tão jovem,
tinha plena convicção que ele era o príncipe
encantado que habitava todos os meus sonhos,
cavalgando em um lindo Lippizzan alado com
grandes crinas reluzentes e sedutoras, em
minha direção para me tomar em seus braços
fortes e me obrigar a segui-lo por um caminho
totalmente desconhecido e em uma só direção
— que nos levava e nos empurrava diariamente
rumo à felicidade completa, nas menores e mais
simples coisas de toda a paixão que nos foi
ofertada dadamente, nos fazendo bailar com seus
belos cânticos harpeanos, imortais e divinos,
lembrando-me as nuvens em desenhos mágicos
por todo o céu no Jardim do Éden. E em toda
sua melodia, todos os dias ele chegava, tirava
sua roupa a deixando espalhada por todos os
cantos
da
casa,
entrava
quase
que
imperceptivelmente na cozinha onde estava
preparando a nossa refeição abençoada de cada
dia — um peixe sempre fresquinho que acabara
de ganhar na praia do senhor Feliciano, e uma
salada verde com camarão que ele adorava.
Abraçava-me com aqueles braços
fortes e grandes, acariciando o meu pescoço com
seu rosto sempre de barba feita, perfeita e com a
pele delicadamente perfumada — podia contar
quantos eram os fios de barba que nasciam com
suavidade em seu rosto depois de um dia inteiro
e cansativo de trabalho o que de algum modo,
me excitava no mais leve e profundo toque em
meu ser, em meu querer, o que arrepiava todos
os pelos do meu corpo, um de cada vez —
quando um som sereno e doce moldava algumas
lindas palavras, pronunciadas bem baixinho
próximo ao meu ouvido esquerdo — "eu te amo
por todo o sempre" — que incontrolavelmente,
fazia com que meu ombro direito se levantasse
encostando com suavidade em meu queixo e
mesmo me fazendo de difícil, sabia que já estava
totalmente envolvida pelos seus encantos. Eu
poderia viver aquele mesmo dia, daquela mesma
forma, mil anos se possível fosse, e jamais me
cansaria dele. Aqueles momentos, toda aquela
paz, a vontade incontrolável de me entregar ao
acaso nos braços daquele moço, carinhoso, um
dia desconhecido e no outro, descoberto e
tomado como propriedade minha; o simples ato
de amá-lo e me deixar ser amada
completamente e intensamente — ele podia
fazer de mim o que ele quisesse ou desejasse, eu
gostava. Eu queria, mesmo que em silêncio — e
tudo isto junto, formava e modelava o paraíso
com o qual sempre sonhei; proporcional ao
medo que me atormentava nas sombras de um
futuro inserto. Pois um amor tão grande assim
com o meu por ele e o dele por mim, não deveria
existir neste maldito planeta que alguns
chamam de Terra
e muitos denominam como
Inferno
, e eu sempre soube disto, temia por nós
dois a cada dia que se passava.
No entanto, eu tinha certeza apenas
de três coisas e morreria por elas se preciso
fosse. — A primeira e mais importante de todas,
sempre, dizia que ele era o homem de toda a
minha vida e eu seria capaz de fazer qualquer
coisa em nome da nossa felicidade e em prol do
nosso amor. Até mesmo brandir uma espada e
assim, começar uma guerra — A segunda; era
que eu estava perdidamente, completamente,
intensamente e incondicionalmente apaixona
por ele em toda a sua magnitude e perfeição; ele
era meu, apenas meu e de mais ninguém.
E a terceira, não menos importante
que as demais claro, revelava-me um medo
mortal de que tudo não se passasse de um sonho
se desfazendo como a neblina em uma manhã
fria ao tocar os primeiros raios de sol no
horizonte, me obrigando a um dia retornar a
uma realidade da qual ele não fizesse parte dela
e que toda a minha vida, se transformasse no
pior pesadelo de todos, com o qual sempre
convivi em silêncio, sozinha, correndo e perdida
em um beco escuro, sujo, fétido e com homens
tocando meu corpo de forma violenta, contra a
minha vontade; prisão sem grades, vida sem
vida, paixão sem desejo, amar sem o seu amor,
queijo sem goiabada, Romeu sem a sua Julieta,
destino sem o tempo; era assim que me sentia.
E quando a saudade era grande
demais, sufocante demais para mim, quando os
ponteiros do relógio cresciam e os minutos se
alargavam na vastidão da solidão, corria até a
praia e me atirava no mar para diminuir um
pouco aquele medo e desespero que consumia
toda a minha existência, predestinada a sofrer e
a morrer sem ele, sozinha e desprotegida.
Cada segundo ao lado dele era
importante demais para mim, principalmente
aos finais de semana, quando ele era todinho
meu, somente meu e de mais ninguém, me
pertencia. Passeávamos muito e ao seu lado,
conheci lugares maravilhosos, quase que
intocados pelo homem destruidor do seu
próprio lar. Eu era totalmente feliz até o dia que
ele me disse que iria ser transferido para outra
unidade e que os horários se apertariam um
pouco, o que me fez entender imediatamente,
que meu tempo ao lado dele seria cada vez
menor e mais singelo.
Mesmo assim, o apoiei e cuidei dele
com a mesma dedicação, carinho e atenção;
compreensão. Nem podia imaginar que aos
vinte anos seria uma mulher completamente
feliz e casada, agora; a Senhora Alcântara de
Melo e não mais aquela menininha acanhada e
tímida que um dia foi conhecida por Ketllin
Gomes de Sá. Tranquei minha matrícula no
sexto período de medicina para viver
completamente todo aquele sonho que era estar
ao lado dele, um jovem herdeiro de uma das
famílias mais tradicionais do Rio que decide se
formar e trabalhar na polícia para ajudar as
pessoas e tentar mudar o mundo, pelo menos,
um pedacinho dele. Eu sentia tanto orgulho
daquele menino que em meus braços se tornou
homem, invejava sua coragem e dedicação com
todos ao seu redor e sabia que todas as decisões
que já havia tomado e as quais ainda teria que
tomar em minha vida, estavam corretas e
seriam íntegras, de valor e com honra, desde
que ele fizesse parte de cada uma delas.
Eu tinha preparado um salmão com
batata inglesa ao molho branco e uma salada de
abacaxi com cenoura, manjericão e espinafre. Já
passava das onze horas da noite e ele ainda não
havia chegado. Estava usando uma camisola
rosa com rendas brancas — o que deixava parte
de meus seios descobertos quando uma das alças
caia do meu ombro, proposicionalmente, claro;
ele adorava e dizia que eu tinha os seios mais
lindos de todo o universo e que eu era a sua
Deusa do amor — Estava ansiosa para que a
porta se abrisse e em fim escutasse os passos
dele caminhando pela casa, percorrendo o chão
da sala solenemente; ele iria tirar o coturno
próximo ao sofá, ali mesmo o deixaria quase em
silêncio — fingia que não o escutava e
continuaria os meus afazeres.
Depois colocaria seus pés ainda de
meias sobre o tapete, tiraria o cinto e
delicadamente o colocaria sobre o sofá sem se
quer respirar direito para não fazer o mínimo
barulho que fosse pensando que assim, não seria
descoberto. Iria tirar sua arma, a travar e a
colocar atrás do porta retratos da mamãe,
depois tiraria o colete o deixando perto da porta
que dava acesso ao corredor, jogado ao chão
com sempre. Caminharia até o quarto e pegaria
seu chinelo e somente depois, viria até a cozinha
para me abraçar e me fazer à mulher mais feliz e
completa de todo o mundo.
Mas o tempo ia se passando
lentamente, e ele não chegava, estava ansiosa,
preocupada e um pouco nervosa, até mesmo
irritada com a sua demora.
Fui até a sala e liguei o televisor,
estava passando um documentário sobre
fenômenos da natureza
ou algo assim na
Discovery Channel. O vento forte anunciava
uma grande tempestade que vinha a leste,
fazendo com que a janela vibrasse um pouco,
produzindo assim, um som amedrontador e
aterrorizante quando se está sozinha em casa.
Comecei a pensar várias coisas que
não fazia sentido algum, não estava ligada
diretamente a nenhum pensamento concreto. Já
estava cansada e adormeci ali mesmo no sofá
por alguns minutos eu acho. Estava tendo um
sonho estranho, que não consigo se quer
lembrar plenamente; só sei que tinha um lugar
grande, escuro e com uma porta branca,
totalmente branca e com uma luz saindo de
dentro dela. E ao abrir a porta, havia um grande
buraco que me puxava para dentro dele
fortemente, com muita força, pressão, e quando
estava caindo naquele abismo negro, Adan me
segurou pelo braço, olhou em meus olhos e me
disse: — eu sempre vou amar você, aconteça o que
acontecer, eu estarei aqui —, acordei assustada e
com a camisola levemente molhada com o suor
que teimava em continuar escorrendo do meu
corpo e entre meus seios, mesmo após ter
retornado ao mundo dos acordados
.
Não vi aquilo como algum tipo de
pressagio — já estava acostumada a esperar
durante horas, até que ele chegasse do seu
trabalho em alguns dias, que agora, se tornavam
cada vez mais frequentes — Quando olhei no
relógio, ele marcava exatamente onze horas e
onze minutos, achei estranho e senti um arrepio
que percorreu desde o fio do meu cabelo até o
dedão do meu pé, um calafrio incomum e
estranho, pois era dia onze de novembro de dois
mil e onze, exatamente às onze horas e onze
minutos. Fui até o quarto, — meio que
apavorada — vesti o roupão e me enrolei nele,
pois de repente, toda a casa havia