Confissões
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Confissões - Helio Parron Ferrara
Hélio Parron Ferrara
Confissões
Hélio Parron Ferrara
2ª Edição
Julho 2019
Este é um trabalho de ficção; salientamos, portanto que qualquer semelhança
com nomes, pessoas ou acontecimentos da vida real, se constituirá tão somente
em fruto do acaso, simples coincidência.
4
Confissões
Ferrara, Hélio Parron
Confissões / Hélio Parron Ferrara. Itaguajé Pr. 2004
1.romance 2.drama 3.literatura brasileira 4.espiritismo 5. espiritualismo 6.
mistério . 7. suspense
Revisão e capa – Hélio Parron Ferrara
1ª Impressão – Junho de 2011
Todos os direitos reservados.
Esta obra se encontra registrada na Biblioteca Nacional, sob nº 334.293 – Livro
613 – Folha 453
Nenhuma parte deste livro poderá ser utilizada, modificada ou reproduzida, sem
prévia autorização do autor.
ISBN – 978-0-359-78693-0
Copyrigth 2019 Hélio Parron Ferrara
All rights reserved
5
Hélio Parron Ferrara
Para
Gersonita Cordeiro Rocha
6
Confissões
Agradecimento
Obrigado senhor, pelo dom que me concedestes, e por conta deste,
hoje estar em condições de agradecer a todos os Doadores de
Sangue que em 1983 salvaram a minha vida. Sejam eles os muitos
amigos, bem como os outros tantos anônimos que com profunda
sensibilidade e acentuado desprendimento se dignaram num ato de
assaz abnegação, socorrerem-me, num dos momentos mais
decisivos de minha humilde existência. Tal ato; de elevada nobreza
e singular amor ao próximo, salvaram minha vida, naquela ocasião
crucial, momento inadiável. Por conta disso, me foi possível dar
continuidade à minha trajetória neste orbe, e em função do que
pude aprender desde então, estar repassando hoje, nas páginas
singelas deste modesto trabalho, um ínfimo do meu aprendizado.
Muito obrigado e que Deus vos abençoe a todos.
7
Hélio Parron Ferrara
Introdução
O presente romance, denominado Confissões
, era na
verdade um conto que eu havia concebido em meados da década de
noventa. Inicialmente o trabalho que não passava de dez páginas,
foi engendrado como uma estória caipira. Foi também uma
experiência que fiz, escrevendo com a própria linguagem cabocla,
ou seja, escrevendo do mesmo modo como se fala. O trabalho ficou
interessante, mas acabou caindo no esquecimento. Havia, por
ocasião de sua concepção, sido redigido com máquina de escrever,
uma Olivetti Práxis 20; foi com ela que escrevi muitos dos meus
trabalhos.
Com o advento do computador e dos editores de texto, a
máquina de escrever caiu no esquecimento, e os trabalhos passaram
a ser digitados e arquivados em HDs, disquetes e CDs. Entretanto,
como muitos dos meus trabalhos haviam sido produzidos através
de máquina de escrever, tornou-se mister, transportar todos eles
para o computador, ou seja, digitá-los. E foi aí que tudo começou.
Quando principiei a digitação de Confissões Sertanejas
,
esse era o título original, eu não imaginava que chegaria aonde
cheguei. Primeiramente eu quis fazer alguns ajustes no trabalho, a
começar pela linguagem, cujo procedimento caipira propriamente
dito, foi substituído por uma linguagem normal e cotidiana.
Resolvi também, fazer inserções de mais detalhes a fim de
enriquecer este humilde trabalho. Aos poucos fui notando que
muita coisa poderia ser mudada e acrescentada, a começar pelo
número de personagens. Assim, com uma estória mais complexa e
mais elaborada, o simples conto de dez laudas, se transformou em
Confissões
, com mais de duzentas páginas.
Novas cenas foram criadas, a trama foi ampliada e se tornou
mais complexa. O interenvolvimento entre os personagens também
foi mais desenvolvido e ampliado.
Novas pesquisas foram feitas para estabelecer os locais
onde as cenas se desenrolam; seja, aprimorando a descrição dos
lugarejos citados, seja inserindo novos lugares e personagens,
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Confissões
enfim, tendo o propósito laborioso e assaz alvissareiro de
enriquecer a narrativa.
Por fim, aquilo que era pra ser um conto, se transformou no
presente trabalho que humildemente tenho a soberba de conferir-
lhe a pretensiosa designação de romance.
A base da trama se concentra no envolvimento amoroso
entre Leninha e Epaminondas. A narrativa começa a ganhar,
pinceladas de complicação quando surge o personagem José
Alfredo, que também ama a protagonista da trama, Leninha. Daí
pra frente, uma armação ardilosamente maquinada, altera
substancialmente os rumos da vida de diversos personagens que
surgem ao longo do enredo.
Confissões
é composta de oito capítulos, onde em cada
um deles, há uma confissão feita por um dos personagens da trama,
que com muita emoção e não rara tristeza relembra os fatos do seu
passado, por si próprio construído e, no entanto cheio de pedras e
espinhos.
As confissões vão sendo feitas uma a uma e em cada relato
há novos elementos que vão compondo a trama como num quebra
cabeça. Isoladamente elas não chegam a lugar nenhum e suscitam
mais dúvidas que certezas, no entanto, é o leitor que vai juntando as
peças das várias narrativas e montando um conjunto que aos
poucos vai se delineando e tomando forma. Ao termino do
trabalho, é possível se vislumbrar o conjunto dos acontecimentos e
se compreender o que de fato se sucedeu a mais de cinqüenta anos.
De modo simples, mostramos como as paixões humanas
podem chegar a atitudes que beiram a barbárie. De maneira clara e
despretensiosa, expomos como simples detalhes podem alterar
sobremaneira os destinos humanos, levando-os muitas vezes às
tragédias singulares e demais dolorosas. Com efeito, tivemos
humildemente a intenção de aqui retratamos o poder brutal da
paixão, não obstante, procuramos ressaltar, contudo, que acima de
tudo, está a nossa índole, o nosso livre arbítrio, as nossas decisões
tomadas diante dos extremos do amor sufocante, da dor e do
desespero.
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Hélio Parron Ferrara
Ainda que o egoísmo e o individualismo sejam fatos
marcantes nesta obra, aonde a ausência de respeito e consideração
para com os seus semelhantes, vem marcar indelevelmente a
trajetória humana nos liames desta nossa existência; Confissões
,
procura esclarecer e orientar as pessoas nas suas tomadas de
decisões, assinalando a facultatividade da semeadura e a
imperiosidade da colheita.
Nesta oportunidade, procuramos ainda, explicitar a
impreterível necessidade de nos lapidarmos, evoluirmos em nosso
percurso rumo à felicidade. Tendo em vista que o tempo urge, não
nos é apropriado perdermos as sublimes oportunidades que se
apresentam amiúde em nossas trajetórias de vida. Com efeito,
André Luiz já nos asseverava em mil novecentos e quarenta e três,
através da mediunidade santificante e remidora de Chico Xavier, e
já nas últimas páginas do educativo e esclarecedor "Missionários
da Luz, que:
A terra, que nos é mãe comum, reclama filhos
esclarecidos que colaborem na divina tarefa de redenção
planetária".
Diante do exposto, nos é fundamental e decisiva a nossa
evolução no amor de Jesus e na prática santificante da caridade. Se
almejarmos um mundo melhor e mais justo, cabe a cada um de nós,
militarmos nos princípios evangélicos e altruístas do nosso mestre
maior, focados no amar ao próximo como a si mesmo
; e...Jamais
se esquecendo dos princípios Divinos da justiça maior, embasadas
na "Causa e Efeito...
Ação e Reação".
Assim é Confissões
, um romance curto e em linguajem
cotidiana, o que facilita a rápida compreensão dos fatos, nos
levando a entender que devemos estar sempre preparados e
sintonizados com o bem.
Fica por fim uma lição, a de que, seremos cobrados
compulsoriamente por nossos atos, onde o acertamento nos
concederá as benesses evolutivas do amor e da paz em direção à
felicidade, enquanto que a nossa auto-engambelação nos custara
longos períodos de resgate doloroso na senda do nosso
aprimoramento eterno.
10
Confissões
Ao concluirmos os trabalhos para esta segunda edição,
constatamos que pouco ou quase nada precisou ser alterado.
Mesmo assim, uma nova correção foi efetuada, bem como nova
diagramação e confecção de uma nova capa.
Por fim, reiteramos que nesta obra, procuramos tornar
evidente como que pequenas atitudes podem alterar sobremaneira
os rumos de muitas vidas. Como as pequenas coisas podem
desencadear sucessões fatídicas de acontecimentos grandiosos e
decisivos nos rumos de nossa existência.
E concluindo, quais são afinal, os limites de ação, quando se
está perdidamente apaixonado por alguém?
O autor
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Hélio Parron Ferrara
Confissões
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Confissões
Capítulo I
Epaminondas
Itaguajé – Paraná / 1988
Epaminondas, o sertanejo já excessivamente idoso, caminha
com passadas compassadas, muito embora pareça forçar o passo
mais para a direita, e vez por outra aparenta estar cambaleante.
Nesse compasso, atravessa as ruas da cidade dos Guaranis até
chegar à Praça da Matriz, a Praça João Balestiere. Ali ele caminha
por suas alamedas floridas em meio a enormes pés de seringueiras
que apesar de comprometer o calçamento, promove um clima
muito agradável ao local.
Olhos bem abertos, e com um pensamento determinado, ele
sobe por fim as escadarias da Matriz, e antes que ultrapasse o
umbral da porta, volta-se para a praça e a cidade. Num rápido olhar
13
Hélio Parron Ferrara
fica imaginando perplexo; as mudanças ocorridas na simpática
cidade de Itaguajé.
Relembra o tempo em que por aqui chegou com seus pais,
valentes desbravadores, época em que predominavam as florestas,
quando todo o território Itaguajeense estava inserido nos domínios
da gleba do engenheiro Manoel Firmino de Almeida e ainda se
chamava patrimônio Boa Esperança.
Com acentuado saudosismo, ele relembra o período em que
foram concedidos direitos de exploração aos colonizadores da
família Marcondes, de Presidente Prudente, mas que por não
prosperarem, tiveram seu território loteado pelo departamento de
Terras e Colonização e divididos em inúmeros pequenos lotes que
eram concedidos aos colonos interessados. Ainda está tangente em
sua mente, a imagem dos ranchos vista pelos seus olhos então
infantis. Moradias rústicas, construídas por Almiro e José Alves de
Almeida, os roçados do Olimpio e as armadilhas de caça do
Apolinário. O movimento inicial daqueles tempos gloriosos se dava
ao redor da singela Capela de madeira deixada pelos Marcondes às
margens do riacho que mais tarde receberia o nome de córrego
Lupion, em homenagem ao primeiro governador Paranaense do
Período Legal1, o industrial e Agropecuarista, Moysés Wille
Lupion de Tróia que governou o estado pela primeira vez entre
1947 e 1951. Vem daí o nome de Vila Lupion ou Lupionzinho,
dado posteriormente ao patrimônio da Boa Esperança, que
floresceu nas proximidades da antiga Redução Jesuíta de Nossa
Senhora do Loreto.
Epaminondas observa as casas e as ruas por onde sua vista
alcança. As lembranças da trajetória de sua vida que se perdem
juntamente com a formação da cidade afluem em sua mente com
uma viveza estonteante. Pela memória lhe passam as primeiras
ruas, os primeiros estabelecimentos comerciais, a terra vermelha e
as ventanias de agosto. Espalha-se também por sua mente, o
período da segunda guerra mundial e o ciclo da hortelã e da
1 Governo Legal – conforme a constituição de 1946
14
Confissões
exportação de menta. O período do café, as encrencas políticas o
progresso que chegou e se estabeleceu definitivamente.
Volta-se para o portal da Matriz, e ainda saudoso relembra
os padres José Milani e Luiz de Pauli, os primeiros a prestarem
serviços religiosos no município que uma vez já foi redução
jesuítica. Lembra-se ainda da figura singular do primeiro pároco
local, José Fusato, da sociedade dos Xaverianos, ou ainda o
segundo padre da antiga Vila Lupion, João Balestiere, também dos
Xaverianos.
O ancião por fim com seu andar trôpego, finalmente
ultrapassa o umbral da casa Sagrada e adentra nas dependências da
igreja Matriz Nossa Senhora Aparecida de Itaguajé. Território este
que foi no passado, a terra dos Jesuítas Italianos Cataldino e
Mazzeta, e dos índios Guaranis, que também foram catequizados
pelos padres Ortega e Filds, junto à foz do rio Pirapó à margem
esquerda do rio Paranapanema.
Seus passos lentos ecoam com visível languidez no interior
daquela casa sagrada, já tomada de certa obscuridade em razão do
entardecer de verão da terra que foi dos índios. Ele respeitosamente
traz o chapéu escuro e esfarrapado na destra. Observa a tudo e a
todos. Na verdade, uns poucos fiéis ali presentes, beatas na sua
maioria. Traz um semblante preocupado, um tanto assustado. Os
olhos encovados e os cabelos, muito alvos, evidenciam a sua
velhice. A corcunda proeminente caracteriza o peso das dores e
sofrimentos que tem carregado sobre os ombros ao longo de suas
mais de sete décadas.
Com um paletó de um azulado marinho e já muito roto, ele
vai adentrando lentamente ao ambiente silencioso e levemente
obscuro daquela igreja. As calças mais claras, porém bastante
gastas e um par de sapatos reduzido a molambos lhe completa a
indumentária. Meio trêmulo e com passadas titubeantes o singular
ancião caminha até as proximidades do confessionário aonde
algumas mulheres aguardavam em uma pequena fila, a vez de
confidenciarem ali os seus atos pecaminosos.
Eram senhoras já de boa idade e todas rezavam com rosário
na mão. Tinham um véu sobre a cabeça e usavam umas fitas
15
Hélio Parron Ferrara
vermelhas com uma grande medalha, denunciando serem do
apostolado da oração.
Ainda algumas outras pessoas, mulheres em sua maioria, se
encontravam sentadas nos bancos da capela. Muitas de joelhos
rezando copiosamente, outras em contemplação das imagens do
interior da igreja onde anos mais tarde seria ricamente ornamentada
com afrescos enormes: Na parede por traz do altar seriam três
passagens importantes da vida do Messias; A anunciação, a
Crucificação e a Ressurreição. Também nas quatro capelas das
laterais da Igreja seriam pintadas obras gigantes retratando
passagens bíblicas.
As religiosas por sua vez, quando divisaram aquele
velhusco; tomado de espanto e mal vestido, caminhando dentro
daquele local sagrado e em direção ao confessionário; olhavam-no
admiradas, e cochichavam entre si. Estavam perplexas e mal
podiam crer no que viam.
-Quem diria o Pamindonha se confessando?
Diziam isso entre si, em meio a olhares curiosos e tomados
por profundo desdém para com aquele sujeito tão popular na
cidade, porém, deveras estranho naquele ambiente.
Logo alguns lustres que pendiam do teto de madeira, foram
acessos, para dissipar a obscuridade crescente que a boca da noite
patrocinava. Enquanto isso, Epaminondas, cuja vulgaridade
interiorana o alcunhou de Pamindonha, mantinha-se resoluto e
determinado na fila das confissões.
As beatas eram rápidas em suas confidências, já que
demorar demais era sinal de pecado grave. Isso contribuiu para que
Epaminondas logo chegasse diante do confessionário. Ajoelhou-se
e por uma pequena tela vazada, pode ver a carranca do Padre
Viriato: moreno, de carapinha bem rebaixada, rosto largo, olhos
estatelados e nariz achatado.
Já o Padre Viriato, por sua vez, ainda que não demonstrasse,
ficou mais titubeante, ao ver o famigerado Pamindonha, que o
próprio. Até porque, o confesso demonstrava com acentuada
veemência, estar sóbrio, arrependido e submisso diante das coisas
santas.
16
Confissões
Epaminondas Gerôncio Petronilo, afamado em Itaguajé e
adjacências, por suas empreitadas torpes e insensatas. Era tido
como o maior bandoleiro da cidade. As pessoas de bem se
afastavam dele. Estar com o tal pecador, agora arrependido, era o
mesmo que estar de conluio com suas safadezas descaradas. Era o
mesmo que ser cúmplice de suas atitudes desavergonhadas. Com
efeito, ao longo de sua vida tinha empreendido das mais terríveis
barbaridades, desde o descaramento acintoso de freqüentar as zonas
do meretrício, até suas arruaças, brigas e outros crimes inerentes a
alguém dotado da mais baixa falta de vergonha na cara.
-Seu Vigário, - principiou o velhote - por favor, o senhor
queira me dar a sua benção... - Fez pequena pausa enquanto engolia
em seco, já que a voz parecia querer lhe faltar. Por fim concluiu -
Queira me dar sua benção, porque eu pequei...
Apesar de estar perplexo, o Padre Aristarco Viriato Guião,
agiu como era de praxe. Gesticulou com as mãos e pronunciou a
benção com a voz um pouco rouca, totalmente ininteligível para
Epaminondas. Ainda que estivesse atônito com aquela presença,
que em muitos causava asco e em outros, o medo de ser molestado.
O Sacerdote, ainda que cansado, pediu por fim, com palavras mais
objetivas e mais bem pronunciadas:
-Conte seus pecados, Epaminondas meu filho...
Era fato que algo substancial deveria ter acontecido para
que o tal vida-torta chegasse a tal ponto de se colocar contrito
diante do Padre e submisso, assumir os pecados de sua vida
desregrada. Enquanto os olhos atentos de uma meia dúzia de
pessoas que ainda restavam na igreja, o fitavam com os olhos
tomados pelo arregalamento 2 específico do espanto; Pamindonha,
nem tomava conhecimento e com a firmeza de seu propósito
principiou sua narrativa:
-Olhe aqui seu vigário, o senhor, por favor, tenha um
bocadinho de paciência comigo, porque eu estou arrependido de
tudo que fiz, e por isso estou aqui pra lhe contar todos os meus
2 Arregalamento – Neste caso, com os olhos arregalados.
17
Hélio Parron Ferrara
desvios do caminho reto. E assunte bem, porque tenho uma tacada
grande de pecados...
O confesso fez uma pequena pausa enquanto olhava
fixamente o Padre dentro do confessionário. O homem santo por
sua vez, fez um gesto com a mão e concluiu:
-Por favor, queira prosseguir...
Ao que Epaminondas, deu continuidade de pronto...
-Seu vigário, eu tenho muitas coisinhas pra lhe falar, mas
tem uma coisinha que é a principal e que vem me martelando os
miolos já faz um bom tempo. Por isso, seu Vigário, é que lhe peço
de modo encarecido, que o senhor seja paciente comigo, por causa
de que eu agora resolvi lhe contar tudo. Tudinho mesmo. Toda a
minha vida e a minha desventura, desde aquele dia fatal, em que
tudo começou, até hoje...
O tal caboclo arrependido, tinha a voz um tanto grave,
apesar de um pouco rouca. Todavia, conforme principiava a
narrativa de sua odisséia desditosa, tornava-se às vezes mais
eufórico, sendo assim dominado por uma exaltação singular que o
fazia elevar a voz, de modo que as últimas beatas ali presentes ao
invés de rezarem, se ocupavam em tentar ouvir o teor daquela
confissão peculiar.
-Olhe aqui seu Vigário, - dizia Epaminondas, o pecador - já
vai pra mais de cinqüenta anos. Cinqüenta anos seu vigário, mais
de cinqüenta anos. Eu ainda era jovem e saudável e naqueles
tempos bons, eu apreciava deveras um bom forró. O senhor sabe,
arrasta pé, ou então rela-bucho, como era chamado antigamente.
Era cada forró bom seu vigário, forró verdadeiro, daqueles que só
mesmo nos velhos tempos é que existiram. Eu morava na antiga
gleba Aurora, antiga concessão dos Marcondes e que hoje não
existe mais. Pois naquela época, eu era um moço vistoso, mas
vistoso mesmo seu Vigário, daqueles que por onde passava,
deixava as donzelas agitadas. Eu morava com meus pais que ainda
viviam; O João Petronilo e sua esposa, minha querida mãezinha, a
senhora dona Anastácia Gerôncio Petronilo. Pois olhe aqui, foi
num sábado bem de tardinha que tudo começou. Estava eu e mais
dois companheiros, o Givaldo, que anos mais tarde foi pro Mato
18
Confissões
Grosso e nunca mais deu notícias; e o Zé Botina, falecido já vai pra
mais de quinze anos. Pois foi justo naquela tardinha de crepúsculo
inenarrável, que tudo principiou nas determinações dos rumos de
minha conturbada existência nestas paragens. Escute bem, seu
Vigário, pois foi naquela tardinha, em que nós três estávamos
chupando manga. Manga espada de boa qualidade. Enquanto
chupava, apreciava o entardecer sertanejo com seus raios dourados
alumiando os confins daquele belo sertão majestoso que não
voltará jamais. As andorinhas revoavam alegres, as pombinhas
procuravam seus ninhos e o nhambu piava ao longe, com sua
cantiga entristecida. Uma brisa mansa trazia do oeste, lá das
cercanias da mata, um frescor agradável que tocava nossa pele com
carinho, inebriando-nos de paz, enquanto nos lambuzávamos com
as suculentas mangas que por aquelas plagas havia em
abundância...
-Ao longe, o fim de tarde amarelado se misturava com o
verde vivo da floresta e aos poucos ia se obscurecendo, fazendo
com que o horizonte, dantes verdejante, ora fosse tomado por um
azulado de um escuro crescente, cuja beleza impar, era capaz de
nos causar emoções sublimes e sensações lenitivas de difícil
descrição. Subitamente ouvimos vários tiros... Era um foguetório
danado. Fogos e mais fogos provenientes da urbe, que naqueles
tempos que tanta saudade dá, não era Itaguajé, nem vila Lupion,
mas Boa Esperança. Ora, o então patrimônio da Boa Esperança não
ficava muito distante da concessão Aurora. Por isso pudemos ouvir
as explosões dos fogos de artifício. Eram foguetes de rojão... três
tiros canhão. Ora, não poderia ser outra coisa senão um casório. Já
mesmo seu Vigário, nós combinamos os três, eu, o Givaldo e o Zé
Botina:
"-Se é casório, vai ter forró, e se tiver forró, nós iremos,
uai..."
-Num instante corremos cada qual para sua casa, limpando
o vão dos dentes com lascas de bambu, pra poder tirar os fiapos de
manga. Eu mais que depressa tomei um bom banho, vesti minha
melhor roupa, puxei o chapéu Panamá acinzentado sobre a testa,
ajeitei minha cavalgadura e quando a estrela d’alva já brilhava no
19
Hélio Parron Ferrara
céu, nós nos reunimos novamente e partimos os três em montaria, à
procura de diversão.
-Eu nem me lembro bem dos outros dois companheiros, mas
sei que estávamos todos impecáveis, a começar pela montaria. Meu
cavalo baio era dos melhores da região. Chamava-se Corisco, era
um alazão marchador de causar inveja. Botei no lombo do bicho, o
arreio mais novo da gleba Aurora. Coloquei ainda no animal uma
peiteira3 de argolas de prata que eu tinha e que era um luxo só. Lá
estava eu, montado no lombo do bicho; com meu chapéu griséu,
camisa de casimira e calça arranca-toco que era pra agüentar bem o
repuxo. Tinha ainda botinas de couro e esporas de roseta. E dessa
forma, e com muita alegria no coração, partimos nós três, eu e mais
o Givaldo e o Zé Botina, campeando