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Fatalidade
Fatalidade
Fatalidade
E-book335 páginas4 horas

Fatalidade

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Sobre este e-book

A trajetória de Breviato, desde que sua mãe foge do Nordeste em direção ao sul, com ele nos braços. A trama pretende descrever uma tragédia, com analogia nas antigas peças do teatro grego bem como uma leve influencia das tragédias de Shakespeare, não obstante tratar-se de texto em prosa nos moldes do romance propriamente dito. Com a assustadora profecia de que seria um incestuoso infanticida, Breviato vai enfrentar todas as mazelas do destino atroz, que parece lhe perseguir com furor insensível e frieza infernal. O clímax do romance acontece quando uma série de crimes bizarros começa a acontecer logo depois que um grupo de médicos chega à cidade para estudar a estranha patologia de um paciente enlouquecido que teima em mutilar-se. Breviato está cercado por todos os lados, de dor e sofrimento. As tragédias acontecem com as pessoas que lhe são mais caras, como se a Fatalidade, personificada na tragédia maldosa, o queira afligir exibindo-se com cruenta malignidade e evidente simpatia ante os pesares alheios. Mistérios assustadores e revelações bombásticas vou se entrelaçar pelos caminhos de Breviato, que pouco pode fazer a não ser lamentar-se amargamente diante das mazelas caprichosas do destino traiçoeiro.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento16 de jul. de 2019
Fatalidade

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    Fatalidade - Helio Parron Ferrara

    Hélio Parron Ferrara Fatalidade 3

    Hélio Parron Ferrara Fatalidade FATALIDADE

    Um ensaio sobre a tragédia

    4

    Hélio Parron Ferrara Fatalidade

    FATALIDADE

    Um ensaio sobre a tragédia

    Hélio Parron Ferrara

    Copyright © 2019 Hélio Parron Ferrara

    All rights reserved.

    5

    Hélio Parron Ferrara Fatalidade

    Este é um trabalho de ficção, salientamos, portanto que qualquer

    semelhança que a presente obra possa apresentar, seja com pessoas,

    nomes, ou acontecimentos da vida real, configurar-se-á apenas e tão

    somente em fruto do acaso, singela coincidência.

    Ferrara, Hélio Parron, 1963

    Fatalidade, um ensaio sobre a tragédia

    Editoras

    Clube de Autores (Brasil)

    Lulu (USA)

    Bubok (Portugal)

    1. romance 2.drama 3.literatura brasileira 4.tragédia 5.mistério

    6.suspense 7.terror 8.literatura fantástica 9.ficção

    Capa e revisão – O próprio autor

    1ª Edição – Agosto de 2019

    Todos os direitos reservados

    Nenhuma parte deste livro poderá ser utilizada, modificada ou

    reproduzida, sem prévia autorização do autor.

    ISBN 978-0-359-64921-1

    6

    Hélio Parron Ferrara Fatalidade

    "Não consideremos feliz nenhum ser humano,

    enquanto ele não tiver atingido, sem sofrer os

    golpes da fatalidade, o termo de sua vida."

    Sófocles

    7

    Hélio Parron Ferrara Fatalidade Introdução

    Seria mesmo verídica ou procedente, a idéia de que

    todo escritor principiante tem sempre algo de "Sturm und

    Drang" 1 (terminologia que pode ser traduzida como

    tempestade e ímpeto) em suas primeiras composições?

    O fato é que em Fatalidade, e já fazendo uma

    autocrítica, devo salientar que a violência paira no ar em todos

    os seus capítulos. E ainda que possa soar excessivamente

    melodramático, é inegável, contudo, que de suas páginas quase

    se pode ver o sangue vertendo.

    Também pudera; Fatalidade, composta a mais de 30

    anos, foi de fato o meu primeiro romance. Eu tinha meus 19/20

    anos, e trabalhava no Sindicado dos Trabalhadores Rurais de

    Itaguajé. A presente obra foi redigida inicialmente em uma

    Sperry Remington 100 2. Devo ter levado pouco mais de um ano

    para concluir sua composição. A idéia inicial era escrever uma

    tragédia. Nessa época, havia me causado grande influência, as

    peças; Édipo Rei, de Sófocles, Prometeu Acorrentado, de

    Ésquilo, algumas incursões que fiz pelas obras de Eurípedes, e

    finalmente, da lavra de Shakespeare, Romeu e Julieta e,

    sobretudo Titus Andronicus.

    A inevitabilidade do destino previamente prognosticada

    parecia algo assombroso, onde os personagens em tresloucado

    desespero buscam alternativas para o fatídico iminente, onde

    1 Sturm und drang - Peça do alemão Friedrich Klinger (1752-1831), que

    titulou o movimento que foi de 1760 a 1780 na Alemanha, cujo principal

    objetivo era fazer frente à influencia francesa. As obras tinham uma

    impulsividade violenta, buscando evidenciar explicitamente as emoções

    fortes.

    2 Sperry Remington 100 - Marca/modelo de máquina de escrever muito

    comum nos anos 80.

    8

    Hélio Parron Ferrara Fatalidade pequenos detalhes alteram sobremaneira os rumos de toda uma

    existência. Tudo envolto em maldade, violência, e as cores

    berrantes da dor e do sofrimento diante do destino atroz.

    "-Vem para aqui, menino: vem e aprende conosco a

    derreter-te de tristeza." 3 Diz Lúcio, um dos filhos de Titus

    Andronicus, já nas últimas frases do último ato. E enquanto

    isso, Prometeu, se lamenta de seu infortúnio causado por

    Júpiter, onde a imortalidade pode lhe ser um fardo, já que sua

    desdita será eterna; "-... estou acorrentado a este íngreme

    rochedo , onde ficarei de sentinela, bem a meu pesar, pelos

    tempos a fora"4; Mais adiante vamos encontrar o Corifeu na

    última frase de Antígone; lançar a inquietante fala que, com

    efeito, vai muito bem representar a idéia da tragédia, e, por

    conseguinte de Fatalidade: "- Assim, não consideremos feliz

    nenhum ser humano, enquanto ele não tiver atingido, sem

    sofrer os golpes da fatalidade, o termo de sua vida."5 E por

    fim, Tirésias, o vidente cego, arremata a desdita fatal de todos

    os infortunados das tragédias: "- O que tem de acontecer,

    acontecerá,..."6 já que "o sofrimento é a lei de ferro da

    natureza", assevera Eurípedes. E neste contexto, concluímos

    com o próprio dramaturgo de Salamina, "já não sei como

    algum mortal eu possa chamar feliz, se a mor boa ventura em

    desgraça se torna num momento" 7!

    Dentro dessa inter-relação é que vai nascer Fatalidade.

    Das entranhas da mente de um jovem de 19 anos, cujo objetivo

    não era o de compor um poema trágico, ou uma peça de teatro

    dramática, mas sim um livro com a mesma temática das

    3 Tito Andronico - Shakespeare Ato V cena III

    4 Prometeu Acorrentado – Ésquilo

    5 Antígone - Sófocles

    6 Édipo Rei - Sófocles

    7 Hipólito - Eurípedes

    9

    Hélio Parron Ferrara Fatalidade tragédias propriamente ditas. Logo se vê, por exemplo, a

    influência de tais composições nas frases longas, um tanto

    rebuscadas e laboriosamente construídas, onde o sofrimento

    gratuito vai permear a obra em seus dois núcleos; a trajetória

    do personagem e a trama secundária de terceiros, mas no

    entorno do personagem principal, único elemento em comum.

    E assim também, como na mitologia grega em que

    todas as coisas foram personificadas, vamos encontrar nesta

    obra, a personificação da fatalidade. Fatalidade esta, que em

    sua significação vai representar o destino imutável, iconizada

    em um vaticínio tétrico e com isso ganhar as cores aflitivas do

    mal, da dor, do sofrimento, do inevitável. Suas garras afiadas e

    bico adunco, vão afligir sobremaneira o pobre personagem

    Breviato. Vindo do Nordeste, ele, desde tenra idade, tem vivido

    e convivido com a tragédia. A dor e o sofrimento parecem se

    exibir diante dele, com tantos acontecimentos fatídicos numa

    trajetória de violência, maldade, vingança, ódio e mistérios

    lúgubres.

    Sabemos que em literatura, o que se escreve é quase

    sempre o fruto das experiências vividas, das impressões

    capturadas do cotidiano, das influências do meio em que se

    está inserido. Ora, acontece que em 1983/84, com parcas duas

    décadas de existência, pouco se sabia sobre as mazelas da vida.

    E ainda que uma hemorragia digestiva, seguida de um erro

    médico onde estivemos a poucos passos do passamento, possa

    representar provação marcante, fato é que a falta de

    experiência de vida ainda é gritante. Faltou portando, inserir

    em Fatalidade, algo além da tragédia explícita, o DDM8, Uma

    das mais maquiavélicas patologias tão abundantes nos tempos

    modernos. Esta que por sua vez, não vai causar a dor

    lancinante de uma faca rasgando-lhe o corpo ou de uma chama

    8 Distúrbio Depressivo Maior. Depressão.

    10

    Hélio Parron Ferrara Fatalidade ardente queimando-lhe impiedosamente a derme. É na

    patologia depressiva que a dor que não dói, mostra seu poder

    mais perverso e cruento, de tal sorte (ou melhor, azar) que o

    paciente é levado ao extremo da loucura desesperadora e

    aflitiva que lhe sugere como única alternativa, a subtração de

    sua própria existência. Não obstante a falta de conhecimento da

    época, o personagem Breviato, certamente foi acometido de tal

    malefício patológico, notadamente diante das mais sórdidas

    revelações, onde menciona com todas as letras que a dor da

    alma é insuportavelmente maior que a dor física, evidenciando

    assim todos os indícios de que os sintomas mórbidos da

    depressão, certamente lhe acometeram em muitas ocasiões,

    muito embora o texto da época, não as ter especificado como

    tal.

    De qualquer forma, para Breviato, é o destino, a

    fatalidade propriamente dita, quem lhe causa tanta dor, tanto

    sofrimento. Não só para si próprio como para aqueles que lhe

    são próximos. Sucessivamente todos os que lhe são mais caros,

    vão sucumbindo em dor e lágrimas, quando não em sangue,

    impondo ao pobre nordestino radicado no sul, os mais aflitivos

    pesares diante do destino inevitável e vaticinado, contra o que

    não pode lançar embate.

    Notadamente sobre este texto, fatalidade, é essencial

    mencionar que uma correção bem aprimorada, a inserção de

    novos personagens, um melhor entrelaçamento noveleiro dos

    tipos criados, foram introduzidos para assim dar mais

    consistência à obra. Tal opção foi bastante questionada e

    mensurada antes de ser levada a efeito. E tais alterações, que

    não passam de quinze páginas de acréscimo, (num universo de

    mais de duzentas) foram devidamente ponderadas e

    cuidadosamente inseridas sem, contudo, prejudicar a estrutura

    do texto original. De sorte que no geral, toda a obra representa

    um momento específico no tempo, da minha própria

    11

    Hélio Parron Ferrara Fatalidade capacidade criativa. Procurei, portanto, manter o texto original,

    redigido em máquina de escrever no início da década de 80

    (1983/84), onde praticamente nada foi descartado. As únicas

    alterações dignas de menção foram os poucos acréscimos que

    tornaram o entrelaçamento dos personagens ainda mais

    consistente, bem como a inserção do vaticínio tão comum nas

    tragédias gregas, fonte de inspiração da presente obra.

    Com efeito, e desse modo, pude preservar minha linha

    de idéias e pensamentos não dos dias atuais, mas daqueles

    tempos passados, que já lá se vão mais de três décadas.

    Justamente por esse motivo, Fatalidade ficou

    engavetando por mais de trinta anos. Por conseguinte, foi um

    trabalho laborioso, copiar todo o texto original das já

    amareladas folhas de papel sulfite, redigitando tudo em

    formato de texto para computador. Mas a originalidade da

    composição, quanto ao seu conteúdo, foi mantido. Apenas a

    gramática, por motivos óbvios, foi devidamente atualizada, não

    obstante as inserções supra mencionadas.

    Por fim, um breve parágrafo sobre as tenebrosas cenas

    do "fazer a cabeça". Ainda que pareça demais macabro,

    sinistro e deveras horripilante, o ritual existe de verdade. São

    praticados em raras exceções, onde apesar de nos causar

    espanto e às vezes até mesmo muito medo, trata-se de tradição

    da cultura Afro, e em sua tese primária, tem os objetivos mais

    alvissareiros, ou seja, o de trazer o bem. Não é, repito, não é

    absolutamente um ritual demoníaco, mas sim um processo

    onde segundo a crença, vai trazer somente benefícios, apesar

    do sofrimento do ritual em si. Consideremos, pois assim, o

    mencionado sofrimento como sacrifício em vista de um bem

    maior, a ser conquistado no futuro. Já as cenas noturnas, com o

    personagem Doutor Marão, e todo aquele ambiente sinistro,

    tétrico e assustador, são apenas recursos de linguagem para

    12

    Hélio Parron Ferrara Fatalidade tornar o texto mais dramático, mas nada tem a ver com a

    realidade. É ficção pura.

    Por fim, e já concluindo, reitero que Fatalidade, é,

    portanto a tentativa juvenil, e devo reconhecer bastante

    pretensiosa, de compor uma obra trágica, nos mesmos moldes

    das tragédias grego-shakespearianas, onde o infortúnio, sem

    motivo aparente, se lança vorazmente sobre pobres inocentes,

    infelicitando-os ao extremo. E inda que a pretensão possa

    parecer demais ambiciosa ou um tanto pueril, fato é que

    esforço grandioso ao longo de mais de um ano, foi dispensando

    em favor de tal composição. Conjunto este que narra a

    trajetória catastrófica e calamitosa de Breviato, que desde

    criancinha, tem sua vida tolhida pelas desgraças insanas

    praticadas pela crueldade maligna de uma insensata, impiedosa

    e fatídica Fatalidade, e sua persistência em fazer cumprir a

    qualquer custo, um oráculo pronunciado.

    O autor

    13

    Hélio Parron Ferrara Fatalidade

    Capítulo 1

    Cenas Funestas

    14

    Hélio Parron Ferrara Fatalidade O sol diariamente se levanta, clareando a terra,

    expulsando as trevas e iluminando meu triste destino. É assim

    que foi hoje é e sempre será, sendo hoje minha situação

    deveras aterradora, porém mais aterradora ainda é minha

    história, minha vida que aqui procurarei contar em poucas

    linhas, com a maior objetividade possível, porém, sem omitir

    fatos.

    Meu nome é Aribaia Sivirino Breviato. Aribaia, por

    causa de certo Doutor Aribaia, que viveu em minha terra, o

    querido Pernambuco, que, com efeito, é minha terra, mas não

    cheguei a conhecê-lo como verão mais adiante. De retorno ao

    assunto, era o Doutor Aribaia, de muita fama e prestígio, como

    contou minha saudosa mãe. Sendo assim e tendo eu vindo ao

    mundo sob seus cuidados, foi até uma obrigação de minha mãe

    por em mim o nome de aludido Doutor, com a sua aprovação

    evidentemente, já que minha mãe supunha rebaixar o bom

    nome do Doutor pondo em um reles pirralho como eu, o nome

    de

    tão

    importante

    personalidade.

    Quanto

    ao

    nome

    propriamente dito, Aribaia, eu não sei absolutamente de onde

    veio. Se ele era, e digo era, porque hoje é saudoso o bom

    esculápio pernambucano; um nome brasileiro ou se de outras

    terras veio. Ou ainda se é um nome gringo. Com efeito, pelo

    pouco que conheço sobre tudo, venho a crer e não sei bem

    porque, que o nome do Doutor tem mesmo é origem indígena.

    Quanto a Sivirino, nem preciso explicar, o nordeste, sobretudo

    o Pernambuco é a terra deles e para mim é um orgulho ter esse

    nome, todavia, diga-se de passagem, me magoa muito ter ele

    sido escrito errado na ocasião do registro, e minha mãe

    analfabeta como era nem se deu conta disso. Quanto a meu pai,

    pior ainda, além de analfabeto não se importava comigo. Por

    fim no que diz respeito ao Breviato, nada posso dizer. É

    sobrenome de meu pai e nunca minha mãe me falou sobre ele.

    15

    Hélio Parron Ferrara Fatalidade De certo nunca soube, pois se soubesse certamente me teria

    dito.

    Eis agora minha história, com efeito, minha própria

    vida. Como já ficou exposto acima, vim eu do nordeste,

    todavia vim de lá quando criança. Os momentos de terror e

    angustia que já passei não desejo a ninguém, nem mesmo ao

    tinhoso lúcifer, demo inescrupuloso.

    Dos trágicos fatos ocorridos com minha família em

    Pernambuco, não me lembro de nada. Tudo que sei me foi

    contado mais tarde quando eu era já bem crescidinho, por

    minha mãe, que em prantos não contendo os soluços, quase

    sempre deixava a narrativa inacabada e corria a se trancar em

    seu pequenino quarto de dormir.

    Conta ela, a minha mãe, Maria José era seu lindo nome,

    que certa vez descobriu a traição de meu pai, Crisógono

    Severino Breviato, que freqüentava a casa de uma prostituta e

    não muito raro dando-lhe caros presentes e deixando minha

    pobre mãe passando sérias necessidades em casa, mais

    explicitamente sofrendo os horrores da fome com uma criança

    manhosa do lado, eu evidentemente.

    Numa certa noite mamãe já cansada de tanta

    humilhação e sofrimento decidiu por uma atitude mais séria e

    após a saída de meu pai o que ela garantiu categoricamente

    premeditada e com o intuito de visitar a desprezível concubina,

    minha mãe saiu atrás alguns instantes depois a fim de segui-lo

    e pegá-lo em flagrante a fim de que ele de maneira nenhuma

    pudesse alegar como das outras vezes, ser conversa dos outros.

    E assim foi que minha mãe após segui-lo por certo trecho até

    uma tosca casinha no meio da quiçaça, sentiu vontade de

    voltar, faltava lhe ânimo para enfrentar a situação, e de fato já

    ia iniciando o retorno quando ouviu escandalosa risada vinda

    do casebre. O efeito sonoro que a escandalosa gargalhada

    produziu em minha mãe foi surpreendente e até mesmo eu diria

    16

    Hélio Parron Ferrara Fatalidade aterrador ou catastrófico. Enfurecida ela tocou-se decidida até

    o escandaloso casebre e de faca em punho invadiu-o

    derrubando violentamente a frágil portinhola que ali existia.

    Atravessou rapidamente um pequeno cômodo que mais tarde

    ela supôs ser a cozinha e estando diante de uma segunda porta,

    desta vez protegida apenas por uma cortina, gritou enfurecida.

    -Malditos.

    E invadiu o repugnante recinto encontrando os dois

    completamente nus e assustados pelo barulho. Histérica,

    completamente tomada pelo ódio, ela se lançou sobre a nojenta

    prostituta que era o alvo mais próximo e se não fosse pela

    interferência de meu pai que segurou lhe o pulso evitando o

    golpe fatal que sangraria a concubina no coração, minha mãe

    teria saído dali assassina.

    Vendo que na seqüência dos acontecimentos mulher e

    marido se debatiam no chão, a prostituta desapareceu

    certamente sem as roupas entre a espessa quiçaça que por ali

    existia. Dominada finalmente por meu pai, mamãe o xinga

    violentamente, o que faz com que ele se enfureça e arranque

    das calças agora já vestidas, um belo e ameaçador cinturão de

    couro cru, e sem pena fustiga lhe as costas várias vezes

    seguidas sem que ela emita um só gemido. Depois quando seu

    vestido já está feito trapo por causa das fortes chicotadas; e

    trechos de suas costas já começam a aparecerem por entre os

    rasgos do vestido, mostrando visivelmente os sinais do

    lamentável flagelo, ele para de chicoteá-la, mais por cansaço

    que por pena. Aí então ela se volta melancólica para ele e diz:

    -É esse o carinho que prestas àquela que te estima e

    respeita? É este o cumprimento do que prometestes quando

    diante do padre no dia do himeneu? É esta a fidelidade que tão

    santamente tu jurastes diante do altar? É assim que tu me

    tratas, tirando de casa o pão que era de seu filho para

    empanturrar essa vil mulher de presentes caros que tu nunca

    17

    Hélio Parron Ferrara Fatalidade me destes, igual nem inferior? Que tu me deixe passar fome

    premeditadamente é um pecado, mas ainda assim uma pobre

    escrava como eu certamente que toleraria. Todavia deixar que

    um inocente recém nascido passe por tão cruel necessidade por

    causa de tuas farras malditas é imperdoável e maldito sejas tu

    por toda a eternidade. E como se não bastasse, pois que, venho

    aqui a fim de extinguir essa devastadora orgia para que

    possamos viver felizes ou pelo menos criar o nosso filho com

    dignidade, mas tu enfeitiçado por essa maldita pecadora, estais

    cego e não percebes nem mesmo o que é razoável, e me

    fustigas tão barbaramente por praticar uma boa ação. É esse o

    agradecimento que tens por mim por tentar livrá-lo do opróbrio

    e mais que isso por tentar livrá-lo da fúria divina por praticar

    hediondos atos de orgia? Pois se é assim, se é esse o tipo de

    agradecimento que tens para mim, então bata mais que eu

    mereço, pois ainda tem muito que me agradecer por eu ter sido

    fiel e mais que uma esposa, uma serva. Sendo assim eu te

    suplico; bata-me, surra-me, surra-me ainda mais...

    Para meu pai, essa atitude foi incompreensível, e

    desatinado como estava, bradou energicamente de chicote em

    punho:

    -Ó desgraçada mulher, então tu me segues dessa

    maneira e ergue a faca ameaçadora contra uma indefessa

    mulher, e se ela não estivesse mais perto certamente seria eu o

    alvo de tua cólera, pois que descontrolada estavas. Não vedes

    que sou eu o chefe da casa e que com isso mando eu? E tu me

    vens desafiar perante uma mulher e não querias que eu te

    repreendesse? Bem sei que errei, mas que outra atitude tomaria

    um homem em minha situação senão fustigar lhe a carne a fim

    de que se acalmes? Com efeito, já via eu que positivamente

    exagerara na coça e já me preparava para invocar o poder

    supremo, a fim de solicitar lhe boa maldição, doloroso castigo

    para que com o esforço e o sofrimento eu pudesse me redimir

    18

    Hélio Parron Ferrara Fatalidade de meus atos, quando tu me fazes novamente crescer a cólera e

    o ódio. Que tipo de mulher é tu que após dolorosa humilhação

    ainda pede bis? Vejo com isso que é real o dito do povo que

    diz que as mulheres gostam mesmo é de apanhar. Se assim é

    que tu desejas, então assim será. Prepara-te, pois que não terei

    piedade e de nada adiantará suplicar perdão, pois foste tu

    mesma que pedistes isto.

    Dito tais palavras, meu pai põe se a cortar lhe as costas

    e também outras partes macias do corpo com o potente

    cinturão de couro cru. E assim foi que por razoável período ele

    ficou ali a castigar vergonhosamente minha inocente mãe.

    Quando por fim já eram visíveis as manchas de sangue por

    entre as vestes de minha mãe, agora feito trapos, que ele deu

    por findo seu castigo. Todavia minha mãe já perdendo as

    forças novamente lhe suplica que a surre mais um pouco:

    -Vamos odioso marido... bata-me ... bata-me mais ainda

    ... pois que, muito ainda tens que me agradecer...

    Revoltado com o que ouve, meu pai pela terceira vez

    põe-se furiosamente a maltratá-la com o revoltante cinturão de

    couro cru. E desta vez maior é a sua ira que ele procura para

    bater, as partes ainda não afetadas e conseqüentemente as

    regiões mais mimosas, mais sensíveis, dentre elas o rosto, que

    depois de um bom tempo de impiedoso flagelo, vê-se tomado

    pelas marcas da correia maldita e já o nariz está a sangrar e os

    olhos fechados e ameaçados de cegueira e ela já não tem mais

    forças para praticamente nada. Inerte no chão, desfalecida.

    Quando meu pai se dá conta do quadro aviltante, deixa

    cair-lhe o chicote sobre ela que vendo cessar a humilhação,

    levanta a cabeça com esforço e o fita melancolicamente.

    Depois deixa a cabeça pender para ao lado como se tivesse

    falecido. Já apavorado com o horrendo quadro que se apresenta

    diante dele, meu pai tomado pelo pavor foge, tanto por

    desatino como por medo de que ela ainda pela terceira vez

    19

    Hélio Parron Ferrara Fatalidade viesse a implorar-lhe a seqüência do desumano castigo, ou

    temendo o pior, pois a essa altura, de certo que lhe passou pela

    cabeça a idéia de já tê-la feito cadáver.

    Minha mãe segundo me contou, ficou ali por várias

    horas num angustiante sofrimento, sem poder se mexer sem

    poder se mover. Por fim quando a noite já ia alta, ouviu um

    barulho estranho que logo pode ser identificado como o de um

    carro. Pouco depois entra ali o Doutor Aribaia, meu xará, e

    abismado com o quadro que viu ante seus olhos sob a luz de

    uma lamparina, que já se põe a ponto de extinguir sua chama

    pela falta de querosene, recolhe minha mãe em seus braços e a

    conduz ao seu posto médico onde lhe cuida muito bem, a fim

    de que se recupere o mais rápido possível.

    Somente mais tarde quando minha mãe já se recuperara

    do choque e da dor e quando já seus ferimentos estão por se

    cicatrizarem, é que vem a ser informada de que na noite da

    barbaridade, foi o Doutor Aribaia, informado por meu pai

    Crisógono, do ocorrido e então pode salvá-la. Conta o Doutor

    que fora acordado a altas horas da noite por meu pai que em

    um pânico terrível assegurava categoricamente ter tirado a vida

    da própria esposa. Depois sem rumo certo saiu aos tropeços

    amaldiçoando a si próprio. Imediatamente o Doutor Aribaia

    conhecedor da região corre para lá ainda a tempo de salvá-la.

    Quanto a mim, fiquei sob os cuidados de dona Joselina,

    esposa do Doutor Aribaia, uma santa mulher, que compadecida

    dos trágicos acontecimentos, até então ocorridos, me tratou

    muito bem como se eu fosse seu próprio filho. Alguns dias

    depois minha mãe retorna para a casa onde morava, com a

    informação de que meu pai estava fora da região ciente de tê-la

    assassinado. Estava ele foragido, temeroso da ação das

    autoridades policiais. O intuito de minha mãe era retornar à

    casa a fim de recolher ali tudo que lhe pudesse ser útil já que

    decidido ficara que viveria com a família do Doutor Aribaia e

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    Hélio Parron Ferrara Fatalidade trabalharia ali como criada. Todavia

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