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Fábulas Urbanas Para Noites Inquietas E Dias De Chuva
Fábulas Urbanas Para Noites Inquietas E Dias De Chuva
Fábulas Urbanas Para Noites Inquietas E Dias De Chuva
E-book210 páginas2 horas

Fábulas Urbanas Para Noites Inquietas E Dias De Chuva

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Sobre este e-book

Pesadelos cotidianos nos mais variados cenários da grande cidade que ocorrem com indivíduos anônimos e esquecidos nas multidões, mas também algum notável. Entre o fantástico e o ordinário, o fantástico e o sórdido. Algumas almas vivem pequenas tragédias em seus pequenos núcleos urbanos que os levam à beirada da realidade, entre o surto e aquele espaço muito além do natural.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento2 de out. de 2019
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    Fábulas Urbanas Para Noites Inquietas E Dias De Chuva - Ricardo Moreira

    Fábulas Urbanas para

    Noites Inquietas e

    Dias de Chuva

    Ricardo Moreira

    Dados da Catalogação Anglo-American Cataloguing Rules – AACR2

    _____________________________________________________________

    M835f

    Moreira, Ricardo da Silva, 1980

    Fábulas Urbanas para Noites Inquietas e Dias de Chuva. / Ricardo da Silva

    Moreira. – Indaiatuba, SP Ricardo Moreira 2019.

    128 p.

    Arte de capa

    D.N. Flores

    ISBN 978-65-5041-025-4

    1. Contos – Literatura brasileira. 2. Literatura - Contos de Ficção. I. Título.

    CDU 821.134.3(81)-344

    CDDB869.93

    ____________________________________________________________

    Marcelo Diniz – Bibliotecário – CRB 2/1533. Resolução CFB nº 184/2017

    © 2019, propriedade intelectual do autor

    Índices de catálogo sistemático:

    1. Contos – sobrenatural.

    2. Literatura - contos.

    3. Literatura brasileira.

    Sumário

    O último despertar de

    Kayla....................................5

    O Amigo Noturno da Menina

    Raf...........................25

    Pecado, Culpa e Redenção para

    Marcus................51

    A Obra Inacabada de Sid

    Lazar.............................98

    O último despertar de Kayla

    Que mansamente olhando para o branco

    amarelado das paredes, tem na cabeça alguns

    fragmentos cada vez mais recortados empalidecendo.

    São sonhos se desfazendo, ela sabe. Sempre ficavam

    alguns desses perdidos para trás, e pela sua respiração

    esses não foram ruins.

    Ao redor está em mais um lugar desconhecido,

    não há mais como contá-los. Isso deixou de ser

    importante em outros anos ou meses passados. Agora

    era prioridade encontrar café quente toda manhã, era

    a verdadeira sobrevivência. O cigarro estava

    garantido, por mágica sempre no criado mudo do lado

    direito.

    Levanta rangendo a cama metálica branca.

    Depois de esfregar os olhos vê as janelas cortinas que

    há muito deixaram de ser brancas e passaram para uns

    móveis amarelados, sujos e esquecidos. Estavam

    forradas em tecidos como mortalhas nas mesmas

    condições. Para Kayla tudo bem, não gostava de nada

    naquele branco novo, branco puro. Através delas pôde

    perceber o dia pálido, não fazia sol, nunca fazia sol,

    não depois que detonaram a bomba. Todos os dias

    eram de céu cinzento na maior parte o tempo. Já são

    07h30.

    Das janelas vinha aquela melodia, já ouvira

    outras vezes, Kayla podia ouvir a mesma todos os dias

    nos diferentes quartos em que acordava. Não entende

    como ela lhe trás tormenta de tantas emoções. Sente

    que deveria voltar a dormir depois de ouvi-la. Durou

    mais alguns segundos e depois silenciou, mas ficaria

    com ela no pensamento durante o dia todo.

    Definitivamente sente não ser boa ideia sair da cama

    [5]

    Fábulas Urbanas para Noites Inquietas e Dias de Chuva

    hoje. O peito lhe doía e isso era outra coisa corriqueira.

    Por isso tosse algumas vezes sentada na cama.

    Olha ao seu redor, como Kayla detesta o branco.

    Branco é ruim, branco significa hospitais e hospitais

    são lugares aonde vamos quando algo não está bem.

    Quando sentem dor, de onde se vai para morrer, onde

    se sai encoberto com panos brancos em camas

    empurradas.

    Agora era hora daquele cigarro. No maço

    percebe um último sobrando, por isso resmunga algo

    para não se escrever. Teria de sair na rua hoje. Ao

    acendê-lo sente as primeiras ondas de prazer, seus

    problemas mais imediatos, estavam anestesiados.

    Precisava de café para acompanhar. Saiu do quarto

    para procurar. Encontrou um cômodo que devia ser

    uma copa ou uma pequena cozinha. Lá em uma garrafa

    térmica o café estava quase frio e fraco demais para o

    seu gosto. De açúcar estava bom. Restava requentar no

    aparelho microondas. Não encontrou e achou tudo

    bem, não valia a pena ser exigente hoje, o cigarro

    acompanhando era mais importante.

    Bebendo e olhando para nada. Bebendo e o

    pensamento rodando por lugares sem importância. Até

    bater nessa coisa de há quanto tempo faz isso. Acordar

    com lembranças de coisas recentes morrendo sobre o

    travesseiro e sonhos sumindo ao espreguiçar. Em

    algum momento isso já incomodou mais, depois ela foi

    deixando tudo ir. Apenas Gai e sua guerra eram fixos

    na memória, fixos na saudade.

    Precisa ir ao banheiro, realmente tinha que sair

    para conseguir mais cigarros. E lá no banheiro teve um

    encontro imediadto com o espelho. É surpreendente

    ainda encontrar do outro lado, uma mulher bonita,

    seus olhos ainda não perderam o brilho por completo,

    são azuis como era o céu de antes da bomba e tem

    [6]

    Fábulas Urbanas para Noites Inquietas e Dias de Chuva

    maçãs nas bochechas onde já deveria tudo estar

    murcho. Os cabelos ainda são negros quando era para

    estarem se acinzentando e essa é apenas a primeira

    surpresa guardada para ela hoje. Já são 08h09.

    Resolve tomar um banho antes de sair e talvez

    conseguir algum ânimo. Havia uma cortina plástica e

    atrás dela encontrou uma banheira. A velha banheira

    tinha pintura descascando e com adornos enferrujados.

    Estava suja por dentro, e Kayla não criaria coragem

    para limpá-la. Seria assim mesmo.

    Abrir o registro é uma luta só para girar aquelas

    peças enferrujadas. Com muita força e a ajuda de um

    pano consegue forçar e abrir parte do maldito, mais

    um sucesso no dia! Nada ali parecia ter sido utilizado

    em muitos anos. Primeiro ouve um guincho agudo

    vindo da tubulação na parede, Kayla se afasta por

    medo. As paredes tremem fazendo cair fragmentos dos

    azulejos.

    Alguns segundos depois saía pela ducha um

    líquido marrom avermelhado com a ducha engasgando.

    A demora aumentava seu frio. Girou o registro no

    máximo para vir tudo de uma vez. O encanamento

    chacoalha violentamente como em convulsão até a

    água sair limpa. Um único sabão sem mais perfume

    para exalar está ressecando na janela.

    A água quente cai e os pensamentos vêm.

    Quando criança Kayla viu um gato sendo atropelado,

    ele se debatia e rolava no asfalto como se estivesse

    pegando fogo, depois seus movimentos foram se

    tornando cada vez mais lentos e fracos até que o

    animal parou para sempre. Lembrou-se de ter chorado

    muito, lembrou que o gato era seu. "Uma lembrança de

    morte que não para de se repetir nas ideias, as vez traz

    morte de verdade!", sua mãe vivia dizendo até que seu

    [7]

    Fábulas Urbanas para Noites Inquietas e Dias de Chuva

    pai morreu sem que antes houvesse lembrança alguma

    para alertá-la.

    Ela desperta por causa da água que

    transbordando da banheira molha seu pijama azul céu.

    A força da água era tremenda. Sozinha com sua nudez

    foi imediato tocar em marcas que ela mesma tinha

    esquecido. Mas seu corpo não, cada ponto do corte na

    transversal estava ali pouco abaixo do umbigo, eram

    trinta e dois, todos grossos e rosados. E os tinha por

    alguma boa razão, que doía quando tentava chegar

    neles pela memória. Um bip irritante parecia chamar

    de algum lugar acima, antes parecia imaginação e

    agora estava mais alto, sendo difícil ignorar. Antes de

    entrar guardou a bituca para alguma emergência. Já

    são 8h37.

    Kayla é acariciada na água quente, logo veio o

    desejo de estar nos braços de seu amante, um homem

    torndado mais carinhoso depois de ter corrido o mundo

    inteiro por vários anos de solidão. Gai ela deixa

    escapar dos lábios, já houve alguém com esse nome

    antes, tem certeza disto. Não consegue lembrar-se de

    seu rosto, esforça-se, mas não consegue, ali com ela

    estava seu cheiro, sua voz, seu toque.

    Passado algum tempo a temperatura da água

    começa a baixar, seu tempo ia esgotando. Olhando

    para as paredes percebe azulejos brancos com

    detalhes. Em cada um deles piscam dezenas de

    pontinhos azuis formando uma série de figuras

    praticamente indecifráveis, pareciam mudar suas

    formas a cada novo olhar seu. No teto havia uma

    horrorosa mancha ondulada por causa da umidade no

    reboco, era maldosamente semelhante a uma barata

    gigante. Tinha rastros dela nas outras paredes como

    se fosse seu território. Kayla foi acompanhando com os

    olhos até descobrir o início do rastro. E era na sua

    [8]

    Fábulas Urbanas para Noites Inquietas e Dias de Chuva

    banheira. Assustada, desviando o olhar do teto para

    baixo teve a sensação de ter visto a silhueta grande na

    porta, foi de relance, por faltar o ar de um suspiro ela

    não gritou. A cerâmica do chão era gasta e mostrava

    umidade, algumas se desprendendo, outras já estavam

    encostadas na parede. A janela por onde passava o

    vento frio daquela manhã tinha dois vidros quebrados,

    os outros quatro eram sujos e opacos, sua armação

    como tudo o que era metálico naquele lugar estava se

    acabando em ferrugem.

    Terminado o banho não poderia mais fugir de

    buscar aqueles cigarros, se enrola numa velha toalha

    pendurada no mncebo. Voltando ao quarto pega o

    maço vazio sobre a cômoda e o amassa, depois joga no

    cesto. Agora são 9h39.

    Do outro lado do quarto, oposto à porta do

    banheiro e ao lado da grande janela tem uma poltrona

    marrom como chocolate, feita com couro de verdade

    como só havia nos tempos mais antigos, e Kayla não se

    lembra de tê-la visto antes. Diferente de todo resto,

    estava em excelente estado e imagina seu pai

    acomodado nela, mas foi apenas uma imagem

    inacabada, não se lembrava de seu pai fazendo nada

    assim.

    À frente da poltrona tem uma antiga televisão e

    ela também não a tinha visto antes. Primeiro procura

    onde ligá-la, aí estava uma boa oportunidade de saber

    onde estava, a data de hoje e como sair dessa sucessão

    de despertares. Nada de controle remoto. Descobre

    logo depois que a mesma se liga e se desliga no mesmo

    lugar onde se aumenta e diminui o volume. Ao ligá-la

    vê apenaas chuviscos e ruídos em todos os canais,

    nenhuma antena. Nao demora muito para desistir

    rogando um monte de pragas. Encontra um rádio e o

    resultado é o mesmo, chiado em todas as estações.

    [9]

    Fábulas Urbanas para Noites Inquietas e Dias de Chuva

    Ficou por um tempo ali observando a bagunça.

    Imagina-se na Guerra. Se tivesse visto de perto teria

    ficado assim também olhando a destruição? Gai foi

    quem teve de ir à Guerra, como teria lutado? Sentiu

    medo ou fome? Passou frio ou chorou quando viu

    morrerem os companheiros? Gai teria morrido por lá?

    Eram 10h24.

    Devia estar fazendo frio lá fora, mas só saberia

    se fosse até lá para descobrir. O tempo era quase

    sempre o mesmo depois da bomba, somente em

    situações muito raras era possível ver uma fresta azul

    no céu, durava apenas alguns segundos.

    Kayla chega até uma janela e toca na cortina,

    algo a detém. Não consegue abri-la, algo nos seus

    braços não deseja isso. De repente se deu conta que

    está há muito tempo sem ir lá fora. Todos os dias

    desperta dentro de um lugares e jamais tentou ver o

    lado de fora deles. Sua existência segura assim. O que

    haveria do outro lado para perturbá-la? Ela tenta tocá-

    la mais outra vez, mas o coração pula e suas mãos

    ficam trêmulas. Entã recua um passo, descobriu que

    era medo o que sentia.

    Não fosse pelos cigarros não sairia daquele

    castelo decadente, preferia desmoronar com ele antes.

    Mas acima de tudo não poderia ficar sem fumar até a

    hora de dormir, só de pensar dava mais vontade de

    acender um. Um choro de bebê lá fora é algo difícil

    ignorar. Kayla puxa a cortina de uma vez só e o lado de

    fora é revelado. As estruturas se erguiam amareladas

    envoltas por uma atmosfera acinzentada que ia do céu

    até onde conseguia enxergar no horizonte. As ruas e

    avenidas eram de um negro tão profundo que não se

    via mais nada sobre elas. Estava vazio e silencioso, o ar

    era parado. Aquela grande cidade parecia

    completamente vazia, deserta de pessoas, deserta de

    [10]

    Fábulas Urbanas para Noites Inquietas e Dias de Chuva

    sons e de cheiros próprios dessas metrópoles. Não tem

    pombos nem outros pássaros, nada de gatos ou

    cachorros nas ruas. E lá embaixo apenas um lugar com

    cores vivas, letreiro piscando em vermelho, depois lilás

    e às vezes em rosa choque. Lá se formavam algarismos

    incompreensíveis mudando de posição a cada olhar.

    Ainda tinha medo, mas o próximo cigarro estava à

    vista. Agora São 11h49.

    Se tivesse um elevador naquele lugar não

    saberia nem por onde procurar, sobrando a escadaria

    como único meio de sair. Do lado de fora hesitou em

    colocar o pé na rua, logo depois o medo alivia e ela

    começa a atravessar a avenida entre seu prédio e o

    estabelecimento luminoso do outro lado. Na entrada

    sente o bom cheiro de café passado na hora. Mais uma

    razão para acreditar ter vindo ao lugar certo.

    Definitivamente havia a chance de haver mais alguém

    naquele mundo.

    Kayla olha em torno do salão daquele bar, ele

    tem poucas cadeiras e mesas escuras com toalhas

    postas para a refeição, mas é só isso que dá para ver

    de onde está. Tudo às escuras, ele é comprido e não é

    possível ver o fundo. Encontra o interruptor próximo a

    duas máquinas de pegar brindes, uma com bichinhos

    de pelúcia e outra de doces ou chocolates.

    As luzes acesas do salão só iam até metade dele

    e não havia mais interruptores à vista. O que se

    revelou do lugar era simples, mas bem limpo e

    organizado até demais para estar abandonado. O

    centro não costumava ter espaços tão ajeitados assim.

    Suas paredes são em cor verde-mar e devem dar aos

    clientes a sensação de arejado e aconchegante, em

    contraste com a frieza lá de fora. Nas paredes

    encontra alguns cartazes de propagandas de bebidas

    um tanto os pornográficos, bebidas de gosto duvidoso

    [11]

    Fábulas Urbanas para Noites Inquietas e Dias de Chuva

    para ela. Não consegue ler o que neles estava escrito,

    mas deve ser algo de pouca importância e não lhes

    dispensa mais atenção. À sua frente tem duas mesas de

    bilhar em azul ao invés de verde, é uma visão

    agradável. Os banheiros estão lá no fundo onde ainda

    está um pouco escuro. O masculino e o feminino, a

    fresta abaixo das portas indicava suas

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