Encontre milhões de e-books, audiobooks e muito mais com um período de teste gratuito

Apenas $11.99/mês após o término do seu período de teste gratuito. Cancele a qualquer momento.

Confissões
Confissões
Confissões
E-book676 páginas4 horas

Confissões

Nota: 0 de 5 estrelas

()

Ler a amostra

Sobre este e-book

Epaminondas e Leninha estão apaixonados e pretendem se casar. Por motivos alheios às suas próprias vontades, se viram subitamente separados. Nem mesmo a distância foi capaz de anular aquela paixão tão profunda e verdadeira, de sorte que a união final estava em andamento, até que Epaminondas recebeu uma carta de Leninha. Não era uma carta, era um convite de casamento; dela com outro homem. Epaminondas ficou tão revoltado que contratou um jagunço e encomendou a morte de sua mais amada Leninha. Nesta obra, as reações adversas e distintas das pessoas diante da paixão e de seus reveses. Na medida em que os vários personagens vão confessando as peculiaridades do seu passado, seja com o padre, um amigo, ou mesmo uma carta póstuma, o leitor, somente o leitor, conseguirá compreender este instigante quebra cabeças e desvendar enfim a trama e todos os mistérios que cercaram e foram determinantes na vida desses personagens, pessoas que tanto se amaram. Como uma ação muitas vezes tão simples, pode trazer conseqüências catastróficas e irreparáveis na vida das pessoas, e muitas vezes, na vida de quem mais se ama. Do que é capaz um ser apaixonado diante de um amor não correspondido. No último capítulo, o cenário muda para o plano espiritual, onde é feita uma projeção das próximas encanações dos personagens, baseados em suas ações e decisões. Sendo esse portando, o cunho esotérico da obra.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento16 de jul. de 2019
Confissões

Leia mais títulos de Helio Parron Ferrara

Relacionado a Confissões

Ebooks relacionados

Autoajuda para você

Visualizar mais

Artigos relacionados

Categorias relacionadas

Avaliações de Confissões

Nota: 0 de 5 estrelas
0 notas

0 avaliação0 avaliação

O que você achou?

Toque para dar uma nota

A avaliação deve ter pelo menos 10 palavras

    Pré-visualização do livro

    Confissões - Helio Parron Ferrara

    Hélio Parron Ferrara

    Confissões

    Hélio Parron Ferrara

    2ª Edição

    Julho 2019

    Este é um trabalho de ficção; salientamos, portanto que qualquer semelhança

    com nomes, pessoas ou acontecimentos da vida real, se constituirá tão somente

    em fruto do acaso, simples coincidência.

    4

    Confissões

    Ferrara, Hélio Parron

    Confissões / Hélio Parron Ferrara. Itaguajé Pr. 2004

    1.romance 2.drama 3.literatura brasileira 4.espiritismo 5. espiritualismo 6.

    mistério . 7. suspense

    Revisão e capa – Hélio Parron Ferrara

    1ª Impressão – Junho de 2011

    Todos os direitos reservados.

    Esta obra se encontra registrada na Biblioteca Nacional, sob nº 334.293 – Livro

    613 – Folha 453

    Nenhuma parte deste livro poderá ser utilizada, modificada ou reproduzida, sem

    prévia autorização do autor.

    ISBN – 978-0-359-78693-0

    Copyrigth 2019 Hélio Parron Ferrara

    All rights reserved

    5

    Hélio Parron Ferrara

    Para

    Gersonita Cordeiro Rocha

    6

    Confissões

    Agradecimento

    Obrigado senhor, pelo dom que me concedestes, e por conta deste,

    hoje estar em condições de agradecer a todos os Doadores de

    Sangue que em 1983 salvaram a minha vida. Sejam eles os muitos

    amigos, bem como os outros tantos anônimos que com profunda

    sensibilidade e acentuado desprendimento se dignaram num ato de

    assaz abnegação, socorrerem-me, num dos momentos mais

    decisivos de minha humilde existência. Tal ato; de elevada nobreza

    e singular amor ao próximo, salvaram minha vida, naquela ocasião

    crucial, momento inadiável. Por conta disso, me foi possível dar

    continuidade à minha trajetória neste orbe, e em função do que

    pude aprender desde então, estar repassando hoje, nas páginas

    singelas deste modesto trabalho, um ínfimo do meu aprendizado.

    Muito obrigado e que Deus vos abençoe a todos.

    7

    Hélio Parron Ferrara

    Introdução

    O presente romance, denominado Confissões, era na

    verdade um conto que eu havia concebido em meados da década de

    noventa. Inicialmente o trabalho que não passava de dez páginas,

    foi engendrado como uma estória caipira. Foi também uma

    experiência que fiz, escrevendo com a própria linguagem cabocla,

    ou seja, escrevendo do mesmo modo como se fala. O trabalho ficou

    interessante, mas acabou caindo no esquecimento. Havia, por

    ocasião de sua concepção, sido redigido com máquina de escrever,

    uma Olivetti Práxis 20; foi com ela que escrevi muitos dos meus

    trabalhos.

    Com o advento do computador e dos editores de texto, a

    máquina de escrever caiu no esquecimento, e os trabalhos passaram

    a ser digitados e arquivados em HDs, disquetes e CDs. Entretanto,

    como muitos dos meus trabalhos haviam sido produzidos através

    de máquina de escrever, tornou-se mister, transportar todos eles

    para o computador, ou seja, digitá-los. E foi aí que tudo começou.

    Quando principiei a digitação de Confissões Sertanejas,

    esse era o título original, eu não imaginava que chegaria aonde

    cheguei. Primeiramente eu quis fazer alguns ajustes no trabalho, a

    começar pela linguagem, cujo procedimento caipira propriamente

    dito, foi substituído por uma linguagem normal e cotidiana.

    Resolvi também, fazer inserções de mais detalhes a fim de

    enriquecer este humilde trabalho. Aos poucos fui notando que

    muita coisa poderia ser mudada e acrescentada, a começar pelo

    número de personagens. Assim, com uma estória mais complexa e

    mais elaborada, o simples conto de dez laudas, se transformou em

    Confissões, com mais de duzentas páginas.

    Novas cenas foram criadas, a trama foi ampliada e se tornou

    mais complexa. O interenvolvimento entre os personagens também

    foi mais desenvolvido e ampliado.

    Novas pesquisas foram feitas para estabelecer os locais

    onde as cenas se desenrolam; seja, aprimorando a descrição dos

    lugarejos citados, seja inserindo novos lugares e personagens,

    8

    Confissões

    enfim, tendo o propósito laborioso e assaz alvissareiro de

    enriquecer a narrativa.

    Por fim, aquilo que era pra ser um conto, se transformou no

    presente trabalho que humildemente tenho a soberba de conferir-

    lhe a pretensiosa designação de romance.

    A base da trama se concentra no envolvimento amoroso

    entre Leninha e Epaminondas. A narrativa começa a ganhar,

    pinceladas de complicação quando surge o personagem José

    Alfredo, que também ama a protagonista da trama, Leninha. Daí

    pra frente, uma armação ardilosamente maquinada, altera

    substancialmente os rumos da vida de diversos personagens que

    surgem ao longo do enredo.

    Confissões é composta de oito capítulos, onde em cada

    um deles, há uma confissão feita por um dos personagens da trama,

    que com muita emoção e não rara tristeza relembra os fatos do seu

    passado, por si próprio construído e, no entanto cheio de pedras e

    espinhos.

    As confissões vão sendo feitas uma a uma e em cada relato

    há novos elementos que vão compondo a trama como num quebra

    cabeça. Isoladamente elas não chegam a lugar nenhum e suscitam

    mais dúvidas que certezas, no entanto, é o leitor que vai juntando as

    peças das várias narrativas e montando um conjunto que aos

    poucos vai se delineando e tomando forma. Ao termino do

    trabalho, é possível se vislumbrar o conjunto dos acontecimentos e

    se compreender o que de fato se sucedeu a mais de cinqüenta anos.

    De modo simples, mostramos como as paixões humanas

    podem chegar a atitudes que beiram a barbárie. De maneira clara e

    despretensiosa, expomos como simples detalhes podem alterar

    sobremaneira os destinos humanos, levando-os muitas vezes às

    tragédias singulares e demais dolorosas. Com efeito, tivemos

    humildemente a intenção de aqui retratamos o poder brutal da

    paixão, não obstante, procuramos ressaltar, contudo, que acima de

    tudo, está a nossa índole, o nosso livre arbítrio, as nossas decisões

    tomadas diante dos extremos do amor sufocante, da dor e do

    desespero.

    9

    Hélio Parron Ferrara

    Ainda que o egoísmo e o individualismo sejam fatos

    marcantes nesta obra, aonde a ausência de respeito e consideração

    para com os seus semelhantes, vem marcar indelevelmente a

    trajetória humana nos liames desta nossa existência; Confissões,

    procura esclarecer e orientar as pessoas nas suas tomadas de

    decisões, assinalando a facultatividade da semeadura e a

    imperiosidade da colheita.

    Nesta oportunidade, procuramos ainda, explicitar a

    impreterível necessidade de nos lapidarmos, evoluirmos em nosso

    percurso rumo à felicidade. Tendo em vista que o tempo urge, não

    nos é apropriado perdermos as sublimes oportunidades que se

    apresentam amiúde em nossas trajetórias de vida. Com efeito,

    André Luiz já nos asseverava em mil novecentos e quarenta e três,

    através da mediunidade santificante e remidora de Chico Xavier, e

    já nas últimas páginas do educativo e esclarecedor "Missionários

    da Luz, que: A terra, que nos é mãe comum, reclama filhos

    esclarecidos que colaborem na divina tarefa de redenção

    planetária".

    Diante do exposto, nos é fundamental e decisiva a nossa

    evolução no amor de Jesus e na prática santificante da caridade. Se

    almejarmos um mundo melhor e mais justo, cabe a cada um de nós,

    militarmos nos princípios evangélicos e altruístas do nosso mestre

    maior, focados no amar ao próximo como a si mesmo; e...Jamais

    se esquecendo dos princípios Divinos da justiça maior, embasadas

    na "Causa e Efeito... Ação e Reação".

    Assim é Confissões, um romance curto e em linguajem

    cotidiana, o que facilita a rápida compreensão dos fatos, nos

    levando a entender que devemos estar sempre preparados e

    sintonizados com o bem.

    Fica por fim uma lição, a de que, seremos cobrados

    compulsoriamente por nossos atos, onde o acertamento nos

    concederá as benesses evolutivas do amor e da paz em direção à

    felicidade, enquanto que a nossa auto-engambelação nos custara

    longos períodos de resgate doloroso na senda do nosso

    aprimoramento eterno.

    10

    Confissões

    Ao concluirmos os trabalhos para esta segunda edição,

    constatamos que pouco ou quase nada precisou ser alterado.

    Mesmo assim, uma nova correção foi efetuada, bem como nova

    diagramação e confecção de uma nova capa.

    Por fim, reiteramos que nesta obra, procuramos tornar

    evidente como que pequenas atitudes podem alterar sobremaneira

    os rumos de muitas vidas. Como as pequenas coisas podem

    desencadear sucessões fatídicas de acontecimentos grandiosos e

    decisivos nos rumos de nossa existência.

    E concluindo, quais são afinal, os limites de ação, quando se

    está perdidamente apaixonado por alguém?

    O autor

    11

    Hélio Parron Ferrara

    Confissões

    12

    Confissões

    Capítulo I

    Epaminondas

    Itaguajé – Paraná / 1988

    Epaminondas, o sertanejo já excessivamente idoso, caminha

    com passadas compassadas, muito embora pareça forçar o passo

    mais para a direita, e vez por outra aparenta estar cambaleante.

    Nesse compasso, atravessa as ruas da cidade dos Guaranis até

    chegar à Praça da Matriz, a Praça João Balestiere. Ali ele caminha

    por suas alamedas floridas em meio a enormes pés de seringueiras

    que apesar de comprometer o calçamento, promove um clima

    muito agradável ao local.

    Olhos bem abertos, e com um pensamento determinado, ele

    sobe por fim as escadarias da Matriz, e antes que ultrapasse o

    umbral da porta, volta-se para a praça e a cidade. Num rápido olhar

    13

    Hélio Parron Ferrara

    fica imaginando perplexo; as mudanças ocorridas na simpática

    cidade de Itaguajé.

    Relembra o tempo em que por aqui chegou com seus pais,

    valentes desbravadores, época em que predominavam as florestas,

    quando todo o território Itaguajeense estava inserido nos domínios

    da gleba do engenheiro Manoel Firmino de Almeida e ainda se

    chamava patrimônio Boa Esperança.

    Com acentuado saudosismo, ele relembra o período em que

    foram concedidos direitos de exploração aos colonizadores da

    família Marcondes, de Presidente Prudente, mas que por não

    prosperarem, tiveram seu território loteado pelo departamento de

    Terras e Colonização e divididos em inúmeros pequenos lotes que

    eram concedidos aos colonos interessados. Ainda está tangente em

    sua mente, a imagem dos ranchos vista pelos seus olhos então

    infantis. Moradias rústicas, construídas por Almiro e José Alves de

    Almeida, os roçados do Olimpio e as armadilhas de caça do

    Apolinário. O movimento inicial daqueles tempos gloriosos se dava

    ao redor da singela Capela de madeira deixada pelos Marcondes às

    margens do riacho que mais tarde receberia o nome de córrego

    Lupion, em homenagem ao primeiro governador Paranaense do

    Período Legal1, o industrial e Agropecuarista, Moysés Wille

    Lupion de Tróia que governou o estado pela primeira vez entre

    1947 e 1951. Vem daí o nome de Vila Lupion ou Lupionzinho,

    dado posteriormente ao patrimônio da Boa Esperança, que

    floresceu nas proximidades da antiga Redução Jesuíta de Nossa

    Senhora do Loreto.

    Epaminondas observa as casas e as ruas por onde sua vista

    alcança. As lembranças da trajetória de sua vida que se perdem

    juntamente com a formação da cidade afluem em sua mente com

    uma viveza estonteante. Pela memória lhe passam as primeiras

    ruas, os primeiros estabelecimentos comerciais, a terra vermelha e

    as ventanias de agosto. Espalha-se também por sua mente, o

    período da segunda guerra mundial e o ciclo da hortelã e da

    1 Governo Legal – conforme a constituição de 1946

    14

    Confissões

    exportação de menta. O período do café, as encrencas políticas o

    progresso que chegou e se estabeleceu definitivamente.

    Volta-se para o portal da Matriz, e ainda saudoso relembra

    os padres José Milani e Luiz de Pauli, os primeiros a prestarem

    serviços religiosos no município que uma vez já foi redução

    jesuítica. Lembra-se ainda da figura singular do primeiro pároco

    local, José Fusato, da sociedade dos Xaverianos, ou ainda o

    segundo padre da antiga Vila Lupion, João Balestiere, também dos

    Xaverianos.

    O ancião por fim com seu andar trôpego, finalmente

    ultrapassa o umbral da casa Sagrada e adentra nas dependências da

    igreja Matriz Nossa Senhora Aparecida de Itaguajé. Território este

    que foi no passado, a terra dos Jesuítas Italianos Cataldino e

    Mazzeta, e dos índios Guaranis, que também foram catequizados

    pelos padres Ortega e Filds, junto à foz do rio Pirapó à margem

    esquerda do rio Paranapanema.

    Seus passos lentos ecoam com visível languidez no interior

    daquela casa sagrada, já tomada de certa obscuridade em razão do

    entardecer de verão da terra que foi dos índios. Ele respeitosamente

    traz o chapéu escuro e esfarrapado na destra. Observa a tudo e a

    todos. Na verdade, uns poucos fiéis ali presentes, beatas na sua

    maioria. Traz um semblante preocupado, um tanto assustado. Os

    olhos encovados e os cabelos, muito alvos, evidenciam a sua

    velhice. A corcunda proeminente caracteriza o peso das dores e

    sofrimentos que tem carregado sobre os ombros ao longo de suas

    mais de sete décadas.

    Com um paletó de um azulado marinho e já muito roto, ele

    vai adentrando lentamente ao ambiente silencioso e levemente

    obscuro daquela igreja. As calças mais claras, porém bastante

    gastas e um par de sapatos reduzido a molambos lhe completa a

    indumentária. Meio trêmulo e com passadas titubeantes o singular

    ancião caminha até as proximidades do confessionário aonde

    algumas mulheres aguardavam em uma pequena fila, a vez de

    confidenciarem ali os seus atos pecaminosos.

    Eram senhoras já de boa idade e todas rezavam com rosário

    na mão. Tinham um véu sobre a cabeça e usavam umas fitas

    15

    Hélio Parron Ferrara

    vermelhas com uma grande medalha, denunciando serem do

    apostolado da oração.

    Ainda algumas outras pessoas, mulheres em sua maioria, se

    encontravam sentadas nos bancos da capela. Muitas de joelhos

    rezando copiosamente, outras em contemplação das imagens do

    interior da igreja onde anos mais tarde seria ricamente ornamentada

    com afrescos enormes: Na parede por traz do altar seriam três

    passagens importantes da vida do Messias; A anunciação, a

    Crucificação e a Ressurreição. Também nas quatro capelas das

    laterais da Igreja seriam pintadas obras gigantes retratando

    passagens bíblicas.

    As religiosas por sua vez, quando divisaram aquele

    velhusco; tomado de espanto e mal vestido, caminhando dentro

    daquele local sagrado e em direção ao confessionário; olhavam-no

    admiradas, e cochichavam entre si. Estavam perplexas e mal

    podiam crer no que viam.

    -Quem diria o Pamindonha se confessando?

    Diziam isso entre si, em meio a olhares curiosos e tomados

    por profundo desdém para com aquele sujeito tão popular na

    cidade, porém, deveras estranho naquele ambiente.

    Logo alguns lustres que pendiam do teto de madeira, foram

    acessos, para dissipar a obscuridade crescente que a boca da noite

    patrocinava. Enquanto isso, Epaminondas, cuja vulgaridade

    interiorana o alcunhou de Pamindonha, mantinha-se resoluto e

    determinado na fila das confissões.

    As beatas eram rápidas em suas confidências, já que

    demorar demais era sinal de pecado grave. Isso contribuiu para que

    Epaminondas logo chegasse diante do confessionário. Ajoelhou-se

    e por uma pequena tela vazada, pode ver a carranca do Padre

    Viriato: moreno, de carapinha bem rebaixada, rosto largo, olhos

    estatelados e nariz achatado.

    Já o Padre Viriato, por sua vez, ainda que não demonstrasse,

    ficou mais titubeante, ao ver o famigerado Pamindonha, que o

    próprio. Até porque, o confesso demonstrava com acentuada

    veemência, estar sóbrio, arrependido e submisso diante das coisas

    santas.

    16

    Confissões

    Epaminondas Gerôncio Petronilo, afamado em Itaguajé e

    adjacências, por suas empreitadas torpes e insensatas. Era tido

    como o maior bandoleiro da cidade. As pessoas de bem se

    afastavam dele. Estar com o tal pecador, agora arrependido, era o

    mesmo que estar de conluio com suas safadezas descaradas. Era o

    mesmo que ser cúmplice de suas atitudes desavergonhadas. Com

    efeito, ao longo de sua vida tinha empreendido das mais terríveis

    barbaridades, desde o descaramento acintoso de freqüentar as zonas

    do meretrício, até suas arruaças, brigas e outros crimes inerentes a

    alguém dotado da mais baixa falta de vergonha na cara.

    -Seu Vigário, - principiou o velhote - por favor, o senhor

    queira me dar a sua benção... - Fez pequena pausa enquanto engolia

    em seco, já que a voz parecia querer lhe faltar. Por fim concluiu -

    Queira me dar sua benção, porque eu pequei...

    Apesar de estar perplexo, o Padre Aristarco Viriato Guião,

    agiu como era de praxe. Gesticulou com as mãos e pronunciou a

    benção com a voz um pouco rouca, totalmente ininteligível para

    Epaminondas. Ainda que estivesse atônito com aquela presença,

    que em muitos causava asco e em outros, o medo de ser molestado.

    O Sacerdote, ainda que cansado, pediu por fim, com palavras mais

    objetivas e mais bem pronunciadas:

    -Conte seus pecados, Epaminondas meu filho...

    Era fato que algo substancial deveria ter acontecido para

    que o tal vida-torta chegasse a tal ponto de se colocar contrito

    diante do Padre e submisso, assumir os pecados de sua vida

    desregrada. Enquanto os olhos atentos de uma meia dúzia de

    pessoas que ainda restavam na igreja, o fitavam com os olhos

    tomados pelo arregalamento 2 específico do espanto; Pamindonha,

    nem tomava conhecimento e com a firmeza de seu propósito

    principiou sua narrativa:

    -Olhe aqui seu vigário, o senhor, por favor, tenha um

    bocadinho de paciência comigo, porque eu estou arrependido de

    tudo que fiz, e por isso estou aqui pra lhe contar todos os meus

    2 Arregalamento – Neste caso, com os olhos arregalados.

    17

    Hélio Parron Ferrara

    desvios do caminho reto. E assunte bem, porque tenho uma tacada

    grande de pecados...

    O confesso fez uma pequena pausa enquanto olhava

    fixamente o Padre dentro do confessionário. O homem santo por

    sua vez, fez um gesto com a mão e concluiu:

    -Por favor, queira prosseguir...

    Ao que Epaminondas, deu continuidade de pronto...

    -Seu vigário, eu tenho muitas coisinhas pra lhe falar, mas

    tem uma coisinha que é a principal e que vem me martelando os

    miolos já faz um bom tempo. Por isso, seu Vigário, é que lhe peço

    de modo encarecido, que o senhor seja paciente comigo, por causa

    de que eu agora resolvi lhe contar tudo. Tudinho mesmo. Toda a

    minha vida e a minha desventura, desde aquele dia fatal, em que

    tudo começou, até hoje...

    O tal caboclo arrependido, tinha a voz um tanto grave,

    apesar de um pouco rouca. Todavia, conforme principiava a

    narrativa de sua odisséia desditosa, tornava-se às vezes mais

    eufórico, sendo assim dominado por uma exaltação singular que o

    fazia elevar a voz, de modo que as últimas beatas ali presentes ao

    invés de rezarem, se ocupavam em tentar ouvir o teor daquela

    confissão peculiar.

    -Olhe aqui seu Vigário, - dizia Epaminondas, o pecador - já

    vai pra mais de cinqüenta anos. Cinqüenta anos seu vigário, mais

    de cinqüenta anos. Eu ainda era jovem e saudável e naqueles

    tempos bons, eu apreciava deveras um bom forró. O senhor sabe,

    arrasta pé, ou então rela-bucho, como era chamado antigamente.

    Era cada forró bom seu vigário, forró verdadeiro, daqueles que só

    mesmo nos velhos tempos é que existiram. Eu morava na antiga

    gleba Aurora, antiga concessão dos Marcondes e que hoje não

    existe mais. Pois naquela época, eu era um moço vistoso, mas

    vistoso mesmo seu Vigário, daqueles que por onde passava,

    deixava as donzelas agitadas. Eu morava com meus pais que ainda

    viviam; O João Petronilo e sua esposa, minha querida mãezinha, a

    senhora dona Anastácia Gerôncio Petronilo. Pois olhe aqui, foi

    num sábado bem de tardinha que tudo começou. Estava eu e mais

    dois companheiros, o Givaldo, que anos mais tarde foi pro Mato

    18

    Confissões

    Grosso e nunca mais deu notícias; e o Zé Botina, falecido já vai pra

    mais de quinze anos. Pois foi justo naquela tardinha de crepúsculo

    inenarrável, que tudo principiou nas determinações dos rumos de

    minha conturbada existência nestas paragens. Escute bem, seu

    Vigário, pois foi naquela tardinha, em que nós três estávamos

    chupando manga. Manga espada de boa qualidade. Enquanto

    chupava, apreciava o entardecer sertanejo com seus raios dourados

    alumiando os confins daquele belo sertão majestoso que não

    voltará jamais. As andorinhas revoavam alegres, as pombinhas

    procuravam seus ninhos e o nhambu piava ao longe, com sua

    cantiga entristecida. Uma brisa mansa trazia do oeste, lá das

    cercanias da mata, um frescor agradável que tocava nossa pele com

    carinho, inebriando-nos de paz, enquanto nos lambuzávamos com

    as suculentas mangas que por aquelas plagas havia em

    abundância...

    -Ao longe, o fim de tarde amarelado se misturava com o

    verde vivo da floresta e aos poucos ia se obscurecendo, fazendo

    com que o horizonte, dantes verdejante, ora fosse tomado por um

    azulado de um escuro crescente, cuja beleza impar, era capaz de

    nos causar emoções sublimes e sensações lenitivas de difícil

    descrição. Subitamente ouvimos vários tiros... Era um foguetório

    danado. Fogos e mais fogos provenientes da urbe, que naqueles

    tempos que tanta saudade dá, não era Itaguajé, nem vila Lupion,

    mas Boa Esperança. Ora, o então patrimônio da Boa Esperança não

    ficava muito distante da concessão Aurora. Por isso pudemos ouvir

    as explosões dos fogos de artifício. Eram foguetes de rojão... três

    tiros canhão. Ora, não poderia ser outra coisa senão um casório. Já

    mesmo seu Vigário, nós combinamos os três, eu, o Givaldo e o Zé

    Botina:

    "-Se é casório, vai ter forró, e se tiver forró, nós iremos,

    uai..."

    -Num instante corremos cada qual para sua casa, limpando

    o vão dos dentes com lascas de bambu, pra poder tirar os fiapos de

    manga. Eu mais que depressa tomei um bom banho, vesti minha

    melhor roupa, puxei o chapéu Panamá acinzentado sobre a testa,

    ajeitei minha cavalgadura e quando a estrela d’alva já brilhava no

    19

    Hélio Parron Ferrara

    céu, nós nos reunimos novamente e partimos os três em montaria, à

    procura de diversão.

    -Eu nem me lembro bem dos outros dois companheiros, mas

    sei que estávamos todos impecáveis, a começar pela montaria. Meu

    cavalo baio era dos melhores da região. Chamava-se Corisco, era

    um alazão marchador de causar inveja. Botei no lombo do bicho, o

    arreio mais novo da gleba Aurora. Coloquei ainda no animal uma

    peiteira3 de argolas de prata que eu tinha e que era um luxo só. Lá

    estava eu, montado no lombo do bicho; com meu chapéu griséu,

    camisa de casimira e calça arranca-toco que era pra agüentar bem o

    repuxo. Tinha ainda botinas de couro e esporas de roseta. E dessa

    forma, e com muita alegria no coração, partimos nós três, eu e mais

    o Givaldo e o Zé Botina, campeando

    Está gostando da amostra?
    Página 1 de 1