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A Proteção Institucional-Normativa e Jurisdicional do Meio Ambiente no Mercosul
A Proteção Institucional-Normativa e Jurisdicional do Meio Ambiente no Mercosul
A Proteção Institucional-Normativa e Jurisdicional do Meio Ambiente no Mercosul
E-book376 páginas4 horas

A Proteção Institucional-Normativa e Jurisdicional do Meio Ambiente no Mercosul

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Sobre este e-book

Os caminhos percorridos pela integração regional do Mercosul têm encontrado árduos desafios em termos de governança, proteção e regulação do meio ambiente. Neste contexto, uma série de questões interdisciplinares influenciam o desenvolvimento e avanço da integração, principalmente no que diz respeito ao binômio comércio e meio ambiente. A partir deste cenário, tem-se o seguinte problema de pesquisa: considerando as implicações no âmbito do Mercado Comum do Sul e o contexto econômico em que foi desenvolvido, em que extensão se dá a proteção ambiental no âmbito do Mercosul a partir de uma análise institucional, normativa e jurisdicional? Assim, o objetivo geral da pesquisa é investigar como se desenvolve o tratamento conferido ao meio ambiente para, através das lentes jurídico-institucionais mercosulinas, compreender quais os desafios enfrentados pelo Direito Ambiental no contexto da organização internacional do Mercosul.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento23 de ago. de 2022
ISBN9786525254074
A Proteção Institucional-Normativa e Jurisdicional do Meio Ambiente no Mercosul

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    A Proteção Institucional-Normativa e Jurisdicional do Meio Ambiente no Mercosul - Monique Carasai

    1 INTRODUÇÃO

    O Mercado Comum do Sul (Mercosul) foi criado a partir de uma união aduaneira, objetivando-se a integração dos países da América Latina em desenvolvimento, de modo que a economia regional pudesse funcionar de maneira sistemática e dinâmica para movimentar as pessoas, produtos, serviços, forças de trabalho e capitais. Tal integração fundamentou-se em princípios basilares para sua concretude, no entanto, sem que houvesse normas de sustentabilidade e políticas públicas voltadas para uma construção cultural e estimulante de práticas de sustentabilidade pelos países-membros. ¹

    O Mercosul é resultado da intenção de vontades entre Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai que, mediante o Tratado de Assunção, firmaram o compromisso conjunto em 26 de março de 1991.²

    Além dos países fundadores, a Bolívia encontra-se em processo de adesão, a Venezuela está suspensa e há, também, os países associados: Chile, Colômbia, Equador, Guiana, Peru e Suriname.³

    Com a finalidade de formar um Mercado Comum no âmbito da América Latina, seus fundadores objetivaram promover a livre circulação de bens, serviços e pessoas, coordenando políticas macroeconômicas e setoriais entre os Estados-membros, estabelecendo tarifa externa comum, bem como políticas comerciais comuns mediante a harmonização das legislações internas.

    Como se pode observar dos principais objetivos mercosulinos destacados, a proteção do meio ambiente não era uma preocupação inicial. Porém, diante da crescente crise ambiental, foi necessária a adoção de medidas que pudessem regular a matéria ao longo do desenvolvimento da integração.

    O Mercosul, desde a sua criação, mantém uma clara orientação socioeconômica, de maneira que o desenvolvimento de seus países-membros se mantém incontestável, desde o início, como o seu principal motor. No entanto, diante da sinalização mais proeminente à degradação ambiental e suas consequências atuais e futuras, surge a necessidade – por parte do Mercosul – em responder às novas demandas e exigências relacionadas ao meio ambiente.

    A análise de como o meio ambiente é tratado dentro da Instituição Mercosul importa tanto para a promoção da proteção e regulação do meio ambiente, como para a resolução de eventuais controvérsias que venham a surgir entre os Estados-partes que envolvam o meio ambiente e seus recursos naturais.

    Diante do contexto de integração regional, a pesquisa realizada tem como tema a proteção jurídica-institucional do meio ambiente nos três níveis do Mercosul: a) no âmbito institucional, por meio dos órgãos do Mercosul; b) no âmbito normativo, através da produção normativa em matéria ambiental; e c) no âmbito jurisdicional, a partir da análise do sistema de soluções de controvérsias e da atuação do Tribunal Permanente de Revisão do Mercosul.

    Inserida na discussão que toca à proteção ambiental e sua regulação no âmbito do Mercosul, definiu-se o seguinte problema de pesquisa: Considerando as implicações no âmbito do Mercado Comum do Sul e o contexto econômico em que foi desenvolvido, em que extensão se dá a regulação e a proteção do meio ambiente no âmbito do Mercosul a partir de uma análise institucional, normativa e jurisdicional?

    Em busca da resposta ao problema de pesquisa, delineou-se a seguinte hipótese principal: A partir da análise normativa, institucional e jurisprudencial, pode-se verificar que a proteção jurídico-ambiental no âmbito do Mercosul se revela, progressivamente, protetiva do meio ambiente, tanto nos órgãos próprios da estrutura Institucional do Mercosul – Conselho do Mercado Comum (CMC), Grupo Mercado Comum (GMC), Comissão de Comércio do Mercosul (CCM), Parlamento do Mercosul (Parlasul), Fórum Consultivo Econômico (FCES), Secretaria do Mercosul (SM) e as Reuniões de Ministérios e as Especializadas – como na interpretação e na aplicação das normas do direito mercosulino pelo Tribunal Permanente de Revisão do Mercosul, como: a) o Tratado de Assunção (TA), seus protocolos e instrumentos adicionais; b) os acordos decorrentes do TA e seus protocolos; c) as decisões do CMC; d) as Resoluções do GMC e as Diretrizes da CCM.

    Dentre as principais fontes do Mercosul a serem aplicadas à pesquisa, pode-se mencionar as fontes primárias, como o Tratado de Assunção e seus Protocolos adicionais, o Protocolo de Ouro Preto, o Protocolo de Brasília, o Protocolo de Olivos e o Acordo-quadro sobre Meio Ambiente do Mercosul.

    Para que seja possível desenvolver a pesquisa proposta, tem-se como objetivo geral investigar como se dá o tratamento conferido ao meio ambiente para, através das lentes jurídico-institucionais mercosulinas, compreender quais os desafios enfrentados pelo Direito Ambiental no contexto da organização internacional do Mercosul.

    Para tanto, a pesquisa apresenta três objetivos específicos: a) investigar como o Mercosul trata o meio ambiente institucionalmente, ou seja, como os órgãos que compõem o Mercosul lidam de maneira mais incipiente ou mais transformadora com a proteção e regulação ambiental; b) analisar o Direito do Mercosul em relação à regulação e a proteção ao meio ambiente na construção de uma agenda ambiental e vinculante aos Estados-partes; c) analisar de que modo o Tribunal Permanente de Revisão do Mercosul, enquanto Corte Jurídica responsável pela apreciação de controvérsias entre os Estados-partes, tem atuado sobre os conflitos de natureza ambiental e a formação jurisdicional decorrente.

    O tema apresenta relevância científica e justifica-se academicamente, uma vez que o estudo acerca do processo de integração e o tratamento conferido ao meio ambiente dentro da Instituição Mercosul é matéria pouco explorada e relevante ao progresso e continuidade do compromisso regional.

    A promoção da proteção, bem como a resolução de eventuais controvérsias que venham a surgir entre os Estados-partes que envolvam a temática, necessitam ser objeto de pesquisa para que, assim, seja possível contribuir para dar visibilidade ao tema e buscar soluções às adversidades que surgem ao longo do percurso da integração.

    A pesquisa utilizou-se do método investigativo, mediante o método hipotético-dedutivo de aprendizagem, pois buscou particularizar a conclusão acerca das questões norteadoras, a partir de uma confirmação geral dos casos atinentes ao tema.

    O estudo proposto, quanto à finalidade, tratou-se de pesquisa aplicada, uma vez que visou responder os problemas da pesquisa com o fim de atingir os objetivos traçados para ela.

    Em relação à natureza, é uma pesquisa observacional, isto é, mediante a qual se pretendeu captar os aspectos essenciais que envolvam a demanda ambiental no contexto proposto.

    Quanto à forma de abordagem, trata-se de uma pesquisa qualitativa, pois buscou-se a compreensão acerca da complexidade que envolve o problema lançado e o detalhamento das informações obtidas.

    Ainda, em relação aos objetivos, foi necessária uma pesquisa exploratória preliminar para que, após uma primeira aproximação da temática, fosse possível delinear uma pesquisa descritiva capaz de demonstrar as características da aplicação do direito ambiental dentro do Mercosul e o tratamento conferido à pauta ambiental, a partir da análise institucional, normativa e jurisdicional, conforme objetiva, especificamente, o presente estudo. Para tanto, foi utilizada pesquisa bibliográfica, realizando-se a consulta de obras na obtenção de informações importantes para a exploração do tema.

    A temática exigiu fundamentação teórica formada a partir da pesquisa bibliográfica, mediante a coleta de informações colhidas dos instrumentos bibliográficos referenciais, ou seja, mediante conteúdo publicado acerca do tema e que permitiram a fundamentação dos argumentos propostos.

    Utilizou-se da pesquisa documental para que fosse possível a realização da pesquisa bibliográfica, de modo que se fez necessária a procura de dados, a partir de relatórios, regulamentos e demais documentos comumente arquivados junto às instituições, órgãos públicos, websites institucionais etc.

    Os instrumentos utilizados para coleta de dados foram, portanto, essencialmente bibliográficos e documentais, mediante fichamento de leitura de obras norteadoras sobre o tema, cujos principais referenciais teóricos utilizados são: Luiz Alexandre Carta Winter, Deisy de Freitas Lima Ventura, Luciane Klein Vieira, Gustavo Oliveira Vieira, Jeferson de Castro Vieira, Alejandro Daniel Perotti, Liziane Paixão Silva Oliveira, Alberto Cesar Moreira, Luiz Alberto de Vianna Moniz Bandeira, Celso Lafer, Martha Lucia Olivar Jimenez, Olivier Dabéne, Luiz Olavo Batista, dentre outros renomados autores que tratam do tema.

    Para a pesquisa bibliográfica, utilizou-se, ainda, de periódicos digitais, publicações acadêmicas, obras referenciais que envolvem a temática. Para os artigos, valeu-se do Portal de Periódicos da CAPES, bem como da Base de Dados Scielo – Scientific Electronic Library Online; para as teses e dissertações, a busca se deu na Base de Dados BDTD – Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações – IBICT.

    Para a pesquisa documental, utilizou-se das plataformas eletrônicas como o site do Mercosul e, também, do Tribunal Permanente de Revisão do Mercosul, a partir do qual também se obteve acesso aos laudos arbitrais proferidos desde a sua criação.

    A pesquisa objeto da presente Dissertação de Mestrado está vinculada à linha de pesquisa Direito Ambiental e Novos Direitos, desenvolvida pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade de Caxias do Sul, na medida em que sua relevância dentro do cenário, no qual o Brasil está inserido, contribui para com os propósitos visados pela Instituição, contribuindo-se, a partir da pesquisa, na concretização de direitos e garantias voltados à proteção do ambiente humano e natural, discutindo as razões técnico-jurídicas e sociopolíticas do seu déficit de eficácia e efetividade.


    1 MOHAMMED, Yasmin. A legislação ambiental no Mercosul e a dificuldade da incorporação do meio ambiente nas negociações comerciais do bloco visando à sustentabilidade. 2012. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Relações Internacionais) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2012. Disponível em: http://hdl.handle.net/10183/71695. Acesso em: 10 ago. 2020.

    2 MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL). Tratado para a constituição de um mercado comum entre a República Argentina, a República Federativa do Brasil, a República do Paraguai e a República Oriental do Uruguai. Montevidéu: MERCOSUL, [2021?]. Disponível em: https://www.mercosur.int/documento/tratado-de-assuncao-para-a-constituicao-de-um-mercado-comum/. Acesso em: 20 jun. 2021.

    3 MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL). Mercosul. Montevidéu: MERCOSUL, [2021?]. Disponível em: https://www.mercosur.int/pt-br/quem-somos/paises-do-mercosul/. Acesso em: 20 jun. 2021.

    4 MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL). Objetivos do Mercosul. Montevidéu: MERCOSUL, [2021?]. Disponível em: https://www.mercosur.int/pt-br/quem-somos/objetivos-do-Mercosul/. Acesso em: 12 dez. 2021.

    5 SANTOS, Thauan; CÁRCAMO, Anna Maria; VARELA, Ian. Proteção do Meio Ambiente no MERCOSUL+2: uma análise à luz do Direito Ambiental e o desenvolvimento. Revista Neiba, Rio de Janeiro, v. 5, n. 1, 2016. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/neiba/article/view/27829. Acesso em: 29 jan. 2021.

    6 LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade. Fundamentos da metodologia científica. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2003.

    7 SIQUEIRA, Marli Aparecida da Silva. Monografias e Teses: das normas técnicas ao projeto de pesquisa. 2. ed. rev. e amp. Brasília, DF: Consulex, 2013. p. 138.

    8 UNIVERSIDADE DE CAXIAS DO SUL (UCS). Programa de Pós-Graduação em Direito. Caxias do Sul: UCS, [2021?]. Disponível em: https://preview.tinyurl.com/y2q5gr5v. Acesso em: 25 jun. 2021.

    2 A PROTEÇÃO INSTITUCIONAL-NORMATIVA DO MEIO AMBIENTE NO MERCOSUL

    O Mercosul, desde a sua criação, mantém uma clara orientação socioeconômica, de modo que o objetivo desenvolvimentista das economias de seus países-membros se mantém, incontestadamente, como o seu propulsor. No entanto, diante da crescente degradação ambiental decorrente dos processos industriais e produtivos, surge a necessidade gradual de resposta às novas demandas e exigências atinentes ao meio ambiente.

    Dentre as justificativas para a implantação de uma política ambiental comum para o Mercosul, Martha Lucía Olivar Jimenez já destacava – antes mesmo da realização da primeira Reunião de Ministros de Meio Ambiente do Mercosul (REMA)¹⁰ – as múltiplas razões capazes de apoiar uma política comum de proteção ambiental no processo de integração regional.¹¹

    Dentre as razões, a autora refere que, a partir das orientações do organismo supranacional europeu, se tem: o fato de a poluição poder afetar vários Estados dentro e fora dos limites da sub-região; os princípios essenciais para a constituição de um mercado, como a livre circulação de mercadorias e a livre concorrência entre empresas, que podem ser alteradas caso sejam adotadas políticas divergentes neste domínio; o Tratado de Assunção, que considera, dentre os seus principais objetivos, a melhoria das condições de vida dos habitantes da sub-região, que não pode ser realizada sem a proteção adequada do meio ambiente; e, finalmente, la actuación coordinada de los países en los diferentes foros internacionales reforzará su posición dentro de la comunidad internacional tornándola lllás activa en estas áreas.¹²

    Diversas questões, portanto, surgem para o Mercosul e o colocam diante do enfrentamento da questão ambiental, como a possibilidade de poluição e danos ambientais transfronteiriços, bem como a necessidade de políticas padronizadas para a circulação e transporte de mercadorias que garantam segurança e qualidade de vida aos habitantes das sub-regiões, de modo que o próprio Tratado de Assunção prevê a realização do desenvolvimento dos signatários, mediante o aproveitamento adequado dos recursos e da proteção ambiental.¹³

    A pesquisa pretende compreender como a temática ambiental é introduzida no contexto mercosulino e qual a extensão dessa proteção e, por isso, neste primeiro capítulo, se buscará investigar como a matéria tem sido manuseada institucionalmente e de que forma tem sido inserida na estrutura normativa do Mercosul.

    Para tanto, será necessário um recorte histórico inicial até a formação de um mercado comum no âmbito da América Latina para que, após, seja possível desmistificar sua estrutura institucional e como ocorre a inserção do meio ambiente e sua normatização neste contexto de integração regional.

    2.1 UM MODELO DE INTEGRAÇÃO SUI GENERIS PARA UM MERCADO COMUM NO ÂMBITO DA AMÉRICA LATINA

    "O corpo afunda na água barrenta. Com grande esforço, ergue-se e desembainha a espada. Ameaça simbolicamente os inimigos. O sangue escorre pela boca e narinas: muero com mi pátria! Exclama em agonia".¹⁴ As últimas palavras do Ditador Paraguaio Francisco Solano López põem fim à Guerra do Paraguai ou Guerra da Tríplice Aliança, o maior conflito sul-americano entre Paraguai e a aliança formada entre Brasil, Argentina e Uruguai entre 1864 e 1870.

    Neste momento inicial da pesquisa, um resgate histórico, ainda que breve, faz-se necessário para a compreensão das assimetrias existentes entre os países da América do Sul que, após anos de rivalidades e conversações, formaram o Mercosul, uma organização internacional concebida com máxima flexibilidade e mínima institucionalização, mas que importou a sobrevida do bloco diante das profundas crises vivenciadas ao longo do século passado.¹⁵

    Posiciona-se o cursor sobre o final do século XIX, mais precisamente a partir da Guerra da Tríplice Aliança, decorrente das contradições platinas, cuja motivação final era a consolidação dos Estados. As contradições cerradas acabam por se cristalizar ao derredor da guerra civil uruguaia, mediante o apoio do governo argentino, na qual o Brasil interveio e, também, o Paraguai. A guerra não era a única solução aos países da bacia do rio da prata, mas interessava a todos os envolvidos.¹⁶

    Para os uruguaios, o apoio militar paraguaio poderia compelir a intervenção dos vizinhos Brasil e Argentina. Já ao império brasileiro, a guerra contra o Paraguai não era desejada, no entanto, iniciada, acreditou-se que a vitória brasileira seria rápida e livraria o país das ameaças decorrentes dos litígios fronteiriços que ameaçavam à livre navegação pelo rio Paraguai.¹⁷

    No mesmo período em que a Tríplice Aliança triunfava sobre o Paraguai, a Guerra da Secessão nos EUA findava e, logo após, ocorreria a unificação da Alemanha sob a hegemonia da Prússia, fenômenos políticos-militares que, embora não se relacionem diretamente entre si, em sua essência, expressaram o mesmo anseio histórico no processo de superação das formas débeis de Estado geradas na época da economia natural e da economia simples de mercado pelo Estado unitário.¹⁸

    O desenvolvimento do capitalismo passa a exigir uma reorganização política-estrutural, a partir de um poder central mais robusto que, prevalecendo sobre a impotência dos Estados menores, servisse como impulso para a expansão dos mercados e o progresso do processo de acumulação.¹⁹

    Neste contexto, a guerra civil americana (1861-1865) viabilizou, com o triunfo e o fortalecimento do poder central, a hegemonia do norte industrializado e a integração do sul agrícola. Sem a influência dos fazendeiros do sul sobre o poder central, foi possível a fixação de tarifas para a proteção do mercado interno, o que permitiu aos EUA conhecer o fabuloso surto do progresso.²⁰

    A América do Sul, neste momento, ainda não possuía importante núcleo de industrialização e, em sua nova fase expansionista, percebia a necessidade de estruturar os Estados seguindo a tendência capitalista, de modo a unificar seus espaços econômicos e, assim, garantir a circulação de capitais e mercadorias. A ampliação da malha ferroviária, conforme destaca Luiz Alberto de Vianna Moniz Bandeira, contribuiu, ao impulsionar outros fatores regionais de conflito, para desencadear a Guerra da Tríplice Aliança.²¹

    Os interesses comerciais sobre o porto de Montevidéu e as adversidades econômicas enfrentadas pelo Paraguai, que necessitava da saída pelo mar em busca de recursos para o seu desenvolvimento, colidiram com os interesses da burguesia mercantil de Buenos Aires, que visava a unificação e integração do território argentino como, também, dissentia das políticas imperiais brasileiras na Bacia do Prata.²²

    O Brasil, utilizando-se de força militar sobre o Uruguai e, assim, viabilizando a instalação de um governo favorável às suas pretensões, viu-se invadido pelo Paraguai na província de Mato Grosso em represália pela sua intervenção no Uruguai. O Paraguai também adentrou no território Argentino com o intuito de avançar sobre o Rio Grande do Sul, desencadeando um conflito armado que, ao fim de cinco anos, restou derrotado e completamente arrasado pela união bélica da Tríplice Aliança.²³

    As finanças dos países envolvidos no conflito restaram sensivelmente prejudicadas, de modo que a Guerra da Tríplice Aliança também concorreu para dizimar o único sistema bancário autônomo e mais avançado no âmbito da América Latina, diante dos embaraços aos negócios da Casa Mauá – banco de Visconde de Mauá – com o Uruguai.²⁴

    Luiz Alberto Moniz Bandeira refere o Banco Mauá como uma espécie de embrião nacional do capitalismo financeiro, que destinava vultosos investimentos para o desenvolvimento industrial do Brasil, Argentina e Uruguai. O Banco Mauá criara, no Brasil, diversas empresas como de fundição, ferrovias, fábrica de tecidos, dentre outros segmentos, bem como realizou investimentos tanto no Uruguai quanto na Argentina.²⁵

    Todavia, o Banco Mauá não resistiu à grande depressão de 1874 e sua falência concorreu para que o Brasil, sem nem mesmo possuir condições de ocupar economicamente o Paraguai e mantê-lo sob seu domínio, perdesse a supremacia sobre a Bacia do Prata.²⁶

    A Argentina, por outro lado, converteu-se na principal fornecedora de suprimentos aos exércitos aliados, de modo que as despesas decorrentes dos esforços de guerra, que culminaram na crise financeira brasileira, aqueceram os negócios argentinos, alavancando sua economia.²⁷

    Diante da concorrência pelo mercado militarista, as casas bancárias viabilizavam linhas de crédito para aquisição do material bélico aos Estados, fomentando as tensões latino-americanas e as rivalidades regionais, que envolviam, ainda, a hegemonia do Pacífico da América do Sul.²⁸

    Estimulada pelos fabricantes de armamentos, a corrida armamentista alimentou as controvérsias fronteiriças. Com efeito, em 7 de setembro de 1889, Brasil e Argentina negociaram um tratado, que restou ratificado em 5 de novembro daquele ano, no Rio de Janeiro, no qual acordaram que o dissídio em torno das Missões seria submetido à arbitragem do presidente dos EUA.²⁹

    A percepção de que o Brasil, como a única monarquia no continente, constituía o principal fator de tensão com os vizinhos da Bacia do Prata ensejou a Proclamação da República do Brasil, mediante o primeiro golpe de Estado brasileiro, sob o comando de Marechal Deodoro da Fonseca, poucos dias após as negociações com a Argentina.³⁰

    Maristela Ferrari refere a necessidade de se resgatar antecedentes históricos que remontam ao Tratado de Tordesilhas (1494), seguido pelo Tratado de Madri (1750), e o Tratado de Santo Ildefonso (1777), nos quais portugueses e espanhóis, por séculos, exerceram o domínio colonial sobre os territórios da América do Sul. No final do período colonial, não se tinha a definição dos limites territoriais sobre as terras, ocupadas pelo colonizadores portugueses e espanhóis, o que culminou em diversos conflitos entre os novos países independentes e, aqui, refere ser o caso de Brasil e Argentina, os quais, ao se tornarem independentes, careciam de definir seus limites territoriais.³¹

    O Ministro de Relações Exteriores Argentino, Estanislau Zaballos, determinou a celebração do advento da república e, diante de seu reconhecimento, o governo provisório recuou do recurso à arbitragem para decidir sobre o litígio das Missões, tendo sido firmado o Tratado de Montevidéu para repartição desse território pelos Ministros Quintino Bocaiuva e Estanislau Zaballos em janeiro de 1890.³²

    Todavia, o Tratado sofreu forte oposição no Brasil, de modo que a Argentina concordou em retomar o acordo anterior para sujeição da questão à arbitragem americana, ocasião em que o Presidente Grover Cleveland a decidiu favoravelmente ao Brasil, seu principal exportador de café, borracha, cacau e outros insumos, em 1985.³³

    Luiz Alberto Moniz Bandeira refere que a América do Sul era como um tabuleiro de xadrez, em que não se podia movimentar qualquer peça contra outra, sem o risco de sofrer um ataque pela retaguarda, dada a cobertura com que todos os países contavam.³⁴

    Solucionado o litígio sobre as Missões, as relações entre Brasil e Argentina passam a evoluir progressivamente, embora nem todas as controvérsias tenham desaparecido. A partir de 1901, houve maior importação, pela Argentina, do trigo brasileiro, atrás apenas da Grã-Bretanha e dos EUA.³⁵

    A expansão do comércio entre os dois países transforma o mercado brasileiro o terceiro maior mercado para as exportações argentinas, configurando-se como um dos elementos históricos contributivos para o bom nível de entendimento entre Brasil e Argentina.

    No período, Argentina e Chile ampliaram seu poderio bélico em uma expectativa de um possível conflito armado a se deflagrar pela disputa fronteiriça, o que ensejou a perda brasileira da supremacia como a maior potência militar da América do Sul para esses dois países. Diante das fragilidades do poderio militar brasileiro, a Argentina aproveitou-se para promover sublevações contra os governos apoiados pelo Brasil, tanto no Uruguai como no Paraguai, com o intuito de manter a hegemonia na Bacia do Prata.³⁶

    Em meados de 1902, a Argentina promoveu levantes contra o Uruguai com o apoio do Partido Nacional (Blanco), ao passo que incidentes militares ocorriam na fronteira com o Brasil (Rivera/Livramento). Na ocasião, o Uruguai solicitou navios de guerra aos EUA, porém o Brasil interveio desarmando os insurgentes e, assim, preservando seus interesses ao norte do Rio Negro no Uruguai.³⁷

    Com o assassinato do líder argentino Aparício Saraiva e a desagregação de seu exército, houve o triunfo do governo Uruguaio, cuja paz restou reestabelecida, mediante o Pacto de Aceguá, em 1904, tendo o Brasil mantido sua preeminência no Uruguai, apoiando o Partido Colorado e mantendo sua influência política sobre o Paraguai.³⁸

    A simpatia conquistada pelo Paraguai, decorrente da contenção do aumento de tarifas sobre o trânsito de erva-mate e a permissão de emigração dos paraguaios para trabalhar em solo brasileiro, conferiu-lhe apoio. No entanto, Juan Antonio Escurra (1902-1904), do Partido Colorado, viu eclodir a revolução de 1904 que almejava sua derrubada, situação em que o Brasil lhe enviou dois navios de guerra pelo Rio Paraguai.³⁹

    Maria Medianeira Padoin descreve o período marcado como um espaço de jogo de forças e de poder no qual é produzida uma realidade particular que irá dar sentido às relações de poder.⁴⁰ E, a partir dessa característica, o espaço fronteiriço platino foi palco das disputas regionais que desencadearão, ao final dos conflitos, as intenções de cooperação em busca de um desenvolvimento regional.

    Com a eleição de Theodore Roosevelt nos EUA, o Paraguai lhe solicitou o envio de dois navios de guerra com o intuito de conter os revolucionários e, assim, propiciar condições para uma possível pacificação. Todavia, os EUA negaram o auxílio pretendido sob o argumento da longa distância quando, em verdade, expressava certa simpatia pela Nação Argentina.⁴¹

    O Brasil, cuja esquadra ainda se apresentava enfraquecida, não pretendia se arriscar a colidir com a Argentina, como pretendiam os paraguaios, razão pela qual se absteve de fornecer maior auxílio ao Presidente paraguaio. Desse modo, quatro meses depois do início da revolução, o Paraguai firmou o Tratado de

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